DIREITO EMPRESARIAL ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS. 2.ªedição revista, atualizada e ampliada SINOPSES. coleção. para concursos

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Transcrição:

ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS DIREITO EMPRESARIAL 2.ªedição revista, atualizada e ampliada 2019 coleção SINOPSES para concursos Coordenação Leonardo Garcia 25

Capítulo Teoria Geral do Direito Empresarial?1 1.1. CONCEITO E NOMENCLATURA Conforme veremos com mais detalhes no tópico seguinte, na origem o que se tinha era o chamado Direito Mercantil: um direito consuetudinário (os usos e costumes eram compilados nos estatutos das Corporações de Ofício) que possuía um caráter subjetivista/corporativista, pois sua jurisdição privada (Juízos e Tribunais Consulares das próprias corporações, cujos cônsules eram eleitos pelos próprios associados) só se aplicava a quem estava devidamente matriculado nas respectivas associações. Posteriormente, tem-se o Direito Comercial: um direito que deixou de ser consuetudinário, ganhou legislações codificadas editadas pelo Estado (o Código Comercial francês de 1808 foi pioneiro nesse sentido), passou a ter jurisdição estatal aplicável a todos independentemente de filiação às corporações, consolidou-se como um regime jurídico autônomo em relação ao Direito Civil e foi orientado pela teoria dos atos de comércio. Atualmente, temos o Direito Empresarial: um direito que se descodificou (no Brasil, a matéria nuclear direito de empresa está no Código Civil de 2002, mas há vários microssistemas legislativos específicos, como a Lei de Falência e Recuperação, a Lei das Sociedades Anônimas, a Lei de Propriedade Industrial etc.), deixou de regular apenas os atos de comércio e adotou a teoria da empresa, passando a ser um regime jurídico que disciplina toda e qualquer atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, hodiernamente se pode definir o Direito Empresarial, de maneira bem simples e sucinta, como o ramo do Direito Privado que regula toda e qualquer atividade econômica organizada (empresa) e aqueles (pessoas físicas ou jurídicas) que as exercem profissionalmente (empresários). 1.2. ORIGEM: O DIREITO MERCANTIL Durante muito tempo, as normas que regulavam as atividades econômicas e aqueles que as exerciam de modo profissional eram poucas e

18 Direito Empresarial Vol. 25 André Luiz Santa Cruz Ramos esparsas, fazendo parte do Direito comum. Assim, na Idade Antiga e em boa parte da Idade Média não se podia falar na existência de um Direito Empresarial, entendido este como um regime jurídico específico de regras e princípios destinados a disciplinar o mercado e seus agentes. (CESPE/PROMOTOR/MPAC/09-03-2014) Considerando a evolução histórica do direito empresarial, julgue: O direito romano apresentou um corpo sistematizado de normas sobre atividade comercial. * A afirmativa foi considerada ERRADA. O surgimento do Direito Empresarial, portanto, é um acontecimento histórico que começa a ser verificado da metade para o final da Idade Média, período em que o modo de produção feudal entrou em declínio e passou a ser substituído pelo mercantilismo. Foi nessa época que começaram a se desenvolver normas e institutos jurídicos especiais para a disciplina das atividades econômicas, em função do incremento do comércio propiciado pelo período denominado de Renascimento Mercantil. Em razão da descentralização política existente nesse período prévio à formação dos Estados Nacionais modernos, a tarefa de criar e aplicar esse novo Direito coube a entidades privadas, as famosas Corporações de Ofício medievais (guildas), que eram associações de profissionais de uma determinada área, com destaque para os comerciantes (mercadores). Cada corporação tinha suas próprias regras, que correspondiam aos usos e costumes mercantis de cada localidade, os quais eram compilados e reunidos no respectivo estatuto. Para aplicação dessas regras, havia Juízos ou Tribunais consulares: os próprios membros da corporação elegiam cônsules, que funcionavam como árbitros nos eventuais litígios entre associados de uma mesma entidade. Tratava-se, pois, de um direito consuetudinário e corporativista. Nessa primeira fase do Direito Empresarial, podemos citar o surgimento de normas e institutos jurídicos específicos que até hoje integram esse regime jurídico: títulos de crédito (letra de câmbio e nota promissória), sociedades (podem ser destacadas as comendas medievais, que são consideradas o embrião das sociedades em comandita, ainda existentes em nosso ordenamento jurídico), algumas espécies pioneiras de contrato (contratos de seguro, por exemplo), instrumentos de escrituração (sistema de

Cap. 1 Teoria Geral do Direito Empresarial 19 partidas dobradas, muito conhecido pelos profissionais de contabilidade), proteção jurídica de sinais distintivos (marcas, por exemplo) etc. 1.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA: DO DIREITO COMERCIAL AO DIREITO EMPRESARIAL Após esse período inaugural do Direito Mercantil, o comércio se intensificou progressivamente, sobretudo em função das feiras e dos navegadores. O sistema de jurisdição especial mencionado no tópico antecedente, surgido e desenvolvido principalmente nas cidades marítimas italianas, difundiu-se por toda a Europa. Com a formação dos Estados Nacionais monárquicos, as Corporações de Ofício vão perdendo poder político, e a jurisdição privada antes por elas exercida vai dando lugar a uma jurisdição estatal: deixa-se de ter um Direito consuetudinário e corporativista e passa-se a ter um Direito posto e aplicado pelo Estado a todos os cidadãos, independentemente de filiação a uma entidade associativa. Esse período é marcado principalmente pela edição das grandes codificações, merecendo destaque, nesse contexto, a edição da Codificação Napoleônica, na França: o Código Civil de 1803/4 e o Código Comercial de 1807/8. O Direito Comercial ingressava na sua segunda fase evolutiva e se consolidava como um regime jurídico especial de Direito Privado, regime esse que era autônomo, independente e separado do Direito Civil. (CESPE/PROMOTOR/MPAC/09-03-2014) Considerando a evolução histórica do direito empresarial, julgue: A edição do Código Francês de 1807 é considerada o marco inicial do direito comercial no mundo. * A afirmativa foi considerada ERRADA. 1.3.1. Teoria dos atos de comércio Essa divisão do Direito Privado, com dois grandes códigos legais a reger as relações jurídicas entre particulares, criou a necessidade de estabelecimento de um critério que delimitasse a incidência de cada um desses regimes jurídicos. Mais precisamente, era preciso criar um critério que delimitasse o âmbito de incidência das regras do Código Comercial, já que estas

20 Direito Empresarial Vol. 25 André Luiz Santa Cruz Ramos configuravam um regime jurídico especial, contraposto ao regime jurídico geral composto pelas regras do Código Civil. Formulou-se, então, a teoria dos atos de comércio, que atribuía a quem praticasse esses atos, com habitualidade, a qualidade de comerciante, o que era pressuposto para a aplicação das normas do Código Comercial. Em suma: o Código Comercial regulava as relações jurídicas que envolvessem a prática de alguns atos definidos em lei como atos de comércio. Caso, todavia, a relação jurídica não envolvesse a prática de desses atos, ela não seria considerada uma relação mercantil e, portanto, seria regida pelas normas do Código Civil. (CESPE/PROMOTOR/MPAC/09-03-2014) Considerando a evolução histórica do direito empresarial, julgue: A teoria dos atos de comércio foi adotada, inicialmente, nas feiras medievais da Europa pelas corporações de comerciantes que então se formaram. * A afirmativa foi considerada ERRADA. A definição dos atos de comércio coube ao próprio legislador, o qual optava ou por descrever as suas características básicas como fizeram o Código de Comércio português de 1833 e o Código Comercial espanhol de 1885 ou por enumerar, num rol de condutas típicas, que atos seriam considerados de mercancia como fez o legislador brasileiro no já revogado Regulamento 737/1850. Nessa segunda fase do Direito Comercial, portanto, pode-se perceber uma importante mudança: a mercantilidade de uma determinada relação jurídica, antes definida pela qualidade dos seus sujeitos (o Direito Mercantil era o Direito aplicável aos membros das Corporações de Ofício), passa a ser definida pelo seu objeto (o Direito Comercial passa ser aplicável sempre que uma determinada relação envolver a prática de um ato de comércio, conforme definido pela legislação). 1.3.1.1. Problemas da teoria dos atos de comércio Adotando-se a concepção predominante do jurista italiano Alfredo Rocco, costumavam-se definir os atos de comércio como aqueles que possuíam a função comum de intermediação na efetivação da troca: os atos de comércio seriam aqueles que ou realizavam diretamente a referida

Cap. 1 Teoria Geral do Direito Empresarial 21 intermediação (atos de comércio por natureza, fundamental ou constitutivo) ou facilitavam a sua execução (atos de comércio acessórios ou por conexão). Por mais abrangente que fosse tal definição, porém, o fato é que uma série de outras atividades econômicas, tão importantes quanto a mercancia (os atos de comércio), não se enquadravam nela. Historicamente, a prestação de serviços e as atividades rurais, por exemplo, não foram consideradas como atos de comércio, o que acarretava uma disciplina não isonômica do mercado: certos agentes eram considerados comerciantes, submetendo-se às normas do Código Comercial, enquanto outros ficavam excluídos desse regime jurídico. 1.3.2. Teoria da empresa Com o passar dos anos, as atividades econômicas foram tornando-se cada vez mais complexas, e a teoria dos atos de comércio, consequentemente, mostrou-se incapaz de continuar norteando a disciplina jurídica do mercado. Isso porque aquela noção de Direito Comercial centrada no conceito de ato de comércio e na figura do comerciante estava ultrapassada diante da nova realidade econômica. Foi necessário, então, que se criasse um novo critério para delimitar a abrangência do regime jurídico comercial. Dito de outra forma, foi preciso desenvolver uma nova teoria para nortear a disciplina jurídica das atividades econômicas, as quais, dada a sua complexidade, não eram devidamente abrangidas pela teoria dos atos de comércio, que se restringia, conforme visto, às atividades de mercancia (o comércio propriamente dito e outras atividades afins). Ademais, a divisão do Direito Privado provocada pela codificação napoleônica, que contrapôs dois códigos de leis para a disciplina das atividades civis e comerciais, respectivamente, passou a ser criticada por parte da doutrina privatista, que pregava a necessidade de unificação. Foi nesse contexto, então, que o Direito Empresarial passou por uma reformulação, e o marco histórico identificador dessa mudança foi a edição do Código Civil italiano de 1942, que adotou uma nova teoria para a disciplina jurídica das atividades econômicas: a teoria da empresa. À luz dessa teoria, o Direito Empresarial desvia seu foco do binômio ato de comércio/comerciante para o binômio empresa/empresário.

22 Direito Empresarial Vol. 25 André Luiz Santa Cruz Ramos (CESPE/PROMOTOR/MPAC/09-03-2014) Considerando a evolução histórica do direito empresarial, julgue: É de origem francesa a teoria da empresa, adotada pelo atual Código Civil brasileiro. * A afirmativa foi considerada ERRADA. Com efeito, com a adoção da teoria da empresa, o Direito Empresarial deixa de lado aquela ideia de um regime jurídico voltado exclusiva ou preponderantemente para a mercancia (comércio e outras atividades afins), que não abrangia uma série de atividades não compreendidas na noção de ato de comércio, e passa a disciplinar toda e qualquer atividade econômica, desde que organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços e exercida com profissionalismo. O mais importante, portanto, com a edição do Código Civil italiano e a formulação da teoria da empresa é que o Direito Empresarial deixou de ser, como tradicionalmente o foi, o Direito do comerciante (período subjetivo das Corporações de Ofício) ou o Direito dos atos de comércio (período objetivo da codificação napoleônica), para tornar-se o Direito da empresa (qualquer atividade econômica organizada) e alcançar, assim, uma maior gama de relações jurídicas. O Direito Empresarial entrou, enfim, na terceira fase de sua etapa evolutiva, superando o conceito de mercantilidade para definir as relações sob a sua disciplina e adotando, conforme visto, o critério da empresarialidade como forma de delimitar o âmbito de incidência das suas normas. Em síntese, o norte desse novo Direito Empresarial deixa de ser o ato de comércio (que era o norte do antigo Direito Comercial) e passa a ser a empresa. 1.3.2.1. Conceitos de empresa e empresário Conforme dito, não se concebe mais a ideia de um Direito Comercial como regime jurídico especial para a disciplina das atividades mercantis (atos de comércio) e de seus praticantes habituais (comerciantes). Hodiernamente, prevalece a ideia de um Direito Empresarial, regime jurídico especial voltado para disciplina de toda e qualquer atividade econômica organizada (empresa) e daqueles que exercem tais atividades profissionalmente (empresários).

Cap. 1 Teoria Geral do Direito Empresarial 23 Feita essa observação, pode-se então concluir que empresa é uma atividade, enquanto empresário é quem exerce essa atividade de modo profissional. ``Importante! A definição do conceito jurídico de empresa é até hoje um problema para os doutrinadores do direito empresarial. Isso se dá porque empresa, como bem lembrou Asquini, é um fenômeno econômico que compreende a organização dos chamados fatores de produção: natureza, capital, trabalho e tecnologia. Transposto o fenômeno econômico para o universo jurídico, a empresa acaba não adquirindo um sentido unitário, mas diversas acepções distintas. Daí porque o referido jurista italiano observou a empresa como um fenômeno econômico poliédrico, com quatro perfis distintos quando transposto para o Direito: a) o perfil subjetivo, pelo qual a empresa seria uma pessoa (física ou jurídica, é preciso ressaltar), ou seja, o empresário; b) o perfil funcional, pelo qual a empresa seria uma particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo, ou seja, uma atividade econômica organizada; c) o perfil objetivo (ou patrimonial), pelo qual a empresa seria um conjunto de bens afetados ao exercício da atividade econômica desempenhada, ou seja, o estabelecimento empresarial; e d) o perfil corporativo, pelo qual a empresa seria uma comunidade laboral, uma instituição que reúne o empresário e seus auxiliares ou colaboradores, ou seja, um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum. ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Tradução de Fábio Konder Comparato. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 104, outubro-dezembro de 1996, pp. 109-126. (CONSULPLAN CARTÓRIOS REMOÇÃO TJ MG/2017) O Código Civil brasileiro adotou, de forma indireta, uma definição para o termo jurídico empresa. Levando em conta, esta definição, amplamente aceita e adotada pela doutrina pátria, a palavra-chave que está presente nesta definição é A) atividade. B) pessoa. C) coisa. D) instituição. Gabarito: A. Empresa é uma atividade econômica (realizada com intuito e lucro) organizada (realizada com articulação dos diversos fatores de produção:

24 Direito Empresarial Vol. 25 André Luiz Santa Cruz Ramos capital, mão de obra, insumos e tecnologia), voltada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (veja-se que a expressão empresa não se restringe a algumas atividades específicas, como acontecia com a expressão ato de comércio, que tinha seu conceito restrito ao comércio e algumas atividades afins: empresa é qualquer atividade econômica, podendo ser voltada para a produção de bens ou de serviços ou para a circulação de bens ou de serviços). Empresário, por sua vez, é quem exerce empresa (isto é, quem exerce uma atividade econômica organizada) e o faz de modo profissional, ou seja, com habitualidade (o exercício de atividade econômica de forma esporádica, pois, não caracteriza ninguém como empresário) e pessoalidade (assumindo os riscos do negócio que empreende: o empresário sabe que empreender pode lhe render bons lucros, mas sabe também que essa atividade pode lhe trazer sérios prejuízos). Empresa atividade econômica organizada Empresário pessoa física ou jurídica que exerce empresa profissionalmente 1.3.3. Unificação do Direito Privado Além de ter adotado a teoria da empresa, o Código Civil italiano de 1942 rompeu com a tradição de dividir o Direito Privado em dois grandes códigos de leis o Código Civil e o Código Comercial e promoveu uma tentativa de unificação do Direito Privado, disciplinando as relações civis e empresariais num único diploma legislativo. Note-se, porém, que essa unificação provocada no Direito Privado pela codificação italiana foi meramente formal, uma vez que o Direito Empresarial, a despeito de não possuir mais um diploma legislativo próprio, conservou sua autonomia didático-científica. Afinal, como bem destaca a doutrina majoritária a respeito do assunto, o que define um determinado ramo do Direito como autônomo e independente não é a existência de um código próprio contendo suas regras, e sim o fato de esse ramo do Direito constituir um regime jurídico específico, com institutos jurídicos típicos, características específicas e princípios próprios que possam identificá-lo e diferenciá-lo dos demais. E isso, sem sombra de dúvidas, o Direito Empresarial possui, desde a sua origem até a presente data.

Cap. 1 Teoria Geral do Direito Empresarial 25 1ª FASE (Direito Mercantil) Corporações de Ofício Direito consuetudinário Caráter corporativista/subjetivista 2ª FASE (Direito Comercial) Codificação Napoleônica Divisão do Direito Privado Teoria dos atos de comércio 3ª FASE (Direito Empresarial) Código Civil italiano de 1942 Unificação formal do Direito Privado Teoria da empresa 1.4. CARACTERÍSTICAS DO DIREITO EMPRESARIAL O Direito Empresarial, como regime jurídico específico que disciplina toda e qualquer atividade econômica organizada (empresa) e aqueles que as exercem profissionalmente (empresários), conserva uma série de características que o distinguem das demais disciplinas jurídicas. São características fundamentais do Direito Empresarial, que o diferenciam sobremaneira do Direito Civil: a) o cosmopolitismo, uma vez que o comércio, historicamente, foi fator fundamental de integração entre os povos, razão pela qual o seu desenvolvimento propicia, até os dias de hoje, uma intensa inter-relação entre os países (note-se que em matéria de Direito Empresarial há diversos acordos internacionais em vigor, muitos dos quais o Brasil é signatário, tais como a Convenção de Genebra, que criou uma legislação uniforme sobre títulos de crédito, e a Convenção da União de Paris, que estabelece preceitos uniformes sobre propriedade industrial); b) a onerosidade, dado o caráter econômico e especulativo das atividades mercantis, que faz com que o intuito de lucro seja algo intrínseco ao exercício da atividade empresarial; c) o informalismo, em função do dinamismo da atividade empresarial, que exige meios ágeis e flexíveis para a realização e a difusão das práticas mercantis; d) o fragmentarismo, pelo fato de o Direito Empresarial possuir uma série de sub-ramos com características específicas (direito falimentar, direito cambiário, direito societário, direito de propriedade industrial etc.); e e) a elasticidade, o Direito Empresarial permanece em constante processo de mudança, para melhor se adequar ao dinamismo das atividades econômicas.

26 Direito Empresarial Vol. 25 André Luiz Santa Cruz Ramos (JUIZ MG 2009) Marque a opção INCORRETA. As características principais do Direito Empresarial são as seguintes: A) Informalismo. B) Fragmentário. C) Cosmopolita. D) Sistema jurídico harmônico. Gabarito: D. 1.5. PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL A Constituição Federal de 1988, em seu art. 170, elenca os princípios gerais da atividade econômica em nosso ordenamento jurídico, merecendo destaque alguns deles para o Direito Empresarial. 1.5.1. Função social da empresa Obviamente, o mencionado art. 170 da Constituição Federal prevê a propriedade privada como um dos princípios gerais da atividade econômica (inciso II). Afinal, sem propriedade privada, especialmente quanto aos chamados bens de produção, não existe mercado. O mesmo dispositivo constitucional, no entanto, também prevê a função social da propriedade como princípio geral da atividade econômica (inciso III). É dessa combinação de princípios propriedade privada e função social da propriedade que decorre outro princípio muito importante para o Direito Empresarial: a função social da empresa. O estudo desse princípio, no Brasil, remonta a um conhecido ensaio intitulado função social de propriedade dos bens de produção, de autoria de Fábio Konder Comparato. Conforme visto, empresa é uma atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços, e empresário é a pessoa, física ou jurídica, que exerce profissionalmente uma empresa. Ademais, conforme veremos adiante, estabelecimento empresarial é o conjunto organizado de bens, materiais ou imateriais, usados pelo empresário no exercício de uma empresa.