INVESTIGAÇÃO medicina veterinária

Documentos relacionados
ESPOROTRICOSE FELINA - RELATO DE CASO SPOROTRICHOSIS IN CAT - CASE REPORT

Ano VI Número 10 Janeiro de 2008 Periódicos Semestral ESPOTRICOSE FELINA. DABUS, Daniela Marques Maciel LÉO, Vivian Fazolaro

ESPOROTRICOSE EM FELINOS DOMÉSTICOS

ESPOROTRICOSE EM GATOS NO RIO GRANDE DO SUL

in this study and the reference strains. CAL+ITS Haplotype Isolate Other Code Species Source Country CAL ITS Reference

LEUCOGRAMA O que realmente precisamos saber?

1/100. Residência /1 PROCESSO SELETIVO DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA EM ÁREA PROFISSIONAL DE 2ª FASE: PROFISSÃO 7: MEDICINA ANIMAIS

1/100 RP Universidade de São Paulo 1/1 INSTRUÇÕES PROCESSO SELETIVO PARA INÍCIO EM ª FASE: GRUPO 5: VETERINÁRIA

TRATAMENTO TERAPÊUTICO COM ITRACONAZOL EM UM FELINO COM ESPOROTRICOSE

EFUSÃO PLEURAL EM GATOS: ACHADOS HEMATOLOGICOS E BIOQUÍMICOS PLEURAL EFFUSION IN CATS: HEMATOLOGICAL AND BIOCHEMICAL FINDINGS

INTRODUÇÃO AO LINFOMA EM GATOS

Análise Clínica No Data de Coleta: 11/03/2019 1/4 Prop...: RENATA MACHADO PINHEIRO Especie...: FELINA Fone...: 0

1/100. Residência /1 PROCESSO SELETIVO DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA EM ÁREA PROFISSIONAL DE 2ª FASE: PROFISSÃO 7: MEDICINA ANATOMIA PATOLÓGICA

Análise Clínica No Data de Coleta: 13/02/2019 1/4 Prop...: ADALGISA MONICA MOURÃO SIMOES Especie...: FELINA Fone...

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 11 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:05/08/2019

31/10/2013 HEMOGRAMA. Prof. Dr. Carlos Cezar I. S. Ovalle. Introdução. Simplicidade. Baixo custo. Automático ou manual.

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 14 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:28/02/2019

INFLUÊNCIA DO TEMPO DE ARMAZENAMENTO DA AMOSTRA SOBRE OS PARÂMETROS HEMATOLÓGICOS DE CÃES

Análise Clínica No Data de Coleta: 05/11/2018 1/7 Prop...: JOSE CLAUDIO DE CASTRO PEREIRA Especie...: CANINA Fone...: 0

Análise Clínica No Data de Coleta: 22/03/2019 1/5 Prop...: RAIMUNDO JURACY CAMPOS FERRO Especie...: CANINA Fone...: 0

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM GATOS

Análise Clínica No Data de Coleta: 16/07/2019 1/6 Prop...: PAULO ROBERTO PINHO ARRUDA Especie...: CANINA Fone...: 0

Análise Clínica No Data de Coleta: 03/04/2019 1/7 Prop...: REJANE MARIA DA SILVEIRA PEREIRA

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA EM CÃES

Análise Clínica No Data de Coleta: 08/04/2019 1/7 Prop...: MARINA LEITÃO MESQUITA Especie...: CANINA Fone...: 0

Peculiaridades do Hemograma. Melissa Kayser

CRIPTOCOCOSE EM FELINO - RELATO DE CASO CRIPTOCOCOSIS IN FELINE - CASE REPORT

AVALIAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA E HEMATOLÓGICA DO TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EM CÃES NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UFCG

TUBERCULOSE HEPÁTICA EM CÃO HEPATIC TUBERCULOSIS IN DOG

Data da conclusão do laudo.:16/10/2018

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

ANEMIA EM CÃES E GATOS

DOENÇAS INFECCIOSAS DE CÃES

AVALIAÇÃO CLÍNICA DOS CASOS DE OTITE EXTERNA EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:25/04/2019

Análise Clínica No Data de Coleta: 05/02/2019 1/7 Prop...: RAIMUNDO JURACY CAMPOS FERRO Especie...: CANINA Fone...: 0

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE CARCINOMA DE CÉLULAS ESCAMOSAS E ESPOROTRICOSE EM FELINO RELATO DE CASO

Medico Vet..: HAYANNE K. N. MAGALHÃES Idade...: 8 Ano(s) CRMV...: 2588 Data da conclusão do laudo.:02/11/2018

Data da conclusão do laudo.:12/04/2019

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:30/04/2019

Análise Clínica No Data de Coleta: 08/04/2019 1/6 Prop...: NATHALIA RONDON BOTELHO DE CARVALHO Especie...: CANINA Fone...

HEMOGRAMA COMPLETO. PLAQUETAS : /mm /mm3 GLICOSE. Método: Citoquímico/Isovolumétrico Material: Sangue Edta

PATOLOGIA DO SISTEMA HEMATOPOIÉTICO

DOENÇAS INFECCIOSAS DE CÃES

ALTERAÇOES LABORATORIAIS RANGELIOSE: RELATOS DE CASOS

ASPERGILOSE EM VIAS AÉREAS SUPERIORES DE FELINO: RELATO DE CASO

Sporotrichosis in Yorkshire Terrier dog in the city of São Paulo, SP Brazil: case report

Relatório de Caso Clínico

Perfil Hematológico de ratos (Rattus novergicus linhagem Wistar) do Biotério da Universidade Luterana do Brasil

Enfermidades Micóticas

Medico Vet..: REINALDO LEITE VIANA NETO. Data da conclusão do laudo.:17/12/2018

Relato de caso de um cão de 4 anos SRD portador de Linfossarcoma atendido no Hospital Veterinário da Anhanguera (UNIAN), São Bernardo do Campo - SP

No. do Exame 001/ Data Entrada..: 20/01/2017

ESPOROTRICOSE CUTÂNEA: A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO

Não existem valores de referência estabelecidos para essa faixa etária

PLATINOSOMOSE EM FELINO DOMÉSTICO NO ESTADO DE SANTA CATARINA RELATO DE CASO

Relatório de Caso Clínico

Sangue: funções gerais

TÍTULO: DIFERENÇAS DE VOLUME SANGUÍNEO COLETADO E SUA INFLUÊNCIA NO HEMOGRAMA INSTITUIÇÃO: CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

Análise Clínica No Data de Coleta: 27/08/2018 1/6 Prop...: SAMARA MARIA NEGUREIRO DE CARVALHO Especie...: CANINA Fone...

Método: RESISTIVIDADE - IMPEDÂNCIA - MICROSCOPIA

DOSAGEM DE 25 - HIDROXIVITAMINA D

PRIMEIRO DIAGNÓSTICO DE PLATINOSOMOSE EM FELINOS DO HOSPITAL VETERINÁRIO DO IFPB CAMPUS SOUSA

CRIPTOCOCOSE EM GATO - RELATO DE CASO CRYPTOCOCCOSIS IN CAT CASE REPORT

Método: RESISTIVIDADE - IMPEDÂNCIA - MICROSCOPIA

Resultado : 4,7 meq/l 3,5-5,5 meq/l Resultados anteriores: 6,0 meq/l em 06/mai/17 4,3 meq/l em 05/mai/17

8/10/2009. Líquidos Cavitários

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE ESTOMATOLOGIA DISCIPLINA DE ESTOMATOLOGIA

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL (TVT) CUTÂNEO CANINO: RELATO DE CASO TRANSMISSIBLE VENEER TUMOR CUTANEOUS IN DOG: CASE REPORT

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EXTRAGENITAL PRIMÁRIO: CAVIDADE ORAL, NASAL E CUTÂNEO RELATO DE CASO

Resultado : 5,4 meq/l 3,5-5,5 meq/l Resultados anteriores: 4,9 meq/l em 25/mai/17 5,4 meq/l em 24/mai/17 5,1 meq/l em 23/mai/17

Cristiane Borba Campos de Carvalho Graduanda. Medicina Veterinária. UFRRJ

Avaliação do conhecimento dos moradores da Zona Norte do Rio de Janeiro em relação à esporotricose

Estudo de segurança do Trissulfin SID (400 mg) administrado em gatos jovens e adultos pela via oral durante 21 dias consecutivos.

CARACTERÍSTICAS CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICAS, HISTOMORFOLÓGICAS E HISTOQUÍMICAS DA ESPOROTRICOSE FELINA

INFORME TÉCNICO 005/2014

PROTEINA C REATIVA Soro Valor Referencial Resultado : 157,3 mg/l <= 5,0 mg/l Resultados anteriores: 122,2 mg/l em 25/mai/17 90,4 mg/l em 24/mai/17

MICOSES SUBCUTÂNEAS E PROFUNDAS. Prof. Benedito Corrêa ICB/USP

Análise Clínica No Data de Coleta: 07/02/2019 1/4 Prop...: ELIAS FONTENELE VALDEREZ Especie...: CANINA Fone...: 0

[LINFOMA EPITELIOTRÓPICO]

DOSAGEM DE HORMÔNIO TIREOESTIMULANTE (TSH) - ULTRA-SENSÍVEL

Leucograma: Avaliação normal e alterações quantitativas

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EM ÁREA PERINEAL EM UM CANINO

DOSAGEM DE COLESTEROL HDL DOSAGEM DE COLESTEROL LDL

COMUNICAÇÃO FELINO DOMÉSTICO COMO AGENTE TRANSMISSOR DE ESPOROTRICOSE PARA HUMANO: RELATO DO PRIMEIRO CASO NO ESTADO DE ALAGOAS

HEMOGRAMA COMPLETO. PLAQUETAS : /mm /mm3 PROTEÍNA C REATIVA. Método: Citoquímico/Isovolumétrico Material: Sangue Edta

Palavras-chave: neoplasia hematopoiética, cavidade oral, tegumento, cão. Keywords: hematopoietic neoplasm, oral cavity, integument, dog.

EXAME HEMATOLÓGICO Hemograma

VANDERLEI DE AMORIM ANTONIO C. P. OLIVEIRA. GLICOSE...: 98 mg/dl Data Coleta: 06/05/2013. COLESTEROL TOTAL...: 230 mg/dl Data Coleta: 06/05/2013

PERFIL DA POPULAÇÃO CANINA DOMICILIADA DO LOTEAMENTO JARDIM UNIVERSITÁRIO, MUNICÍPIO DE SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE, BRASIL

ESPOROTRICOSE EM MUNICÍPIOS DA BAIXADA FLUMINENSE, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, BRASIL.

DOSAGEM DE CREATINA FOSFOQUINASE - CPK DOSAGEM DE CREATININA

NÃO FORAM ENCONTRADOS OVOS E LARVAS NA AMOSTRA NÃO FORAM ENCONTRADOS OVOS E LARVAS NA AMOSTRA

O diagnóstico. cutâneas. Neoplasias Cutâneas 30/06/2010. Neoplasias Epiteliais. Neoplasias Mesenquimais. Neoplasias de Origem Neural

TABELA DE PREÇOS PARA VETERINÁRIOS CONVENIADOS. Tabela a partir de 01/06/2017.

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Avaliação hematológica em cães errantes da região urbana de Maringá-PR

TABELA DE PREÇOS. BIOQUÍMICA SÉRICA VALOR MATERIAL PRAZO Ácidos biliares totais (jejum) 115,00 Soro sanguíneo 5 dias

CARNEIRO, Rosileide dos Santos Médica Veterinária do Hospital Veterinário do Centro de Saúde e Tecnologia Rural, UFCG, Patos-PB, Brasil.

4- RESULTADOS Avaliação Macroscópica da Bolsa Algal e Coxim Plantar. inoculados na bolsa jugal, a lesão do local de inoculação era evidente e se

Transcrição:

34 Revista INVESTIGAÇÃO medicina veterinária QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? Denner Santos dos Anjos, Paula Barbosa Costa, Larissa Fernandes Magalhães, Mariana Reato Nascimento, Raquel Baroni, Leandro Zuccolotto Crivellenti, Sabryna Gouveia Calazans Programa de Pós-graduação em Ciência Animal/Programa de Aprimoramento do Hospital Veterinário da Universidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil. Av. Dr Armando Sales Oliveira, 201, CEP: 14.404-600, Pq. Universitário, Franca - SP. E-mail:dennerbiovet@hotmail.com PRÉVIA Atendeu-se no hospital veterinário da UNIFRAN um felino doméstico, adulto, sem raça definida (SRD), não castrado, com histórico de hiporexia, emagrecimento, dispneia e lesões cutâneas ulceradas há 30 dias. CASO CLÍNICO Foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Franca (UNIFRAN), um paciente da espécie felina, adulto, macho, inteiro, sem raça definida (SRD), 2,5 kg, com histórico de hiporexia, emagrecimento, dispneia, espirros com secreção nasal de coloração esbranquiçada e lesões cutâneas caracterizadas por ulcerações na região facial há 30 dias. O paciente coabitava com outros animais, tinha acesso à rua, e apresentava-se com vacinação e vermifugação desatualizadas. O animal já tinha sido tratado com antibióticos por tempo prolongado, porém sem resolução das lesões cutâneas.

35 Ao exame físico foram observadas lesões cutâneas ulcerativas não pruriginosas e doloridas em região facial, pescoço e região lateral da escápula direita. As lesões apresentavam bordas irregulares e drenavam conteúdo serosanguinolento (Figura 1). Figura 1. Felino apresentando lesões cutâneas ulceradas distribuídas ao redor da região lateral da face e na região dorsal aos membros anteriores. Ademais, o paciente apresentava-se com dispneia, desidratação de 8%, hipotermia (37,0ºC), mucosas orais hipocoradas e linfonodos normais à palpação. Foram solicitados exames complementares, como perfil hematológico (tabela 1) e bioquímico renal e hepático (tabela 2), bem como realizado primeiramente o teste da lâmpada de Wood, seguido de raspado cutâneo e imprinting das lesões ulceradas (Figura 2). Valores de Referência para a espécie felina** Hemácias (x106/ μl) 6,0 5,5-10 Hematócrito (%) 28,0 24-45 Hemoglobina (g/ dl) 8,7 8-14 VCM (fl) 46,7 39-55 HCM (pg) 14,5 13-17 CHCM (%) 31,1 31-35 Plaquetas (cél/μl) 97.000* 200.000-600.000 Leucócitos (cél/μl) 56.700 8.000-25.000 Neutrófilos Bastonetes (cél/μl) 1.134 0-700 Neutrófilos Segmentados (cél/ 47.628 2.800-17.500 μl) Linfócitos (cél/μl) 5.103 1.600-13.700 Monócitos (cél/μl) 2.268 80-1.000 Eosinófilos (cél/μl) 567 160-3.000 Basófilos (cél/μl) 0 0 *Agregação plaquetária visível na lâmina de microscopia. ** Laboratório de patologia clínica da UNIFRAN. Tabela 1. Dados do eritrograma, leucograma e trombograma do paciente felino atendido nas dependências do Hospital Veterinário da UNIFRAN. Valores de Referência para a espécie felina** ALT (U/L) 37,7 10-50 FA (U/L) 19,2 25-93 AST (U/L) 176,0 26-43 GGT (U/L) 15,6 1,3-5,1 Albumina (g/l) 1,4 2,6-4,3 Ureia (mg/dl) 66,8 32-75 Creatinina (mg/dl) 1,1 0,8-2,0 ** Laboratório de patologia clínica da UNIFRAN. Tabela 2:. Dados referentes à avaliação bioquímica sérica do paciente felino atendido nas dependências do Hospital Veterinário da UNIFRAN. Inicialmente o animal foi internado para correção da desidratação (Solução isotônica de Ringer com Lactato, 5 ml/h) e controle da dor com cloridrato de tramadol (4 mg/kg, SC, BID). Adicionalmente, foi prescrito limpeza das lesões ulceradas com clorexidine a 3% a cada oito horas. O raspado cutâneo apresentou negatividade para a pesquisa de ectoparasitos e a lâmpada de Wood revelou fluorescência positiva da região das hastes dos pelos ao longo do dorso do animal. Por fim, foi observado na citologia de imprinting das lesões cutâneas estruturas ovais com citoplasma azul com um halo ao redor (Figura 2).

36 Figura 2. Fotomicrografia do exame citológico por imprinting da lesão cutânea ulcerada de um gato. Observam-se numerosas células leveduriformes, ovais ou redondas em forma de charuto medindo de 3-5μm por 5-9 μm, com citoplasma azul e um único núcleo rosado circundado por uma parede celular não corada (halo claro) (setas) (Coloração panótico, x100). 1.Qual o seu diagnóstico? 2.Qual a patogênese do agente causal? 3.Quais são os achados clínicos mais comuns? 4.Quais os diagnósticos diferenciais? 5.Quais exames complementares poderiam ser solicitados? 6.Qual o tratamento? 7.Quais as considerações com a saúde pública? DISCUSSÃO 1. Qual o seu diagnóstico? Baseado nos sinais clínicos e exames complementares confirmou-se a infecção pelo fungo Sporothrix spp. A esporotricose é uma doença micótica causada pelo fungo dimórfico termal Sporothrix schenckii (Welsh, 2003; Crothers et al., 2009). Esse fungo considerado sapróbio de vegetação morta ou senescente como casca da árvore e solos rico em matéria orgânica em decomposição, está amplamente difundido na natureza. Apresenta maior prevalência em regiões de clima tropical e subtropical crescendo na natureza ou em culturas a 25ºC como um micélio, convertendo-se em pequenas células de leveduras esféricas em tecidos de mamíferos ou culturas a 37ºC (Schubach et al., 2012). Atualmente, após a utilização de ferramentas moleculares, verificou-se a descrição de quatro espécies reconhecidas na prática clínica (Marimon et al., 2006; Marimon et al., 2007). A primeira espécie, Sporothrix schenckii, agora compreendem S. brasiliensis (clade I), S. schenckii sensu stricto (s. str.) (clade II), S. globosa (clade III) e S. luriei (clade VI) (Rodrigues et al., 2013; Zhou et al., 2013). 2. Qual a patogênese do agente causal? Após a entrada do fungo no tegumento (contato com solo contaminado pelo hábito dos felinos em encobrir os seus dejetos, afiação das unhas em casas das árvores, mordedura ou arranhadura), o mesmo penetra na camada mais profunda do tecido convertendo-se em formas semelhantes a leveduras. Ele pode permanecer na derme ou no tecido subcutâneo no local da inoculação, se espalhar via linfática e produzir linfangite e linfadenite ou disseminar-se sistemicamente via hematógena. Além disso, a alta frequência de sinais respiratórios e lesões em mucosa nasal aliados ao isolamento do fungo de lavados bronco-alveolares sugerem a importância epidemiológica não só por via traumática cutânea, mas também pela via inalatória (Schubach et al., 2012). 3. Quais são os achados clínicos mais comuns? Presumivelmente, por conta do comportamento felino, existe uma maior prevalência para a doença em machos adultos não castrados. Os sinais clínicos variam desde infecção subclínica, a lesões cutâneas com regressão espontânea, para as formas sistêmicas fatais por causa de sua disseminação via hematógena. As principais formas clinicas são lesões múltiplas cutâneas e mucosas (conjuntiva, nasal, oral ou genital) (Schubach et al., 2012). As principais regiões acometidas são cabeça, especialmente o focinho e pavilhão auricular, cauda e membros posteriores. Em um estudo retrospectivo com 347 gatos com esporotricose, 39,5% demonstraram lesões cutâneas múltiplas, 34,9% envolvimento da mucosa do trato respiratório superior e trato digestivo e 19,3% apresentaram a forma cutânea linfática (Schubach et al., 2004). Já outro estudo observou 17,39% com a forma cutânea localizada, 17,39% forma cutânea-linfática e 26% forma disseminada (Crothers et al., 2009). Quando comparamos ao presente relato, o paciente apresentava lesões cutâneas múltiplas com envolvimento principalmente da cabeça, corroborando com os autores supracitados. Essa maior frequência da região da cabeça, poderia ser pelo fato que quando os felinos errantes brigam, a mordedura e arranhadura ocorre principalmente em região do focinho, facilitando a transmissão do fungo (presente nas unhas) ao tegumento afetado.

37 4. Quais os diagnósticos diferenciais? Os diagnósticos diferenciais devem ser direcionados para lesões com características pápulo-nodular e úlcero-gomosas como piodermite bacteriana, feo-hifomicose, micobacteriose, nocardiose, actinomicose, criptococose, complexo granuloma eosinofílico, neoplasias, doença imunomediada e leishmaniose cutânea (Schubach et al., 2012). A fluorescência positiva das hastes dos pelos infectados confirmou a infecção secundária por Microsporum canis. 5. Quais exames complementares poderiam ser solicitados? A coleta de material deve ser feita de acordo com a condição clínica do animal e das características das lesões, incluindo swab da cavidade nasal e das lesões exudativas, aspirado de abscessos não ulcerados e biopsia incisional cutânea. De acordo com Schubach et al. (2004) e (2012) os melhores resultados para isolamento de fungos em cães e gatos são obtidos por meio de biopsias cutâneas incisionais das bordas ativas das lesões com auxílio de punch de 3-4 mm. Dado algumas particularidades da esporotricose felina, como a exuberância de células fúngicas nas lesões, a citologia tornase um exame fidedigno para os felinos (Biberstein, 2003). Um exame citológico positivo sugestivo de S. schenckii é facilmente evidenciado (Schubach et al., 2012), como descrito na figura 2. O material para exame citológico foi coletado através da compressão de uma lâmina de vidro em vários pontos sobre as lesões ulceradas, sendo posteriormente corado em panótico rápido. 6. Qual o tratamento? O tratamento da esporotricose felina requer um longo período de tratamento. Salienta-se que, quando a esporotricose não é tratada pelo período de tempo adequado, ela geralmente recidiva com sinais respiratórios (Schubach et al., 2012). Pode ser feita a administração de itraconazol cápsula na dose de 5-10 mg/kg, VO junto com alimento (por facilitar a absorção), SID/ BID durante pelo menos dois meses. De acordo com Schubach et al. (2012) o uso de itraconazol na apresentação de suspensão oral é preferível na dose de 1,25-1,5 mg/kg, VO, SID durante pelo menos dois meses, pois permite uma dosagem mais acurada, melhor absorção e biodisponibilidade do fármaco. Entretanto, esta formulação não está disponível comercialmente no Brasil. Após a remissão lesional, o tratamento deve ser continuado por mais quatro semanas e, então, o seguimento clínico do paciente (Larsson, 2011). 7. Quais as considerações com a saúde pública? O maior fator associado para a transmissão zoonótica é o cuidado de felinos doentes devido ao contato com as lesões infectadas, principalmente por arranhaduras ou mordidas em decorrência da presença do fungo nas unhas e na cavidade oral desses animais. Desse modo, é recomendado o isolamento dos pacientes infectados, inclusive de outros animais. Medidas de biossegurança, tais como evitar cortar-se quando estiver manejando gatos infectados, utilização de roupas de proteção, sedação de animais não cativos para inspecionar e tratar das lesões, e limpeza das caixas de transporte com hipoclorito a 1% ou alvejante, diluído em 1:3 na água, por pelo menos 10 minutos são indicadas para todos os casos de esporotricose (Schubach et al., 2012) e outras zoonoses fúngicas. Em São Paulo, a frequência de ocorrência da esporotricose felina foi de 3,9% entre os anos de 1999 e 2007 (Larsson, 2011), e até o momento, não se têm dados epidemiológicos quanto a ocorrência dessa enfermidade no município de Franca, SP, devendo ser realizadas futuras pesquisas epidemiológicas quanto a sua real incidência nesse município, por tratar-se de uma zoonose de importância na saúde pública. Esporotricose cutânea felina: Qual o seu diagnóstico?

RESUMO A esporotricose é uma doença micótica causada pelo fungo dimórfico termal Sporothrix schenckii amplamente difundido na natureza. Foi atendido no hospital veterinário da Universidade de Franca um animal da espécie felina, SRD, adulto, inteiro, com histórico de hiporexia, emagrecimento, dispneia e lesões cutâneas ulceradas há 30 dias. Foram observados nos exames complementares a presença de leucocitose por neutrofilia com desvio nuclear neutrofílico à esquerda discreto e trombocitopenia. O imprinting das lesões cutâneas ulceradas revelou numerosas células leveduriformes, em forma de charuto com citoplasma azul e um único núcleo rosado circundado por uma parece celular não corada, confirmando o diagnóstico de Sporothrix spp. Concomitantemente foi observada presença de infecção secundária pelo Microsporum canis por meio da positividade dos pelos ao exame da lâmpada de Wood. Palavras-chave: felinos, lesão cutânea úlcero-gomosa, Sporothrix spp ABSTRACT ABSTRACT Sporotrichosis is a mycotic disease caused by the dimorphic fungus Sporothrix schenckii widely spread in environment. It was attended at the veterinary hospital of the Franca University a mongrel adult feline with hyporexia, emaciation, dyspnea, and ulcerated skin lesions 30 days ago. It was observed by laboratorial tests the presence of leukocytosis with neutrophilia with left shift and thrombocytopenia. Imprinting of the ulcerated skin lesions showed numerous cigar-shaped to oval yeastlike organisms filled with blue cytoplasm with a single round pink nucleus surrounded by a nonstaining cell wall, confirming the diagnosis of Sporothrix spp. Concurrently it was observed the presence of secondary infection by Microsporum canis through the positivity of Wood s lamp examination. Keywords: felines, ulcerative-gummy lesion, Sporothrix spp. REFERÊNCIAS Biberstein EL. 2003. Agentes de micoses subcutâneas. In: Hirsh DC, Zee YC. Microbiologia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, p.207-211. Crothers SL, White SD, Ihrke PJ, et al. 2009. Sporotrichosis: a retrospective evaluation of 23 cases seen in northern California (1987-2007). Vet Dermatol 20:249-259. Larsson CE. 2011. Esporotricose. Braz J Vet Res Anim Sci 48 (3): 250-259. Marimon R, Gené J, Cano J, Trilles L, dos Santos Lazera M, Guarro J. 2006. Molecular phylogeny of Sporothrix schenckii. J Clin Microbiol 44: 3251 3256. Marimon R, Cano J, Gené J, Sutton DA, Kawasaki M, Guarro J. Sporothrix brasiliensis, S. globosa, and S. mexicana, three new Sporothrix species of clinical interest. 2007. J Clin Microbiol 45: 3198 3206. Rodrigues AM, de Melo Teixeira M, de Hoog GS, Schubach TM, Pereira SA, Fernandes GF et al. Phylogenetic analysis reveals a high prevalence of Sporothrix brasiliensis in feline sporotrichosis outbreaks. PLoS Negl Trop Dis 2013; 7: e2281. Schubach TMP, Schubach AO, Okamoto T, et al. 2004. Evaluation of an epidemic of sporotrichosis in cats: 347 cases (1998-2001). J Am Vet Med Assoc 224:1623-1629. Schubach TMP, Menezes RC, Wanke B. 2012. Sporotrichosis. In: Greene CE (ed). Infectious diseases of the dog and cat. 4th ed. Elsevier, p. 645-650. Welsh RD. 2003. Sporotrichosis. J Am Vet Med Assoc 223: 1123-1126. Zhou X, Rodrigues AM, Feng P, Hoog GS. 2013. Global ITS diversity in the Sporothrix schenckii complex. Fungal Divers 13: 1 13. 38