Distribuição espacial da comunidade de macroinvertebrados bentônicos de um riacho tropical (Sudeste do Brasil)

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Transcrição:

V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical 3 ARTIGO ARTICLE Distribuição espacial da comunidade de macroinvertebrados bentônicos de um riacho tropical (Sudeste do Brasil) Spatial distribution of the benthic macroinvertebrate community in a tropical stream (Southeastern Brazil) Virginia Sanches Uieda Luís Henrique Batista Ramos R E S U M O A abundância, diversidade e distribuição espacial dos macroinvertebrados bentônicos de um riacho tropical foram analisadas em trechos de corredeira e de rápido. Sete grupos taxonômicos foram amostrados, com predomínio de hexápodos em abundância e riqueza. Os hexápodos representaram mais de 98% do total de macroinvertebrados coletados, com elevada abundância de insetos das ordens Ephemeroptera (>47%) e Diptera (>0%). Nos dois trechos, mais de 0% dos indivíduos amostrados estiveram representados por somente três famílias: Leptohyphidae (>8%), Chironomidae (>0%) e Leptophlebiidae (>8%). Apesar desta semelhança, o número total de macroinvertebrados foi duas vezes maior no trecho de corredeira. A menor velocidade da correnteza e o substrato mais homogêneo dos rápidos podem estar disponibilizando menos refúgios, menor quantidade de alimento e maior instabilidade para o estabelecimento da fauna bentônica, quando comparado às corredeiras. Palavraschave: Bacia do Rio Tietê. Comunidade bentônica. Diversidade. Insetos aquáticos. Microhabitats. A B S T R A C T The abundance, diversity and distribution of benthic macroinvertebrates in tropical streams were analyzed in two microhabitats: riffles and runs. Seven taxonomic groups were sampled, predominantly hexapoda in abundance and richness. The Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Zoologia. Caixa Postal 50, Campus de Botucatu, 88000, Botucatu, SP, Brasil. Correspondência para/correspondence to: V.S. UIEDA. Email: <vsuieda@ibb.unesp.br>. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Graduando em Ciências Biológicas Licenciatura. Botucatu, SP, Brasil. Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

4 V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical insects accounted for more than 98% of the total macroinvertibrates sampled, with a high abundance of Ephemeroptera (>47%) and Diptera (>0%). In both microhabitats, three families alone represented more than 0% of individuals: Leptohyphidae (>8%), Chironomidae (>0%) and Leptophlebiidae (>8%). Although the microhabitats were similar to the predominant groups, the riffles contained twice as many macroinvertebrates. The slower current and more uniform substrate in the runs, when compared to the riffles, can offer less availability of shelter and food, and can represent a more unstable substrate to the establishment of a benthic community. Key words: Tietê River basin. Benthic community. Diversity. Aquatic insects. Microhabitat. I N T R O D U Ç Ã O Um riacho apresenta mudanças ao longo de seu curso, podendo ocorrer diferenças, da cabeceira à foz, no tipo de sedimento depositado (tamanho das partículas), profundidade, correnteza e vegetação marginal (Schafer, 985). Essas características levam à formação de diferentes microhabitats, como poções, corredeiras e rápidos, intercalados ao longo do riacho, cujas características exercem influência na estrutura das comunidades aí presentes. Os invertebrados que vivem sobre, dentro ou perto de substratos de água corrente incluem representantes de quase todos os grupos taxonômicos de ambientes de água doce (Hynes, 98), mostrando adaptações para manter sua posição ante a correnteza, como fixação por meio de estruturas adesivas, garras e formato achatado (Bennett & Humphries, 974). A comunidade bentônica é constituída por um conjunto de organismos, sésseis ou móveis, que vivem sobre a superfície de substratos submersos. Os macroinvertebrados bentônicos constituem uma importante comunidade em rios, riachos e lagoas, servindo de alimento para peixes e crustáceos e participando do fluxo de energia e da ciclagem de nutrientes (Bueno et al., 003). A avaliação da biodiversidade de macroinvertebrados bentônicos, ao longo do curso dos riachos, pode vir a ser utilizada como ferramenta para a análise da qualidade/saúde de ecossistemas (Moulton, 998; Callisto et al., 00). Sua sensibilidade não somente à poluição, mas também às mudanças no habitat, sugere seu uso como indicadores de qualidade de água (Callisto et al., 00). Neste trabalho, o objetivo foi verificar a distribuição espacial dos macroinvertebrados bentônicos em trechos de corredeira e de rápido de um riacho tropical, analisando sua abundância e diversidade. M A T E R I A L E M É T O D O S Área de estudo O trabalho foi desenvolvido no Córrego da Mata (48 4." W, º48 57" S), em um trecho de 3ª ordem localizado a 48m de altitude. Este riacho pertence à Microbacia da Edgárdia (Município de Botucatu, SP), localizada em uma Cuesta do Sudeste do Brasil (Cuesta de Botucatu). Esta Microbacia pertence à Bacia do Rio Capivara, principal afluente à margem esquerda do Médio Tietê, e está inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) de Botucatu, parte dentro de uma Fazenda Experimental e parte dentro de propriedades particulares, caracterizadas pelo cultivo agrícola e, principalmente, por áreas de pastagem. No local de estudo, o Córrego da Mata é sombreado por mata ciliar, com fundo de areia, rochas e detritos vegetais no leito e raízes nas margens, alternando trechos de rápido (run), corredeira (riffle) e poção (pool) ao longo de seu curso. Estes trechos, apesar de se assemelharem quanto à presença de mata ciliar, ausência de vegetação marginal e Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical 5 macrófitas no leito, diferenciamse quanto ao tipo de substrato e velocidade da correnteza. As corredeiras e os rápidos se assemelham quanto à profundidade (média (M) de 0,, desviopadrão DP=0,05 e M=0,, DP=0,08 metros, respectivamente) e largura (M=,7, DP=,0 e M=,70, DP=0,39 metros, respectivamente). Porém, os rápidos são mais extensos (sete e quatro metros, respectivamente, para rápidos e corredeiras), apresentam menor velocidade de correnteza (0,40 e 0,7m.s, respectivamente) e substrato rochoso com granulometria mais uniforme, quando comparados às corredeiras. Os poções apresentam correnteza fraca (0,m.s ), maior largura e profundidade médias (M=,98, DP=0,55 e M=0,, DP=0,0m, respectivamente), substrato de areia e pacotes de folhas. Trabalho de campo No dia de agosto de 005, os macroinvertebrados bentônicos foram amostrados com rede de Surber (900cm, malha 0,50mm) em corredeiras e rápidos (5 réplicas de cada, 3 amostras por réplica) do Córrego da Mata. A distância entre as réplicas foi de, no mínimo, três metros. O substrato da área delimitada pelo quadrante da rede de Surber foi agitado com as mãos. Os macroinvertebrados, o material vegetal (folhas, galhos) e o sedimento arrastados para dentro da rede foram armazenados em frascos e fixados em álcool 70%. família, utilizando as chaves de Lopretto & Tell (995), Merrit & Cummins (99) e Fernández & Domínguez (00). Com os dados de riqueza e abundância dos grupos taxonômicos amostrados nas corredeiras e rápidos, foram calculados os índices de diversidade de ShannonWiener, eqüitabilidade de Simpson e percentual de similaridade (Krebs, 999). R E S U L T A D O S E D I S C U S S Ã O Sete grupos taxonômicos foram amostrados no Córrego da Mata, com predomínio de hexápodos em abundância (Tabela ) e riqueza (representados no total por dez ordens). Este é o grupo mais representativo, em termos de diversidade e abundância, em águas correntes (Hynes, 98). Os demais grupos estiveram representados por poucos indivíduos e tipos (AnnelidaOligochaeta, MolluscaBivalvia, CrustaceaAmphipoda e ArachnidaAcarina). Nos microhabitats de corredeira e rápido, os hexápodos representaram mais de 98,00% do total de macroinvertebrados coletados (Tabela ). Uma grande semelhança entre corredeiras e rápidos também foi verificada pelo elevado valor de similaridade (98,4%) obtido, quando comparados os microhabitats ao nível de grandes grupos. Análise No laboratório, o material fixado foi corado com floxina, a fim de evidenciar os organismos. Para a triagem dos macroinvertebrados, as amostras foram despejadas em um conjunto de três peneiras de granulometria (malhas de ; 0,5 e 0,5mm), as quais foram vistoriadas sob estereomicroscópio, sendo os macroinvertebrados transferidos para álcool 70% para posterior identificação. Os macroinvertebrados foram identificados em grandes grupos, e os insetos, até o nível de Tabela. Abundância absoluta (n) e relativa (%) dos grupos taxonômicos amostrados nas corredeiras e rápidos do Riacho da Mata, Fazenda Edgárdia. Agosto, 005. Grupos Corredeira Rápido Total taxonômicos n % n % n % Nemertea Nematoda Annelida Mollusca Crustacea Arachnida 5 78 30 00,0 00,87 00,07 00,34 4 74 9 3 00, 00,8 0,49 00,8 00,3 7 9 5 5 00,05 00,4 0,09 00, 00,44 Hexapoda 8.80 98,0 4.84 97,30 3.44 98,7 Abundância Diversidade Eqüitabilidade 8.94 0,3 0,47 4.958 0,7 0,7 3.899 Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical Apesar desta semelhança, o número total de macroinvertebrados foi duas vezes maior no trecho de corredeira, onde a abundância absoluta de hexápodos foi o dobro em relação ao trecho de rápido (Tabela ). Os valores dos índices de diversidade e eqüitabilidade mais elevados no microhabitat de rápido provavelmente ocorreram em função da menor abundância de hexápodos neste trecho, e não necessariamente do aumento na riqueza e abundância dos demais grupos, quando comparado à corredeira. Os dois ambientes amostrados se assemelharam quanto às ordens de hexápodos amostradas (somente Lepidoptera não foi encontrada no microhabitat de rápido), quanto à elevada abundância de Ephemeroptera (>47%) e Diptera (>0%), e quanto à baixa representatividade das ordens Collembola, Odonata, Hemiptera, Lepidoptera e Megaloptera (Figura ). Para as dez ordens de hexápodos, foi identificado um total de 34 famílias (Tabela ), com mais Figura. Abundância relativa das ordens de hexápodos amostradas em trechos de corredeira e rápido do Riacho da Mata, Fazenda Edgárdia. Agosto, 005. Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical 7 Tabela. Abundância absoluta (n) e relativa (%) dos hexápodos, identificados no nível de família, amostrados nas corredeiras e rápidos do Riacho da Mata, Fazenda Edgárdia. Agosto, 005. Famílias de hexápodos amostradas Cl Isotomidae P Perlidae E Baetidae E Leptohyphidae E Leptophlebiidae O Calopterygidae O Coenagrionidae O Corduliidae O Gomphidae O Libellulidae O não identificada H Gerridae H Naucoridae H Veliidae H não identificada M Corydalidae T Calamoceratidae T Glossosomatidae (l+p) T Helicopsychidae (l+p) T Hydropsychidae T Hydropitilidae T Leptoceridae T Philopotamidae T Polycentropodidae T não identificada L Pyralidae C Dysticidae C Elmidae (l) C Elmidae (a) C Gyrinidae (l) D Ceratopogonidae D Chironomidae (l+p) D Empididae D Psychodidae D Simuliidae (l+p) D Stratiomyidae D Tipulidae Corredeira n % 3 00, 3 07,0 9 00,78.50 9,00.5 7,30 00,4 00,4 00,07 9 00,0 3 00,03 00,0 00,4 0 00, 58 00, 45 05,7 8 00,0 00,0 59 07,47 3 00,03 5 00,0 85 09,8 7 0,89 5 00,59.8 3,40 5 00,7 4 00,05 458 05,9 00,0 Rápido n 0 9.3 945 9 0 5 48 5 9 70 33.553 4 % 00,44 03,3 00,39 5,50 9,0 00,9 00,33 00, 00,44 00,0 00,0 00, 03,3 0,40 0,00 0,08 00,9 00,0 05,0 00,44 00,8 3,0 00, 0,3 n 44 783 88 3.79.4 8 30 3 3 09 57 4 7 5. 88 85.734 4 57 Total % 00,3 05,74 00,4 7,79 8,07 00,5 00, 00, 00, 00,0 00,7 00, 0,53 04,9 00,48 00,03 05, 00,09 08,5 0,38 00, 0,04 00,5 00,03 04,9 Abundância Diversidade Eqüitabilidade 8.80 3,08 0,04 4.84,753 0, 3.44 Cl: Collembola; P: Plecoptera; E: Ephemeroptera; O: Odonata; H: Hemiptera; M: Megaloptera; T: Trichoptera; L: Lepidoptera; C: Coleoptera; D: Diptera; a: adulto; l: larva; p: pupa. de 0% dos indivíduos amostrados sendo representados por somente três famílias: Leptohyphidae (>8%), Chironomidae (>0%) e Leptophlebiidae (>8%). DipteraChironomidae quase sempre se apresenta como dominante, tanto em ambientes lóticos como lênticos, devido à sua tolerância a situações extremas, como hipóxia e grande capacidade competitiva (Nessimian, 995; Marques et al., 999; Callisto et al., 00), sendo encontrado tanto em ambientes limpos ou de boa qualidade de águas, quanto em ambientes poluídos (Callisto et al., 00). Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

8 V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical Para as duas famílias de Ephemeroptera de maior ocorrência no Córrego da Mata (Leptohyphidae e Leptophlebiidae), é citada a preferência por ambientes limpos, bem oxigenados, pouco profundos e com correnteza de moderada a forte (Perez, 988). Quando comparados os dois microhabitats nas corredeiras, além do dobro de insetos amostrados, foram obtidos também maiores valores dos índices de diversidade e eqüitabilidade. Diferenças entre corredeiras e rápidos também foram bem evidenciadas pela maior abundância absoluta de vários grupos, como Leptohyphidae, Leptophlebiidae, Perlidae, Hydropsychidae, Philopotamidae, Elmidae e Simuliidae, nas corredeiras, e de alguns outros, tais como Glossosomatidae e Chironomidae, nos rápidos (Tabela ). Apesar destas diferenças, os dois microhabitats ainda mostraram uma grande similaridade (74,4%), quando comparados entre si em relação às famílias de hexápodos amostradas. Uma análise comparativa da estrutura da comunidade de invertebrados bentônicos em micro habitats diferentes também foi realizada por outros autores, trabalhando em riachos do sudeste do Brasil, porém, comparando corredeiras com poções (Uieda & Gajardo, 99; Kikuchi & Uieda, 998). Nestes trabalhos, foi encontrada uma maior diversidade de espécies em corredeiras, em trechos com mata ciliar e na estação seca. Esta maior riqueza e abundância de macroinvertebrados em substrato de fundo rochoso foram relacionadas, por diversos autores (Uieda & Gajardo, 99; Kikuchi & Uieda, 998; Bueno et al., 003), com a maior heterogeneidade espacial e maior estabilidade oferecida por este tipo de substrato, quando comparado ao substrato arenoso dos poções. O substrato arenoso limita a distribuição de algumas famílias, devido à escassez de refúgio e pouca disponibilidade de alimento (Bueno et al., 003). C O N C L U S Ã O Neste estudo, os dois microhabitats estudados apresentaram fundo rochoso, porém as características do rápido, intermediárias entre as de corredeira e as de poção, podem estar relacionadas com a maior abundância de invertebrados e maior diversidade de insetos nas corredeiras. A menor velocidade da correnteza e o substrato mais homogêneo dos rápidos podem estar disponibilizando menos refúgios, menor quantidade de alimento e maior instabilidade para o estabelecimento da fauna bentônica, quando comparado às corredeiras. O uso de insetos bentônicos no monitoramento ambiental constitui uma linha de pesquisa com potencial capacidade de expansão, e certamente não há falta de problemas ambientais no Brasil para os quais possa ser aplicado (Moulton, 998). Porém, para que isto ocorra, há necessidade de um melhor conhecimento da fauna e da biologia da maioria dos grupos de ocorrência em ambientes lóticos. Neste sentido, o presente trabalho constitui uma importante contribuição ao conhecimento desta fauna, trazendo informações sobre os grupos de ocorrência em ambientes lóticos preservados. Além disso, este trabalho apresenta uma análise comparativa da distribuição dos macroinvertebrados bentônicos em trechos de corredeira e de rápido, diferente da maioria dos trabalhos existentes, que comparam poções e corredeiras. A G R A D E C I M E N T O S A Hamilton A. Rodrigues e Fernando Portella Rodrigues de Arruda, pelo auxílio na atividade de campo. R E F E R Ê N C I A S Bennett, D.P. & Humphries, D.A. (974). Introducción a la ecologia de campo. Madrid: H. Blume. Bueno, A.A.P.; BondBuckup, G. & Ferreira, B.D.P. (003). Estrutura da comunidade de invertebrados bentônicos em dois cursos d água do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, 0():55. Callisto, M.; Moretti, M. & Goulart, M. (00). Macroinvertebrados bentônicos como ferramenta para avaliar a saúde de riachos. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, ():78. Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical 9 Fernández, H.R. & Dominguez, E. (00). Guía para la determinación de los artrópodos bentônicos sudamericanos. Tucumán: Universidad Nacional de Tucumán. Hynes, H.B.N. (98). The ecology of running waters. Toronto: Toronto Press. Kikuchi, R.M. & Uieda, V.S. (998). Composição da comunidade de invertebrados de um ambiente lótico tropical e sua variação espacial e temporal. In: Nessimian, J.L. & Carvalho, A.L. (Ed.). Ecologia de insetos aquáticos. Oecologia Brasiliensis. Rio de Janeiro: PPGEUFRJ. v.5: 5773. Krebs, C.J. (999). Ecological methodology. New York: Harper & Row. Lopretto, E.C. & Tell, G. (995). Ecossistemas de aguas continentals: metodologias para su studio. Buenos Aires: Ed. Sur. Tomo III. Marques, M.G.S.M.; Ferreira, R.L. & Barbosa, F.A.R. (999). A comunidade de macroinvertebrados aquáticos e características limnológicas das Lagoas Carioca e da Barra, Parque Estadual do Rio Doce, Minas Gerais. Revista Brasileira de Biologia, 59():030. Merritt, R.W. & Cummins, K. W. (99). An introduction to de the aquatic insects of North America. Dubuque: Kendall/Hunt. Moulton, T.P. (998). Saúde e integridade do ecossistema e o papel dos insetos aquáticos. In: Nessimian, J.L. & Carvalho, A.L. (Ed.). Ecologia de insetos aquáticos. Oecologia Brasiliensis. Rio de Janeiro: PPGEUFRJ. v.5: 898. Nessimian, J.L. (995). Abundância e biomassa de macroinvertebrados de um brejo de dunas no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Biologia, 55(4):83. Perez, G.R. (988). Guia para el studio de los macroinvertebrados acuáticos del Departamento de Antioquia. Colômbia: Colciencias. Schafer, A. (985). Fundamentos de ecologia e biogeografia das águas continentais. Porto Alegre: Editora da UFRGS. Uieda, V.S. & Gajardo, I.C.S.M. (99). Macroinvertebrados perifíticos encontrados em poções e corredeiras de um riacho. Naturalia, :347. Recebido em: /3/007 Aprovado em: /3/007 Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007

0 V.S. Uieda & L.H.B. Ramos Macroinvertebrados em riacho tropical Bioikos, Campinas, ():39, jan./jun., 007