PROCEDIMENTO COMUM (7) Nº 5011781-15.2018.4.03.6100 / 4ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: JOHNSON & JOHNSON DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO DE PRODUTOS PARA SAUDE LTDA. Advogados do(a) AUTOR: LUCIANA ROSANOVA GALHARDO - SP109717, ANDREA MASCITTO - SP234594, PEDRO AUGUSTO DO AMARAL ABUJAMRA ASSEIS - SP314053 RÉU: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL D E C I S Ã O Trata-se de ação anulatória de lançamento fiscal ajuizada por JOHNSON & JOHNSON DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO DE PRODUTOS PARA SAUDE LTDA. em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando o cancelamento da cobrança correspondente aos tributos, multas e juros de mora, objeto do Processo Administrativo nº 16561.720172/2012-20. Relata a parte autora que sofreu ação da fiscalização que culminou com a lavratura de autos de infração, em razão das seguintes supostas infrações: DESPESAS COM AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. EMPRESAS DE MESMO GRUPO ECONOMICO. INDEDUTIBILIDADE. lncabível a dedução de amortização de ágio decorrente de operação societária realizada entre empresas de mesmo grupo econômico, pela inexistência da contrapartida do terceiro que gere o efetivo dispêndio. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO INTERNO. NECESSIDADE DE PROPOSITO NEGOCIAL. Inadmissível a formação de ágio por meio de operações internas, sem a intervenção de partes independentes e sem o pagamento de preço a terceiros. Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a sucessão de operações societárias sem qualquer finalidade negocial que resulte em incorporação de pessoa jurídica de mesmo grupo, com utilização de empresa veículo, unicamente para criar de modo artificial as condições para aproveitamento da amortização do ágio como dedução na apuração do lucro real e da contribuição social. Num. 8847516 - Pág. 1
DESPESAS COM AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. EMPRESA VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROPOSITO NEGOCIAL. Não há como aceitar a dedução do ágio com utilização de empresa veículo, quando o procedimento do sujeito passivo não se reveste de propósito negocial mas revela objetivo exclusivamente tributário. Explica que o ágio em questão resultou de um processo válido e legítimo de reorganização societária globalmente conduzido pelo grupo Johnson & Johnson ao longo de dois anos não somente no Brasil, como em outras jurisdições onde mantinha presença comercial. Como esse ágio (sobrepreço) estava fundamentado na expectativa de rentabilidade futura do negócio desenvolvido no Brasil pelas subsidiárias do grupo Johnson & Johnson e decorria de um legítimo custo de aquisição, efetivamente incorrido e desembolsado em caixa, uma das consequências previstas na legislação fiscal então em vigor era a possibilidade de deduzir as contrapartidas de sua amortização das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, atendidos determinados requisitos. Contudo, a despeito da regularidade de todos os procedimentos relacionados à reorganização societária brasileira e das sólidas razões empresariais que a justificavam, em dezembro de 2012 foi lavrado auto de infração contra a Autora para exigir débitos supostamente devidos a titulo de IRPJ e de CSLL nos anos de 2009 e 2010, em razão da glosa das despesas de amortização fiscal de ágio. Aduz que, inconformada com a exigência fiscal, a Autora apresentou Impugnação que foi julgada improcedente em primeira instância administrativa (id 8280030). Entretanto, interposto Recurso Voluntário contra essa decisão, o CARF deu-lhe parcial provimento para afastar a aplicação de multa qualificada de 150%. (id 8280033). Entretanto, alega que a legislação fiscal em vigor na época dos fatos aqui tratados não vedava o reconhecimento e aproveitamento de ágio decorrente de operações conduzida entre partes relacionadas, não sendo essa, portanto, uma justificativa que encontre suporte nas regras fiscais aplicáveis à matéria. Sustenta que o simples fato de o ágio resultar de uma aquisição feita entre partes relacionadas não é motivo que possa justificar a glosa das contrapartidas de amortização de ágio registrado segundo a legislação aplicável; e que a JJ Administração não era uma sociedade veículo, como demonstram os documentos colacionados a esta Inicial. Mas mesmo que assim não o fosse, o que se considera apenas para argumentar, tal fato tampouco poderia levar à indedutibilidade das contrapartidas de amortização do ágio. Enfim, alega que, ainda que fosse admitida a exigência do principal neste caso, deve-se ressaltar que mesmo a penalidade de oficio de 75% mantida pela E. CSRF após o afastamento da penalidade de 150% é claramente descabida, por ser uma exigência desproporcional e abusiva, especialmente se considerado o disposto no artigo 142 do CTN. Requer a imediata concessão de tutela provisória de urgência para que seja determinada a suspensão da exigibilidade do crédito discutido no Processo Administrativo 16561.720172/2012-20, nos termos do artigo 151, inciso V, do CTN, com expressa ordem de afastamento (a) de qualquer óbice à expedição/renovação de certidão de regularidade fiscal, nos termos do artigo 206 do CTN, em relação aos débitos em discussão, (b) da possibilidade de inclusão do seu nome no CADIN Federal (ou órgãos similares), bem como de aplicação das medidas previstas na Portaria 33/18; e (c) da inscrição do débito sub judice em dívida ativa e sua subsequente cobrança em juízo via execução fiscal. É o relatório Num. 8847516 - Pág. 2
Fundamento e decido. Estão presentes os elementos que autorizam a concessão da tutela de urgência pleiteada. Reconheço o requisito da urgência, tendo em vista que a imposição de pagamentos entendidos como indevidos implica em evidente restrição do patrimônio dos contribuintes. Também está presente o relevante fundamento jurídico exigido para o deferimento da tutela. De acordo com o Relatório Fiscal, a Autora teria deduzido indevidamente na apuração do IRPJ e da CSLL despesa com a amortização de ágio, tendo a Fiscalização apurado, em síntese, que a autuada amortizou um ágio criado em operações internas, portanto, sem ter decorrido de uma verdadeira aquisição de investimento. Outrossim, foi adotado o entendimento de que, ainda que o ágio fosse consequência de uma aquisição real, não teria havido o cumprimento das condições legais para a sua dedutibilidade. Conforme os documentos acostados aos autos, a Primeira Turma da Segunda Câmara da Primeira Seção do CARF, analisando o feito, deu provimento parcial ao recurso voluntário da empresa autuada, cancelando a multa de ofício, em sua forma qualificada. Cabe transcrever a ementa da decisão proferida pelo CARF, para demonstrar os argumentos utilizados: ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJ Exercício: 2009, 2010 DESPESAS COM AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. EMPRESAS DE MESMO GRUPO ECONÔMICO. INDEDUTIBILIDADE. Incabível a dedução de amortização de ágio decorrente de operação societária realizada entre empresas de mesmo grupo econômico, pela inexistência da contrapartida do terceiro que gere o efetivo dispêndio. INCORPORAÇÃO DE EMPRESA. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO INTERNO. NECESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL. Inadmissível a formação de ágio por meio de operações internas, sem a intervenção de partes independentes e sem o pagamento de preço a terceiros. Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a sucessão de operações societárias sem qualquer finalidade negocial que resulte em incorporação de pessoa jurídica de mesmo grupo, com utilização de empresa veículo, unicamente para criar de modo artificial as condições para aproveitamento da amortização do ágio como dedução na apuração do lucro real e da contribuição social. DESPESAS COM AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. EMPRESA VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROPÓSITO NEGOCIAL. Não há como aceitar a dedução do ágio com utilização de empresa veículo, quando o procedimento do sujeito passivo não se reveste de propósito negocial, mas revela objetivo exclusivamente tributário. ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO Ano-calendário: 2009, 2010 ACÓRDÃO DRJ. COMPOSIÇÃO DA TURMA INCOMPLETA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. A Portaria 341/11 que estabelece que somente quando presente a maioria dos membros da Turma, poderá haver deliberação, bem como, que o Delegado da DRJ pode designar julgador ad hoc para participar de sessão específica em Turma de julgamento, visando garantir o quorum mínimo de 03 julgadores que, uma vez alcançado, possibilita o julgamento. MULTA DE OFÍCIO QUALIFICADA. REDUÇÃO. Num. 8847516 - Pág. 3
A multa deve ser reduzida ao percentual de 75% por não haver nos autos comprovação cabal das hipóteses dos arts. 71, 72 e 73 da Lei n 4.502, de 1964. Assim, fica claro que houve o entendimento de que não haveria propósito negocial na operação que deu origem ao ágio e que, em razão disto, o ágio não se justificaria. Esse conceito vem sendo aplicado de forma controversa com o advento do parágrafo único do artigo 116 do CTN, introduzido pela LC nº 104/2001, pois introduziu regra que autoriza a Administração Pública, munida de interpretações, que podem ser subjetivas, a desconsiderar os efeitos do planejamento tributário, ao argumento da contrariedade à lei: Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: (...) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) Cumpre ressaltar que o legislador deixou claro que este parágrafo só produziria efeitos com a edição de uma lei ordinária que delimitaria a interpretação dos atos e negócios praticados pelo contribuinte. Vale lembrar que através da Medida Provisória 66/2002 houve a tentativa de se inserir de forma positivada o conceito do propósito negocial, nos seguintes termos: Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I - Falta de propósito negocial; ou II - Abuso de forma. 2º Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato. 3º Para o efeito do disposto no inciso II do 1º, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado. Num. 8847516 - Pág. 4
No entanto, a Medida Provisória em questão não foi aprovada pelo Congresso Nacional. Desta forma, a meu ver, o Fisco não pode desconsiderar os negócios jurídicos da forma em que realizados, pela simples suposta falta de propósito negocial. Se não houver fraude ou simulação nas operações realizadas, estas serão válidas, ainda que tenham o propósito único de economizar tributos. No caso em tela, não houve demonstração pelo Fisco de fraude ou simulação, sendo certo que o CARF inclusive afastou a multa qualificada anteriormente aplicada. No entanto, ainda que assim não se entendesse, cumpre frisar que os documentos apresentados pela Autora indicam, ao menos nesta análise de cognição sumária, que as operações societárias desconsideradas pela fiscalização tiveram propósitos negociais diversos da viabilização do aproveitamento do ágio. Por fim, importa ressaltar que a legislação fiscal aplicável à época do fato gerador não vedava, sob qualquer aspecto, o reconhecimento, registro, amortização e dedução do ágio pelo simples fato de as operações terem sido realizadas entre partes relacionadas, o que veio a ocorrer somente partir de 1.1.2015, com a vigência da Lei 12.973/14. Todas estas questões deverão ser analisadas mais profundamente quando da prolação da sentença, após a devida instrução probatória. Todavia, entendo que há verossimilhança, pelo quanto já exposto, a justificar a concessão da tutela de urgência pleiteada. Ante o exposto, presentes os requisitos autorizadores da medida, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA requerida pela Autora, determinando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário objeto do Processo Administrativo nº 16561.720172/2012-20, obstando-se, em consequência, o prosseguimento de quaisquer atos administrativos tendentes à sua cobrança ou de natureza coercitiva, até o julgamento da presente ação. Cite-se e Intime-se. São Paulo, 18 de junho de 2018. TATIANA PATTARO PEREIRA Juíza Federal Substituta Num. 8847516 - Pág. 5
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