A POSITIVAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO RESUMO

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0 A POSITIVAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO José Wellington Maia da Silva Júnior 1 RESUMO O presente artigo tem por finalidade definir os contornos da proporcionalidade conforme positivada pelo legislador ordinário brasileiro tanto no Código de Processo Civil, CPC, de 2015 como na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, LINDB (alterações trazidas pela Lei n. 13.655, de 2018). Começa-se com a definição de princípios e colisão de princípios para, em seguida, fazer-se uma breve exposição da regra da proporcionalidade criada por Alexy, a fim de estabelecer os subsídios teóricos necessários à análise da legislação brasileira atinente à proporcionalidade. Por fim, conclui-se que o CPC não adotou os critérios formulados por Alexy e que a LINDB o fez parcialmente (mas com o objetivo de instituir o consequencialismo decisório), o que não cumpre com o propósito de oferecer racionalidade às decisões judiciais tomadas com base no método da proporcionalidade. Palavras-chave: proporcionalidade; CPC; LINDB. 1 Graduado em Direito na Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado na capital de São Paulo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.

1 INTRODUÇÃO Na Alemanha, após o Segundo Pós-Guerra, a primeira atitude dos teóricos do Direito, imersos na ressaca moral deixada pelo nazismo, foi remeter-se às doutrinas pré-bélicas para iniciar a reconstrução da teoria jurídica que acompanhasse e favorecesse o paradigma dos Estados democráticos. Porém, podia-se atribuir exatamente às doutrinas pré-bélicas o fato de não terem oposto nenhuma barreira à afirmação do nazismo e de outras ditaduras. O positivismo jurídico pregou a aceitação do Direito emanado pelo Estado, qualquer que fosse o conteúdo. Em contraposição, o constitucionalismo moderno alemão levou em consideração inúmeros valores que, em abstrato, poderiam ser considerados como fundamento do Direito, autorizando a Corte Constitucional a fazer referência a um Direito suprapositivo, a partir da compreensão da Constituição como uma ordem concreta de valores. No contexto da reconstrução do Tribunal Constitucional alemão nos anos 1970, Robert Alexy propõe sua teoria de aplicação dos direitos fundamentais. Embora se trate de um modelo relacionado à reconstrução de uma experiência jurídica e constitucional específica, a sua recepção ultrapassou fronteiras, vindo a ser adotada, em grande medida, pela prática jurisdicional brasileira. Entre nós, o princípio da proporcionalidade, até pouco tempo entendido como algo decorrente da própria estrutura dos direitos fundamentais, encontra-se, agora, positivado no Código de Processo Civil e na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e não há, ainda, muitos estudos a respeito do seu conteúdo. É a que se dedica o presente trabalho. 1 DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIOS A percepção principiológica do Direito tem como marco o jusnaturalismo moderno do século XVI, para o qual os princípios são expressão do Direito Natural, ou seja, independem de legislação emanada pelo Estado. No século XVIII, com a consolidação do Estado Liberal, a concepção jusnaturalista entra em declínio, até que é completamente substituída pela tradição do positivismo jurídico no final do século XIX, já no início do neopositivismo kelseniano. 2 No positivismo, encontra-se um discurso sobre princípios, mas se lhes nega normatividade, pois que seriam apenas figuras inspiradoras da construção das regras (o que 2 THEODORO JÚNIOR et. al. Novo CPC...

2 está no princípio ). Trabalha-se, entretanto, com os princípios gerais do Direito, que funcionam como figuras supletivas ao ordenamento jurídico quando o aplicador estivesse diante de uma situação de anomia (lacuna) 3 (ênfases decrescidas do original). Os princípios gerais do Direito seriam, assim, como uma mera válvula de segurança, no sentido de razões extraídas a partir da generalização e da abstração das próprias regras. Não seriam, pois, anteriores, superiores ou distintos em relação ao Direito, mas, sim, seriam sistematizados apenas para garantir que o aplicador pudesse estender a eficácia do próprio texto normativo a situações não regulamentadas explicitamente. 4 Passando-se ao neopositivismo, Kelsen, na obra Teoria pura do direito, afirma que a norma jurídica é mais que o simples texto da lei, é o sentido que se apreende dele, o que abre um leque de interpretações possíveis, para além dos limites da estrita literalidade. O problema de Kelsen é ainda compreender que o Direito é formado apenas por regras, pois que, em havendo conflito entre duas delas na resolução de um caso concreto, uma delas necessariamente seria inválida. 5 Além disso, como as regras de solução de antinomias são insuficientes e, no Direito, há lacunas, Kelsen aceitava que o juiz, não podendo deixar de decidir (non liquet), estaria autorizado a julgar como quisesse. Em meados do século XX (à vigência do neopositivismo e perto da promulgação da Constituição de 1988), ainda se compreendia os princípios como meras bússolas de interpretação ou vetores para uma interpretação, negando-se-lhes normatividade própria. A concepção moderna de princípio começa a surgir com Bobbio e Del Vecchio, para quem os princípios seriam normas jurídicas como as regras, só que de conteúdos mais gerais e abstratos. Talvez os estudos mais decisivos para que os princípios passassem a ser compreendidos como datados de dignidade normativa foram aqueles levados a cabo por Dworkin e por Alexy. 6 Foi Dworkin que, reconhecendo a força normativa dos princípios para solucionar, inclusive de modo autônomo, um litígio, negou uma das teses básicas do positivismo jurídico, que diz respeito à existência de lacunas normativas que autorizem o magistrado a agir discricionariamente ao criar uma norma, e aplicá-la retroativamente 7. 3 THEODORO JÚNIOR et. al. Novo CPC..., p. 47. 4 Ibidem, p. 48. 5 Ibidem, p. 49. 6 Ibidem, p. 51. 7 Ibidem, p. 53.

3 2 DIFERENÇA ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS Parece consenso, atualmente, que regras e princípios são as duas espécies normativas existentes, assim como que o maior traço distintivo entre elas seria o grau de generalidade ou de densidade normativa. A generalidade, entretanto, não faz uma diferenciação essencial, já que é apenas uma consequência da natureza dos princípios, e não a natureza mesma. A questão, então, está em assentar a distinção por meio do modo de aplicação de cada espécie normativa, bem como a forma de proceder em caso de um conflito normativo. 8 É por isso que, para Dworkin, a distinção é lógico-argumentativa. Para Alexy, cuja concepção convém a este estudo, as regras são normas aplicáveis na maneira do tudo ou nada (procedimento de subsunção silogístico), ao passo que os princípios seriam obrigações apenas prima facie, já que podem ser superados, no caso concreto, por outros princípios (o que os diferem da natureza absoluta das regras). Assim, os princípios apenas apresentariam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa. É por isso que Alexy afirma existir uma dimensão de peso entre os princípios que permanece inexistente nas regras, principalmente nos chamados casos de colisão, exigindo para a sua aplicação um mecanismo de proporcionalidade. 9 Aceitando a existência de limitações fáticas, Alexy afirma que os princípios são mandamentos de otimização, no sentindo de que os princípios obrigam que algo seja realizado na maior medida do possível. 10 Parece, portanto, que, em Alexy, a identificação de uma norma jurídica como princípio é possível antes da aplicação, bastando verificar se o cumprimento da norma encontrará limitações fáticas (embora muitas hipóteses de colisão de princípios não tenham a ver com possibilidade fáticas). 3 A PROPORCIONALIDADE SEGUNDO ALEXY Segundo a teoria da ponderação de valores formulada por Alexy, diante de uma colisão entre princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha, naquele caso concreto, maior peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso menor. 11 8 THEODORO JÚNIOR et. al. Novo CPC..., p. 54. 9 Ibidem, p. 55. 10 ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais. 11 THEODORO JÚNIOR et. al. Novo CPC..., p. 55.

4 Uma das grandes críticas que se faz à ponderação de valores consiste na acusação de que o método negaria vigência à norma que, na situação concreta, cede, o que seria inaceitável, já que os princípios em colisão são igualmente válidos. Mas, como dito, o peso atribuído a cada norma serve apenas para demonstrar, no contexto fático sub judice, qual é a norma aplicável ao caso concreto (critério argumentativo). O peso dos mesmos princípios, sob circunstâncias fáticas diversas, poderá ser redistribuído. A proporcionalidade, para Alexy, é uma regra que se divide em três sub-regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, as quais devem ser aplicadas sempre nesta ordem, passando-se de uma para a outra somente se a anterior não for capaz de resolver a colisão havida entre dois ou mais princípios numa situação concreta. Em resumo, a adequação é o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. 12 Já a necessidade tende a garantir que a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido. 13 Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito consiste no sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide. 14 4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO CPC No Brasil, a aplicação de princípios, considerados tão normas quanto as regras, surge com a Constituição de 1988, em todos os ramos do Direito. O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 determina uma leitura constitucional do processo, sendo que o modelo constitucional de processo é o processo democrático, cujos grandes vetores são o contraditório, em sua acepção dinâmica (art. 10), a ampla defesa e uma renovada fundamentação estruturada e legítima das decisões judiciais (art. 489). É nesse contexto que surge a positivação do princípio da proporcionalidade (art. 489, 2º, do CPC), adotado pelo legislador ordinário por ser a teoria de Alexy a mais difundida entre nós. Embora o legislador não tenha utilizado a nomenclatura princípio da proporcionalidade, difundida na doutrina brasileira, prefere-se, neste trabalho, não utilizar a nomenclatura adotada por Alexy, qual seja, regra da proporcionalidade, uma vez que a 12 SILVA. O proporcional e o razoável, p. 36. 13 Ibidem, p. 38. 14 Ibidem, p. 40.

5 ponderação de valores tratada no CPC não se divide em sub-regras, ao menos não claramente, ficando mais próxima à experiência jurisdicional brasileira, que vem aplicando o princípio da proporcionalidade sem critérios definidos. O art. 489, 2º, do CPC dispõe que, no caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. Como o legislador, ao dispor sobre ponderação e colisão, tinha compreensões prédeterminadas, uma vez que não foi ele quem inventou a teoria dos valores e o método da proporcionalidade, é importante tentar estabelecer alguma relação entre a proporcionalidade positivada no CPC e a regra da proporcionalidade criada por Alexy. Pois bem: a) No caso de colisão entre normas, Alexy preferiu falar em colisão entre princípios porque as normas colidentes são igualmente aplicáveis ao caso concreto, razão pela qual colidem. Já as regras entrariam em conflito, uma vez que elas demandam uma decisão do tipo tudo ou nada. Ao falar em colisão entre normas, o legislador brasileiro não só se afastou dos pressupostos de Alexy como, de certo modo, considerou que seria possível fazer uma ponderação entre regras, o que não é aceito por nenhuma teoria dos princípios. É certo, todavia, que o art. 489, 2º, do CPC não autoriza a ponderação entre regras, tendo incorrido o legislador em erro técnico. Primeiramente porque a palavra colisão, dada a pré-compreensão que se tem dela, indica que a situação se dá entre princípios, de modo que a palavra normas só pode ser interpretada como princípios, que, afinal, são espécies de norma. Além disso, entender que a palavra normas autorizaria a ponderação entre regras importaria negar a verdade histórica de que as regras se aplicam à maneira do tudo ou nada. b) o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada A justificação do objeto da ponderação correspondente à delimitação dos princípios que incidem no caso concreto, evitando que o juiz se apoie em princípio que, prima facie, não tem incidência, utilizando-o como mero subterfúgio retórico para justificar a decisão.

6 A demonstração de que um princípio tem aplicação ao caso concreto, a rigor, exige um esforço argumentativo substancial, já que a baixa densidade normativa do princípio deve ser preenchida com os dados fáticos do caso (ajuste entre uma prescrição normativa bastante abrangente a uma situação fática bem delimitada). Os critérios gerais da ponderação são a materialidade normativa do princípio da proporcionalidade, definindo o significado do verbo ponderar, que rege art. 489, 2º, do CPC. Não basta que sejam corretamente definidos os princípios incidentes no caso concreto, é necessário que a prevalência de um em detrimento de outro seja previsível ou, ao menos, racionalmente aceitável, o que só se alcança a partir de critérios adequados e previamente definidos. O legislador, entretanto, preferiu não adotar os critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, formulados por Alexy e já conhecidos pela doutrina brasileira, tendo exigido apenas que o juiz revele os critérios escolhidos por ele. Mas a liberalidade do juiz acaba sendo restrita, já que deve demonstrar a aptidão de seus critérios, ou seja, justificar [...] os critérios gerais da ponderação efetuada. Na prática, seria mais fácil ao juiz aplicar as já concebidas sub-regras da proporcionalidade do que pensar novos critérios e tentar justificá-los, a não ser que sua intenção seja de fundamentar uma decisão concebida a priori, a que qualquer critério se prestaria. Mas, de todo modo, seria difícil criar novos critérios para além da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, pois tal formulação permanece a mesma há décadas no âmbito da teoria dos valores, tendo recebido apenas algumas reformulações, pelo próprio Alexy, no critério da proporcionalidade em sentido estrito com a estruturação da fórmula do peso. 15 Ademais, a alteração dos critérios pré-concebidos dificultaria a participação das partes, como se jogassem um jogo sem regras. O que pode acontecer é de a prática jurídica se limitar à aplicação da proporcionalidade em sentido estrito, que é o critério mais subjetivo. Daí por que teria sido importante que o legislador, uma vez desejoso de adotar a proporcionalidade como método de solução de antinomias, fixasse as três sub-regras da proporcionalidade e sua ordem de aplicação. 15 PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderación.

7 c) enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada Trata-se de justificar o resultado ponderação, isto é, dizer por que a aplicação dos critérios gerais da ponderação conduziu o juiz a determinado resultado. Portanto, a primeira etapa é de definição dos critérios da ponderação e a segunda é de aplicação de tais critérios. Como os critérios são escolhidos livremente pelo juiz, a previsibilidade e, por conseguinte, a qualidade do resultado dependerá da correção dos próprios critérios. d) e [enunciando] as premissas fáticas que fundamentam a conclusão A enunciação das premissas fáticas que fundamentam a conclusão, no contexto discursivo de aplicação dos princípios, está atrelada à enunciação das razões que autorizam a interferência na norma afastada. As normas, como se sabe, são aplicadas a partir dos fatos. Trata-se, assim, apenas dos dados fáticos utilizados na construção do caso decidendo e que, naturalmente, compõem a fundamentação do resultado da ponderação. 5 CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO CPC Esta análise demonstra que a proporcionalidade prevista no art. 489, 2º, do CPC não guarda nenhuma semelhança com a regra da proporcionalidade formulada por Alexy. Embora pretenda que o juiz justifique o resultado da ponderação, a ausência de critérios previamente definidos pode prejudicar uma justificação satisfatória das decisões judiciais, ficando a qualidade do processo decisório e da fundamentação dependentes da vontade e das preferências metodológicas do juiz. Há, assim, um risco bastante considerável de que a proporcionalidade, entendida como princípio pela maioria dos juristas brasileiros, continue sendo aplicada como já se a aplicava antes do Código de Processo Civil de 2015, como um recurso meramente retórico, que permite ao juiz decidir conforme suas preferências pessoais. A análise histórica da concepção de princípios, empreendida no início deste estudo, demonstrou que, até um passado recente, os princípios não eram reconhecidos como normas jurídicas, isto é, não ostentavam dignidade normativa, ficando todo o processo decisório dependente das regras, cuja generalidade e abstração, somadas a métodos que se consolidaram dogmaticamente (como lei superior derroga inferior, lei posterior derroga anterior, lei geral

8 derroga lei especial), tinham a pretensão de regular todos os possíveis acontecimentos do mundo fenomênico. Viu-se, todavia, que a complexidade da sociedade moderna pôs em xeque a crença na completude dos códigos, assim como o próprio Kelsen, maior representante da última fase do positivismo jurídico, admitiu que sua teoria é decisionista (na edição de 1960 de Teoria pura do direito, Kelsen passa a dizer que os órgãos jurídicos podem escolher uma interpretação que não se encontra dentro da moldura traçada pela dogmática, o que ficou conhecido como o giro decisionista da teoria kelseniana). Atualmente (isto é, na quadra do neoconstitucionalismo), reconhece-se, com efeito, a incompletude estrutural e o caráter principiológico do Direito. Um sistema fechado de regras, tal como concebido por Kelsen, jamais será capaz de resolver a incompletude estrutural do Direito. As exigências de racionalidade e de segurança jurídica na aplicação do Direito só podem ser atendidas a partir dos princípios. Mas é necessário que se saiba como aplicar os princípios, o que não se verifica na experiência jurisdicional brasileira. A opção legislativa por um método específico de aplicação dos princípios até seria conveniente, pois, numa realidade em que princípios são aplicados sem qualquer esforço argumentativo, ou são aplicados princípios sem qualquer lastro normativo (pamprincipiologismo), a positivação de critérios de aplicação seria bemvinda. O Código de Processo Civil de 2015, no entanto, não trouxe nenhuma segurança metodológica para a aplicação da ponderação de valores. Teve apenas a função de reconhecer a proporcionalidade como um método compatível com o Direito brasileiro, muito embora a constitucionalidade da ponderação de valores seja questionada por jusfilósofos do mundo todo (como o alemão Jürgen Habermas, em Teoria da argumentação no direito e na moral). 6 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA LINDB Passados pouco mais de dois anos da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (CPC, Lei n. 13.105, de 2015), também entrou em vigor a Lei n. 13.655, de 2018, 16 que acrescentou alguns dispositivos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei n. 4.657, de 1942), todos voltados à aplicação do Direito (Público), incluindo a adoção da proporcionalidade como método de tomada de decisões em caso de antinomia. 16 Exceto em relação ao art. 29, que entrará em vigor após decorridos cento e oitenta dias da publicação da Lei.

9 Embora a Lei n. 13.655, de 2018, tenha como objetivo positivar algumas soluções dogmáticas de segurança jurídica na aplicação do Direito Público (como, por exemplo, os efeitos da alteração jurisprudencial), a maioria de seus regramentos aborda questões peculiares às relações jurídicas da Administração Pública, como fosse uma introdução às normas do Direito Administrativo. Há critérios para a solução de antinomias apenas no art. 20 (que, tal como o CPC, adotou a proporcionalidade), merecendo destaque, ademais, o art. 23, que trata dos efeitos da decisão. Ambos os dispositivos, pois, voltam-se à segurança jurídica, na medida em que buscam oferecer, respectivamente, certeza e previsibilidade à aplicação do Direito (objetivos que, estes, sim, estão de acordo com a índole geral da LINDB). Pois bem, o art. 20, parágrafo único, da LINDB trata do princípio da proporcionalidade da seguinte forma: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas (ênfases acrescidas). Como se vê, há uma mistura entre a teoria dos valores (parágrafo único) e a perspectiva do consequencialismo decisório (caput), como se adequação e a necessidade, sub-regras da proporcionalidade, cumprissem o papel de operacionalizar a análise das consequências práticas da decisão. Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, um dos principais autores do estudo acadêmico que deu origem ao projeto convertido na Lei n. 13.655, de 2018, e Rafael Véras de Freitas, o parágrafo único obriga a que as consequências possíveis sejam avaliadas e sopesadas. 17 No Brasil, o consequencialismo decisório é uma perspectiva que não tem sido bem aceita como parte de uma teoria da argumentação jurídica destinada a justificar decisões judiciais, cenário que deve mudar com sua positivação na LINDB. Há hipóteses em que a própria lei confere aos juízes poderes para realizar ponderações consequencialistas, como o art. 27 da Lei n. 9.868, de 1998, que faculta ao Supremo Tribunal Federal a modulação de efeitos quando da declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, mediante quórum de maioria qualificada, e tendo-se em vista razões de segurança jurídica e excepcional interesse social. 17 MARQUES NETO; FREITAS. A função normativa da administração pública e a Lei 13.655/2018.

10 Em linhas gerais (que não cabem, aqui, ser aprofundadas, já que o tema deste trabalho é o princípio da proporcionalidade), o argumento consequencialista é um argumento de justificação externa, pois diz respeito a premissas que não são nem enunciados empíricos nem regras de direito positivo, e tem vocação conclusiva. 18 Para Ricardo Lobo Torres, o argumento de consequência [...] consiste na consideração das influências e das projeções da decisão judicial boas ou más no mundo fático, bem como que efeitos econômicos, sociais e culturais prejudiciais ou favoráveis à sociedade devem ser evitados ou potencializados pelo aplicador da norma, em certas circunstâncias. 19 Conquanto Alexy, em sua teoria da argumentação, faça a distinção entre justificação interna e justificação externa, 20 não se pode dizer que o consequencialismo decisório corresponda à aplicação da regra da proporcionalidade. Há, não obstante, alguma proximidade com a sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito, já que a definição do peso concreto de um princípio sob determinadas circunstâncias de fato leva em consideração argumentos de justificativa externa. Todavia, embora a proporcionalidade em sentido estrito leve em consideração as consequências práticas da decisão, seu exame é de proporcionalidade entre as razões da medida a ser adotada e a restrição do direito fundamental atingido. Trata-se, pois, de definir o peso tanto da medida como da restrição que ela impõe (os dois lados são analisados em conjunto, buscando-se uma proporcionalidade entre eles), o que vai além de considerar consequências práticas de modo isolado, impedindo que a medida atinja o chamado núcleo essencial. Observa-se, por fim, que, no parágrafo primeiro, os critérios da adequação e da necessidade foram invertidos; de toda sorte, o dispositivo não adotou a ordem de aplicação formulada por Alexy. Outro aspecto distintivo é que a aplicação de ambos os critérios, necessidade e adequação, parecem ser obrigatórios, ao passo que, para Alexy, só se passa ao próximo critério caso o anterior não seja suficiente para resolver a colisão de princípios. 18 PEREIRA. O consequencialismo decisório e sua relevância para o direito tributário, p. 161. 19 TORRES. O consequencialismo decisório e a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal. 20 Cf. ALEXY. Teoria da argumentação jurídica.

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi o positivismo jurídico que, na Alemanha, serviu de substrato teórico à afirmação do nazismo, de modo que, no Segundo Pós-Guerra, coube à Corte Constitucional alemã a reconstrução metodológica do Direito, notadamente com o objetivo de responder ao vazio axiológico em que se mergulhara o país. Houve referência, então, a um Direito suprapositivo, libertando o aplicador do Direito da vinculação incondicional à norma posta: a Constituição seria uma ordem concreta de valores, de sorte que valores também seriam fundamento do Direito. Nesse contexto, o princípio da proporcionalidade foi desenvolvido pela própria Corte Constitucional alemã, sendo logo teorizado por Robert Alexy como uma técnica jurídica de aplicação do Direito. Há tempos o princípio da proporcionalidade foi importado pela prática jurídica brasileira, mas até os dias atuais vem sendo utilizado mais como subterfúgio retórico do que como parte de um sério discurso de aplicação normativa. Recentemente, o princípio da proporcionalidade foi positivado no Código de Processo Civil, CPC (art. 489, 2º). De certa forma, também há referência a ele no art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, LINDB, recém introduzido pela Lei n. 13.655, de 2018, uma espécie de sincretismo entre consequencialismo decisório e princípio da proporcionalidade, mas com o objetivo explícito de instituir o consequencialismo decisório na aplicação das normas de Direito Público, mormente nas questões de Direito Administrativo. Como, entre nós, a invocação ao princípio da proporcionalidade vem, com frequência, acompanhada da teoria formulada por Robert Alexy, sendo ele, portanto, uma referência direta, o presente trabalho dedicou-se a comparar a materialidade normativa do princípio da proporcionalidade no CPC e na LINDB com a regra da proporcionalidade teorizada pelo jurista alemão, sobretudo na obra Teoria dos direitos fundamentais. Foi necessário um estudo preliminar a respeito do conceito de princípio e da distinção entre regras e princípios para entender a divergência nominal: princípio da proporcionalidade para o legislador brasileiro (cf. CPC) e regra da proporcionalidade para Alexy. Conclui-se que a proporcionalidade teorizada por Alexy afigura-se regra, como ele mesmo a denomina, haja vista os critérios bem definidos de aplicação (sub-regras), e que na legislação brasileira afigura-se princípio, uma vez que a proporcionalidade aparece como um objetivo que, à ausência de critérios aptos a atingi-lo, torna-se abstrato. Efetivamente, de acordo com CPC (art. 489, 2º), o juiz deve justificar os critérios gerais da ponderação, isto é, ele pode escolher os critérios desde que os justifique, ao passo

12 que, em Alexy, a regra da proporcionalidade constitui-se dos próprios critérios da ponderação, as sub-regras da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação é a adequação do meio, sua aptidão para fomentar o objetivo. Já a necessidade é um juízo de comparação: se o mesmo objetivo puder ser atingindo, com a mesma intensidade, por outro meio que restrinja menos o direito fundamental, a medida não passou pelo crivo da necessidade. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito é verificar se a intensidade da restrição é proporcional à importância da realização do direito a prevalecer. No caso do art. 20 da LINDB, embora haja, no parágrafo único, referência à necessidade e à adequação, a materialidade normativa estrutura-se a partir do consequencialismo decisório (caput), de modo que, novamente, não há semelhança com a regra da proporcionalidade criada por Alexy. Embora a teoria da ponderação de valores seja severamente criticada por vários jusfilósofos, seria melhor que, uma vez positivada, fosse positivada conforme a regra da proporcionalidade formulada por Alexy, pois a aplicação de critérios bem definidos e já difundidos ofereceria mais chances de que o método fosse aplicado de forma racionalmente aceitável.

13 REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. da 5. ed. alemã Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. A função normativa da administração pública e a Lei 13.655/2018. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/opiniao-funcao-normativa-administracao-publicalindb#author>. Consulta em 28 jan 2019. PEREIRA, Roberto Codorniz Leite. O consequencialismo decisório e sua relevância para o direito tributário. Revista Direito Tributário Atual, v. 38. São Paulo: IBDT, 2017. PULIDO, Carlos Bernal. La racionalidad de la ponderación. In: CARBONELL, Miguel (Coord.). El principio de proporcionalidad en el estado constitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2007. SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 798, p. 23-50, 2002. THEODORO JÚNIOR, Humberto et. al. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. TORRES, Ricardo Lobo. O consequencialismo decisório e a modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal. Revista Direito Tributário Atual, v. 24. São Paulo: Dialética; São Paulo: IBDT, 2009.