DIVERSIFIQUE-SE: DIVERSIDADE E O ENFRENTAMENTO AO HETEROSSEXISMO. Diversifique-se: Diversity and heterosexism Confronting

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Transcrição:

DIVERSIFIQUE-SE: DIVERSIDADE E O ENFRENTAMENTO AO HETEROSSEXISMO Diversifique-se: Diversity and heterosexism Confronting Felipe Cazeiro da Silva Mirian Toshiko Sewo Resumo O presente trabalho é produto da experiência de ações desenvolvidas por estudantes do PET Conexões de Saberes Inclusão, Diversidade e Protagonismo com objetivo principal de trabalhar a desconstrução do heterossexismo no âmbito da UFMT. A metodologia utilizada foi a elaboração de rodas de conversas a respeito das opressões provindas da cultura heterossexista, bem como a organização de seminários temáticos que discutam as violências motivadas unicamente na orientação sexual e identidade de gênero. O projeto foi importante para o reconhecimento da diversidade sexual e gênero, além de buscar a (trans)formação da realidade social. Palavras-Chaves: Heterossexismo, Diversidade, Gênero. Abstract This work is the product of action experience developed by students of PET Conexões de Saberes Inclusão, Diversidade e Protagonismo" with the main objective to work deconstruction heterosexism within the UFMT. The methodology used was the development of conversation circles about the oppression that come from the heterosexist culture, as well as, the organization of thematic workshops to discuss the violence motivated solely on sexual orientation and gender identity. The project was important for the recognition of sexual and gender diversity, as well as seeking the (trans)formation of social reality. Keywords: Heterosexism, Diversity, Gender. 33

INTRODUÇÃO Neste artigo serão apresentadas as considerações e as repercussões acerca do Projeto Diversifique-se, que constitui um dos projetos de ensino, pesquisa e extensão do Programa de Educação Tutorial - PET Conexões de Saberes Inclusão, Diversidade e Protagonismo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) campus Cuiabá. O referido projeto foi desenvolvido por estudantes da própria universidade, profissionais da área da educação e dos diversos movimentos e organizações LGBT s (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) com o intuito de fortalecer as lutas pela igualdade de gênero, pelos direitos humanos e da diversidade sexual. A motivação pelo projeto se deu a partir das leituras de trabalhos semelhantes que analisam as opressões, violências e normatizações direcionadas a orientação sexual e a identidade de gênero visando à transformação social (POCAHY, RIOS, 2007), como a publicação do relatório de violência no Brasil no ano de 2012 pela Secretaria de Direitos Humanos indicando aumento de 46% em comparação ao ano de 2011 do registro de vítimas por Homofobia, termo utilizado no final da década de 60 pelo psicólogo George Weinberg procurando identificar traços da personalidade homofóbica, correspondendo à uma condensação da expressão homosexualphobia a partir da experiência da homossexualidade masculina (RIOS, 2007). Assim como, a publicação do relatório anual do Grupo Gay da Bahia do ano de 2013 indicando a cidade de Cuiabá como a capital mais violenta para esta população, com 17,6 homicídios para quase 570 mil habitantes. Dados alarmantes que carecem de medidas institucionais, políticas públicas, de segurança e educação para tentar reverter este cenário. Outra nota relevante é a substituição do termo Homofobia pelo termo Heterossexismo, por ser mais adequado para designar a discriminação experimentada por todas as pessoas que desafiam a heterossexualidade como norma em nossa sociedade, e não só homossexuais, mas também, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, intersexos, assexuais entre outras. Desta forma, percebeu-se a necessidade de organizar intervenções dando especial atenção ao contexto educacional, entrelaçamentos políticos, as relações e arranjos sociais com a cultura hegemônica. Trabalhar interseccionalmente as problematizações de gênero e de diversidade sexual nas instituições escolares e de ensino, ou seja, abordar em conjunto, o heterossexismo, o racismo, a misoginia, entre outros marcadores sociais da diferença opressores e excludentes não é apenas uma proposta absolutamente ousada, mas admissível e imprescindível, pois estes estão presentes na escola mesmo não tendo um 34

espaço oficial, um programa ou projeto de educação sexual. Até mesmo quando a escola não se propõe a discutir o tema, a sexualidade se faz presente, seja por meios dos padrões, dos silenciamentos, dos códigos e das proibições. Neste sentido, Garrido, Pimenta e Moura (2000, p.92) salientam que as instituições escolares são produtoras de práticas sociais, de valores, de crenças e de conhecimentos, movidas pelo esforço de procurar novas soluções para os problemas vivenciados. Faz-se necessário, portanto, a implementação de políticas públicas para a promoção de uma educação inclusiva, democrática e de qualidade, atenta ao reconhecimento da diversidade humana em todos os seus sentidos e singularidades, abrangendo o respeito, a dignidade e a cidadania para a combate as opressões dos corpos, dos gêneros e das sexualidades. Diversifique-se O projeto Diversifique-se parte da concepção de que a sociedade contemporânea é assolada por uma cultura heterocisnormativa que impõe, naturaliza e cristaliza uma única sexualidade e gênero, tido como Correta, Normal e que, portanto, exclui, discrimina e violenta todas as outras formas de expressão da sexualidade, gênero, corporalidades e subjetividades das pessoas que fogem desta cultura (MISKOLCI, 2013, PELÚCIO, 2011, POCAHY 2007). Para compreender a institucionalização do heterossexismo, RIOS (2007) aponta que: A heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito. Uma vez institucionalizado, o heterossexismo manifesta-se em instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e o sistema jurídico. Daí advém, de um lado, superioridade e privilégios a todos que se adéquam a tal parâmetro, e de outro, opressão e prejuízos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e até mesmo a heterossexuais que porventura se afastem do padrão de heterossexualidade imposto. (RIOS, 2007, p. 33). Por este motivo, por transcender diversos setores sociais e culturais, é que se faz necessário políticas, programas, projetos que discutam as opressões sobre a sexualidade e os gêneros, pois estes estão presentes mesmo não tendo um lugar determinado. É imprescindível criar um lugar de igualdade e respeito denunciando o não-lugar (AUGÉ, 2005) designado à população LGBT, pois esses são espaços marginalizados e de individualidades solitárias. Entretanto, enquanto o conceito de que o não-lugar é o negativo do lugar, é preciso reconhecer de que os espaços de locomoções, consumo e comunicação são de ordem empírica de nossa sociedade contemporânea. Sendo assim, estes espaços 35

teriam mais codificação do que simbolismo, tecendo neles toda uma organização de códigos e conjunto de mensagens específicas, modo de se comportar e falar para a circulação das pessoas. (AUGÉ, 2006). Portanto, esta negatividade do lugar exerce influência no desempenho e rendimento educacional reproduzindo modelos de comportamentos opressores de modo a ocultar e disfarçar à diferença. Tal fenômeno é chamado de pedagogia do armário, movida de tensões de invisibilização e revelação, próprias de experiências do armário que se estende e produz efeitos sobre todos (as) (JUNQUEIRA, 2013, p. 484). Desta forma, de modo comprometido à busca pela igualdade e pelo reconhecimento da cidadania LGBT, é que surgiu em 2012 o presente projeto realizando rodas de conversas de modo a promover uma discussão horizontal e dar protagonismo às falas das pessoas que participam das atividades e das discussões visando problematizar os fenômenos excludentes apresentados. O objetivo principal do projeto é contribuir para a desconstrução da desigualdade de gênero expressa pelo heterossexismo visando à transformação da realidade social e o reconhecimento da diversidade sexual. De acordo com Mèllo et al. (2007) a metodologia de rodas de conversa constitui em uma metodologia participativa em que: A Roda de Conversa é um recurso que possibilita um maior intercâmbio de informações, possibilitando fluidez de discursos e de negociações diversas entre pesquisadores e participantes. Inicia-se com a exposição de um tema pelo pesquisador a um grupo (selecionado de acordo com os objetivos da pesquisa) e, a partir disso, as pessoas apresentam suas elaborações sobre ele, sendo que cada uma instiga outra a falar, argumentando e contraargumentando entre si, posicionando-se e ouvindo o posicionamento do outro (MÉLLO et al., 2007, p. 30). As rodas de conversas realizadas pelo projeto Diversifique-se aconteceram no período de junho a dezembro de 2013 e atingiram cerca de 70 pessoas promovendo discussões e expondo temas relacionados à diversidade sexual e direitos humanos com o intuito de contribuir para uma educação mais inclusiva, além de colaborar também para a desmistificação e a ressignificação da imposição de uma cultura heterossexista excludente à diversidade sexual e as expressões de gênero, levando em conta os aspectos subjetivos e sociais para o fortalecimento e o empoderamento das relações entre as pessoas e dos estudantes envolvidos no projeto. Além da atividade fixa das de rodas de conversas temáticas, o projeto, em parceria com outros grupos organizou e realizou o I Seminário de Diversidade Sexual, Relações de Gênero, Educação e Políticas Públicas na UFMT e o Seminário Travestis, Transexuais e Transgêneros: Demandas e Reivindicações T em Cuiabá e no Estado de Mato Grosso. 36

Os seminários buscaram por meio de diferentes experiências acadêmicas, artísticas e políticas compreender de que forma os discursos e as políticas de inclusão ou de não inclusão se organiza no campo da educação e da esfera pública no que diz respeito à permanência da população LGBT na escola, na universidade e em outros espaços públicos, como os da saúde e da assistência, ainda marcados por violências, negações, silenciamentos, exclusões e todas as outras formas de opressões e violações. Bem como, debater e compreender as violências e relações marcadas pelas desigualdades de gênero. Os seminários obtiveram importância para a educação, para a formação continuada de professores e demais trabalhadores à medida que compreendemos o imperativo de uma determinada heterocisnormatividade excludente nas escolas, nos espaços de saúde, na vida pública e na sociedade em geral, assim como as desigualdades de gênero que reforçam os estereótipos e privilégios de um sexo sobre o outro. Estas atividades de extensão resultaram da necessidade política da Universidade Federal de Mato Grosso de envolver-se ainda mais com as políticas de Direitos Humanos e com os grupos minoritários marcados e identificados de forma desigual na produção das diferenças: sexuais, corporais, religiosas, culturais, midiáticas, de gênero, de geração, raciais e do compromisso do Grupo PET Conexões de Saberes Inclusão, Diversidade e Protagonismo na UFMT de articular discussões/intervenções em nível local, regional e nacional contra as diferentes formas de racismos, sexismos e fundamentalismos. Os seminários foram realizados na UFMT Campus Cuiabá, nos dias 08 e 09 de Dezembro de 2014 e dia 25 de Maio de 2015, respectivamente, atingindo cerca de 150 pessoas entre público interno e externo à UFMT. O objetivo da atividade foi de contribuir e ampliar a reflexão das reais necessidades do reconhecimento da população LGBT com a educação, nos espaços culturais e da saúde, além da promoção de um ambiente mais igualitário rompendo com os paradigmas e estigmas que circulam o tema visando à transformação social. Outra atividade que merece destaque é o minicurso Relações de gênero e a postura do professor na vivência escolar apresentado no Seminário Educação de 2014 com o objetivo de discutir a compreensão da diversidade no contexto escolar levando em consideração a relação aluno/professor e a necessidade de se debater os códigos, os valores e os padrões presentes na sociedade atual e que também se manifestam no contexto escolar, bem como buscar caminhos para a superação de todas as formas de opressões, sobretudo no âmbito da educação. A metodologia utilizada foi a roda de conversa propiciando de forma horizontal a discussão entre os e as participantes. Além disso, teve como objetivo de reconhecer as manifestações de opressão e exclusão de 37

alunos homoafetivos em contextos socioeducativos bem como apresentar propostas de reformas na linguagem como mecanismos de inclusão. Sendo assim, o presente trabalho dialogou com a comunidade em geral a respeito da homofobia no contexto escolar, tendo em vista os constantes relatos de casos de homofobias aos/as estudantes homoafetivos/as, a fim de buscar caminhos para superar essa expressão da questão social. Entendemos que a escola não é um ambiente que pode ser separado do meio social e tendo em vista o recente Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, mais conhecido como cura gay do deputado e pastor evangélico, João Campos, filiado ao PSDB de Goiás, o tema se insere no contexto político e educativo da atualidade. Outro problema que é percebido são as diversas formas de manifestar a homofobia. Em uma pesquisa realizada na Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, constatou-se que 40% dos adolescentes homossexuais entrevistados contaram já haver sofrido casos de discriminação dentro da Escola. Entre jovens de 19 a 21 anos, 31% se referiram a discriminações na escola ou na faculdade (BORTOLINI, 2008). A escola seria então o terceiro lugar onde há mais discriminação em relação a diversidade sexual. Essa discriminação na escola pode sugerir uma reprodução de padrões de normalidade acerca dos papéis de gênero, nos quais a masculinidade ainda é construída na condição de superioridade. Desta forma, quando falamos em violência, não nos referimos somente a violência física, mas também a simbólica que é o objeto principal deste minicurso, uma vez que o uso de palavras pejorativas e negativas são especialmente problemáticas quando se dão no ambiente escolar, no espaço da criança. Entre o intercâmbio de informações, houve de modo implícito, elaborações de discursos heterossexistas nas discussões das rodas de conversas na qual algumas pessoas apresentaram posicionamentos marcados pela discriminação ou pela falta de reconhecimento de uma identidade de gênero ao referenciar a travesti como o travesti, muitas vezes classificando-as como desvios da norma. Essas linguagens e posicionamentos foram objetos de ressignificação e desmistificação durante a execução do projeto para que se dê visibilidade e compreensão às outras expressões da sexualidade e identidades de gênero que também necessitam de lugares positivos. Por isso, o projeto teve o sucesso e o papel importante de contribuir para a dialética de uma consciência a respeito das diferentes formas de opressões, resgatando sempre os princípios básicos dos Direitos Humanos. O projeto dialogou na prática o quanto ações de ensino, pesquisa e extensão podem (trans)formar as relações comunitárias e aproximar a universidade das comunidades e das populações marginalizadas e excluídas que não veem na universidade um lugar que pode 38

ser ocupado por elas, apontando então que o lugar, o campo da universidade e do saber pode e deve ser popular. CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que este projeto está pautado por uma estratégia política de enfrentamento às opressões no que tange a sexualidade e gênero para uma educação pública brasileira inclusiva, de qualidade e democrática contribuindo para a expansão de políticas educacionais e políticas públicas que visem à igualdade de gênero e à diversidade sexual. Por fim, destacamos a importância deste projeto mais uma vez na formação de estudantes, docentes, pesquisadoras e pesquisadores como um espaço de conexões de saberes, partilha de ações e extensões sugerindo que seja aperfeiçoado e ampliado para todas as instituições escolares e de educação básica da baixada cuiabana, bem como do Brasil. REFERÊNCIAS AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo, Campinas, Papirus. 2005 AUGÉ, Marc. Para que vivemos?. Lisboa, 90 Graus Editores, 2006. BORTOLINI, A. (Coord.). Diversidade Sexual na Escola. Rio de Janeiro: Pró-Reitoria de Extensão/UFRJ, 2008. GARRIDO, E.; PIMENTA, S.; MOURA, M. A pesquisa colaborativa na escola como abordagem facilitadora para o desenvolvimento da profissão de professor. In: MARIN, A. J. (Org.). Educação continuada. Campinas: Papirus, 2000. GRUPO GAY DA BAHIA. Assassinato de homossexuais (lgbt) no brasil: relatório 2013/2014. Disponível em: <http://www.midianews.com.br/storage/webdisco/ 2014/02/14/outros/747486191270d149b81fdfe548b921d1.pdf>. Acesso em: Setembro/2015. JUNQUEIRA, R. D. Heterossexismo e vigilância de gênero no cotidiano escolar: a pedagogia do armário. Revista Retratos da Escola, Brasília, 2013. MELLO, Ricardo Pimentel; SILVA, Alyne Alvarez; LIMA, Maria Lúcia Chaves and DI PAOLO, Angela Flexa. Construcionismo, práticas discursivas e possibilidades de pesquisa em psicologia social. Psicol. Soc. [online]. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-71822007000300005&script=sci_arttext> Acesso em: Setembro/2015. RIOS, Roger Raupp. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, In: Fernando Pocahy (Org.) 39

Rompendo o silêncio: Homofobia e heterossexismo na sociedade contemporânea Políticas, teoria e atuação. Porto Alegre: Nuances, 2007. SECRETÁRIA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre violência no Brasil: ano de 2012, pp. 18. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violenciahomofobica-ano-2012> Acesso em: fevereiro/2015. 40