A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO ADJACENTE PARA AS ARTES DO



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Transcrição:

HISTÓRIA CULTURAL: ESCRITAS, CIRCULAÇÃO, LEITURAS E RECEPÇÕES Universidade de São Paulo USP São Paulo SP 10 e 14 de Novembro de 2014 A CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO ADJACENTE PARA AS ARTES DO CORPO - A EXPERIÊNCIA DO GRUPO ILEA Priscilla Danielle Gonçalves de Paula * Hibridismo, experiências multimidiáticas, intersemiose, renúncia ao estético ou à materialidade, imediatismo, presença do corpo do artista ou do corpo do espectador, experiências coletivas e compartilhadas são algumas das principais especificidades da performance que se consolida na arte atual com uma amplitude experimental quase degenerativa. Há ainda um estranhamento com relação a essa forma de expressão, principalmente quando a colocamos frente a frente com outras linguagens cuja tradição de séculos garante que suas práticas sejam circunscritas dentro de discurso supostamente mais direto e claro. Porém, tal característica da performance, isso que chamamos de degeneração, ou seja, um desvio parcial ou total dos discursos mais tradicionais, será também sua qualidade mais sedutora. É ainda correto afirmar que as especificidades acima citadas colocam a performance na cena contemporânea como uma linguagem que se atualiza com uma rapidez invejável. Porém também são elas que tornam alguns trabalhos excessivamente perturbadores, ruidosos, chegando ao ponto de levar a performance ao limite do aceitável. Mas é o flerte com o universo da geringonça, do mal feito, do mal enjambrado, que faz com que a performance seja amiúde precocemente avaliada como uma arte de fácil Página1 * Instituto de Artes e Design IAD. Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF

execução e de pouca solidez conceitual, complicando sua fruição em alguns casos. Na tríade artista, público e crítica, qualquer performer sabe que apesar da simplicidade de certas idéias ou gestos, a qualificação e o mérito em trabalhos de arte contemporânea são provenientes da soma de várias circunstâncias que uma obra propõe além da sua superfície. Na mesma medida, qualquer crítico de arte contemporânea sabe também sobre a dificuldade em se analisar trabalhos muito precários visualmente mas que, apesar do pouco acabamento formal, têm potência poética e se constroem a partir de pesquisas artísticas sérias. E finalmente não podemos esquecer que apesar do grande espaço que atualmente a cultura pop reserva às artes do corpo, existe um preconceito especialmente dirigido à performance, que faz com que o grande público já espere dela ou algo muito hermético e indecifrável ou simplesmente nudez. Este complexo lugar que oscila entre a preciosidade e o refugo tem chamado a atenção dos artistas que buscam na prática da performance um espaço de reconhecimento de seus trabalhos. Partindo do pressuposto de que toda arte deve ser mostrada e que a performance especificamente acontece a partir de uma interlocução bastante direta entre o artista e seu público, a pergunta que começamos a fazer foi: Onde fazer performance? ESPAÇOS E LUGARES A performance como a conhecemos hoje nasceu nos anos 1960, apesar de já ter sido anunciada em meados de 1950. Sabemos que neste período a arte se caracterizava pela desmaterialização, pela ampliação do campo de ação e pelo seu deslocamento dos lugares comuns, como museus, salões e feiras onde os objetos de arte eram vistos e comercializados desde então. A arte daquela época começou a sair destes espaços institucionalizados e deslocou-se principalmente para os espaços públicos. A performance obviamente será bem acolhida fora da galeria, no meio da cidade, mas também em espaços privados como casas, ateliês e festas de artistas. É interessante observar que muitas vezes, apesar de estar em espaço público, a performance clama por um espaço privado em sua fruição, um espaço interno que o observador e/ou participante deve cavucar dentro de si. 1 Na performance há uma instância muito íntima que diz Página2 1 Este diálogo íntimo que se instaura nas performances, não é exclusivo obviamente. Podemos, por exemplo, senti-lo nas pinturas de forma muito profunda, na cumplicidade silenciosa entre a imagem e o observador. Cada trabalho artístico encontra o caminho para tocar subjetivamente seu interlocutor, porém algumas linguagens, como a performance, fazem desta estratégia sua plataforma de ação.

respeito diretamente ao artista e ao seu corpo, pois é lá, no seu corpo ou através dele que o trabalho deve ocorrer. Um exemplo é a performance de Bruce Nauman "Walking in an Exaggerated Manner around the Perimeter of a Square" (1967-68). Andar de forma exagerada sobre um quadrado desenhado no chão provavelmente era um problema muito particular a Nauman e para que esse gesto, essa ação, se tornasse poesia precisava ser inserido no contexto da arte contemporâneas, única entre todos os demais sistemas (artísticos ou não) capaz de dar conta e sentido à questão problematizada pelo artista. E aqui excluímos a toda a tradição da dança e toda a pesquisa moderna e/ou contemporânea do movimento como dança pois o que Nauman propõe não pode ser resolvido por essa via por, simplesmente, não ser dança. É provável que nem a filosofia seria capaz de inferir sobre esse tipo de questão tão pessoal, tão corporal, tão plástica."walking in an Exaggerated Manner around the Perimeter of a Square foi um trabalho especifico gravado em vídeo e realizado no espaço privado do ateliê, Nauman comunica-se silenciosamente conosco andando de maneira estranha e cadente ao redor de um desenho no chão. O que ele nos diz aqui, ou tenta dizer, é criado a partir de um gesto que o artista oferece ao mundo. Como arte ao vivo a performance muitas vezes acontecia com hora marcada, com um público especifico e convidado para seu evento. Mas também acontecia na rua, de repente, de maneira surpreendente como From the protifolio of Doggedness (1968) de Valie Export ou "Following Piece (1969) de Vito Acconci. Rapidamente percebeuse a dificuldade de comercializar, reproduzir, registrar e sistematizar uma tipologia dentro da arte performática, ela acontecia em qualquer lugar e de variadas maneiras. A performance, longe de ser uma arte homogênea, foi assim sendo assimilada e preferida como expressão poética por um enorme número de artistas que a entenderam como a forma de mais original e mais marginal de se fazer arte. No entanto, o que vemos atualmente nos mostra outro panorama. A marginalidade da performance pode ser atualmente questionada, a tecnologia tem ajudado imensamente nas questões de registro e documentação dos trabalhos, gerando discussões importantes sobre a presença e ausência do artista e sobre a reprodução de algumas obras mais emblemáticas. Muitos trabalhos vêm sendo comprados por museus e galerias que detêm os direitos não apenas de apresentação de seus documentos e vestígios, bem como, detêm também os direitos de reprodução de determinados programas, por mais inesperados que sejam os formatos. Isso ocorre principalmente com relação à compra e Página3

venda de trabalhos de artistas vivos que deixam registrados nos contratos de comercialização das obras todas as especificações necessárias para a realização do trabalho naquele espaço institucional. Um exemplo interessante é a artista brasileira Laura Lima, que apesar de não produzir performance, produz trabalhos cuja imagem é criada por corpos vivos de animais (humanos e aves por exemplo) e vegetais. A artista vendeu trabalhos a importantes instituições brasileiras (Inhotim, MAM-SP) deixando instruções claras sobre como os trabalhos podem ser recriados para mostras posteriores. Temos também artistas já falecidos que deixaram instruções específicas em notas e cadernos de ateliê sobre a montagem e processamento de obras. Este tipo de relação entre o trabalho e sua montagem pode ser melhor estudado nas categorias de instalações (artistas como Marcel Duchamp e Helio Oiticica deixaram extensa documentação sobre seus trabalhos e montagem destes), porém artistas da performance, das intervenções e das poéticas tecnológicas têm também trabalhado neste sentido. Tudo isso, o que diz respeito ao espaço objetivo e ao lugar conceitual da performance na atualidade, chamou-nos atenção como grupo de artistas e pesquisadores das artes do corpo. O potencial experimental de nossas proposições foi afetado e em posse de todas essas questões o grupo de pesquisas "Intervenções em lugares, espaços e adjacências (ILEA) desenvolveu um projeto onde percursos performáticos pudessem ser desenvolvidos dentro e fora da escola de artes. Buscamos desenvolver um espaço coletivo, acessível e confortável em que possível pesquisar e realizar a performance. 6 HORAS DE PERFORMANCE NA FEIRA O projeto 6 horas de performance na feira foi a primeira experiência significativa que o grupo de pesquisas teve entre seus integrantes. Apesar de nunca ter assumido o emblema de coletivo artístico, o ILEA em 2011 (ano que foi certificado pelo Cnpq) era mais um grupo de trabalho que um grupo de pesquisas formal. Criado dentro do Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com objetivo de suprir a demanda de estudos sobre proposições artísticas cujo foco fosse o corpo, o grupo visava a investigação e a prática nas performances, fotografias e video performances, principalmente. Desde o início foi marcante a participação dos alunos da graduação dos cursos de Artes e Design oferecidos pelo IAD, bem como de artistas locais fazendo com que o ILEA se caracterizasse mais pela prática artística que pela pesquisa Página4

acadêmica naquele primeiro ano. Hoje o grupo vem desenvolvendo tanto a prática quanto a pesquisa nas mais diversas linguagens que colocam o corpo, todo ele ou partes dele, como foco poético. Nossa preocupação atual têm sido através da pesquisa, ampliar o campo da ação artística para práticas não apenas voltadas à performance, mas também à educação, ao ensino de artes e à formação de artistas. Em 6 horas de performance na feira participaram treze artistas e estudantes que ocuparam o espaço público da feira de domingo da Av. Brasil em Juiz de Fora (MG) durante seis horas propondo ações, performances, intervenções e transvenções espaciais e humanas. Os trabalhos apresentados diziam respeito tanto aos problemas mais comuns do corpo na arte contemporânea, quanto à investigação pessoal de cada artista. Havia uma formação e interesses tão heterogêneos que passear pelas fronteiras que uniam o pessoal e o coletivo, o individual e o público, parecia ser uma excelente idéia. Os artistas apresentaram suas performances e ações coletivas muito motivados pelo potencial relacional dos trabalhos e da feira livre. As questões trabalhadas nestas seis horas foram o tempo; a própria realidade da feira, objetual e humana; as trocas, concretas e simbólicas que envolvem o comercio objetivo e subjetivo onde pessoas e coisas fazem a cena. Houve trabalhos com participação muito direta entre os transeuntes e os artistas. Por exemplo, a proposta da artista e coordenadora do grupo Priscilla de Paula foi construir uma grande mandala com centenas de pequenos objetos retirados do seu cotidiano e outros comprados na própria feira. Inspirada pela tradição budista, ao finalizar o trabalho, a artista permitiu que o público levasse objetos que desejavam destruindo assim, sequencialmente, a mandala; porém, para levar um objeto, em troca, a pessoa deveria responder à pergunta: o que é o tempo? Sob outra ótica, mas também pensando no tempo e no campo das economias simbólicas, Haverá muito tempo para escolher a palavra certa de Luciana Maia, criava um espaço solitário e interno. A artista realizou três trajetos de ida e volta muito curtos nestas seis horas, menos de 10 metros entre o ponto de partida e o de chegada, o que supunha um caminhar muito lento e um gesto muito esforçado. Ao terminá-los Luciana escrevia uma palavra em seu corpo. Ao final, com as seis palavras, um poema urbano, poema comprado na feira, com seu tempo, seu suor e reflexão. Todos os trabalhos na feira, uns fruto de pesquisas artísticas mais maduras, outros fruto de experiências que acabavam de ser forjadas na performance, mostraram ao grupo a necessidade de se criar na cidade um espaço-lugar periódicos onde a performance Página5

pudesse ser realizada e pesquisada. Assim nasceu o projeto dos Festivais de Artes do Corpo (FAC). O FESTIVAL DE ARTES DO CORPO E AS REPERFORMANCES A proposta foi criar um festival anual onde as poéticas centradas no corpo pudessem ser analisadas e experimentadas tanto pelos estudantes, artistas e pesquisadores, quanto pelo público interessado em geral. O FAC tornou-se o estabelecimento das ações extensionistas em performance na UFJF, ganhando muita visibilidade não só local, na Zona da Mata Mineira, mas também nacional mente ao promover a circulação de propostas artísticas e a conseguinte formação de um público de arte contemporânea mais crítico. O FAC2 é hoje um evento anual já consolidado. O festival conta já com o apoio do Instituto de Artes e Design, com o apoio da Proex e da Procult da UFJF na forma de institucionalização e de financiamento do projeto em todas as suas etapas - organização, realização e divulgação do evento. Um dos principais objetivos do projeto FAC é promover a produção artística e teórica da comunidade acadêmica do IAD e levá-la aos demais setores da sociedade, local e nacional. O I FAC contou com 14 inscrições de proposições artísticas e o II FAC com 40 inscrições de proposições artísticas e com 20 de comunicações. Houve a participação de convidados artistas e pesquisadores de reconhecimento nacional, como Lucio Agra (PUC-SP), pesquisador e artista de referência na performance nacional, autor do livro "Monstrutivismo: a reta e a curva das vanguardas e de vários artigos de referência; Viviane Matesco (UFF), importante crítica de arte e pesquisadora da área das poéticas do corpo, autora do livro Corpo, imagem e representação"; Michel Groisman (RJ), artista performático premiado pelo programa Rumos Itaú; Adilson Nascimento (Unicamp), professor, pesquisador e bailarino premiado com o projeto Naitan. Todo o Festival é organizado em conjunto com os alunos que participam do grupo de pesquisas ILEA e com o apoio de professores do IAD. Atualmente o FAC participa de um fórum instituído por organizadores de festivais e encontros de artes do corpo em todo Brasil no intuito de promover um circuito anual de eventos por todo o Página6 2 O I FAC: reperformance foi realizado em 2012 na Casa de Cultura da UFJF. O II FAC: corpo ampliado foi realizado em 2013 no MAMM UFJF. O III FAC: ausência e presença na performance será realizado no IAD da UFJF em dezembro de 2014.

território nacional. O III FAC: ausência e presença na performance irá acontecer nos dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2014. Terá como convidados a bailarina Daniella Aguiar; os artistas Maria Eugênia Matricardi e Diego Azambuja, ambos integrantes do coletivo Corpos Informáticos criado por Bia Medeiros; e finalmente Rodrigo Munhoz AKA Amor Experimental de São Paulo. Receberemos também vinte e nove artistas de todo o Brasil que farão performances ou participarão das mostras de vídeo e fotografia; além de pesquisadores que participaram para mesas redondas e grupos de discussão. Porém somente o FAC não era suficiente para suprir a necessidade deste espaço amplo onde a performance pudesse acontecer de fato na prática e na pesquisa. Por estarmos dentro da universidade questões como ensino e formação do artista eram constantes em nossas discussões. Assim nasceu o projeto de pesquisa Reperformance como poética e como processo de ensino-aprendizagem que retomava o tema do I FAC agora pensado não apenas como operação artística mas como estratégia educacional. O projeto Reperformance se propõe a estudar e realizar releituras de performances emblemáticas realizadas no século XX, promovendo assim tanto a criação artística quanto novos processos de ensino-aprendizagem em performance, aplicados à formação do artista no ensino superior. O projeto se orienta segundo a crítica sobre a estética da pós-produção na arte contemporânea de Nicolas Bourriaud (2004); segundo as questões colocadas por Thierry de Duve sobre os novos paradigmas no ensino das artes na universidade e na formação do artista (2012); na pedagogia da autonomia de Paulo Freire; e no debate contemporâneo sobre performance e documentação que aponta para questões fundamentais como: em que medida o documento na performance é dotado de valor poético? Ou, como os registros na performance podem tornar-se uma proposição artística? Ou ainda, como ampliar a participação e fruição da performance a partir de novas" abordagens sobre presença e experiência? Reperformance como poética e como processo de ensino-aprendizagem parte do pressuposto que a performance é uma linguagem cuja especificidade está na ação proposta e não exatamente na imagem ou produto oferecido ao participante-espectador. Isso quer dizer que a prática do trabalho e as relações circunstâncias deste acontecimento são o que de fato constroem toda a poética da performance. Tal efemeridade garante a autenticidade de cada trabalho. Cada ação é única, independente das possíveis repetições e edições. Concomitantemente e de acordo com as questões problematizadas por Nicolas Bourriaud sobre a estética da pós-produção (interpretar, reproduzir, assimilar, tomar para Página7

si, resignificar, ou apenas reexpor produtos culturais disponíveis ou obras de arte realizadas por terceiros), entendemos que reorganizar ou replicar obras de arte pode ser tão inventivo quanto criar algo supostamente inédito. Outro aspecto importante que permeia nosso projeto de pesquisa é a proliferação atual das práticas artísticas do corpo, especialmente no campo da performance, e seu potencial como objeto de estudo e experimentação no ensino superior de artes e na formação de artistas. Os elementos singulares que definem a prática performática no campo das artes visuais, já apontados anteriormente, indicam a impossibilidade de reprodução de qualquer ação deste tipo. Essa especificidade da linguagem faz com que qualquer tentativa de cópia seja na verdade um exercício de invenção, bem adequado aos paradigmas da estética da pós-produção, que pode ser empregado como processo de ensino-aprendizagem, conjugando tanto a continuidade histórica e quanto a prática criativa na formação artística. Instalados então os principais pontos do projeto, trabalhamos a reperformance, ou seja, o processo de repetir ou refazer de forma diversa performances históricas conforme suas documentações. Como resultado, estamos produzindo material audiovisual a partir dos registros destes novos trabalhos para uso nas disciplinas do Bacharelado em Artes Visuais do Instituto de Artes e Design. Todo material de pesquisa e de referência será também utilizado no grupo de pesquisa ILEA. A questão problematizada neste projeto é: - Se repetir e recriar obras artísticas no espaço da escola é uma prática já legitimada por sua eficácia pedagógica, como bem coloca Thierry de Duve em Fazendo escola (ou refazendo-a?) (2012); - Se repetir e recriar obras artísticas num contexto experimental e profissional é uma prática também legitimada por sua capacidade de recarregar formas ultrapassadas com novos significados e usos, como bem coloca Bourriaud (2004); Por que não desenvolver, desde a prática da reperformance, material audiovisual expressivo e produtivo tanto no sentido pedagógico quanto poético. Legitimado em seu valor como produção artística e como processo educativo propositor de ações para poetizar, fruir e conhecer arte? Página8

CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa vem sendo desenvolvida. Estamos na fase mais complicada que é a escolha dos artistas e dos trabalhos que irão ser reperformados pelo grupo. Temos nos debruçado na criação de um sumário ou roteiro que dê conta de agrupar determinadas performances em grupos ou tipos, o que tem sido bastante complicado, porém extremamente instrutivo. Toda a investigação tem sido a base para a construção das disciplinas voltadas para o estudo das artes do corpo no Bacharelado em Artes Visuais da UFJF e também a base ou fonte inspiradora para proposições artísticas e pessoais no campo da vídeo performance que vem sendo desenvolvida por membros de nossa equipe. Este material poético será mostrado em encontros, festivais e mostras de artes do corpo por todo o Brasil e não apenas no FAC. As vídeo performances que resultarão do projeto Reperformance" ampliarão nosso conhecimento e dos nossos alunos sobre a performance e as práticas artísticas centradas no corpo, entendendo como se desenvolvem não apenas na cena contemporânea, mas nos processos de formação do artista. Funcionarão também como trabalhos artísticos com estratégias inovadoras que poderão ser utilizados como material didático no ensino superior de artes. E finalmente esperamos sistematizar um acervo de informações e documentação para o grupo de estudos e pesquisas ILEA. A necessidade de atualização da informação sobre performance é constante, o acesso a novos conteúdos é fundamental tanto para pesquisadores do meio acadêmico quanto para artistas, alunos, ou qualquer outro profissional que trabalhe criativamente com base nas poéticas do corpo. Este é o espaço adjacente que lutamos para construir em nossa universidade: lugar de encontro entre o corpo a prática, a pesquisa e a formação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2004.. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2002. Página9

CYPRIANO, Fábio. Leia a entrevista de Marina Abramovic na íntegra. São Paulo, nov. 2010. Ilustrada. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2010/11/831250-leia-a-entrevista-de-marinaabramovic-na-integra.shtml>. Acesso em 04 abril 2014. DUVE, Thierry de. Fazendo escola (ou refazendo-a?). Chapecó: Argos, 2012. HELGUERA, Pablo. Educação para uma arte socialmente engajada. IN: Education for Socially Engaged Art. New York: Jorge Pinto Books, 2011.. Transpedagogia. IN: Education for Socially Engaged Art. New York: Jorge Pinto Books, 2011. JEUDY, Henri-Pierre. O Corpo como objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. GOLDBERG, Roselee. Performance art. New York: Harry N. Abrams, 1998.. Performance live art since the 60s. New York: Thames & Hudson, 2004. JEUDY, Henri-Pierre. O Corpo como objeto de Arte. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. LIGIÉRO, Zeca (ORG). Performance e antropologia de Richard Schechner. Rio de Janeiro: Mauad, 2012. MELIM, R. Performance nas artes visuais, Rio de Janeiro: Zahar, 2008. MATESCO, Viviane. Corpo imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. MOMA. Staging Action: Performance in Photography since 1960. Nova Iorque, maio 2011. Exhibitions. Disponível em: <http://www.moma.org/visit/calendar/exhibitions/1100>. Acesso em 04 abril de 2014. VERGINE, Lea. Body Art and Performance. Milão: Skira. 2000. WARR, Tracey. The artist s body. New York: Phaidon, 2000. Página10