UMA ABORDAGEM DA PROMOÇÃO DA SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR 1 Cristiano Mezzaroba 2 RESUMO A proposta Promoção à Saúde compreende diferentes conhecimentos e estratégias de ação já bastante consolidadas pelo setor Saúde no Brasil. Contudo, a adoção do termo nas propostas hegemônicas de Educação Física relacionada à Saúde parece apresentar divergências das formulações originais. Nestes termos, tendo em vista uma melhor compreensão da relação Atividade Física e Saúde, o texto busca melhor compreender a inserção da promoção da saúde como um referencial na Educação Física. ENTENDENDO A PROMOÇÃO DA SAÚDE O termo promoção da saúde surgiu e se desenvolveu em países considerados desenvolvidos, como Canadá, Estados Unidos e alguns da Europa Ocidental, há aproximadamente 25 anos. Tais países se apropriaram deste termo para elaborarem estratégias que tinham por objetivo influenciar os determinantes dos estilos de vida de cada indivíduo, considerando as transformações, principalmente de ordem econômica (modernização e urbanização) pelas quais esses países estavam passando. Atualmente, problemas de saúde pública, como o aumento das doenças crônicodegenerativas, as quais se difundiram pelo mundo afetando boa parte da população, acabaram encontrando na promoção da saúde uma maneira de se amenizar ou acabar com certas enfermidades, levando em conta, principalmente, a capacidade do indivíduo em modificar seus comportamentos, como alimentação adequada, prática de 1 Trabalho realizado sob orientação do Prof. Dr. Edgard Matiello Junior, docente do Departamento de Educação Física do Centro de Desportos da UFSC. 2 Bolsista do Programa Especial de Treinamento - PET Educação Física/CDS/UFSC.
atividade física e hábitos sexuais. Sabe-se, porém, que existem outros fatores, que vão além do controle e da ação imediata dos indivíduos, como o papel do Estado e da sociedade em elaborarem políticas públicas em benefício da saúde da coletividade. Estudos na área da saúde pública demonstram que o simples entendimento do que vem a ser uma enfermidade (informação) não basta para se modificar o estilo de vida. Deve-se, conforme BUSS (1999), além da informação, utilizar-se de todas as ferramentas na prática da promoção da saúde, como a educação, a comunicação interpessoal e a comunicação em massa, além das iniciativas do poder público, com o propósito de contribuir para melhores condições de saúde. Entretanto, o problema mais relevante encontrado na saúde pública é a desconsideração dos espaços geográficos e do contexto social de determinado grupo populacional (heterogeneidade). Acaba-se esquecendo ou ignorando a realidade de cada região, no mundo ou mesmo dentro do próprio país. Programas estratégicos de saúde pública que são utilizados em países ricos (desenvolvidos), que demonstram resultados eficientes, também são utilizados em países mais pobres (subdesenvolvidos), desconsiderando a necessidade local em se implantar práticas intervencionistas a fim de melhorar as condições de determinada região ou país. Exemplo disso são os problemas enfrentados em países desenvolvidos, como as doenças crônico-degenerativas (diabetes, colesterol), também encontradas em países periféricos (subdesenvolvidos), sendo que os últimos apresentam, além das citadas anteriormente, também doenças infecto-parasitárias (como dengue e malária). Geralmente, a simples idéia de promoção da saúde é a opção por estilo de vida saudável, adotando hábitos ou padrões criados por outros países. Entretanto, deve-se
observar as condições de vida da maioria da população, como, por exemplo, se esta população tem uma alimentação adequada, além de um sistema de saúde que atenda suas necessidades mínimas. Na maioria das vezes, a promoção da saúde é tratada como uma forma individualizada de se buscar saúde, transferindo ao próprio indivíduo a responsabilidade sobre ela. Cabe a ele se esforçar para ser saudável, caso contrário, ele será o único responsável pelo fracasso. Mas a promoção da saúde, num plano mais complexo, está relacionada àquilo que está fora do controle do indivíduo, como o plano social e o coletivo. Aqui, a responsabilidade pela saúde não fica somente atribuída ao indivíduo, mas é responsabilidade também do Estado, através das políticas públicas elaboradas e implantadas por ele em benefício dos seus cidadãos e da coletividade. Caberá, então, conforme esta concepção de promoção da saúde, ação concreta e efetiva por parte de seus órgãos competentes, estabelecer prioridades, tomar decisões, planejar e implementar estratégias visando melhorar os níveis de saúde (BUSS, 1999) da população. Portanto, conhecer e/ou estudar os padrões de comportamento e estilos de vida na população em geral ou em segmentos dela, tendo-se o conhecimento do seu contexto social e econômico, contribuirá para a escolha de intervenções mais eficazes e efetivas (BUSS, 1999).
A PROMOÇÃO À SAÚDE E A EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA A Educação Física e a saúde sempre tiveram uma relação histórica, influenciada ora por tendência militar, ora por tendência médica ou desportiva. Quanto à promoção da saúde, a influência médica é a que mais aparece no contexto da Educação Física, pois se dá através da aptidão física, baseando-se principalmente nos benefícios orgânicos causados pelo exercício visando à saúde. Foi através do desenvolvimento da Fisiologia e suas importantes descobertas, principalmente em relação aos benefícios dos exercícios físicos para a saúde, que a Educação Física se tornou alvo dos interesses da Medicina e das instituições educacionais, devido a sua importância para a sociedade norte-americana (GUEDES, 2000). No início dos anos 80 surgiu nos países como a Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos e Austrália um movimento chamado Aptidão Física Relacionada à Saúde AFRS 3, o qual tinha como proposta contribuir na formulação das Diretrizes Curriculares Nacionais destes países, definindo que o currículo nacional de educação física objetivasse principalmente a aptidão física relacionada à saúde. A idéia era oferecer aos alunos conhecimentos dos benefícios da prática regular do exercício físico, além de como os mesmos benefícios podem ser alcançados e mantidos (FERREIRA, 2001). Tal proposta tinha como intenção que a educação física escolar criasse nos alunos o prazer e o gosto pelo exercício e pelo desporto de forma a levá- 3 Ou Promoção da Saúde, conjunto de idéias cujos princípios básicos são o reconhecimento da natureza multifatorial da saúde, a idéia de desmedicalização, assim como da educação para a saúde. (DEVIDE, 1996, p.48).
los a adotar um estilo de vida saudável e ativa (FERREIRA, 2001, p.44), como meio de garantir a saúde e a qualidade de vida das pessoas. A promoção à saúde sob a perspectiva da Saúde Pública considera, além do individual, o coletivo. Quanto ao individual, prega que são as pessoas que devem buscar e selecionar as atividades que elas gostam, que as mesmas avaliem seus níveis de aptidão e, ao mesmo tempo, resolvam seus problemas de aptidão. Assim, espera-se que no decorrer da sua vida, o indivíduo seja capaz de adquirir uma autonomia quanto a atividade física. Eis a grande crítica a esse modelo: supõe-se que todos os indivíduos são iguais, e, assim, possam adotar os mesmos comportamentos, desconsiderando-se toda a realidade sócio-econômica, principalmente num país como o Brasil, com um sistema de saúde ainda muito precário. Não podemos também homogeneizar o físico, o biológico e o fisiológico, pois se têm cargas hereditárias variadas, pessoas que vivem nos mais variados ambientes, que se alimentam de forma diferenciada (alguns bem, outros mal), que têm dificuldades em encontrar tempo para a prática de atividade física, de realidades econômicas e histórias de vida diferentes, enfim, condições de vida que determinam mudanças de natureza biológica. (CARVALHO, 2001) No Brasil, a proposta de Educação Física escolar que trabalha com promoção da saúde utiliza os mesmos métodos utilizados nos países de origem dessa proposta, ou seja, atribui-se à Educação Física um compromisso com a promoção à saúde, o qual deve ser de educar as pessoas a aderirem à prática regular de exercícios físicos e com isso, torná-las pessoas com estilo de vida ativo e hábitos de vida saudáveis. Isso também não significa, conforme as bases da proposta, que deva ser concretizada através da prática de desportos, nem que os mesmos devam ser excluídos deste
processo, apenas redimensioná-los na esfera da educação física escolar. (FERREIRA, 2001). Pode-se considerar com isso um avanço naquilo que é oferecido na Educação Física Escolar brasileira, a qual, ultimamente, utilizou-se dos esportes (como basquete, handebol, vôlei e futebol) como conteúdo a ser dado aos alunos. Aqui no Brasil, o principal agente no binômio atividade física e saúde também é a aptidão física, e conteúdos como o exercício, o desporto e a aptidão física aparecem como conteúdos essenciais da Educação Física. (FERREIRA, 2001). Busca-se, através desses conteúdos, que os alunos pratiquem alguma atividade física, adotem um estilo de vida saudável, e gradualmente, adquiram autonomia (mesmo que mínima) para praticar essas atividades por conta própria (FERREIRA, 2001, p.45). Para isso, acredita-se que transmissão de informações quanto à fisiologia, biomecânica, nutrição e anatomia será fundamental para a compreensão deste processo por parte dos alunos. Este excessivo poder que o indivíduo tem em alterar seu próprio estilo de vida acaba atribuindo a ele uma responsabilidade que na verdade seria do Estado, o qual deveria oferecer condições justas e dignas a seus cidadãos, para que estes soubessem o verdadeiro sentido do que é ser saudável ou ter qualidade de vida. Entende-se por "verdadeiro sentido" condições de trabalho e de saúde básicas, renda, habitação, acesso à educação, ao lazer, alimentação adequada etc. De forma alguma se desconsidera o verdadeiro papel do indivíduo em ter uma vida saudável, apenas o que se observa é que ele é o único responsável por tais mudanças, ignorando todo o contexto sócio-econômico de um país. Ao se utilizar de um modelo americano ou canadense como referência ( importar ), ignora-se que enquanto o Canadá aparece como o primeiro país em desenvolvimento humano e os Estados Unidos em quarto, o
Brasil se apresenta no sexagésimo segundo lugar (conforme dados do PNUD, 1998, apud PALMA, 2001, p.37). Os profissionais da Educação Física brasileira acabam, então, caindo nessa causalidade do exercício físico como promoção à saúde, disseminando a idéia (ingênua) de que quem pratica qualquer atividade física terá saúde (e quem não pratica terá doença), ou que esporte é saúde (e as lesões nos atletas de alto nível?). E mais, acabam reduzindo o significado de saúde, quando atribuem à atividade física como fonte de saúde, ora enfocando o senso comum (ou simplista) de que saúde é a ausência de doença, ora sendo idealista, definindo-a como estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade (LEWIS, 1986, citado por PALMA, 2001, p.29) A grande tarefa da Educação Física Escolar, então, é unir os conhecimentos dos determinantes sociais, econômicos, políticos e ambientais (como a história, ecologia, política e sociologia) aos seus conteúdos (os da área biológica, como a anatomia, fisiologia, nutrição e biomecânica), com o objetivo de tornar as pessoas autônomas não só para a prática de exercícios físicos no decorrer de suas vidas, mas também com conhecimento para discernir sobre a realidade em que vivem (FERREIRA, 2001). Além do mais, a Educação Física brasileira também busca uma melhor identificação quanto àquilo que ela tem a oferecer aos seus alunos, enquanto disciplina escolar, sem perder de vista o contexto real do mundo. Na sua relação com a promoção da saúde, a educação física não deve desconsiderar a importância da atividade física (aptidão física), mas não deve fazer com que a prática de exercícios físicos seja apontada como a solução para os demais problemas de saúde. Ela também deve
aproveitar esse momento histórico para rever seu papel perante a sociedade, sem esquecer de informar às pessoas que a melhoria da qualidade de vida depende também das condições básicas de saúde, habitação, renda, trabalho, alimentação, educação etc.. (DEVIDE, 1996, p.50) ALGUNS QUESTIONAMENTOS Tendo em vista que através da elaboração deste trabalho se obteve um melhor entendimento do que vem a ser promoção à saúde para a educação física escolar, e pensando que, futuramente, tal assunto pode ser mais detalhadamente estudado, visando ampliá-lo e aprofundá-lo, faz-se agora necessário alguns questionamentos sobre este tema: - Quais os limites das propostas de promoção à saúde desenvolvidas pela Educação Física, no que se refere à conquista da saúde através da prática de atividades físicas? - Quais as possibilidades já anunciadas e outras a serem desenvolvidas que apontam para superações? - Quem é o público que mais precisa, realmente, de uma educação física escolar que objetiva a promoção à saúde? Como priorizar?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUSS, Paulo Marchiori. Promoção e educação em saúde no âmbito da Escola de Governo em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública. Cadernos de Saúde Pública, v.15, supl.2, 1999. Disponível em http://www.scielosp.org. Acesso em 10 abril 2002. CARVALHO, Yara Maria de. Atividade física e saúde: onde está e quem é o "sujeito" da relação? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol.22, n.2, p.9-21, janeiro 2001. DEVIDE, Fabiano Pries. Educação física e saúde: em busca de uma reorientação para a sua práxis. Revista Movimento, ano 3, n.5, p.44-45, 1996/2. FERREIRA, Marcos Santos. Aptidão física e saúde na educação física escolar: ampliando o enfoque. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol.22, n.2, p.41-54, janeiro 2001. PALMA, Alexandre. Educação física, corpo e saúde: uma reflexão sobre outros "modos de olhar". Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol.22, n.2, p.23-39, janeiro 2001. BIBLIOGRAFIA CHOR, Dóra. Saúde pública e mudanças de comportamento: uma questão contemporânea. Cadernos de Saúde Pública, v.15, n.2, abr./jun. 1999. Disponível em http://www.scielosp.org. Acesso em 10 abril 2002. FERREIRA, Marcelo Guina. Crítica a uma proposta de educação física direcionada à promoção da saúde a partir do referencial da sociologia do currículo e da pedagogia crítico-superadora. Revista Movimento, ano 4, n.7, 1997/2. GONÇALVES, Aguinaldo (org.) e colaboradores. Saúde coletiva e urgência em Educação Física e Esportes. Campinas: Papirus, 1997. GUEDES, Claudia Maria. A educação física e os mistérios de seu tempo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol.21, n.2/3, jan./maio 2000.