UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CAMPUS DE BAURU FAAC ANÁLISE DA PROPAGANDA INSTITUCIONAL GENTE QUE FAZ CURSO: PÓS-GRADUAÇÃO ÁREA: COMUNICAÇÃO PROFª DRª NELYSE MELRO SALZEDAS DISCIPLINA: PROCESSO DE LEITURA: ESTÉTICA DA RECEPÇÃO ALUNA: ADRIANA NIGRO CARDIA BAURU/SP - 1996
1- Introdução Partindo da preposição da Estética da Recepção em reformular a interpretação textual, sugerimos a análise da propaganda institucional, criada pela equipe do Departamento de Comunicação e Marketing do Banco Bamerindus, entitulada Gente que Faz, veiculada periodicamente aos sábados e transmitida em horário nobre (20hs) pela Rede Globo de Televisáo, considerando-a como texto oral e fílmico sob alguns aspectos da linguística textual, abordada pelos teóricos deste, tão originariamente ligada aos processos de comunicação como um todo. Tomar-se-á como instrumentos de análise, formulações como aquelas elaboradas por teóricos e analistas da Estética da Recepção que apontam para uma mudança no paradigma da investigação discursiva, como o ato da leitura refletido a um duplo horizonte, o implicado pela obra e o projetado pelo leitor de determinada sociedade, voltando-se para as condições sócio-históricas das diversas interpretações textuais ( CORTEZ, 1995) em que é considerada a efetiva competência dos receptores, implicadas no plano sincrônico e diacrônico, dos quais faremos diversas considerações durante o presente trabalho. Assim, considerando a produção textual enquanto produção (codificação), recepção ( decodificação) e comunicação ( processo), sempre voltada para o receptor, esta irá requerer do leitor as condições indispensáveis de ordem semiótica no processo de decoficação da mensagem de um texto qualquer, seja ele escrito, oral, filmico ou pictório. Dessa forma, iniciamos a nossa análise sob o aspecto da ordem sintagmática autorobra-leitor, voltando-se para o universo do autor e sob a ótica da reflexão de Sartre: O que escrever? Por que escrever? Para quem escrever? princípios básicos da comunicação textual. 2 Objeto de análise A idéia de veiculação de uma propaganda institucional partiu da equipe do departamento de Comunicação do Banco Bamerindus, devido a um conceito mais abrangente sobre as atuações das Assessorias de Imprensa e seus departamentos de 2
Marketing e Relações Públicas em disseminar o seu leque de atuação, fugindo assim da publicidade tradicional, já desgastada. Diante da necessidade do uso de novas estratégias de marketing e dentro do novo contexto mundial da globalização e conseqüente competitividade, o setor bancário sofreu intensa reestruturação devido às recentes mudanças na economia nacional. O conceito do liberalismo sem fronteiras dita as regras do atual jogo mercantilista, pressuposto que para ingressar nesse time de novos empreendedores, a mudança de atitudes e a perseguição de um ideal são os ingredientes possíveis para a realização de novas aspirações. A nova comunicação nas empresas modernas propõe o planejamento de estratégias, programas e projetos de comunicação empresarial, numa leitura minuciosa do meio ambiente com o objetivo de implantar uma imagem institucional de consenso identidade forte e transparente para a projeção externa em torno do sistema organizacional ( REGO, 1986). 1- Fundamentação teórica para a análise do objeto Partindo do pressuposto que todo comunicador deve prover-se de uma capacidade empática primeiro grau da Teoria Física da Informação e perceptiva processo pelo qual chegamos às expectativas, às antecipações das condições psicoógicas internas do homem a fim de obter uma interação ideal com o público-alvo, buscar-se-à fundamentos para essa interação na psicologia social das massas para a elaboração das mensagens, pesquisando-se as devidas condições de percepção, decodificação, interpretação e incorporação de seus conteúdos ( D AZEVEDO, 1971). Dessa forma, o caráter da propaganda institucional leva também o propósito de qualquer outra campanha publicitária, a de promover uma corrente de consciëncia. Porém, o caráter apelativo e persuasivo da propaganda tradicional é abandonado, enfatizando o contexto de veracidade das informações, conduzidas sugestivamente em caráter jornalístico a um significado contextual e cognitivo, semelhantes a fatos relatados no noticiário televisivo. O forte apelo emocional caracterizado pelas imagens, signos analógicos, referentes ao código icônico, principal meio da mensagem televisiva, é de tom poético e 3
emotivo em cada case 1. Como revela Jacques Aumont, a imagem tem por função primeira garantir, reforçar, reafirmar e explicar nossa relação com o mundo visual, desempenhando papel de descoberta do visual. Essa relação é essencial para nossa atividade intelectual. Assim, como o reconhecimento está para apreensão do visível, para as funções mais diretamente sensoriais, a rememoração é colocada como a mais profunda e essencial, reativando a memória e o intelecto, além do raciocínio. Portanto, reconhecer alguma coisa em uma imagem é identificar, pelo menor em parte, o que nela é visto. O trabalho de reconhecer apóia-se na memória. A constância perceptiva é a comparação incessante que fazemos entre o que vemos e o que vimos ( AUMONT, 1995). Quanto aos códigos que intervêm para definir uma mensagem na TV, enquanto composta de imagens, sons musicais, emissões verbais e ruídos, Bordenave fundamenta-os em três: o icönico, o linguístico e o sonoro, que se manifestam por vários subcódigos, dede a linguagem especializada, estilo de produtores, tendência dos autores musicais, exploração de conotações culturais ou sociais pelas imagens apresentadas, apectos estéticos de cada imagem, etc. Ora, se os códigos de comunicação de uma cultura refletem a própria cultura de uma sociedade, esses códigos indicam os papéis apropriados e oportunos para a concretização de uma mensagem, como destaca Ingarden, referindo-se ao preenchimento dos pontos de indeterminação de um texto que... Daí a diferença entre o cognitivo e o emotivo ser ressaltada uma vez que o receptor reage à maneira de usar a linguagem ou às circunstáncias em que ela é usada. 4 Os Cases Dos os 39 programas (cases), três deles foram selecionados, a fim de guiar a nossa releitura e que, de acordo com a vivência e expectativa da autora deste trabalho, considerou-se os mais significativos. Case nº 31 História sobre os sisaleiros do Nordeste 1 Projeto de comunicação 4
Case nº 38 História sobre a freira Luiza, a irmã Faustina Case nº 39 História de três estudantes universitários de Jaboticabal A seguir, transcreveremos um deles, a história dos sisaleiros, a fim de abordarmos, com maior ênfase, o caráter lingüístico do texto oral: 1 VINHETA DE APRESENTAÇÃO DO BANCO BAMERINDUS 2 - LOCUTOR: BAMERINDUS APRESENTA: - segue logotipo representando as iniciais das palavras Banco e Bamerindus na cor branca, identificadas pelo fundo verde que simboliza a filosofia primária da instituição bancária em financiar projetos para a agricultura o verde cor das matas brasileiras, cor do campo. 3 LOCUTOR: GENTE QUE FAZ. 4 A seguir, entra a vinheta de apresentação do programa, destacando a palara GENTE, também na cor verde que caracteriza a instituição em letras bastão grossas, porém não uniformes, revelando um caráter intimista entre a palavra e o modo como ela foi escrita, como se qualquer pessoa pudesse fazê-lo, separada por um traço que caminha junto com o slogan do case através da computação gráfica. Abaixo, as palavras QUE FAZ aparecem em letras bastão alongadas. 5- LOCUTOR: Desde sempre foi assim no sertão. A seca chega, o gado emagrece, os homens partem. Em Valente, no norte da Bahia, a paisagem é igual. Os homens é que são diferentes. 6- DEPOIMENTO: Ivo Ferreira sisaleiro Parece que até esse nome de Valente acentou bem, porque é só quem é valente mesmo e corajoso pra enfrentar essa parada 5
7- LOCUTOR: As pessoas daqui resolveram resistir.em Valente, já não existe a ilusão de mudar para a cidade grande. 8- DEPOIMENTO: Luiz Mota Souza sisaleiro Chega lá, não encontra a solução que vai em busca e, às vezes, sai com a fome e volta com a fome dobrada, né! 9- LOCUTOR: A forá pra lutar eles tiram do sisal, a única lavoura que ainda resiste à seca. Uma fibra táo forte como esses sertanejos. 10- DEPOIMENTO: Ivo Ferreira sisaleiro O problema é a gente lutar junto e confiar e chamar por Deus para ver se um dia ele resolve esse problema. Pensar em melhorar a situação da nossa região. 11- LOCUTOR: Em vez de apenas vender o sisal, os pequenos produtores se uniram para comprar máquinas e beneficiar a fibra. 12- DEPOIMENTO: Reinaldo de Oliveira sisaleiro: Quando as pessoas começam a trabalhar junto e se acreditam uns nos outros, quando os pequenos acreditam uns nos outros... eu acho que é possível a gente adquirir uma saída. 13- LOCUTOR: Do sisal eles aprenderam a aproveitar tudo. O que sobra da fibra alimenta os animais, aduba a terra. Com irrigação, até a água se multiplica. Cada gora gera seus frutos, ajuda a manter a vida no sertão. 14- DEPOIMENTO: Erenita dos Santos: Quando a gente sente a necessidade do irmão, a gente sente que pode dar uma solução, a gente se sente feliz. 15- DEPOIMENTO: Luiz Mota Souza: Eu nào acredito que nóis chegue a um fim da vida e nào encontre um resultado. Eu tenho fé que a gente encontra uma solução 6
para combater essa seca, mesmo com a falta de chuva..., mas se ecnontra jeito para combater ela e näo deixar só ela nos combater. 16-LOCUTOR: Os sisaleiros do Nordeste são gente que faz. 17- FECHAMENTO: Vinheta com o slogan do case Gente que faz, seguindo o logotipo do Banco. 18- LOCUTOR: Bamerindus O Brasil se faz com gente que faz. 5- Processo de Leitura Logo no início do texto oral, o narrdaor enfatiza que a paisagem daquele local é semelhante às das outras regiões áridas do sertão brasileiro, porém só os homens de lá é que são diferentes. Daí a idéia de que a mudança de atitude pressupõe-se ser diferente. O nome do lugarejo, Valente, contribui imensamente para reforçar a idéia de ser resistente às dificuldades do dia-a-dia, até no sertão brasileiro, lugar a princípio, inóspito às condições de sobrevivência. A narrativa mostra a idéia de cooperação e associativismo, tão sugeridas no atual momento econômico mundial. Assim, a busca de soluções para um problema mostra que é possível a realização de um ideal. O depoimento de terceiros são acrescentados para reforçar ao caráter da veracidade das informações. A chamada Bamerindus- O Brasil se faz com gente que faz, dá o enfoque analógico de que, caso o público em potencial ( independente de raça e cor ) venha a aderir ao conceito de realização pessoal, amparando-se num eventual crédito financeiro, queo faça, então, naquele banco. Com relação aos outros dois cases, ambos enfatizam o termo solidariedade, atualmente explorado pelas novas teorias de administração participativa, tanto voltadas para o público interno ( funcionários ) quanto para o público interno ( cliente, fornecedores e clientes em potencial ). 7
Quanto à referência para quem se comunicar, fica evidente que o conhecimento dos contextos extraverbais é indispensável para que as relações mensagem/codificador sejam contruídas e concretizadas. Isso significa que para que haja a apreensão de um texto, é preciso que ele perterça ao mesmo contexto cultural onde haverá uma troca de valores, como esclarece Clarice Cortez: Não só introduzimos o texto em nosso mundo como também a nossa vivência interfere no texto. Quando a autora faz esta afirmação podemos concluir que, havendo aceitação de um universo comum, o texto será concretizado, portanto, preenchendo os seu objetivos primários. Daí a produção de um conjunto de programas voltado para o mais diversificado público em potencial, narrando histórias de empresários de sucesso, desempregados que se viram como um empreendedor em potencial, trabalhadores de empresas públicas e privadas que fizeram de suas vidas a conquista de um ideal. Como se vê, esses instrumentos de concretização, como o despertar da consciência do cidadão comum num esforço de elevação do espírito individual, servem de escopo das intenções dos idealizadores deste case. A alta taxa de feedback foi comprovada pelo incentivo à equipe em continuar produzindo outra série de programas, requisitados também por escolas de administração. Porém, a princípio, a compreensão do texto oral é despretensiosa quanto para o seu próprio uso. Para que a interpretação atinja o seu fim universal ser objeto de reconstrução e análise esta deve valer-se de outras tantas experiências vividas. Na aceitação de um universo comum entre o texto e o receptor, no ato da leitura são renovadas as concepções sobre o mundo e seus valores. O efeito estético de um texto é dado, num primeiro momento, através da compreensão de sua narrativa e seus desdobramentos dramáticos. A última etapa, a aplicação, é dada na medida em que existe o interesse em transportar o texto para a realidade presente, formando assim, um julgamento que persuada e convença com precisão os outros possíveis intérpretes. Com isso, entendese que o texto que surge não se apresenta como novidade num espaço vazio, ou seja, os instrumentos de comunicação criados pelas assessorias não se valem de objetivos 8
inócuos, mas sim amparados em análise de situcionalidade que interferirão nos objetivos da campanha publicitária ( FÁVERO L. & KOCK, 1983 ). Deverá, então, o receptor, durante a interpretação, estar atento aos avisos, sinais visíveis e invisíveis, aos traços familiares, às condições implícitas despertando a lembrança do já lido ou já visto, que o conduzirá a uma certa postura emocional, antecipando a compreensão e direcionando-o à subjetividade da interpretação. Dessa forma, o receptor perceberá em diversos momentos uma nova leitura, ou seja, a cada interpretação surge uma nova leitura, fruída e valorada em condições diferentes, tanto a partir de horizontes mais restritos de sua expectativa, de acordo com seu grau de percepção e a somatória de conhecimentos adquiridos ao longo do tempo ( CORTEZ, 1995). Este fato explica o tempo de duração de uma campanha publicitária. Quando o receptor ou leitor real decodifica uma mensagem, observando algumas condições indispensáveis de ordem semiótica, passando de leitor passivo para leitor reflexivo, diz se que houve a fusão dos horizontes o implícito do texto e o representado pelo leitor no ato da leitura ou interpretação do texto ( LIMA, 1985). Portanto, o implícito contido nas histórias narradas será concretizado caso haja a convergência da estrutura do texto fílmico com a estrutura de interpretação do leitor, possibilitando a competência comunicativa. Essa competência comunicativa dar-se-à a partir da articulação dos códigos semânticos do texto, com a estrutura de mundo do leitor, pressupondo assim, que todo texto é parte de um contexto. Conclui-se, portanto, que o ato da leitura acontece com a fusão de dois horizontes: o que está implícito no texto e o representado pelo leitor. Assim, ao privilegiar o receptor, uma produção textual deverá ser concreta, contemporânea e integrada na mesma situação onde o texto foi produzido, compartilhando entre emissor e receptor os mesmos problemas, sendo os contextos extraverbais indispensáveis para que a relação leitor/texto seja reconstruída ( JAUSS, 1994). Observa-se, portanto, que os produtores do texto publicitário percorreram um caminho de integração com o mundo real do decodificador ( a intencionalidade), a fim de obterem o maior grau de eficácia nos propósiots desta comunicação. 9
Referências Bibliográficas AUMONT, Jacques. A Imagem. Trad. Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. 2ª ed. Campinas, Editora Papirus, 1995. BORDENAVE, Juan E. Días. O que é Comunicação. Editora Brasiliense. São Paulo, 1982. CORTEZ, Clarice Zamonaro. Os problemas do leitor, do texto e do ato da leitura. Texto produzido no curso de mestrado, na disciplina Estérica da Recepção,Unesp, 1995. D AZEVEDO, Marcello Casado. Teoria da Informação. Petrópolis. Editora Vozes, 1971. FÁVERO, L. & KOCK. Lingüística Textual: introdução. São Paulo, Editora Cortez, 1983. JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária. Trad. Tellaroli. São Paulo, Ed. Ática, 1994. LIMA, Luís Costa. A Literatura e o Leitor Seleção de textos de Estética da Recepção. São Paulo, Editora Paz e Terra, 19985. REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Comunicação Empresarial/ Comunicação Institucional. Conceitos, Estratégias, Sistemas, Estrutura, Planejamento e Técnica. São Paulo, Summus Editorial, 1986. 10