Nº de Ordem: Processo nº: 008/1.05.0023114-0 Natureza: Declaratória Autor: Primo Tedesco S A Réu: Spread Factoring - Fomento Comercial Ltda Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Alessandra Abrão Bertoluci Data: 05/06/2007 Vistos, etc. PRIMO TEDESCO S.A. ajuizou a presente Ação Declaratória de Inexistência de Débito Cumulada com pedido de Sustação de Protesto e Indenização contra TRANSMABI TRANSPORTES LTDA e SPREAD FACTORING DE FOMENTO COMERCIAL LTDA, alegando, em síntese, ter recebido intimação do Tabelionato de Protesto de Títulos de Canoas, noticiando apontamento da duplicata mercantil33472003, de R$ 1.879,42, por falta de pagamento, com vencimento no dia 14.11.2003, com valor atualizado de R$ 1.909,96. Sustentou que sempre efetuou transações comerciais com a primeira demandada, mediante saque de duplicatas, mas com efetivo pagamento, quitando seus débitos, junto à requerida. Todavia, foi surpreendida com o aponte da referida duplicata Ressaltou que a duplicata é desprovida de origem, agindo a segunda demandada com má fé, requerendo a procedência da demanda, com a declaração da inexistência do débito, com a condenação das requeridas ao pagamento de indenização por danos morais. Pediu, outrossim, em caráter liminar, a sustação o protesto. Juntou documentos às fls. 24/19. O pedido liminar foi deferido nos termos da decisão de fl. 21. Após inúmeras diligências na tentativa de localização e citação da primeira demandada, restou homologada a desistência do pedido, consoante decisão à fl. 195.
Regularmente citada, a segunda requerida contestou às fls. 29/43, juntando documentos às fls. 44/91. Alegou, preliminarmente, ser parte ilegítima ad causam, pois atua como endossatária de boa fé, tendo recebido da primeira requerida o título, mediante cessão de crédito, tudo devidamente acompanhado da nota fiscal e do comprovante de entrega de mercadorias. Sustentou, em preliminar, a inépcia da petição inicial e, no mérito, relatou que o título em debate foi utilizado no manejo comercial, restando configurado o direito de levar o título a aponte, postulando a improcedência da demanda. Argumentou sobre a inexistência dos pressupostos legais para configuração do dever de indenizar. A autora replicou às fls. 93/100, reafirmando os termos da inicial Vieram-me os autos conclusos para sentença. Relatei. Decido. Cuida-se de Ação Declaratória de Inexistência de Débito Cumulada com Pedido de Sustação de Protesto e Pleito Indenizatório fundada em duplicata mercantil, por meio da qual alega a autora a inexistência de débito pela falta de origem para saque da duplicata. No tocante à preliminar de inépcia da inicial e de ilegitimidade passiva, tenho que devem ser afastadas. A petição inicial atende aos requisitos processuais básicos e a requerida é parte legítima para figurar no pólo passivo da presente demanda, confundindo-se a matéria com o próprio mérito. Quanto as demais questões trazidas à baila, seguindo a melhor doutrina, Humberto Theodoro Júnior (in Processo de Execução, SP, 1983, LEUD, pág. 108) ensina que: "A letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata e o cheque são títulos negociais particulares que autorizam a execução forçada. Todos eles fazem exprimir, à primeira vista, a certeza e liquidez da obrigação retratada em seu texto. Pertence ao direito material a regulamentação dos modos de criar e formalizar esses títulos, bem como de fixar a responsabilidade das obrigações dele decorrentes".
Para a discussão da causa debendi, na relação processual entre endossante e endossatário, tem entendido a doutrina e a jurisprudência como necessária a demonstração da má-fé do terceiro cessionário, no caso, a demandada. Neste sentido, assevera HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (in Títulos de Crédito e Outros Títulos Executivos, Saraiva, 1986, pág. 124), citando precedente do Tribunal de Alçada mineiro, que: "Salvo hipótese de má-fé do endossatário, não se permite a oposição da causa debendi ao terceiro cessionário. A má-fé, outrossim, não se presume e só se admite, em processo, quando cumpridamente provado por quem o invoca". Em outro decisão na qual foi relator, afirma: "...não se nega a possibilidade de discutir a causa debendi nas execuções cambiais. Mas, para que tal se dê, necessário é que a disputa judicial se trave entre os próprios participantes do negócio subjacente do título, ou quando se trate de terceiro, tenha este, de má-fé, adquirido a cártula, ciente do vício ligado à causa debendi". Prossegue dizendo que: "Circulando o título, desvincula-se ele do negócio originário e passa a ter vida própria, valendo por si só, sem precisar o tomador provar qualquer fato relacionado com sua origem e ficando, também, como novo tomador, fora do alcance de qualquer exceção pessoal que pudesse o devedor opor ao primitivo beneficiário". E, conclui, nos seguintes termos: "Entre o cessionário do título, portanto, e o devedor, todos os direitos e obrigações nascem e terminam no próprio título, salvo apenas a hipótese de má-fé que pode contaminar o ato de transferência da cambial e, assim, permite discutir matéria estranha" (in ob. cit., pág.118). Na hipótese, examinando as razões da autora e documentos carreados aos autos, principalmente o comunicado de fl. 18, vejo que em nenhum momento demonstra ter a ré agido de má-fé ao receber o título em questão, via endosso da empresa Transmabi Transportes Ltda, devendo, portanto, ser a requerida havida como legítima portadora da cambial e terceira de boa-fé, não sendo passível de discussão, na hipótese, questões relacionadas ao negócio jurídico subjacente. O princípio da literalidade que cerca os títulos de crédito, tem por objetivo, exatamente, a proteção de terceiros, que confiam no teor do título e a evitar
discussões que prejudicariam sua rápida circulação, uma vez que com a tradição da cambial ao portador, transferem-se todos os direitos decorrentes do negócio jurídico, do qual se originou o título e inclusive direitos acessórios pertinentes. A jurisprudência dos nossos Tribunais assim tem decidido: Apelação Cível. Sustação de Protesto e Anulatória de Título de Crédito. Cheque. Não se decreta a nulidade do cheque em face da alegação de questão entre a emitente e o destinatário inicial, quando nada e alegado e tampouco provado, sobre a intenção de prejuízo por parte do portador, terceiro tido como de boa-fé. Apelo improvido. (Apc nº 197209000, Quinta Câmara Civel, TARGS, Relator: Des. Carlos Alberto Alves Marques, Julgado em 27/11/1997) Segundo a lição de Fran Martins, in Títulos de Crédito, 5ª edição, vol. 1, pág. 22:... quando emite um título de crédito, o emitente não se obriga apenas com o beneficiário imediato, pois estes títulos são destinados à circulação. E enquanto circularem, os direitos incorporados no documento vão-se transmitindo, cada legítimo proprietário do título sendo considerado o sujeito ativo desses direitos. A relação jurídica, que deu ensejo à emissão da cártula, ora em discussão, como bem referiu a demandada, estabeleceu-se entre a autora e a empresa TransMabi Transportes Ltda, sendo o requerida a ela estranha, figurando como mera portadora de boa-fé de título que circulou. É certo que são inoponíveis ao endossatário, terceiro de boa-fé, as exceções pessoais que o emitente da duplicata tenha em relação ao beneficiário original. Na condição de título de crédito que é, a duplicata apresenta as características cambiárias, próprias como a abstração e autonomia. Circulando, desvincula-se do negócio jurídico subjacente que lhe deu origem, constituindo obrigação totalmente independente. A duplicata mercantil é título causal, na medida em que a consignação do número da fatura, como requisito essencial, incluiu a causa de emissão do próprio texto. Tal causa é suscetível de discussão sempre entre as partes diretamente ligadas no negócio (sacador e sacado), mas inoponível a terceiro, em face do princípio da abstração, que rege o endosso, e do qual não se excluem os títulos mesmo que causais. (PERRONE DE OLIVEIRA, Jorge Alcibíades. Título de Crédito. Doutrina e Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 239 e 240) A discussão acerca da causa debendi proposta pela autora, data venia descabe na hipótese.
Impõe-se, portanto, a improcedência da demanda. ISTO POSTO, julgo improcedente a presente Ação Declaratória de Inexistência de Débito Cumulada com Pedido de Sustação de Protesto e Indenização movida por PRIMO TEDESCO S.A. SPREAD FACTORING DE FOMENTO COMERCIAL LTDA, tornando sem efeito a liminar antes deferida. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no valor de R$ 1.000,00, corrigido monetariamente, a contar do trânsito em julgado da sentença, atendendo os termos do art. 20 parágrafo 3º e 4 do Código de Processo Civil. Transitada em julgado, oficie-se ao Cartório de Protesto. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Canoas, 05 de junho de 2007. Juíza de Direito Alessandra Abrão Bertoluci,