Quarta Lista de Exercícios (data de entrega: 11/05/018) 1. A partir da análise do modelo de Hodgkin-Huxley no plano de fase rápido-lento (veja a aula 1), FitzHugh propôs um modelo bi-dimensional muito simples, mas capaz de produzir oscilações qualitativamente similares aos disparos de um neurônio. FitzHugh sabia muito bem que suas equações não forneciam uma descrição detalhada dos potenciais de ação de um neurônio, mas, como ele mesmo disse (FitzHugh, 1969): para alguns propósitos é útil ter um modelo de uma membrana excitável que seja matematicamente tão simples quanto possível, mesmo que os resultados experimentais sejam reproduzidos de forma menos precisa. O modelo de FitzHugh (1961), posteriormente aperfeiçoado por Nagumo et al. (196) e, por isso, chamado hoje em dia de modelo de FitzHugh-Nagumo, possui duas variáveis: a voltagem de membrana V (variável rápida) e uma variável de repolarização lenta w. A variável w pode ser interpretada como representando o efeito dominante da condutância de K + para fora da célula após o pico do potencial de ação. As equações do modelo de FitzHugh-Nagumo são as seguintes: dv τ V = V w + I inj dw τ w = w + bv + a. Diferentes autores usam diferentes valores dos parâmetros dessas equações. Aqui, vamos usar os seguintes valores (Wilson, 1999): τ = 0,1 ms; τ w = 1,5 ms; b = 1,5; e a = 1,5. I inj é a corrente injetada na membrana e será tratada como um parâmetro livre, podendo assumir diferentes valores. Note que a constante de tempo para V é bem menor que a constante de tempo para w, refletindo o fato de que os processos de ativação do potencial de membrana são bem mais rápidos que os processos de repolarização. As equações que serão consideradas nesta questão são, portanto: Faça, agora, os seguintes itens: dv dw V = 10 V w + I inj ( w + 1,5 1,5) = 0,8 V + a. Considere I inj = 0. Para este caso, obtenha as equações para as isóclinas nulas de V e w e traceas no gráfico de w versus V (plano de fase). b. Determine o(s) ponto(s) de equilíbrio do sistema. c. Linearize o sistema de equações para determinar a natureza do(s) ponto(s) de equilíbrio. Para fazer isso, seja (V *, w * ) um ponto de equilíbrio do sistema. Considere pequenas perturbações em torno deste ponto de equilíbrio: V = V * + δv e w = w * + δw. Substitua estas expressões no. 1
sistema de equações e despreze os termos de ordem quadrática ou superior em δv e δw. Você deve ficar com um sistema do tipo: ( δv ) d ( δw) d que pode ser escrito em forma matricial como: A matriz p r d d ( δv ) ( δw) = pδv + qδw = rδv + sδw, p = r q δv. s δw q é chamada de matriz jacobiana do sistema no ponto de equilíbrio (V *, w * ). É s importante notar que cada ponto de equilíbrio tem uma matriz jacobiana diferente. Quais os valores de p, q, r e s para cada um dos pontos de equilíbrio do sistema? d. Para analisar o tipo de estabilidade de um dado ponto de equilíbrio, é necessário determinar os autovalores da sua matriz jacobiana. Os livros de texto sobre Álgebra Linear ensinam como calcular os autovalores e os autovetores de uma matriz arbitrária. Seja uma matriz L = Para encontrar os seus autovalores, deve-se resolver a chamada equação característica: p λ q det = 0. r s λ Esta equação pode ser posta na forma polinomial (p λ)(s λ) qr = 0, ou: onde λ τλ + Δ = 0, τ = tr L = p + s e Δ = det L = ps qr são, respectivamente, o traço e o determinante da matriz L. A forma polinomial quadrática acima tem duas soluções da forma: 1 τ + = τ 4Δ λ e τ = τ 4Δ λ, que são números reais (quando τ 4Δ 0) ou complexos conjugados (quando τ 4Δ < 0). Calcule os autovalores da matriz jacobiana para o(s) ponto(s) de equilíbrio do sistema. p r q. s e. Em geral, uma matriz x têm dois autovalores com autovetores distintos, v11 v = e 1 v1 v v = v 1. Nesses casos, a solução geral do sistema linearizado é da forma:
δv = c1e δw 1 v + c e v λ t λt 1 onde c 1 e c são constantes que dependem das condições iniciais. Quando os dois autovalores são reais e negativos, ou complexos com as partes reais negativas, a equação acima implica que as perturbações δv e δw decaem para zero com o tempo e, portanto, o ponto de equilíbrio (V *, w * ) é assintoticamente estável. Quando pelo menos um dos autovalores é real e positivo, ou é complexo com a parte real positiva, então o ponto de equilíbrio (V *, w * ) é instável. Determine a estabilidade ou a instabilidade do(s) ponto(s) de equilíbrio do sistema. f. Os autovalores da matriz jacobiana de um ponto de equilíbrio também determinam a maneira como o sistema converge (ou diverge) para o ponto de equilíbrio nas suas vizinhanças no plano de fase. Há três tipos de convergência (ou divergência), correspondendo a três tipos de pontos de equilíbrio chamados na literatura de nó, sela e foco (ou espiral). Um nó ocorre quando os autovalores são reais e do mesmo sinal. Se eles forem negativos, o nó é estável, e se eles forem positivos o nó é instável. Um ponto de sela ocorre quando os autovalores são reais e de sinais opostos. Os pontos de sela são sempre instáveis. Um foco ocorre quando os autovalores são complexos conjugados. Quando as suas partes reais são negativas, o foco é estável, e quando as suas partes reais são positivas o foco é instável. A figura abaixo, adaptada do livro de Izhikevich (007), ilustra os tipos de convergência (divergência).,
Quando os dois autovalores forem puramente imaginários, isto é, forem números complexos com suas partes reais nulas, então o ponto de equilíbrio é chamado de centro. Neste caso, as trajetórias do sistema são órbitas fechadas em torno do ponto de equilíbrio (veja a figura abaixo). Um centro é um ponto de equilíbrio chamado de neutralmente estável. Todos os tipos de estabilidade de um ponto de equilíbrio podem ser mostrados em um gráfico de τ versus Δ (o traço da matriz jacobiana versus o seu determinante). A figura abaixo, reproduzida de Izhikevich (007), ilustra isso (a linha indicada na figura como bifurcação de Andronov-Hopf corresponde à região do plano τ versus Δ para a qual os pontos de equilíbrio são centros). Na figura, a região pintada indica os valores de τ e Δ para os quais ocorrem pontos de equilíbrio estáveis. Baseado no que foi dito acima, determine o tipo de convergência (divergência) do sistema para o(s) seu(s) ponto(s) de equilíbrio nas vizinhanças desse(s) ponto(s). g. Se os autovalores da matriz jacobiana de um ponto de equilíbrio forem reais e não nulos, ou complexos conjugados com a parte real diferente de zero, então o ponto de equilíbrio é chamado de hiperbólico (estável ou instável). A importância dos pontos de equilíbrio hiperbólicos é que, segundo o teorema de Hartman-Grobman (Izhikevich, 007), o seu tipo de estabilidade é robusto, isto é, o tipo de estabilidade determinado pela linearização do sistema (como feito acima) mantém-se para o sistema não-linear sem desprezar os termos de ordem superior em δv e δw. Dizemos que a dinâmica do sistema não linear nas vizinhanças de um 4
ponto de equilíbrio hiperbólico é topologicamente equivalente à dinâmica da sua versão linearizada. Isto quer dizer que os termos de ordem superior que foram desprezados na análise linearizada do sistema não desempenham qualquer papel qualitativo na sua dinâmica. Em linguagem mais matemática, em tal caso existe um homeomorfismo (uma deformação contínua com inversa contínua) que mapeia o plano de fase do sistema linearizado no plano de fase do sistema não-linear. As trajetórias e as direções das setas são preservadas quando se mapeia um diagrama no outro. Em uma linguagem mais livre, dois planos de fase topologicamente equivalentes são como versões distorcidas um do outro. Eles podem estar dobrados ou esticados (mas não rasgados), de maneira que trajetórias fechadas em um plano continuam fechadas no outro. Quando um ponto de equilíbrio tem autovalores reais nulos, ou complexos conjugados com a parte real nula, ele é chamado de não-hiperbólico. Os pontos de equilíbrio não-hiperbólicos não são robustos e a técnica de linearização não pode determinar o seu tipo de estabilidade no caso geral. O aparecimento de autovalores reais nulos ou de complexos conjugados com a parte real nula ocorre quando o ponto de equilíbrio passa por uma bifurcação (veja o diagrama do livro de Izhikevich (007) acima). Determine se o(s) ponto(s) de equilíbrio do sistema é(são) hiperbólico(s) ou não-hiperbólico(s). h. Repita todos os passos acima para dois outros valores de I inj : I inj = 0,5 e I inj = 1,5. i. Construa um programa em Matlab que resolva o sistema de equações do modelo de FitzHugh- Nagumo pelo método de Euler. Pelo método de Euler, as duas equações são aproximadas por: V ( t) V ( t + h) V ( t) + 10 V ( t) w( t) + I. h w ( t + h) w( t) + 0,8( w( t) + 1,5V ( t) + 1,5 )h. Para obter uma boa solução, use um valor pequeno de h, por exemplo h = 0,001. Considere os seguintes valores iniciais: (V(0) = ; w(0) = 0,5). Faça o seu programa dar como resultado dois gráficos: o de V(t) versus t e o de w(t) versus V(t) (plano de fase). Entregue o código do seu programa e os gráficos para os três valores de I inj estudados acima (I inj = 0; 0,5 e 1,5). Nota: se você preferir e se sentir mais confortável, resolva o sistema de equações por outro método, por exemplo o de Runge-Kutta de 4 a ordem. Neste caso, o tamanho de h não precisa ser tão pequeno. j. Exercício avançado: Tratando a corrente injetada I inj como parâmetro de bifurcação, use o seu programa para fazer uma varredura sistemática de I inj (por exemplo, de I inj = 0,5 a I inj =,5) e construir um diagrama de bifurcação para V. Um exemplo de diagrama de bifurcação para uma variável x em função de um parâmetro de bifurcação β é o mostrado na figura abaixo: 5
Para uma faixa de valores de β (β < 0 no diagrama acima) a variável x possui um ponto de equilíbrio assintoticamente estável (x = 0). Para β > 0, o ponto de equilíbrio torna-se assintoticamente instável (indicado pela linha tracejada) e a variável x passa a oscilar de forma periódica em torno do antigo ponto estável (dizemos que o sistema convergiu para um ciclo limite). Os dois ramos contínuos da forquilha acima indicam os pontos de máximo e de mínimo da oscilação de x para cada valor de β. Leia a bibliografia citada nas Referências (principalmente o livro de Izhikevich) para entender mais sobre os tipos de bifurcação que ocorrem com o modelo de FitzHugh-Nagumo. Segundo Wilson (1999), embora a forma das oscilações geradas pelo modelo de FitzHugh-Nagumo não se pareçam com as do modelo de Hodgkin-Huxley, ele (o modelo de FitzHugh-Nagumo) fornece um insight matemático sobre a natureza da excitabilidade neuronal : os disparos são gerados quando I inj torna-se suficientemente forte para desestabilizar o estado de equilíbrio. Comente sobre esta afirmação à luz dos resultados obtidos em seu estudo. Referências FitzHugh, R., Impulses and physiological states in models of nerve membrane. Biophysical Journal, 1:445-466, 1961. FitzHugh, R., Mathematical models of excitation and propagation in nerve. In: Schwan, H. P. (Ed.), Biological Engineering, Nova York: McGraw-Hill, 1969, pp. 1-85. Izhikevich, E. M., Dynamic Systems in Neuroscience: the geometry of excitability and bursting. Cambridge, MA: MIT Press, 007. Nagumo, J. S., Arimoto, S., and Yoshizawa, S., An active pulse transmission line simulating nerve axon. Proceedings of the IRE, 50:061-070, 196. Wilson, H., Spikes, Decisions and Actions: the dynamical foundations of neuroscience. Oxford: Oxford University Press, 1999. http://www.scholarpedia.org/article/fitzhugh-nagumo_model 6