Introducao Quando me propus a refletir sobre a aplicação do RPG na Educação, nunca pensei que escreveria sobre isso, muito menos que os escritos se transformariam num livro. Entretanto, quero tomar o cuidado de falar um pouco a respeito do que é o RPG, pois espero que não apenas rpgistas leiam o livro. A sigla RPG significa Role Playing Game, ou jogo de interpretação de papéis. Atualmente é possível encontrar jogos de RPG em muitos lugares. Existem os livros-jogos, no qual o leitor interage com o livro, possibilitando inúmeros finais para a história; existem os jogos de carta ou card-games, que são conhecidos como um tipo de jogo de RPG, e há também o que provavelmente seja o mais disseminado, os MMORPG (Massive Multiplayer Online Role Playing Game) ou jogo de interpretação de papéis em massa on line, via internet. Entretanto, o RPG de que trataremos neste livro é aquele que deu origem ao termo e hoje é conhecido por RPG de mesa. O RPG é um jogo de contar história e interpretar, um grande faz de conta com regras e leis, no qual cada jogador cria um personagem com características físicas, psicológicas e sociais próprias e passa a interpretá-lo. Fica mais fácil de entender se lembrarmos das brincadeiras infantis de faz de conta, em que cada criança é um herói destemido, um cavaleiro valente, um rei, uma princesa, enfim, cada criança representa o personagem de que mais gosta ou com o qual se sente familiarizado. O RPG tem a mesma característica de faz de conta RPG & Educacao 15
e representação das brincadeiras infantis, porém com regras. Dessa forma, fica mais fácil ou possível de saber qual tiro (imaginário) acertou primeiro: o do mocinho ou o do bandido. O RPG apenas normatizou a brincadeira, para que a fantasia de um não tomasse o espaço da fantasia do outro. Como a dinâmica acontece de acordo com a interpretação dos jogadores, seu final é sempre um mistério, o que torna o jogo ainda mais interessante. Embora haja personagens e interpretações, como num teatro, o palco e o figurino ficam por conta da imaginação dos jogadores no jogo de RPG. Dentre os vários tipos de RPG ou RPG de mesa, focou-se o sistema Dungeon and Dragon, ou simplesmente D&D. Em muitos textos, aparecem termos específicos desse sistema, visto que ele foi utilizado durante o Clube do RPG, como será explicitado adiante. O D&D foi escolhido por ser um dos RPGs mais disseminados, facilitando o acesso aos alunos interessados, além de trazer uma proposta de fantasia medieval, o que tem uma aceitação muito boa entre os jovens. Sendo assim, vocês encontrarão nesta obra algumas reflexões abordando RPG, inovação na educação, mudança de práticas, entre outras, que podem tanto auxiliá-los a inserir o RPG em suas aulas, como melhorar suas práticas pedagógicas, com ou sem RPG. Boa leitura! 16 Matheus Vieira Fernando Alves
RPG e Educacao: uma nova visao Falar de RPG e Educação é muito fácil para mim. É como pedir para uma criança brincar: ela brinca. Sem rodeios ou embromação. Ela brinca e se diverte no seu mundo infantil. É preciso que os educadores saibam que utilizar o jogo de papéis em um ambiente educacional possibilita inúmeras descobertas e potencialidades tanto para alunos quanto para eles próprios. Entretanto é uma prática que pode ser barrada por gestores (coordenadores, diretores e pedagogas) com a alegação de falta de cunho pedagógico. Explico-me. É importante entender alguns entraves que normalmente surgem quando se propõe o jogo de papéis em uma escola. Notem como muitos gestores, em geral, pensam sobre o uso de jogos na educação: Quando a criança está na educação infantil, é permitido que ela brinque e se divirta. É mais que natural que ela faça isso nessa época da vida. Porém, quando cresce, ela deve ser séria, concentrar-se em coisas que são importantes, coisas que a levarão a ser alguém na vida ; diferentes de jogos e brincadeiras. Ou seja, o RPG para a Educação Infantil é trabalhado normalmente, sem grandes questionamentos de superiores. Já, para jovens do Ensino Fundamental ou Médio, a situação é diferente! Pergunto: Por quê? Por que eles devem aprender coisas sérias, conteúdos para vestibular e o RPG é um jogo? É isso? Jogo é coisa 18 Matheus Vieira Fernando Alves
de criança ou coisa de desocupado? São perguntas que me faço quando deparo com algumas rejeições. Imaginário, fantasia, emoção, ludicidade farão parte de nossas vidas até morrermos. Não há como fugir delas. Então, por que não aproveitarmos uma prática que, além de trabalhar a fantasia e imaginário de cada aluno, também colabora para o desenvolvimento do trabalho em equipe, o senso crítico, a argumentação, o diálogo, a pesquisa e o comprometimento deles? Duvido que algum professor que esteja lendo este texto nunca tenha tido problemas com indisciplina ou falta de interesse na sala de aula. O RPG é um jogo, mas não descarta a possibilidade de aprendizado. Ao contrário, é comum potencializá-lo. Não que ele seja a salvação para a educação, mas é mais uma mediação que temos para agregar às tradicionais. Cabe aos educadores decidirem se vão continuar usando os mesmos recursos de sempre, embora alguns se mostrem ineficazes, ou se vão ousar e tentar algo novo! Eu tentei algo novo e não me arrependi! RPG & Educacao 19
Pensamentos Soltos sobre RPG Fui convidado a falar para alguns alunos do curso de Educação Física da UFPR sobre as possibilidades de uso do RPG. Não apenas como ferramenta educacional, mas de maneira geral, extrapolando os limites do entretenimento puro. Como foi comentado no site RPG do Mestre 1, encontramos um grande preconceito em relação ao jogo em si, não apenas pelos pedagogos e pela supervisão escolar. É como se o futebol desenvolvesse liderança e trabalho em equipe, xadrez, o raciocínio, natação trabalhasse a superação de limites e o RPG não servisse para nada! Refletindo com os acadêmicos, levantamos algumas situações: Percebam como seria rico e proveitoso um caça ao tesouro num grande e elaborado LARP 2. Que criança, jovem ou adulto não gostaria de participar de uma atividade assim numa colônia de férias? Imaginem, para capacitar ou selecionar cargos de chefia numa empresa real onde trabalham os executivos, uma missão de resgate da princesa presa no castelo do mal. Como não visualizar a postura de gerenciamento de pessoas, liderança, empatia, decisão, estratégia, entre outros aspectos, sempre muito presentes no mundo dos negócios? 1 Disponível em: <http://rpgdm.erickpatrick.com/> 2 Live action Role Play: modalidade de RPG que as ações são encenadas ao vivo. RPG & Educacao 21
Pensem numa aula, em que surgem alguns enigmas ou personagens que falam numa língua estranha. Será que os alunos não iriam se empenhar para entender, descobrir e aprender tal língua? Será que isso não desenvolveria o vocabulário de uma língua estrangeira? Enfim, são muitas ideias, mas, infelizmente, pouca prática. No entanto, para quem queria ler sobre o RPG nas escolas, vale a torcida: quem sabe um dia chegaremos perto do que acontece na Noruega, onde uma escola leciona as disciplinas por meio do RPG. Sim, é o método da escola. E, antes que algum acadêmico levante a discussão do que é método, prática, técnica, etc., etc... digo que o propósito deste texto (e dos futuros) não é se caracterizar como um artigo científico com citações e pesquisas. Desculpem- -me os que esperam isso. Vejo este livro como oportunidade para podermos refletir sobre alguns aspectos do RPG na Educação. Voltando acho que divaguei demais, de acordo com a experiência de um pesquisador rpgista, Wagner Schmit, há uma escola na Noruega que usa o RPG para as aulas acontecerem. E as aulas acontecem com sucesso. Ou seja: é possível! Mas apenas torcida não basta. Vamos nos empenhar e começar a mostrar do que o RPG é feito: de muita alegria e descontração, mas também de muita leitura, estudo, relacionamentos interpessoais, pesquisas, raciocínios... Um grande amigo sempre me diz que brevemente o RPG vai ser algo normal, ou que o preconceito vai diminuir muito. A lógica dele é interessante. Antes encontrávamos muito preconceito por causa do desconhecimento. Poucos tinham acesso ao jogo e, 22 Matheus Vieira Fernando Alves
em sua maioria, eram jovens adolescentes que jogavam. Mas esses adolescentes cresceram e hoje são médicos, advogados, psicólogos ou até mesmo juízes de direito. Ou seja, essas pessoas, quando tiverem filhos se já não os têm terão muito menos preconceito, ou nenhum, quando seus filhos começarem a jogar RPG. Nada me tira da cabeça que a juíza que absolveu os garotos 3 de Ouro Preto já conhecia ou jogou RPG. Falta de provas que nada! Ela já deve ter vivido na pele de uma feiticeira, uma ladina ou até mesmo de uma Tremere 4..., não acham? 3 Caso de assassinato que supostamente envolveu o RPG em outubro de 2001. 4 Um tipo de clã de vampiros do sistema de RPG Vampiro: a máscara. RPG & Educacao 23