O Mercado de Saúde Suplementar no Brasil 1



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Transcrição:

O Mercado de Saúde Suplementar no Brasil 1 Andrea Pereira Macera 2 Marcelo Barbosa Saintive 3 Outubro / 2004 1 O trabalho expressa as opiniões pessoais dos autores, não refletindo necessariamente as posições oficiais da Secretaria de Acompanhamento Econômico 2 Assessora do Gabinete. E-mail: andréa.macera@fazenda.gov.br. Esplanada dos Ministérios, Bloco P, sala 304, Ed. Sede, 70048-900, Brasília-DF. Tel: (61) 412-2372. Fax: (61) 412-1752 3 Secretário-Adjunto de Acompanhamento Econômico. E-mail: marcelo.saintive@fazenda.gov.br. Esplanada dos Ministérios, Bloco P, sala 309, Ed. Sede, 70048-900, Brasília-DF. Tel: (61) 412-2358. Fax: (61) 225-0971

RESUMO O trabalho versa sobre o mercado de saúde suplementar no Brasil. A intervenção do Governo Federal nesse mercado e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar para regular o setor associam-se a outras iniciativas institucionais ao longo da década de 1990. O regime por regulação se integra às iniciativas de defesa dos consumidores, buscando compensar as assimetrias existentes entre os agentes do setor e reduzir as falhas relativas ao risco moral, seleção de risco e seleção adversa. As novas regras estabelecidas a partir da Lei nº 9.656/98 deram aos usuários uma série de garantias. As operadoras, por sua vez, preocupam-se com o desequilíbrio econômicofinanceiro de suas empresas. O objetivo deste trabalho é apresentar um panorama geral do mercado de saúde suplementar antes e após a regulação do setor. 2

1 NATUREZA DA REGULAÇÃO DO SETOR A Constituição Federal de 1988, em seu art. 196, reza: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse momento, estabeleceram-se as bases do Sistema Único de Saúde (SUS), cujos fundamentos legais se consolidaram na Lei nº 8.080, de 19/09/90. O SUS pretendia superar um dos principais problemas do sistema de saúde brasileiro, qual seja, a fragmentação institucional e programática das instituições públicas, expressas na dicotomia entre a medicina previdenciária e as políticas preventivas do Ministério da Saúde. Um diagnóstico posterior do SUS revelou as dificuldades cotidianas de acesso aos serviços de saúde, as precárias condições de atendimento, a decadência das instalações físicas, mormente dos hospitais públicos de grande porte, e as dificuldades para manter e contratar recursos humanos. Os planos e seguros-saúde, isto é, o chamado mercado de saúde suplementar, passaram a ocupar um espaço cada vez mais extenso no sistema de saúde brasileiro. O mercado de saúde suplementar apresenta especificidades, expressas pelas relações contratuais estabelecidas entre seus agentes: paciente, operadora e provedor. Os problemas são claramente identificáveis: falhas na cobertura e exclusão de procedimentos, exigências indevidas para admissão de paciente, prazos de carência irregulares, descumprimento de normas de atendimentos de emergência, falta de cobertura para doenças crônicas e degenerativas, erros nas condições de validade e rescisão de contrato, dentre outros. A regulação do segmento de planos e seguros-saúde destina-se, portanto, a corrigir as falhas de mercado e as condições contratuais que afetam consumidores e empresas. A heterogeneidade de serviços de atenção à saúde, bem como a subjetividade na avaliação da qualidade dos mesmos, dificulta a disseminação efetiva da informação (ANS, 2002). Da assimetria de informação entre os agentes decorrem as principais falhas do mercado de saúde complementar: risco moral (moral hazard) e seleção adversa (adverse selection), por parte dos consumidores e provedores, e seleção de risco (cream-skimming ou cherry picking), por parte das operadoras. 3

O risco moral existe nas relações paciente-provedor e operadora-provedor (ANDRADE e LISBOA, 2000). No primeiro caso, verifica-se a ausência de uma estrutura de incentivos que permita aos consumidores racionalizar a escolha e uso de provedores, determinando um excesso de utilização dos serviços médicos. A presença de um terceiro pagador na relação paciente-provedor constitui-se fator determinante na sobreutilização dos serviços de saúde, uma vez que grande parte dos indivíduos adquire o plano/seguro-saúde através de um terceiro agente, seja ele governo ou empregador. No segundo caso, isto é, na relação operadora-provedor, os provedores têm incentivos a determinar maior demanda por serviços de saúde, pois são reembolsados segundo o volume de procedimentos realizados. Tais incentivos estão associados à possibilidade de auferir rendimentos em decorrência do maior volume de encaminhamentos (exames, internações etc.) e às tentativas de minimizar a incerteza dos diagnósticos. Dessarte, o risco moral conduz a uma sobreutilização dos serviços de saúde, que é incorporada ao cálculo dos gastos esperados, determinando elevação do valor dos prêmios/mensalidades por parte das operadoras e, conseqüentemente, o aumento de gastos com saúde. Outra falha de mercado advinda da assimetria de informação entre os agentes é a seleção adversa, entendida como a tendência do sistema de incorporar indivíduos de maior risco (STIGLITZ, 2000). No caso em que a operadora/seguradora aplique um único preço para todo o grupo e à medida que o valor da contraprestação pecuniária aumenta, aqueles indivíduos com menor probabilidade de necessitarem dos serviços de saúde (baixo risco) decidem não adquirir planos/seguros-saúde. Outrossim, aqueles indivíduos portadores de enfermidades graves (alto risco) terão interesse na aquisição do plano/seguro-saúde, onerando os demais participantes do plano/seguro. O resultado será um progressivo aumento de preços. Com o fito de se proteger da combinação de baixos prêmios e alto potencial de custo, as operadoras/seguradoras engajam-se na seleção de risco (prática conhecida por cream skimming ou cherry picking). Criam-se barreiras à entrada dos segurados no sistema, tais como a não aceitação de indivíduos com doenças pré-existentes ou a imposição de limites de cobertura. As operadoras/seguradoras tenderiam, portanto, a concentrar seus esforços de venda em indivíduos de baixo risco. A ineficiência toma a forma de aumento dos custos administrativos e de exclusão, além de estimativas de risco para clientes específicos (ALMEIDA, 1998). 4

Do ponto de vista da teoria econômica, o risco moral, a seleção adversa e a seleção de risco surgem da existência de uma assimetria de informação que, possibilitando uma falha de mercado, diminuem a eficiência e a quantidade de bemestar da sociedade, propiciando, nesse caso, uma utilização ineficiente dos recursos de saúde. A regulação destina-se, portanto, a corrigir tais falhas. A literatura internacional apresenta uma série de medidas para correção das citadas falhas (ALMEIDA, 1998). No caso da seleção adversa, algumas ações têm sido bastante efetivas e vão desde a compulsoriedade de inscrição e contribuição para todo indivíduo abaixo de determinado patamar de renda (como na Alemanha) até a obrigatoriedade das empresas em fornecer o plano de saúde aos seus empregados (como nos EUA). Para o risco moral e os custos inflacionários, têm sido utilizadas diversas práticas, dentre as quais destacam-se o resseguro, o co-pagamento e as medidas de contenção de custos sobre os prestadores. Para o controle da seleção de risco, os instrumentos ainda são pouco desenvolvidos. De modo geral, pode-se dizer que é bastante difícil e caro (em termos de financiamento, custo e gasto) corrigir as falhas do mercado de saúde. Ademais, a regulação dos seguros/planos privados não é capaz de proporcionar ampla cobertura para a população, mesmo que o Estado forneça subsídios para idosos, pobres e deficientes. O QUADRO 1, abaixo, apresenta um resumo das falhas de mercado, as principais medidas corretivas e seus resultados. 5

QUADRO 1 Falhas no Mercado de Assistência Médica, Medidas Corretivas e Resultados Falhas Conseqüências Medidas Resultados Seleção Adversa Seleção de Risco Risco Moral Pouca socialização do risco Não funcionamento do mercado Reduzido número de segurados Segregação de determinados grupos (idosos, deficientes, doentes crônicos) Sobreutilização dos serviços médicohospitalares Fonte: ALMEIDA, 1998, a partir de HSIAO (1995, p.133) Educação, subsídio fiscal. Cobertura universal Inscrição securitária permanente (por toda a vida) Proibição/restrição a exclusões Co-participação ; tickets moderadores ou médico geral ( porteiro ) Lista de espera Não efetivo Efetivo Efetivo Moderadamente efetivo Moderadamente efetivo Insatisfação do paciente De modo geral, pode-se dizer que a regulação do seguro privado em saúde atende a três objetivos principais (CHOLLETT e LEWIS, 1997): a) manutenção da estabilidade do mercado segurador, o que inclui a definição de padrões de entrada, operação e saída das empresas; b) regulação das relações pacienteseguradora/operadora-provedor, tendo em vista os problemas de assimetria de informação acima mencionados; e c) maximização do bem estar do consumidor, garantindo maior justiça e eqüidade no acesso aos serviços de assistência médicahospitalar. Decerto que a regulação do mercado de planos privados de assistência à saúde não corrige plenamente as falhas apontadas. Contudo, num mercado desregulado e competitivo, os custos administrativos serão maiores e a ausência de alguma forma de intervenção estatal levará ao aumento da ineficiência e da iniqüidade. 6

2 A REGULAÇÃO DA ASSISTÊNCIA MÉDICA SUPLEMENTAR NO BRASIL 2.1 HISTÓRICO No Brasil, a expansão do produto plano/seguro saúde iniciou-se na década de 60, motivada pelas deficiências de atendimento da rede pública. Em 1964, a Previdência Social iniciou financiamentos de assistência médica para as empresas, via convênios (a Volkswagen foi a primeira a se beneficiar desta política). As empresas assumiam a responsabilidade da prestação de assistência médica em contrapartida de uma dispensa de contribuição ao sistema nacional de assistência. Essa prática evoluiu em dois sentidos: a) prestação de serviços médicos; b) sublocação de grupos médicos autorizados o que favoreceu o crescimento da Medicina de Grupo até 1979, quando deixaram de ser homologados os convênios-empresa. Em 1967, foi criada a primeira cooperativa Unimed, buscando oferecer uma alternativa às empresas de medicina de grupo e ao atendimento previdenciário deficiente. Este tipo de grupo de médicos cresceu em diversas regiões do país, a ponto da Unimed se tornar sinônimo de cooperativa médica (atualmente a Unimed representa a maior parte das cooperativas médicas do País). Na mesma época, o Decreto-Lei 73, de 1966, instituiu o seguro saúde. Contudo, as seguradoras não puderam operá-lo devido à ausência de regulamentação. Somente em 1976, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) emitiu Resolução (CNSP 11/76) que autorizava o início das operações neste ramo. Nesta Resolução, o seguro foi denominado Reembolso de Assistência Médica e/ou Hospitalar e dava direito aos segurados de escolha do médico e/ou hospital, sendo posteriormente reembolsados pelo montante pago. Devido a tais características, não houve grande interesse por parte das seguradoras em iniciar suas operações nesta modalidade. Em 1977, a COMIND tornou-se a primeira seguradora a operar no setor de saúde, seguida pela Itaú. Somente em meados da década de 80 houve a entrada das atuais grandes seguradoras, tais quais Bradesco (1984) e Sul América (1986), propiciando um maior crescimento 7

deste mercado. Em 1988, foi permitido às seguradoras oferecer uma lista de referência de médicos para os segurados. O histórico do setor interferiu na expansão dos segmentos mencionados acima. A medicina de grupo cresceu nas décadas de 60 e 70, seguida das cooperativas a partir dos anos 70 (estas se destacam por sua atuação no interior do país). A década de 80 trouxe as seguradoras 4. No que concerne ao aspecto regulatório, verifica-se que a regulamentação das seguradoras sofreu pequenas alterações ao longo dos anos, o mesmo não ocorrendo com as cooperativas e empresas de medicina de grupo, que buscaram legislar internamente seus sistemas (GUERRA, 2001). Como será visto adiante, as seguradoras eram reguladas pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que estabelecia exigências mínimas para os produtos ofertados e fiscalizava as atividades. As empresas de medicina de grupo, através do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação (CONAMGE), estabeleceram, em 1990, um Código de Ética, tendo em vista a ausência de regulamentação do setor. Por fim, as cooperativas possuíam estatutos próprios e objetivos específicos, podendo inclusive adotar uma política de verticalização, através da aquisição de hospitais e clínicas para prestação de serviços médico-hospitalares. O grupo UNIMED, por exemplo, possui uma constituição própria, datada de 1994. 2.2 EVOLUÇÃO DO MODELO DE REGULAÇÃO 2.2.1 - A DEFINIÇÃO DO MARCO LEGAL (1988 JUN/1998) A Constituição Federal de 1988 5 estabeleceu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), universal, integral e gratuito, e definiu os princípios da atuação privada no setor de saúde. Segundo o art. 199 da Constituição: A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, 4 Vale notar que as empresas de medicina de grupo permanecem líderes do setor. 5 Na Constituição Federal de 1988, os artigos 196 a 200 tratam de saúde. 8

tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativos. Todavia, enquanto o SUS teve seus fundamentos legais consolidados na Lei 8080, de 19/09/90, o mesmo não ocorreu com o setor privado. Em dezembro de 1997, aprovou-se um Projeto de Lei na Câmara Federal, cuja base conceitual era a da macro regulação, expresso em dois grandes eixos: um de natureza econômica (que definia condições de ingresso, operação e saída do setor, além de um conjunto de exigências de garantias financeiras e econômicas) e outro focado na assistência à saúde (que se materializou na criação do Plano de Referência, ou seja, um plano de atendimento integral à saúde que exigia a cobertura de todas as doenças classificadas no Código Internacional de Doenças CID; por opção do consumidor, este poderia adquirir um plano básico, com coberturas inferiores às do Plano de Referência) 6. Em verdade, as operadoras deveriam mostrar capacidade de produzir os serviços de saúde, indo dos atendimentos simples aos mais sofisticados. Estabeleceu-se que a regulamentação do setor seria operada a partir da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), com diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) - afinal, a base conceitual do modelo era a regulação da atividade econômica, atribuição do Ministério da Fazenda (o papel do Ministério da Saúde era simplesmente de assessoramento). Ao ser debatido no Senado, durante o primeiro semestre de 1998, o projeto de regulamentação sofreu duas alterações fundamentais: a) ampliação da regulamentação à assistência à saúde; b) fortalecimento do papel do Ministério da Saúde. O Plano de Referência passa a ser o único modelo aprovado para comercialização, proibindo-se a oferta de planos de saúde com redução ou exclusão de coberturas assistenciais. Mesmo a permissão de comercialização de planos exclusivamente ambulatoriais ou hospitalares não abdicava da cobertura integral do segmento. Ademais, são reforçadas/criadas fortes regras de proteção ao consumidor, tais quais controle de preços e reajuste por faixa etária, proibição da seleção de risco e proibição do rompimento unilateral do contrato com usuários de planos individuais. Muda-se o enfoque da regulação da atividade econômica para a regulação da atividade assistencial (ANS, 2003). Neste contexto, emerge o Sistema de Regulação Bipartite: a regulação da atividade econômica na esfera do Ministério da Fazenda e a regulação das atividades de prestação de serviços de assistência à saúde no Ministério da Saúde. Portanto, as 6 Painel Tendências Globais na Área de Saúde Tema: Visão Brasileira, proferida em 23/11/01. 9

autorizações de funcionamento, o controle econômico-financeiro e os reajustes continuavam a ser atribuições da SUSEP e do CNSP. Ao Ministério da Saúde, através da Secretaria de Assistência à Saúde/Departamento de Saúde Suplementar e do então criado Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), caberia a regulação da atividade de prestação de serviços de assistência à saúde, inclusive a autorização para comercialização do produto e fiscalização. Instituiu-se também a Câmara de Saúde Suplementar, com ampla participação dos agentes do setor e da sociedade, como órgão consultivo permanente na regulação à assistência à saúde. As modificações propostas pelo Senado ao projeto aprovado na Câmara foram viabilizadas através de uma Medida Provisória (a adoção da MP foi uma opção política negociada pelos atores envolvidos, porque feitas as alterações no Senado, o projeto teria que ser remetido à Câmara, prolongando seu tempo de implementação. Havia, ainda, um debate jurídico acerca da impossibilidade de o Senado introduzir modificações, uma vez que fora a primeira Casa a tratar do tema. Em 03 de junho de 1998, promulga-se a Lei 9.656, conforme o projeto aprovado na Câmara. Em 05 de junho do mesmo ano é editada a Medida Provisória nº 1665 (hoje, MP 2.177-44/01), que alterava a Lei 9.656 conforme negociado no Senado. Estes instrumentos passaram a ser considerados o marco legal do setor de saúde suplementar. 2.2.2 - INÍCIO DA VIGÊNCIA DO MARCO REGULATÓRIO (JUL/1998-1999) O marco regulatório, aprovado em junho de 1998, entrou em vigor efetivamente a partir de janeiro de 1999, período no qual foram editadas diversas resoluções pelo CONSU, necessárias para viabilizar as exigências da legislação. Neste período foram contempladas as normas regulamentares assistenciais (MP 1.685-5, de 26/10/98 e Resoluções CONSU nºs 1 a 14, de 03/11/98); a instituição do registro provisório de operadoras e de produtos (MP 1.730-7, de 07/12/98); a revisão das quatorze primeiras Resoluções CONSU e a regulamentação de agravos que dizem respeito à continuidade da assistência a aposentados e demitidos e o ressarcimento ao SUS (Resoluções CONSU nº 15 a 21, de 23/03/99 e nº 22 e 23 de 28/10/99). A tais medidas deve-se acrescentar a repactuação de contratos anteriores à Lei, com cláusulas de reajustes por mudança de faixa etária para beneficiários com sessenta anos ou mais e 10

que participavam de determinado plano há no mínimo dez anos (MP 1.801-14, de 17/06/99) (MESQUITA, 2002). Retirou-se da Lei qualquer referência a seguros ou seguradoras. Ficou estabelecida a diferenciação entre seguro-saúde (tal qual definido pelo Decreto-Lei nº 73/66) e planos de saúde propriamente ditos. A conceituação de planos de saúde deu-se em setembro de 1999 (MP 1.908-18, de 26/09/99). De modo geral, as principais mudanças trazidas após a regulamentação foram: a) para as operadoras: autorização para funcionamento, regras de operação uniformes, sujeição à intervenção e liquidação e exigência de reservas (garantias financeiras); b) para os produtos de assistência à saúde: cobertura integral obrigatória, proibição da seleção de risco, proibição da rescisão unilateral dos contratos, definição e limitação das carências e reajustes controlados. Impende mencionar que o marco legal formado pela Lei 9.656/98 e pela MP 1.665/98 foi questionado no judiciário em três pontos fundamentais: a) a retroatividade aos contratos anteriores à Lei 7 ; b) o ressarcimento ao SUS; c) a abrangência às seguradoras. Destas, apenas a questão das seguradoras foi completamente equacionada, com edição de MP específica, posteriormente convertida na Lei 10.185/2001. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN s) referentes aos outros dois pontos ainda estão pendentes de julgamento de mérito no Supremo Tribunal Federal (STF). Os contratos antigos foram atingidos pela nova regulamentação nos seguintes pontos: a) proibição de limites de consulta e suspensão de internação, inclusive em UTI; b) proibição de rompimento unilateral de contrato para os contratos individuais; c) controle dos reajustes para contratos individuais. Estabeleceu-se, ainda, uma data para a migração de todos os contratos antigos para contratos novos: dezembro de 1999. Contudo, este dispositivo foi revogado e os usuários mantiveram o direito de permanecer no plano antigo por tempo indeterminado. 7 Aos contratos anteriores à Lei, de pessoas com idade superior a 60 anos, concedeu-se um prazo para repactuar as condições de reajuste por faixa etária, a fim de garantir o equilíbrio econômico-financeiro das empresas (art. 35-E da Lei 9.656/98). As operadoras de planos de saúde impetraram uma ADIN contra este dispositivo (ADIN nº 1.931-8), que ainda aguarda julgamento de mérito no STF. 11

2.2.3 - UNIFICAÇÃO DA REGULAÇÃO E CRIAÇÃO DA ANS (2000 ATÉ HOJE) O modelo bipartite de regulação começa a demonstrar seus limites. Para corrigir as deficiências do modelo, ao final de 1999, todas as atribuições de regulação do setor são unificadas sob responsabilidade do Ministério da Saúde, dando início à terceira etapa do processo de regulação. O marco da revisão do modelo de regulação é a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), através da Lei nº 9.961/00. A ANS nasce vinculada ao Ministério da Saúde, mantendo o conceito de regulação na esfera da saúde, mas agora através da figura de uma Agência Reguladora, com toda sua condição diferenciada: maior poder de atuação, autonomia administrativa, financeira e política, arrecadação própria, decisões tomadas em Diretoria Colegiada, dirigentes com mandato definido em lei e, por fim, poder legal para efetivação de suas resoluções (Lei 9.961/00, art. 1º, Parágrafo Único). O modelo de agência reguladora adotado para a ANS difere em diversos aspectos daquele adotado para as agências da área de infra-estrutura (ANATEL, ANEEL e ANP): a) o Contrato de Gestão é mandatário em relação à Diretoria Colegiada, sendo que seu descumprimento injustificado pode determinar a exoneração dos dirigentes; b) o Contrato de Gestão é negociado entre a ANS e o Ministério da Saúde, aprovado pelo CONSU e acompanhado por Comissão de Acompanhamento específica, integrada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento (Lei 9.961/00, Capítulo III). Ademais, a definição de diretrizes e políticas setoriais são atribuídas ao CONSU (Lei 9.961/00, art. 4º, inciso I). Cabe ressaltar que, diferentemente das agências do setor de infra-estrutura, a ANS não surge para regular uma atividade antes realizada por organizações estatais agora privatizadas, mas sim para regular uma atividade privada, já existente, e que nunca havia sido objeto de regulação por parte do Estado. O primeiro ciclo de instruções normativas da ANS incluiu normas sobre instrumentos de acompanhamento econômico-financeiro das operadoras, aplicação de penalidades, alienação voluntária de carteiras, procedimentos para revisão técnica, instituição da nota técnica de registro de produtos e reajustes de contraprestações pecuniárias de planos de saúde (Resoluções RDC nºs 22, 25, 27, 28 e 29, de 2000) (MESQUITA, 2002). 12

Já o segundo ciclo de instruções normativas da ANS, com fortes características saneadoras, instituiu o plano de contas, o envio de informações periodicamente, a segmentação e classificação das operadoras, a constituição de garantias financeiras, os regimes de direção fiscal e técnicas, a alienação compulsória das carteiras, a revisão do rol mínimo de procedimentos de obrigação dos planos de saúde, os procedimentos de alta complexidade, a cobertura parcial temporária, o sistema de informações de produtos, o termo de ajuste de conduta, liquidação extra judicial e as seguradoras especializadas em saúde (MP nº 2.097-36, de 26/01/01 2 2.177-44, de 24/08/2001, Resoluções RDC nº 38, 39, 40, 41, 42 e 47 a 93, de 2000 e 2001). 2.3 O MARCO REGULATÓRIO ATUAL 8 Conforme visto nas seções anteriores, o marco regulatório do mercado de saúde suplementar é formado pelo conjunto da Lei nº 9.656/98, Lei nº 9.961/00, que criou a ANS, pela MP nº 2.177-44/01 (originalmente MP nº 1.665/98 e que alterou as duas leis anteriores) 9 e da Lei nº 10.185/01, que instituiu a figura da seguradora especializada em saúde (ver seção 4.7). Convém assinalar que o marco regulatório atual permite classificar os planos de saúde de diferentes formas, dependendo da variável utilizada (forma de contratação ou data de assinatura do contrato). Quanto às formas de contratação, os planos de saúde podem ser do tipo: a) individual ou familiar; b) coletivo com patrocinador (planos contratados por pessoa jurídica com mensalidade total ou parcialmente paga à operadora pela pessoa jurídica contratante; inclui os contratos mantidos por autogestão); c) coletivo sem patrocinador (plano contratado por pessoa jurídica com mensalidade integralmente paga pelo beneficiário diretamente à operadora). 8 A regulação de preços será tratada posteriormente, no item 2.5. 9 A MP 2.177-44, de 24/08/2001 corresponde à última medida provisória publicada. Antes, por força de lei, as medidas provisórias tinham validade por apenas 30 dias, devendo ser reeditadas todo mês (o que não significa que sofriam alteração mensalmente). Atualmente, as medidas provisórias anteriores à Emenda Constitucional nº 32, de 12/09/2001, vigoram enquanto não há outra MP que as revogue ou até que o Congresso Nacional delibere. 13

Os planos diferem quanto à data de assinatura do contrato, podendo ser divididos em: a) novos: contratos celebrados a partir de 01/01/1999, necessitam de registro junto à ANS e estão sujeitos à nova legislação; b) adaptados: contratos antigos adaptados às normas da Lei nº 9.656/98, necessitam de registro junto à ANS e estão sujeitos à nova legislação; c) antigos: contratos celebrados antes da vigência da Lei nº 9.656/98; são válidos para consumidores que não optarem pelas novas regras, mas são intransferíveis e suas condições são garantidas apenas ao titular e os dependentes já inscritos (é permitida apenas a inclusão de novo cônjuge e filhos). 2.3.1 - COBERTURA ASSISTENCIAL E PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR Além de constar na Lei nº 9.656/98, parte da normatização referente à cobertura assistencial e proteção ao consumidor foi estabelecida em 1998 e 1999, pelo CONSU, na vigência do modelo de regulação à época. Antes do estabelecimento do marco legal do setor, as operadoras de planos de saúde determinavam o rol e a quantidade de procedimentos a que seus beneficiários tinham direito; ademais, havia uma grande diversidade de carências e listas de exclusões de doenças e procedimentos. Os artigos de nºs 10 a 18, 30, 31, 33, 35, 35-C, 35-E, 35-F e 35-G da Lei 9.656/98 dizem respeito à cobertura assistencial e proteção ao consumidor; tais dispositivos legais tiveram suas principais alterações promovidas por Medidas Provisórias e sua regulamentação estabelecida por meio de resoluções. A Lei nº 9.656/98 estabeleceu três tipos de contratos (NUNES, 2000): a) planoreferência (art. 10); b) plano mínimo (art. 12); c) plano ampliado (art. 12). O planoreferência é um modelo de contrato de oferta obrigatória e compreende: I) atendimento ambulatorial (consultas médicas em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas; serviços de apoio diagnóstico; tratamento e demais procedimentos ambulatoriais); II) internação hospitalar (atendimento em clínicas básicas/especializadas ou em centros de terapia intensiva/similares, com internações sem limitação de prazo, valor máximo e quantidade; honorários médicos; serviços de enfermagem e alimentação; exames complementares indispensáveis para 14

III) IV) controle da doença, taxa da sala de cirurgia, inclusive materiais utilizados; serviços de remoção do paciente em território brasileiro; despesas de acompanhante para pacientes com idade inferior a 18 anos ou superior a 65); atendimento obstétrico (inscrição assegurada e cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor ou do seu dependente, isento de carência, desde que a inscrição ocorra durante os primeiros trinta dias após o parto); atendimento odontológico (consultas; exames auxiliares ou complementares; procedimentos preventivos de dentística e endodontia; cirurgias orais menores, assim entendidas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia geral). Quanto ao plano mínimo, este pode ser oferecido a partir de uma combinação possível de quatro modelos isolados, os quais, por sua vez, também são passíveis de serem ofertados isoladamente. Desse modo, a operadora poderá oferecer o plano isolado, aos pares ou em pacotes a serem escolhidos pelo consumidor. Os quatro modelos são: a) atendimento ambulatorial; b) internação hospitalar; c) atendimento obstétrico; d) atendimento odontológico. As exigências mínimas obrigatórias a cada um desses modelos são as mesmas anteriormente definidas para o plano-referência. Por fim, a modalidade de plano ampliado permite oferecer coberturas mais amplas e acomodações mais confortáveis que as já previstas no plano-referência. No que concerne às carências, a Lei 9.656/98 criou quatro tipos (art. 12, inciso V): I) máximo de trezentos dias para partos; II) máximo de cento e oitenta dias para os demais procedimentos previstos no art. 10; III) máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência; IV) máximo de vinte e quatro meses para casos de doenças preexistentes à época da assinatura do contrato, cabendo à operadora o ônus da prova (art. 11). A Lei prevê ainda casos de isenção de carência ou aproveitamento do período desta usufruído pelo titular, quais sejam (art. 12, incisos III e VII): 15

I) o recém-nascido está isento de carência se sua inscrição for efetuada até 30 dias após o nascimento; II) o filho adotado menor de 12 anos de idade tem direito ao aproveitamento das carências já cumpridas pelo consumidor adotante, caso sua inscrição ocorra em até 45 dias após o nascimento ou adoção. Ainda em seu artigo 12, a Lei proíbe que os contratos estipulem limitações de prazo na internação hospitalar. No artigo 13, a Lei dispõe que os contratos sejam renovados automaticamente a partir do fim da vigência inicial, sendo vedada a cobrança de qualquer taxa a título de renovação. Neste mesmo artigo, estabelece-se a proibição do rompimento unilateral de contrato individual ou familiar. Da mesma forma, impedese a suspensão da prestação de serviços ao inadimplente por atrasos de até sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato. A Lei 9.656/98, em seu artigo 35, assegurou ao consumidor o direito de optar por algum dos modelos previstos (plano-referência, mínimo ou ampliado). As adaptações às novas regras ocorreriam sem qualquer prejuízo ao consumidor em relação aos períodos de carência cumpridos. Quanto aos planos coletivos, o artigo 30 da Lei assegura ao empregado que se desligar da empresa contratante os mesmos benefícios do plano de saúde os quais gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma seu pagamento integral. A permanência no plano após o desligamento da empresa será de no mínimo seis meses e no máximo vinte e quatro meses, considerado o cálculo de um terço do tempo de permanência no plano coletivo. No caso de falecimento do empregado inscrito no plano coletivo, assiste a seus dependentes os mesmos direitos que ele teria em caso de demissão por justa causa. No caso de aposentadoria, ao aposentado que contribuiu pelo prazo pode continuar beneficiário se assumir o pagamento integral das prestações. Se o aposentado tiver contribuído por dez anos antes da aposentadoria, poderá continuar no plano indefinidamente; caso tenha contribuído por período inferior, poderá manter-se pelo tempo proporcional, isto é, um ano para cada ano de contribuição. Os prestadores de serviços conveniados ou credenciados pelas operadoras de planos de saúde são considerados incluídos no contrato principal firmado com o consumidor. Portanto, as operadoras são obrigadas a mantê-los durante sua vigência (Lei 9.656/98, art. 17). É facultada a substituição dos prestadores de serviços apenas se 16

a troca for feita por outro que ofereça os mesmos serviços nas mesmas condições e com a mesma qualidade, devendo o consumidor e a ANS ser comunicados com prazo mínimo de 30 dias. Caso a substituição alcance o consumidor internado, ele terá garantido o direito de permanecer no hospital sem qualquer despesa. Finalmente, o artigo 14 da Lei 9.656/98 proíbe, em razão da idade ou da condição de portador de deficiência, que o consumidor seja impedido de participar de planos de saúde. Estabelece-se, portanto, uma garantia contra a discriminação e a seleção de risco. 2.3.2 - FUNCIONAMENTO DAS OPERADORAS E FISCALIZAÇÃO A Lei 9.656/98 atinge o conjunto de empresas e delega ao órgão regulador a fixação dos mecanismos de transição. Os artigos desta Lei que tratam do funcionamento e fiscalização das operadoras são: 1º, 8º, 9º, 19, 21 a 24-A a 24-D, 25 a 27, 29, 29-A, 34, 35-D, 35-I, 35-J, 35-L e 35-M. A regulamentação das condições de ingresso, operação e saída do setor foi inteiramente produzida pela ANS. Cabe destacar os seguintes pontos: registro de operadoras, plano de contas padrão e publicação de balanços, garantias e provisões técnicas, transferência de carteira (voluntária, compulsória, leilão), transferência de controle (acionário/societário), regimes especiais (direção fiscal e técnica, liquidação extrajudicial e falência) e cancelamento de registro. No que concerne à constituição de garantias econômico-financeiras, a ANS exigiu: capital mínimo ou provisão de operação, provisão de risco, provisão para eventos ocorridos e não avisados, margem de solvência e outras provisões técnicas (RDC nº 77, de 17 de julho de 2001). Vale mencionar que as empresas já atuantes no setor têm um prazo de até 6 (seis) anos para constituir 100% das garantias previstas; para as empresas entrantes no setor, exige-se o cumprimento de todas as garantias para o início e continuidade das operações. Tal regra configura-se uma barreira à entrada de novas empresas no setor. Ademais, as exigências de capital são diferentes para os segmentos. Quanto à fiscalização, esta se constitui numa ação central da ANS, desenvolvida em dois níveis: direta e indireta. A fiscalização direta é exercida a partir da apuração de denúncias e representações e de diligências preventivas e programadas nas operadoras. 17

Já a fiscalização indireta é exercida através do acompanhamento e monitoramento das operadoras, a partir de informações periódicas (assistenciais, econômico-financeiras e cadastrais) e do cruzamento sistemático de todas as informações disponíveis, inclusive da incidência de reclamações e aplicação de multas. 2.3.3 - RESSARCIMENTO AO SUS Como forma de contribuição para a eqüidade do sistema e para a melhoria da gestão dos recursos assistenciais, a Lei nº 9.656/98 contemplou, em seu art. 32, o ressarcimento ao Sistema Único de Saúde SUS. A legislação estabelece que os atendimentos feitos pelo SUS a usuários de planos de saúde, relativos a procedimentos cobertos nos respectivos contratos, devem ser ressarcidos pela operadora em valores superiores àqueles pagos pelo SUS. Isto significa que nos contratos novos as exclusões aos ressarcimentos estariam limitadas ao período de carência, cobertura parcial temporária, área de abrangência do contrato e segmentação (ambulatorial ou hospitalar). O ressarcimento é cobrado a partir da Tabela Nacional de Equivalência de Procedimentos (TUNEP), com valores, em média, 1,5 vezes superiores aos do SUS. Dos valores ressarcidos, o Fundo Nacional de Saúde recebe o montante pago pelo SUS pelo respectivo procedimento e o prestador do serviço recebe a diferença entre a TUNEP e a tabela do SUS. Não há envolvimento do usuário atendido; a ANS, com apoio do DATASUS, faz o cruzamento do cadastro de beneficiários dos planos de saúde com as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH`S) processadas para pagamento pelo SUS, identificando os usuários atendidos e fazendo a cobrança junto às operadoras. 2.4 OS SEGMENTOS DO SETOR A Resolução RDC nº 39, de 27/10/2000, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), definiu, segmentou e classificou as Operadoras de Planos de Assistência à Saúde. De acordo com o Art. 1º: Definem-se como Operadoras de Planos de Assistência à Saúde as empresas e entidades que operam, no mercado de 18

saúde suplementar, planos de assistência à saúde, conforme disposto na Lei nº 9.656/98. Parágrafo Único: Para efeito desta Resolução, define-se operar como sendo as atividades de administração, comercialização ou disponibilização dos planos de que trata o caput deste artigo. O Capítulo IV, Art. 10, da referida Resolução, classifica as operadoras nas seguintes modalidades: a) administradora; b) cooperativa médica; c) cooperativa odontológica; d) autogestão; e) medicina de grupo; f) odontologia de grupo; g) filantropia. Convém ressaltar que as seguradoras não são mencionadas na RDC 39, mas constituem importante segmento do mercado de saúde suplementar, sendo objeto da Lei nº 10.185/01. 2.4.1 - ADMINISTRADORAS São empresas que administram serviços de assistência à saúde ou planos financiados por operadoras, não assumindo riscos decorrentes desta atividade. Assim sendo, não possuem rede própria, credenciada ou referenciada de serviços médicohospitalares ou odontológicos. 2.4.2 - COOPERATIVAS MÉDICA E ODONTOLÓGICA 10 Cooperativas médicas são sociedades de pessoas, sem fins lucrativos, constituídas conforme disposto na Lei nº 5.764/71, que operam Planos Privados de Assistência à Saúde. As cooperativas odontológicas operam exclusivamente Planos Odontológicos. 2.4.3 - ODONTOLOFIA DE GRUPO Classificam-se nesta modalidade empresas ou entidades que operam exclusivamente Planos Odontológicos, excetuando as cooperativas. 10 Para maiores detalhes sobre cooperativismo, ver Lei nº 5.764/71 e Lei nº 6.981/82. 19

2.4.4 MEDICINA DE GRUPO A Portaria nº 3.232/86, do Ministério do Trabalho, define empresa de medicina de grupo como toda pessoa jurídica de direito privado, com ou sem fins lucrativos, que se dedique à prestação de assistência médico-hospitalar mediante contraprestações pecuniárias, sendo vedada a cobertura de um só evento; a referida a assistência pode ser prestada com recursos próprios ou através de redes credenciadas. Antes da regulamentação do setor, não havia um órgão específico que fiscalizasse as atividades destas empresas. Em 1990, o Conselho Nacional de Autoregulamentação das Empresas de Medicina de Grupo (CONAMGE) estabeleceu um Código de Ética, que aborda alguns dos aspectos contidos no Código de Defesa do Consumidor. O CONAMGE, juntamente com a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), órgão representativo do segmento criado em 1966, e o Sindicato Nacional de Medicina de Grupo (SINAMGE) constituem o sistema de medicina de grupo 11. 2.4.5 - FILANTROPIA Classificam-se nessa modalidade as entidades sem fins lucrativos que operam Planos Privados de Assistência à Saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e declaração de utilidade pública federal, estadual ou municipal. 2.4.6 - AUTOGESTÃO Este segmente engloba empresas que, por meio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado, operam serviços de assistência à saúde ou responsabilizam-se pelo plano de saúde destinado exclusivamente a empregados ativos, aposentados, pensionistas, ex-empregados, os respectivos grupos familiares ou 11 Nos Estados Unidos, as empresas de medicina de grupo são denominadas Health Maintenance Organizations (HMO), com características inerentes àquele país. Há três modalidades: a) staff model (com hospitais e médicos próprios); b) group model (contrata ou credencia estabelecimentos e médicos); c) individual practice association (contrata consultórios médicos individuais, pagando por captação). No Brasil, não é possível fazer a classificação desta forma, pois há empresas que operam com todas estas formas concomitantemente. 20