MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS E SUAS ADAPTAÇÕES Simone de Souza Burguês (PIBIC/CNPq-UEM), Mirian Hisae Yaegashi Zappone (Orientadora), e-mail: mirianzappone@gmail.com Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Letras/Maringá, PR. Letras, Lingüística e Artes. Palavras-chave: formação de leitores, letramento literário, educação literária. Resumo: A partir das diversas práticas de letramento existentes atualmente e de seus respectivos estudos, bem como a partir dos estudos sobre adaptação, o presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa descritiva, que trabalhou com duas adaptações em prosa realizadas a partir do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, para o público infanto-juvenil enquanto uma produção cultural que pode contribuir para o letramento literário do público em questão. Para a análise das referidas adaptações, foram observados os seguintes aspectos: a adequação do assunto, da forma, do meio e do estilo. Introdução A produção literária voltada ao público infanto-juvenil deve estar apoiada em princípios da recepção, que considera o tipo de leitor a ser atingido, ou seja, a criança e o adolescente, por isso há necessidade de um afastamento do narrador da condição de adulto para se aproximar da visão de mundo do infante. Logo, é durante essa busca de comunicação que nascem as adaptações de obras clássicas para diversos outros suportes também consideradas formas multimodais, como por exemplo, filmes, desenhos animados, fanfictions, cordel, quadrinhos etc. cuja finalidade é tentar diminuir a situação de menoridade dos pequenos em relação ao universo dominante dos adultos, além de contribuir para uma comunicação mais adequada entre os textos e seus leitores. As crianças e os jovens estão, na maioria das vezes, habituados à linguagem audiovisual encontrada nos suportes mais modernos e acabam sentindo dificuldades em compreender a linguagem e a técnica narrativa de textos produzidos em momentos históricos anteriores e de contextos distantes. Assim, dadas essas dificuldades, o texto adaptado vem se tornado uma nova possibilidade de promover a compreensão por parte desse grupo de leitores do universo proposto na ficção, a identificação com o seu mundo, além de fazer com que a criança e o jovem consigam encontrar no livro alguns elementos de seu horizonte de expectativa, como o reconhecimento da natureza imaginária, do tipo de personagens, apresentação e
desenvolvimento do conflito, a representação do tempo e do espaço de acordo com a maneira com que a criança e o adolescente apreendem o universo e o seu lugar enquanto narradores e sujeitos históricos. Levando em consideração os aspectos mencionados, o presente estudo mostra os resultados de uma pesquisa de iniciação científica que buscou analisar e descrever como são as adaptações realizadas do romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, sendo o corpus de análise duas adaptações em prosa. Materiais e métodos O trabalho desenvolvido foi uma pesquisa descritiva, uma vez que objetivou descrever como são as adaptações realizadas do romance escolhido. Para a seleção do corpus, primeiramente fizemos uma pesquisa exploratória a fim de levantar as adaptações já realizadas para o romance em estudo, Memórias de um sargento de milícias. Constituído tal corpus, que resultou num total de 4 adaptações (duas em quadrinhos e duas em prosa), escolhemos aquelas elaboradas a partir do mesmo sistema semiótico do texto original, a saber, as adaptações verbais, deixando de lado as adaptações que utilizavam outros sistemas semióticos (imagens, quadrinhos etc). Assim, foram selecionadas para a pesquisa a primeira adaptação do romance realizada por Carlos Heitor Cony (2009) que possui o mesmo título do original e outra realizada por Luiz Antonio Aguiar (2006), intitulada Era no tempo do rei. Para a análise das duas adaptações selecionadas, utilizamos o roteiro proposto por Regina Zilberman (2003), que aponta como procedimentos empregados na adaptação de livros para crianças e jovens a adequação do assunto, da forma, do estilo e do meio. Dessa forma, buscou-se estabelecer uma descrição dos principais aspectos que constituem a adaptação do romance referido. Resultados e Discussão Com relação aos elementos a serem observados na análise, apresentamos uma breve discussão sobre cada um deles. Na obra de Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias, o assunto (fábula) refere-se às façanhas de Leonardinho ao longo de sua vida, bem como à representação da vida no Brasil no início do século XIX, além de serem pontuadas críticas a essa sociedade, sejam elas referentes a questões religiosas, econômicas, políticas, sociais, além da crítica aos exageros românticos e ao famoso jeitinho brasileiro. Nas adaptações analisadas, observamos a preservação deste rol de temas e assuntos. Com relação à forma, Zilberman (2003) postula que é importante que a forma a ser escolhida para a adaptação seja condizente com as expectativas do leitor. Considerando as expectativas dos leitores, observamos que as duas obras passaram por uma boa adaptação, visto que
prendem a atenção dos leitores. Na adaptação de Cony, a fábula é apresentada linearmente para não dificultar a leitura. Já na adaptação de Aguiar, há uma estratégia diferente. A fábula, que se passa no tempo atual, conta a história de um jovem, também chamado Leonardo, que queria impressionar sua amiga de infância Izabel, mas acaba batendo o carro do pai. Para pagar o conserto, o rapaz começa a trabalhar como ledor para dona Sofia, uma senhora cega que é avó de Izabel. O livro escolhido por dona Sofia para a leitura é o Memórias de um sargento de milícias de Manuel Antonio de Almeida. À medida que Leonardo lê o livro para a avó de Izabel, dona Sofia faz comentários sobre a obra e alguns trechos do original são transcritos na obra Era no tempo do rei. A história de Leonardo, Izabel e dona Sofia é apresentada de forma simples e linear, porém as passagens da obra que Leonardo lê são selecionadas de acordo com as vontades de Dona Sofia que é, inicialmente, quem conhece as duas histórias. Na adaptação para o público infanto-juvenil, o vocabulário e a formulação sintática não podem exceder o domínio cognitivo do leitor. Por isso, a preferência dos escritores é por um tipo de redação que coincida com as particularidades do estilo infantil (ZILBERMAN, 2003). Aos adaptadores coube a difícil tarefa de adaptar o estilo de Manuel Antonio de Almeida para o público infato-juvenil. Ao tratarmos do estilo de Manuel Antonio de Almeida, podemos afirmar que nas duas adaptações ele foi mantido satisfatoriamente. Na adaptação de Cony, porque as características do autor foram preservadas, já que é possível observamos que a adaptação é muito fiel ao original. Na adaptação de Aguiar, o estilo foi preservado justamente pelo fato de que os trechos do original que estão presentes na adaptação não sofreram qualquer alteração. Além disso, podemos caracterizar a obra de Aguiar como uma meta adaptação, uma vez que, em vários momentos, tece comentários sobre o texto original, inclusive explicando o estilo de Manuel Antonio de Almeida. Por último, como relação ao meio, Cabral (2003), afirma que para atingir os fins a que se propõe, o autor não deve descuidar da feição material, não só pela leitura que ficará mais acessível, como também pela riqueza de formatos e impressão que podem tornar a recepção mais agradável e mais fácil de manusear (p.08). Nas duas adaptações, as editoras tomaram cuidado especial com o meio. As ilustrações são bem atraentes e representam muito bem os estilos de época, seja por meio da caracterização das personagens ou dos ambientes onde se passa a história. Acreditamos que as ilustrações contribuem para a complementação das informações que não apareceram por escrito, como por exemplo, a descrição de lugares e personagens. As duas adaptações em análise estão divididas em capítulos. A de Cony possui o mesmo número de capítulos que o original, salvo algumas mudanças nos nomes de quatro capítulos. Já a adaptação de Aguiar possui 112 páginas divididas em doze capítulos, além de apresentar uma sessão extra que apresenta outros olhares para a obra de Almeida na qual são mencionados alguns estudos realizados sobre a obra e algumas releituras.
Com relação à extensão das adaptações, podemos concluir que ambas exploraram o texto de maneira muito satisfatória, especialmente a de Cony, visto que com a leitura da adaptação, o leitor pode tomar conhecimento de história como um todo. Já a de Aguiar nos apresenta o original de outra forma, como pudemos observar. Tratando-se de adaptações, é mais do que claro que o jovem leitor pode entender o que se passa na obra sem grandes esforços. Neste ponto, vale lembrar que originalmente os textos em questão foram escritos tendo em vista de um público adulto, justificando os esforços dos autores em questão de adaptá-las para o público juvenil. Conclusões A análise dos dois textos buscou observar alguns procedimentos empregados no processo de adaptação, dentre eles, o assunto, a forma, o estilo e o meio para que a adaptação se aproximasse ao máximo do grau de interesse e compreensão do público ao qual ela é destinada. Por isso, foi necessário que o texto original recebesse algumas modificações como, por exemplo, a diminuição do tamanho da narrativa, a supressão de diversos elementos desnecessários ao entendimento do público infanto-juvenil para que assim, pudesse haver uma diminuição entre o destinatário inicial e o destinatário real (leitores mirins). Ao permitir o contato dos leitores com um universo ficcional baseado na história literária brasileira, como é o caso das adaptações de romances clássicos brasileiros, as adaptações tem garantido um lugar importante no processo de escolarização da leitura literária e se constituído como uma prática de letramento importante e significativa ao permitir um acesso inicial com obras relevantes da cultura brasileira. Deste modo, considerando esses elementos, as adaptações podem ser vistas como unidades de sentido legítimo e devem ser reconhecidas como uma forma literária, pois a apropriação do discurso do outro durante o processo de adaptação é explícita e integral quando faz uso da idéia geral da obra sobre a qual está sendo construído o texto adaptado. Em outras palavras, reconhecer a importância das versões adaptadas que circulam em nosso país é reconstituir os espaços possíveis de cada indivíduo ou de uma comunidade de leitores que constrói suas próprias formas de ler, e mais: é reconhecer o papel fundamental que desempenha a história dos suportes dos textos, da leitura e dos leitores na literatura. No entanto, é importante ressaltar que muitas adaptações que são produzidas em nosso país atingem um público diversificado, dado aos diferentes formatos, diferenciados preços e múltiplas reescrituras. Esse fato, portanto, comprova que o estudo sobre adaptações realizados em todo o país tende a se desenvolver e a se propagar, pois cada vez mais as adaptações tem se tornado um suporte que atrai leitores, de diferentes épocas, idades e contextos. Referências
AGUIAR, Luiz Antonio. Era no tempo do rei. São Paulo: Ática, 2006. CABRAL, Izaura da Silva. Dom Quixote das crianças: uma análise comparativa do clássico e sua adaptação. Monografia (graduação) DLE, UNISC, 2003. CONY, Carlos Heitor. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Scipione, 2009. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. Ed.rev. atualizada. São Paulo: Global, 2003.