FLAPES CUTÂNEOS EXPERIMENTAIS EM EQÜINOS

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Arquivos da Faculdade de Veterinária. UFRGS. 29(2):107-111, 2001. ISSN 0101-5230 Recebido/Received: out 2000 FLAPES CUTÂNEOS EXPERIMENTAIS EM EQÜINOS EXPERIMENTAL SKIN FLAPS IN HORSES J.A.T. PIGATTO 1 & N.L. PIPPI 2 RESUMO O propósito deste estudo foi o de avaliar o uso de flapes cutâneos experimentais em 6 eqüinos adultos e clinicamente saudáveis. Esses animais foram submetidos a realização de flapes cutâneos do tipo axial e em ilha baseados em 4 diferentes plexos vasculares: plexo vascular da pálpebra inferior, plexo vascular toracodorsal, plexo vascular braqueal superficial e plexo epigástrico superficial. Em cada eqüino foi realizado no lado esquerdo flapes axiais e no lado direito os flapes em ilha, perfazendo um total de vinte e quatro flapes de cada tipo. Durante o acompanhamento pós-cirúrgico foi avaliada a viabilidade de cada flape pela coloração, turgor e temperatura da pele e crescimento dos pêlos. Pode-se concluir que os flapes cutâneos, tanto axiais como em ilha, são viáveis de serem realizados em eqüinos. Descritores: flapes, cutâneo, cicatrização, eqüinos. ABSTRACT The aim of this paper was to evaluate the use of experimental skin flaps in horses. Six healthy adults horses were used. These animals were submitted to axial and island skin flaps based on 4 differents vascular plexus: eyelid plexus, thoracodorsal plexus, superficial brachial plexus and superficial epigastric plexus. Each horse was submitted to axial skin flaps on the left side and island skin flaps on the right side in totally twenty-four flaps. Flaps viabiability by color, skin temperature and hair growth was evaluated during the pos-operative period. Results of this study suggest that skin flaps can be used in horses. Key words: flaps, skin, wounds, horses. 1 Professor Assistente, M.Sc., Departamento de Medicina Animal, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. e-mail: pigattoja@zipmail.com.br 2 Professor Adjunto, PhD, Departamento de Clínica de Pequenos Animais, Universidade Federal de Santa Maria 107

INTRODUÇÃO As feridas nos eqüinos são muito comuns porém o seu manuseio e tratamento sempre apresentam sérios problemas (LEES et al., 1990; HOWARD et al., 1993). Essas dificuldades são mais acentuadas em feridas nos membros locomotores onde a disponibilidade de pele é muito pouca (JACOBS et al. 1984; LEES, et al., 1989). Em cães e gatos não foram observados problemas de disponibilidade cutânea (PAVLETIC, 1980; SWAIN, 1980; POPE & SWAIN, 1986). De acordo com STASHAK (1991) toda a vez que um defeito ou ferida não puder ser fechado por sutura simples a imobilização dos tecidos adjacentes é aconselhável. Esta imobilização deve ser planejada inclusive com a determinação das linhas de incisão cutâneas que se faz por beliscamento da pele, com o animal em repouso e em movimento, resultando desta maneira no direcionamento do flape. Essas feridas das extremidades são as mais comuns nos eqüinos, porém não raro apresentam grandes problemas de cicatrização, lembrando as feridas associadas a traumatismos na região tibial em seres humanos (LEES et al., 1989). Os transplantes de pele são utilizados em eqüinos para melhorar a aparência estética e funcional, porém não tem sido fácil obter bons resultados porque não há muita pele móvel disponível nas adjacências e existe muita dificuldade em preparar um leito de granulação satisfatório (LEES, et al., 1990; STASHAK, 1977). Um dos grandes fatores limitantes é o tamanho dos animais e a imobilização da região, por isso grandes bandagens ou imobilização com gesso podem ser consideradas para essa finalidade (HOWARD et al., 1993). Os flapes locais e a distância, como o tipo usado em seres humanos e em cães são muito úteis nestas espécies, porém ainda não muito estudados em animais de grande porte como os eqüinos (SWAIN, 1980; PAVLETIC, 1990). O reconhecimento dos plexos cutâneos microvasculares tem propiciado o desenvolvimento de técnicas de transferência, que se tornaram rotineiras na cirurgia humana com relação ao manuseio de feridas de difícil cicatrização e, por isto, parece lógico adotar um procedimento semelhante em eqüinos. Dentro da revisão de literatura existem pesquisadores como LEES, et al., (1990) que falharam ao tentar a transferência de flapes livres de pele em eqüinos usando diferentes protocolos anestésicos. Outros tentaram o sucesso desses transplantes através de microanastomoses vasculares, porém com resultados discutíveis (MILLER & HURTING, 1989). O presente experimento tem por objetivo testar a viabilidade de dois tipos de flapes, o axial e o em ilha, usando para isso a base de quatro plexos cutâneos existentes nas proximidades onde os traumatismos são mais freqüentes comparando os dois tipos. MATERIAL E MÉTODOS Inicialmente foram feitos estudos anatômicos preliminares em cadáveres de quatro eqüinos, a fim de identificar a disponibilidade dos plexos cutâneos regionais e também verificar os locais de preparação dos leitos receptores. Esta identificação constou de dissecação anatômica acurada, com localização dos vasos maiores dos plexos vasculares das pálpebras inferiores, do plexo toracodorsal, do plexo braqueal superficial e do plexo epigástrico superficial. Foi verificado que nesses plexos as veias e vênulas eram 4 a 5 vezes maiores que as artérias e arteríolas, e que se estendiam paralelamente a várias regiões adjacentes, tornando possível do ponto de vista vascular possível a realização dos flapes propostos em duas ou três direções. Foram usados seis eqüinos adultos, sem raça definida, com peso variando entre 280 e 390 kg, três machos e três fêmeas, que após desverminados e aclimatados ao Hospital Veterinário da Universidade Federal de Santa 108

Maria (UFSM) foram encaminhados para a cirurgia. Esses animais foram submetidos a realização de quatro tipos de flapes em forma de meio H, em cada lado, sendo que os do lado direito do tipo axial ou de escorregamento (figura 1) e os do lado esquerdo do tipo em ilha (figura 2), também de escorregamento, perfazendo um total de 24 flapes de cada tipo. A região dos plexos citados anteriormente foi preparada com um dia de antecedência por tricotomia, lavagem e colocação de um antisséptico cutâneo. No dia da cirurgia, após um jejum prévio de 12 horas os animais foram tranqüilizados com romifidina 1 na dose de 0,8 mcg/kg de peso vivo, pela via intravenosa. Posteriormente foi feita a demarcação dos flapes com lápis dermatológico sendo FIGURA 1- Apresentação esquemática do flape então realizada a anestesia local com cloridrato de lidocaína 2, a fim de que a cirurgia pudesse ser realizada com o animal em estação. Após a anti-sepsia da região com povidine e álcool foi iniciada a cirurgia dentro das normas assépticas. As incisões obedeceram ao seguinte FIGURA 2- Apresentação esquemática do flape em sentido, sempre partindo da base do plexo em direção ao eixo maior dos vasos: - plexo vascular da pálpebra inferior - incisão de 2,5 x 4 cm, a partir da região medial da pálpebra inferior em direção à crista facial externa, distando 0,5 cm da borda palpebral; - plexo vascular toracodorsal - incisão de 5 x 15 cm a partir da região da linha média dorsal, a altura da oitava e nona vértebra, em direção dorso ventral; 109 - plexo vascular braqueal superficial - a partir da espinha da escápula em direção látero-dorso-ventral, medindo 5 x 15 cm; - plexo epigástrico superficial - cuja base é dada pela artéria e veia ilíacas circunflexa e epigástrica superficial, medindo 5 x 15 cm no sentido caudo-craneal, sobre a região lateral do músculo reto do abdômen e aponeuroses dos músculos oblíquos. Após a preparação do flape foi realizado o defeito cutâneo no leito receptor, de tamanho idêntico ou um pouco menor ao flape doador, sendo que a hemostasia quando necessária foi por forcitorsão. Os flapes foram inicialmente fixados por dois pontos de reparo com fio de poliamida 0,40 para que os ajustes necessários se fizessem possíveis. A fixação do flape no leito receptor foi feita por pontos isolados simples, com fio de poliamida 0,40. Os flapes em ilha tiveram o seu pedículo cutâneo seccionado superficialmente, ficando o plexo vascular mantido pelo tecido subcutâneo, sendo então fixados da mesma maneira que os anteriores. O leito receptor teve seu defeito reparado através de uma sutura por pontos isolados simples com fio de poliamida 0,40. Sempre que necessário, era realizada sutura do tipo longe-perto-perto-longe. O leito doador recebeu o mesmo tratamento na tentativa de uma cicatrização por primeira intenção. Após as suturas, as mesmas foram limpas com uma solução de povidina a 5% e,

após secas, era feita aplicação tópica de nitrofurazona 3. Estes procedimento foi repetido diariamente até a remoção dos pontos cutâneos ao redor do oitavo dia de pós-operatóriao. Não foi usada nenhuma bandagem, tendo em vista a localização não apropriada para seu uso. A viabilidade dos flapes foi avaliada pela coloração, turgor, temperatura e crescimento dos pelos. Durante os três primeiros dias foi dada como droga antiinflamatória a flunixina meglumina 4, via intravenosa, na dose de 0,5 mg/kg. RESULTADOS Todos os locais receptores dos flapes, tanto axiais como em ilha cicatrizaram, dentro do período previsto. Deve-se considerar como normal o espaço de tempo a mais que levou o leito doador para a cicatrização por segunda intenção do flape em ilha. No primeiro caso a cicatrização primária ocorreu ao redor do oitavo dia e, no segundo caso, ao redor do décimo primeiro dia em média. Não ocorreu nenhum caso de laceração de bordas ou alteração cosmética que pudesse comprometer os resultados. Não houve ocorrência de infecção como também não houve a presença de nenhum hematoma, tanto no leito receptor como no doador. Os flapes axiais por escorregamento foram os mais difíceis de mobilizar a fim de cobrir o leito receptor, exigindo maior dissecação dos tecidos adjacentes, de modo a permitir a sutura borda a borda e proporcionar uma cicatrização por primeira intenção. A maioria das suturas do tipo longe-perto-perto-longe, garantiu a aposição de grande extensão de pele. Os flapes em ilha, também de escorregamento, foram mobilizados com maior facilidade, não necessitando de tanta dissecação dos tecidos adjacentes ao redor das bordas do leito receptor, permitindo com facilidade a sutura borda a borda. O espaço formado pelo escorregamento em ilha da porção de pele movimentada cicatrizou por segunda intenção, sem contaminação em nenhum caso e, sem formação de tecido de granulação exuberante. O edema que ocorreu em vários flapes, principalmente na região orbital inferior, foi debelado com a administração de medicação antiinflamatória. DISCUSSÃO Existem muitas diferenças entre eqüinos e humanos com referência ao manuseio cirúrgico dos flapes cutâneos principalmente no que se refere a elasticidade e mobilidade da pele nessas espécies (LEES, et al., 1990). Essa mesma mobilidade tornou possível os experimentos a bom termo feitos por SWAIN (1980) e PAVLETIC (1990) em cães e gatos. Os problemas de cicatrização em cães, segundo JACOBS et al., (1984) aparecem mais quando as feridas estão associadas com traumatismos. Existem ainda diferenças quanto aos protocolos anestésicos nas diferentes espécies e no caso do presente experimento optou-se por realizar as cirurgias em estação, o que foi possível devido ao temperamento manso de todos os animais usados no experimento. Foi desta maneira evitado o uso da anestesia geral com todas as suas complicações pulmonares, circulatórias e de miopatia (LEES et al., 1990). As linhas de tensão da pele pela prova do beliscamento recomendadas por STASHAK (1991) não foi o único fator usado para estabelecer o direcionamento do flape. Foi levado em conta também o plexo vascular e sua distribuição aos tecidos vizinhos. Estes dois fatores foram associados sempre que possível. A familiaridade com a anatomia regional advinda da experiência de dissecação em uma fase pré-experimental muito ajudou na realização das intervenções, principalmente com relação ao direcionamento dos flapes. A realização das suturas com o leito vascular e seus manuseios foram mais fáceis, do ponto de vista cirúrgico, nos flapes em ilha do que nos axiais, que demandaram dissecação maior no leito receptor e um tipo de sutura para alivio da tensão nas bordas. A grande falta de flexibilidade cutânea foi um dos fatores que 110

tornou mais difícil a realização destes dois tipos de flapes. Talvez o sucesso da cicatrização conseguido neste experimento seja pela experiência da equipe cirúrgica que realiza trabalhos nessa linha em pequenos animais há muito tempo, e conforme LEES et al. (1989) muitas falhas ocorrem por falhas da equipe, principalmente quando não são usadas técnicas de microanastomose (MILLER & HURTING, 1989), o que não foi o caso do presente experimento. A observação clínica diária sobre a cicatrização avaliando fatores como coloração, temperatura e crescimento dos pelos foi válido, assim como o uso do protocolo de limpeza diária da ferida cirúrgica com as drogas propostas e usadas. NOTAS INFORMATIVAS 1 Sedivet, Boehringer Ingelhein - Rodovia Régis Bittencourt, Km 286 - Itapecirica da Serra, SP. 2 Xylocaína sem vaso constritor, Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda. Itapira,SP. 3 Furacin solução, Schering-Plough Veterinária S.A. - Jacarépagua - Rio de Janeiro, RJ. 4 Banamine, Schering Plough Veterinária S.A. - Rio de Janeiro, RJ. REFERÊNCIAS CONCLUSÕES Baseado nas observações do presente experimento pode-se concluir que: 1 - os flapes cutâneos axial e em ilha são viáveis de serem realizados em eqüinos, desde que se faça um estudo anatômico prévio do plexo vascular nutridor da base do pedículo. A dissecação do flape deve ser baseada no beliscamento cutâneo e na distribuição da vascularização regional; 2 - os flapes em ilha apresentam uma mobilidade maior que os flapes axiais por escorregamento, porém apresentam uma área de cicatrização por segunda intenção no leito doador. Em áreas com menor mobilidade de pele o flape em ilha é recomendado desde que se tome cuidados para que não ocorra contaminação da área que cicatriza por segunda intenção. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Médico Veterinário Thiago Ladeiro de Almeida pela elaboração das ilustrações e ao Designer Gráfico Silas Duth Ludovico pela arte final. 111 HOWARD, R.D.; STASHAK, T.S.; BAXTER, G.M.1993. Evaluation of oclusive dressings for management of full-thickness excissional wounds on the distal portion of the limbs of horses. American Journal Veterinary Research, 54: 2150-2154. JACOBS, K.A.; LEACH, D.H.; FRETZ, P.B.1984. Comparative aspects of the healing of excisional wounds on the leg and body of horses. Veterinary Surgery. 13:93-100. LESS, M.J., FRETZ, P.B., BAILEY, J.V.1989. Second intention healing. Compendiun Continuing Education Practice Veterinary. 11:857-865. LEES, M.J.; BOWEN, C.V.A.; FRETZ, P.B.1990. Identification of a free skin flap from the region vascularized by deep circumflex iliac artery of horses. American Journal Veterinary Research. 51:796-799. MILLER, C.W.; HURTING, M.1989. Identification and transfer of free cutaneous flaps by microvascular anastomosis in the pony. Veterinary Compendiun Orthopaedic Traumatology. 1:21-24. PAVLETIC, M.M.1980. Caudal superficial epigastric arterial pedicle grafts in the dogs. Veterinary Surgery. 9:103-107. PAVLETIC, M.M.1990. Plastic and Reconstructive Surgery. The Veterinary Clinics of North America 20(1)1-281. POPE, E.R.; SWAIN, S.F.1986. Shifting tissue and using flaps. Veterinary Medicine. 24:512-523. STASHAK, T.S.1977. Reconstructive surgery in the horse. Journal American Veterinarian Medical Association. 170:143-149. STASHAK, T.S.1991. Equine Wound Management. Lea & Febiger. Philadelphia, 278 p. SWAIN, S.F.1980. Management and reconstruction in the dog and cat. Philadelphia: Sauders. Surgery of traumatized skin, p. 321-394. Recebido/Received: outubro 2000 Aceito/Accepted: agosto 2001