ESCOLA SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO, DIREITO E ECONOMIA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO IMOBILIÁRIO ZULEICA R. HAIM



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Transcrição:

ESCOLA SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO, DIREITO E ECONOMIA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO IMOBILIÁRIO ZULEICA R. HAIM USUCAPIÃO EM PARTES COMUNS NOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS Porto Alegre, julho de 2010.

ZULEICA R. HAIM USUCAPIÃO EM PARTES COMUNS NOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS Monografia de Conclusão do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da Escola Superior de Administração, Direito e Economia ESADE. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Guimarães Kollet Porto Alegre, julho de 2010.

SUMÁRIO SUMÁRIO... 2 INTRODUÇÃO... 4 CAPÍTULO I - 1 USUCAPIÃO... 7 1.1 CONCEITO... 7 1.2 INOVAÇÕES INTRODUZIDAS NO CÓDIGO CIVIL 2002... 8 1.3 REQUISITOS LEGAIS: POSSE, PRAZO, JUSTO TÍTULO, BOA-FÉ... 10 1.3.1. Posse... 10 1.3.1.1 Posse Direta e Posse Indireta... 13 1.3.1.2 Posse Contínua... 14 1.3.1.3 Posse Justa ou Legítima, Perfeita ou Jurídica... 14 1.3.1.4 Posse Injusta... 14 1.3.1.5 Posse Mansa e Pacífica... 15 1.3.1.6 Posse de Boa-Fé - bonae fidei possessio... 15 1.3.1.7 Posse com Permissão, por Tolerância e Posse Violenta... 15 1.3.2 Prazo... 16 1.3.2.1 Soma de Posses accessio possessionis... 17 1.3.2.2 Contagem do Prazo-Regra... 18 1.3.3 Justo Título... 18 1.3.4 Boa-Fé... 19 1.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO... 20 1.4.1 Usucapião Ordinária... 20 1.4.2 Usucapião Ordinária Tabular ou Documental de Posse Qualificada ou Socializada, com Prazo Reduzido... 20 1.4.3 Usucapião Extraordinária de Posse Simples... 22 1.4.4 Usucapião Extraordinária de Posse Qualificada ou Posse Social... 23 1.4.5 Usucapião Rural ou Usucapião Pro Labore... 23 1.4.6 Usucapião Urbana ou Usucapião Pro Moradia Pro Habitatio... 26 1.4.7 Usucapião Coletiva... 28 1.4.8 Quadro Resumo dos Prazos... 29 1.5 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A USUCAPIÃO... 29 1.6 ÁREAS SUSCETÍVEIS DE SEREM USUCAPIDAS... 30 1.6.1 Bens Públicos... 30 1.6.2 Bens Particulares... 31 CAPÍTULO II - 2 USUCAPIÃO EM PARTES COMUNS NOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS... 32

2.1 CONDOMÍNIO EDILÍCIO... 32 2.1.2 Partes de Propriedade Exclusiva... 36 2.1.3 Fração Ideal no Solo e Partes Comuns... 36 2.1.4 Partes de Propriedade Comum... 37 2.2 USO EXCLUSIVO, POR CONDÔMINO, DE PARTES DE PROPRIEDADE COMUM.... 39 2.2.1 Uso Exclusivo Permissão... 39 2.2.2 Uso Exclusivo Situações em que Ocorrem... 41 2.2.3 Doutrina e Jurisprudência Entendimento... 42 a) Julgados Contrários ao Reconhecimento do Direito à Usucapião de Partes Comuns nos Condomínios Edilícios... 43 b) Julgados Favoráveis ao Reconhecimento do Direito à Usucapião de Partes Comuns nos Condomínios Edilícios... 47 2.2.4 Doutrina Nova Linha de Pensamento... 51 CONCLUSÃO... 55 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 58 3

4 INTRODUÇÃO Desde os primórdios o homem esta na constante busca de melhores condições de vida e, nessa caminhada, a moradia é uma das primeiras necessidades básicas a ser atendida. Nos tempos atuais a busca de um lugar seguro e confortável para abrigar sua família persiste, apenas com as modificações impostas pela modernidade. O crescimento populacional tem como conseqüência direta, a redução de espaços, a escassez de moradia, o aumento da pobreza e da necessidade de maior segurança. Entre o universo de medidas adotadas para solucionar ou ao menos amenizar os problemas, uma delas é a construção de edificações que abrigam diversas famílias em unidades independentes. São os condomínios, hoje denominados condomínios edilícios. Nessas edificações, sejam elas de apartamentos ou casas, convivem inúmeras pessoas com diferentes personalidades, comportamentos, níveis sociais e culturais. Daí as constantes mudanças próprias da natureza humana, que a vida em condomínios está sujeita. Entre elas a grande dificuldade em dividir o uso de partes comuns, de propriedade de todos, sem ferir o direito dos seus vizinhos.

5 Há quarenta anos as necessidades do homem eram menores e bastante diferentes das atuais. Especificamente no caso dos condomínios, as normas contidas na Lei 4.591/64 regravam perfeitamente a vida em comum, porem, com o tempo, e muito rápido, verificaramse mudanças significativas de convivência, em razão de fatores externos e com influência no comportamento das pessoas. Dentre eles destacam-se: a construção de condomínios com salões de festas, piscinas, praças, academias, que aumenta a reunião de moradores fora das unidades privativas; estacionamentos que nem sempre contemplam vagas suficientes para todos; aumento de instalações eletroeletrônicas, como aparelhos de ar condicionado, máquinas de lavar, banheiras com hidromassagem; apartamentos e casas com paredes divisórias sem qualquer isolamento acústico. Tudo isso atende necessidades, traz conforto mas, também, é fonte de conflitos. Ao longo dos 25 anos de ativa participação na área imobiliária, principalmente na administração de condomínios, constatamos um aumento expressivo de problemas com o uso exclusivo, por condômino, de partes de propriedade de todos os comunheiros. Soma-se ao fato da posse, embora sem anuência expressa dos comunheiros restantes, ser exercida por muitos anos de forma mansa e pacífica. Casos mais frequentes ocorrem com o fechamento de áreas contíguas às unidades privativas, nas quais são instaladas cozinhas e lavanderias; parte de corredores que podem ser utilizados apenas por determinada unidade; espaços existentes entre os limites de um estacionamento e a parede da edificação; parte de jardins usados para estacionamento. A questão não se resume apenas ao uso exclusivo de parte comum pertencente a todos. Com o passar do tempo, em muitos casos até 20 anos após, o síndico ou um condômino, via de regra novos proprietários residentes no prédio, decidem que o possuidor não deverá mais

6 utilizar a referida área, sob a alegação de ser um bem comum. O possuidor vislumbra, então, a possibilidade de adquirir-lhe o domínio e, para tanto, recorre ao instituto da prescrição aquisitiva. Usucapir parte de área comum nos condomínios edilícios é uma questão totalmente nova, impensada até há poucos anos, que exigirá muito estudo e reflexão dos julgadores, advogados e da sociedade. Certamente o seu regramento proporcionará segurança jurídica a todos que de uma forma ou outra participam da vida em condomínios.

7 CAPÍTULO I - 1 USUCAPIÃO 1.1 CONCEITO 1.228 a 1.234. Em nosso Código Civil a usucapião é tratada no Título III- Da Propriedade, artigos A usucapião é uma das formas de aquisição originária da propriedade de bens móveis e imóveis, pelo exercício manso, pacífico e continuado da posse, nos prazos fixados em lei. Essa forma de aquisição da propriedade até hoje provoca interessantes comentários e diferentes entendimentos de renomados juristas e doutrinadores. Nascimento 1 (1984), manifesta que a lei não explica porque o proprietário, assim considerado pela própria lei, é despojado do bem que adquiriu com título e com registro constitutivo, em favor do possuidor, investindo-o em proprietário sem título anterior. Acrescenta que a doutrina continua na busca de uma explicação para esse problema e que fundamentação até o momento encontrada é de uma punição ao proprietário pela sua inércia, que carrega em seu bojo a presunção de abandono ou renúncia do bem. Outra é a de oferecer proteção ao possuidor. 1 NASCIMENTO, T. M. C. de. Usucapião Comum e Especial, Lei nº 6.969. 5.ed. Aide Editora, 1984, p. 9, 10 e 11.

8 Tratando-se, ainda, da conceituação do instituto, não se pode deixar de transcrever a proferida por Bevilácqua 2 (1983), e em julgado do Supremo Tribunal Federal 3 Bevilácqua (1983), definiu usucapião como a aquisição do domínio pela posse prolongada. Mais adiante acrescenta que o seu fundamento é a posse unida ao tempo. Em julgado do Supremo Tribunal Federal o usucapião é a aquisição do domínio pela posse ininterrupta e prolongada: são condições para que ele se verifique a continuidade e a tranqüilidade (RE 6287/SC, RT 49/352). Embora a inércia do proprietário assuma papel relevante na prescrição aquisitiva, ela não é exclusiva nem preponderante. Necessária a presença de outros requisitos exigidos em lei. Já conceito de Bevilácqua (1983) e do STF constata-se a presença de tempo prolongado unido a condição de que a posse transcorra de forma contínua e sem oposição. 1.2 INOVAÇÕES INTRODUZIDAS NO CÓDIGO CIVIL 2002 O Código Civil de 1916 reconhecia a aquisição do domínio, independentemente do título e da boa-fé, para aqueles que, por 30 (trinta) anos ininterruptos, possuíssem o imóvel de forma mansa e pacífica, como se proprietários fossem. Esse era o comando do art.550 do Código anterior. 2 BEVILÁCQUA, C. Direito das Coisas. Editora Justiça. p. 170. 3 RE 6287/SC, RT 49/352.

9 Essa espécie de usucapião, denominada extraordinária, com a edição da Lei 2.437 de 1955 o prazo de 30 anos foi reduzido para 20 anos. Hoje, face o artigo 1.238 do novo Código Civil, o prazo caiu para 15 anos. Uma das inovações que o novo Código trouxe, foi o de acrescer mais uma espécie de usucapião extraordinária, aquela prevista no parágrafo único do art. 1.238, de posse qualificada ou sociabilizada. Importante salientar que o Código anterior contemplava apenas duas espécies de usucapião: a extraordinária do art. 550 e a ordinária do art. 551. A primeira dita de extraordinária por dispensar o justo título e boa-fé. Quanto a outra, a ordinária, assim denominada, exatamente por exigir a presença dos requisitos formais do justo título e da boa-fé. Nessa também deixa de constar a separação entre possuidores presentes e ausente, aos quais eram atribuídos prazos distintos: 10 anos para aqueles e 15 para esses últimos. O avanço da tecnologia no sistema de comunicações, principalmente na área da telefonia móvel e da informática, encurtou as distâncias, ou melhor, elas deixaram de existir. Em tempo real fala-se com qualquer parte do mundo. Reuniões e negócios são feitos sem deslocamento das pessoas. Face essa nova realidade, não tem mais sentido falar-se em presentes e ausente. O novo Código outra vez inovou ao contemplar, também, mais uma espécie de usucapião ordinária, a prevista no parágrafo único do art. 1.242., denominada de Usucapião

10 Ordinária Tabular ou Documental de posse qualificada ou socializada, com prazo reduzido. Essa espécie é nova no direito brasileiro e com a exigência de requisitos bem distintos. Mais adiante ela será comentada quando for analisada cada espécie. O Código Civil 2002 inovou não apenas com a redução dos prazos, pois, alem de acrescer mais uma espécie de usucapião ordinária e mais uma extraordinária, reedita da Constituição Federal duas usucapiões, classificadas como constitucionais ou especiais: a urbana e a rural. Com a Coletiva, prevista no art.10 do Estatuto da Cidade, somam, atualmente, sete espécies de usucapião, mais adiante comentadas. 1.3 REQUISITOS LEGAIS: POSSE, PRAZO, JUSTO TÍTULO, BOA-FÉ 1.3.1. Posse Pelo disposto no art. 485 do Código Civil de 1916, cujo texto foi reeditado integralmente no art. 1.196, entende-se claramente em que consiste a posse e, de forma singela extrair uma definição. Art. 1.196 Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não, de algum dos poderes inerentes a propriedade. Isso posto, pode-se dizer que a posse é uma situação fática que exterioriza algum dos poderes da propriedade, no momento em que se estabelece uma relação de direito entre a pessoa e a coisa, assentada na vontade do possuidor.

11 As diversas teorias sobre a posse distribuíram-se em objetivas e subjetivas e, com maior repercussão no mundo jurídico nacional e estrangeiro, são as de autoria de Savigny - teoria subjetiva e R.Von Ihering teoria objetiva. O presente trabalho destaca os comentários sobre essas duas teorias nos dos estudos feitos por Bevilácqua (1983), em seu Código Civil Comentado, especificamente sobre o art. 485 e por GOMES (1983), em sua obra Direitos Reais. Para Savigny a posse é o poder que tem uma pessoa de dispor, fisicamente, de uma coisa, acompanhado da intenção de tê-la para si 4 Necessário, pois, a presença concomitante de dois elementos - corpus e animus. O primeiro é o elemento material, o poder físico da pessoa sobre a coisa..em nosso Código corresponderia ao exercício de um do poderes da propriedade. O segundo é o elemento intelectual, representa a intenção, a vontade de ter a coisa como sua. Sem esse elemento, estaríamos diante de uma simples detenção, sem efeitos na vida jurídica. A posse consiste numa situação de fato que conta com a proteção do direito. Ao possuidor a lei concede garantias contra atos violentos de perturbação e esbulho, expressamente evocados no art. 1.210. Como Savigny somente reconhece a posse se presente a vontade do possuidor em ter a coisa como sua, ou seja, o animus domini, sua teoria é qualificada com subjetiva. Também, por esse motivo, a doutrina subjetiva considera o locatário, o comodatário, o depositário e o 4 BEVILÁCQUA, C. Código Civil Comentado. Livraria Francisco Alves. 5.ed. 1983, p.. 8 e 9.

12 mandatário, como simples detentores. Face a isso, compreensível a preocupação dos doutrinadores em estabelecer, com clareza, as diferenças entre posse e detenção. Na teoria objetiva de Ihering 5 : A posse é a exteriorização da propriedade. É o modo pelo qual a coisa, normalmente, preenche o seu destino de satisfazer as necessidades humanas. É o modo pelo qual a propriedade é utilizada (Fundamento dos interdictus possessorios, trad. Adherbal de Carvalho, os. 217 e segs.). Ihering não considera a vontade como elemento preponderante na conceituação da posse. Para ele, a propriedade assume papel de destaque e ela é quem justifica a proteção da posse. Para melhor entendimento da sua teoria, faz-se necessário conceituar e estabelecer as diferenças entre posse e propriedade. - A posse é o poder de fato e a propriedade o poder de direito sobre a coisa. Normalmente o proprietário detém ambos, porem, o poder de fato pode separar-se de duas formas: - uma quando o proprietário, por vontade própria, transfere a outrem poder de fato, ou seja, a posse. Nesse caso estaremos diante da posse justa, o jus possidenti, isto é, do direito de possuir e de uma relação jurídica; - outra quando a coisa é subtraída do proprietário contra a sua vontade. Nesse caso estaremos diante da posse injusta. 5 Idem p.anterior.

13 Para Gomes 6 (1983), a legislação pátria filiou-se a teoria objetiva de Ihering, mas não de forma absoluta. Já, Diniz 7 (1998), filia-se à corrente de que o nosso Código adotou a teoria subjetiva. Outro aspecto importante a ser considerado é a forma em que a posse é exercida. Pode ser através do contato físico direto com a coisa ou pelo fato de, simplesmente, dela dispor, conforme se referia o artigo 493, II do Código de 1916. Não se esta tratando aqui, da posse direta e indireta, vistas logo a seguir. 1.3.1.1 Posse Direta e Posse Indireta A posse direta é a exercida pelo não proprietário, por força de lei ou em cumprimento a uma obrigação, a exemplo do locatário, do usufrutuário, do comodatário, do promitente comprador, do empreiteiro, do construtor e outros mais. Posse indireta - Ao ceder a posse da coisa a outro, temporariamente e por sua vontade, como nos exemplos acima citados, o proprietário conserva a posse, mas a detém indiretamente. O art. 1.197 dispõe de forma bem claro sobre as duas espécies de posse: A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal ou real, não anula a indireta, de quem foi havia, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. 6 GOMES. Direitos Reais. Editora Forense, 8.ed., 1983, p. 24. 7 DINIZ, M. H. Dicionário Jurídico, vol.3, Saraiva, 1998. p. 652.

14 1.3.1.2 Posse Contínua Ocorre com a posse da coisa ininterruptamente, por um lapso de tempo determinado. A posse contínua é um dos requisitos legais exigido em todas as espécies de usucapião. Cabe salientar que a lei não requer posse exclusiva do requerente da usucapião. Desde que ela seja contínua, na contagem do tempo soma-se a atual com a anterior. 1.3.1.3 Posse Justa ou Legítima, Perfeita ou Jurídica Aquela que se acha isenta de qualquer vício; que não foi adquirida por violência física, moral ou abuso de confiança; não é clandestina nem precária; funda-se em justo título ou é atribuída pela lei. O possuidor tem o direito de deter a coisa em seu poder por título legal e utilizá-la com ânimo de dono. Art. 1.200 É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária. 1.3.1.4 Posse Injusta Aquela que resulta de vícios, como da violência, precariedade, clandestinidade, má-fé. É uma posse viciosa.

15 1.3.1.5 Posse Mansa e Pacífica Aquela exercida sem oposição de terceiros; que jamais sofreu turbação, embaraço ou contestação. A posse mansa e pacífica é um dos requisitos exigidos por lei, para aquisição da propriedade, em todas as espécies de usucapião. 1.3.1.6 Posse de Boa-Fé - bonae fidei possessio Aquela exercida por possuidor que acredita que a coisa lhe pertence. Ele ignora a existência de vícios que lhe impedem sua aquisição e que esta obstruindo direito pertencente a outrem. Art. 1.201 É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. Art. 1.202 A posse de boa-fé só perde este caráter, no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. 1.3.1.7 Posse com Permissão, por Tolerância e Posse Violenta Na contagem do tempo de posse, a legislação pátria não admite aquela exercida por tolerância ou permissão do dono da coisa ou do justo possuidor, nem a obtida por meio da

16 violência. Essa proibição, contida no art. 1.208 do código atual, já vigia no código de 1916, art. 497, cujo texto foi mantido na íntegra. Art. 1.208 Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. Ao permitir ou tolerar a posse do seu bem, por outrem, o proprietário abre mão de posse direta sobre a coisa, mas conserva para si a indireta. Quando obtida por meio da violência, é ferido um dos requisitos fundamentais do instituto da usucapião, de que a posse seja exercida de forma mansa e pacífica, sem oposição. 1.3.2 Prazo Os diversos prazos para usucapir bens imóveis encontram-se nos artigos 1.238 a 1.242 do Código Civil. A lei fixa prazos mais curtos para os bens móveis e mais longos para os imóveis, principalmente em função dos requisitos exigidos para a aquisição desses últimos. No item 2 do presente trabalho, que trata sobre as inovações trazidas pelo novo Código Civil no instituto da usucapião, a parte relativa aos prazos é apontada como uma dentre as mais significativas.

17 Na extraordinária de posse simples do art. 1.238, o prazo que era de 20 anos passou para 15. Na ordinária, art.1.242, prevaleceu o prazo menor, de 10 anos, sem distinção entre presentes e ausentes. 1.3.2.1 Soma de Posses accessio possessionis Na contagem do tempo de posse exigido em cada uma das espécies de usucapião, não é necessário que ela tenha sido exercida unicamente pelo seu requerente. É permitido juntar, somar posse. É a accessio possessionis dos romanos, prevista nos artigos 1.243 e 1.207 do Código. A soma pode resultar da posse exercida, no tempo, por diferentes possuidores. Necessário, porem, que todas tenham sido contínuas, pacíficas, sem oposição e, com justo título e boa-fé, no caso da usucapião ordinária de 1.242. Porem, a regra acima não se aplica a duas espécies de usucapião especiais, também classificadas como constitucionais: a rural do1.239 e a urbana do 1.240, pelos motivos a seguir comentados. Dentre os requisitos legais exigidos tanto na usucapião Rural ou Pro Labore, do art 1.239, como na Urbana ou Pró-Moradia, Pro Habitatio, do art.1.240, um deles é de que o possuidor utilize a área para sua moradia ou de sua família. Face tal requisito, nessas duas espécies de usucapião a posse tem de ser própria, pessoal, não é admitida a soma da posse. Também, por tal exigência, a de nelas estabelecer moradia própria, não se aplica o disposto nos artigos 1.243 e 1.207.

18 Art. 1.243 O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos antigos antecedentes, acrescentar à sua posse o dos seus antecessores (art.1.207), contando que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé. Art. 1.207 O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. Importante ressaltar que somente podem ser somadas duas posses que tenham as mesmas qualidades. Assim, posse de má-fé não soma com a do seu sucessor. 1.3.2.2 Contagem do Prazo-Regra Conta-se o prazo pelo número de dias e não de momento a momento. O termo inicial será o dia do começo da posse com o ânimo de possuir o imóvel como seu. Já no caso da usucapião ordinária, o prazo inicia na data transcrita no justo título. O mestre Nascimento 8 (1984), ensina que para contagem do tempo por ano, que é o caso da usucapião, não se aplica a regra do Código Civil, art. 125 no Código de 1.916 e art. 132, caput, no atual, que exclui o dia do começo e inclui o do vencimento. 1.3.3 Justo Título O vocábulo título, empregado na legislação pátria, tem o significado de ato jurídico, público ou particular, hábil para transferir a propriedade ou outro direito real, porem não reúne todos os requisitos essenciais para que a transferência ocorra de forma plenamente 8 NASCIMENTO, T. M. C. Usucapião Comum e Especial. Aide Editora. 5.ed. 1984, pg. 125.

19 eficaz. Ele tem aparência de legítimo, mas é ineficaz para transferir o domínio do bem. Em outras palavras, correspondem a todos os fatos jurídicos que tem condições de transladar direitos reais, porem, se não concretizam essa faculdade, é porque carregam algum vício. Embora contendo irregularidades, com o decorrer do tempo a lei confere ao justo título, poderes para transferir a propriedade do bem àquele que o possui. Somente ao título justo a lei atribui a faculdade de transferir a propriedade. Se for nulo não é justo. Quanto ao ato anulável, é considerado válido até sua anulação requerida judicialmente, porem, até lá, estamos diante de um título justo, que produzirá todos os efeitos jurídicos. 1.3.4 Boa-Fé A boa-fé é um requisito subjetivo, essencial para que se concretize a usucapião ordinária. O possuidor de boa-fé exterioriza a idéia de que é o legítimo proprietário da coisa possuída e que esta lhe foi transferida com um justo título, sem qualquer vício. Boa-fé e justo título estão atrelados, tanto que a existência daquela é presumida pelo possuidor com justo título. Isso é o que nos diz o parágrafo único do art. 1.201. Em nosso ordenamento jurídico a boa-fé se presume e a má-fé prova-se. Também é de boa-fé a posse cujo título translativo que lhe deu origem, contenha alguma irregularidade, porem, ignorada pelo possuidor.

20 1.4 ESPÉCIES DE USUCAPIÃO 1.4.1 Usucapião Ordinária As usucapiões ordinárias, previstas no art. 1.242, são aquelas que exigem justo título e boa-fé, motivo pelo qual são denominadas de ordinárias. Aliás, é a única espécie em que esses dois requisitos são obrigatórios. A usucapião ordinária e a extraordinária, presentes em nosso ordenamento jurídico desde o Código de 1916, mantiveram-se no atual, mas com inovações importantes. Ressalta-se que até o novo Código, eram admitidas somente essas duas usucapiões, previstas nos artigos 550 e 551. Hoje são sete. Na usucapião ordinária o legislador exige, concomitantemente, o justo título e a boa-fé. Aqui a presença dos dois requisitos é cumulativa. Face a isso, o legislador ficou o prazo aquisitivo mais reduzido, 10 anos. Outra grande novidade é a instituição de mais uma espécie de usucapião ordinária, a do parágrafo único do art. 1.242, inédita em nosso ordenamento jurídico, comentada a seguir. 1.4.2 Usucapião Ordinária Tabular ou Documental de Posse Qualificada ou Socializada, com Prazo Reduzido Essa forma de aquisição prescritiva da propriedade é inédita, desconhecida antes do novo Código Civil. Essa, também, é uma das importantes inovações introduzida em nosso ordenamento jurídico. Sua previsão encontra-se no parágrafo único do art. 1.242:

21 Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico. Verifica-se que seus requisitos são bastante distintos das demais modalidades de usucapião, seu prazo é bem mais reduzido e uma das finalidades é de atender a função social da propriedade. Denominada tabular ou documental, porque sua aquisição é feita com base nos documentos assentados no Registro Imobiliário. Isso significa que sua aquisição é feita pelo modo adequado, o mais seguro, porem, o título posteriormente é cancelado. Esse é um dos requisitos. Os outros são: aquisição à título oneroso, com base no registro e após cancelado,como já referido, mais os requisitos de que no imóvel o possuidor tenha instalado a sua moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Importante salientar que os dois últimos requisitos não são cumulativos, o legislador exige a presença de um ou de outro. Ou o possuidor estabelece a sua moradia ou realiza investimentos. Quanto ao prazo de 5 anos, é o menor entre todas as espécies de usucapião. Sem dúvida alguma, a instituição dessa nova modalidade de usucapião, veio proteger aqueles que, de justo título e boa-fé, adquirem, onerosamente, imóvel com base em título buscado no próprio sistema registral.

22 1.4.3 Usucapião Extraordinária de Posse Simples Essa é a primeira espécie de usucapião apresentada em nosso Código Civil. Ela abre o Capítulo II que trata da aquisição da propriedade imóvel. No Código de 1916 prevista no art. 550 e no atual, no art. 1.238, cujo teor é a seguir transcrito: Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquiri-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para registro no Cartório de Registro de Imóveis. Denominada extraordinária por não exigir os requisitos do justo título e boa-fé. Assim, mesmo o possuidor de má-fé, e também, aquele que não tenha título algum, podem usucapir. Por outro lado, o legislador impôs o prazo da prescrição bem maior, 15 anos. Inicialmente, no Código de 1916, o prazo era de 30 anos. Posteriormente, com a edição da Lei 2.437/55, foi reduzido para 30 anos. É o mais longo prazo para usucapir, motivo pelo qual é chamada, também, de usucapião de prazo largo ou longo. Quanto a posse há de ser simples, pois não exige nenhuma outra condição além de ser contínua, mansa e pacífica. Como já foi comentado no item 3 do presente trabalho, o novo Código não faz nenhuma menção aos presentes e ausentes, previstos no anterior. Justifica-se, pois na vida moderna o avanço da tecnologia na área das comunicações e de informática, as distâncias deixaram de ter a importância de antes.

23 Expressiva inovação trouxe o novo Código, com o acréscimo de mais uma usucapião extraordinária, a de posse qualificada ou socializada, prevista no parágrafo único do 1.238, a seguir comentada. 1.4.4 Usucapião Extraordinária de Posse Qualificada ou Posse Social Essa espécie é nova em nosso ordenamento jurídico. Classificada como extraordinária porque dispensa o justo título. Por outro lado, o legislador encurtou o prazo aquisitivo para 10 anos, desde que à posse seja atribuído um significado social. Daí o motivo da sua posse ser dita de qualificado ou socializada. Sei comando encontra-se no parágrafo único do art. 1.238: O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Ainda quanto aos requisitos, observa-se que não há exigência de serem cumulativos. A presença de uma das alternativas já é o suficiente, já atende o que a lei determina. Ou o possuidor estabelece sua moradia habitual no imóvel ou nele realiza obras ou serviços produtivos. 1.4.5 Usucapião Rural ou Usucapião Pro Labore A Usucapião Rural e a Usucapião Urbana são duas espécies que já existiam em nosso ordenamento jurídico, porem, não previstas no Código de 1916, por esse motivo chamadas de

24 especiais. Também, por constarem em dispositivos da Constituição, são denominadas de constitucionais. Como já fazem parte do Código Civil, deixaram de ser especiais. Primeiro faremos um breve histórico da Usucapião Rural ou Usucapião Pro Labore, cujos dispositivos encontram-se no art. 191 da Constituição Federal, no art. 191 do Código Civil e no Estatuto da Terra, Lei 4.504 de 30.11.1.964, a seguir transcritos. Constituição Federal 1988 Art. 191 Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Código Civil Art. 1.239 Reproduzido o mesmo teor da norma contida no art. 191 da Constituição Federal. A usucapião rural foi criada por iniciativa do deputado Mangabeira, que elaborou a norma introduzida, com poucas alterações, na Constituição Federal de 1934, artigo 125. Aqui se deu o ingresso da usucapião rural em nosso ordenamento jurídico. Mais tarde integra, também, a Constituição outorgada de 1.937, artigo 148 e a Constituição de 1.946, artigo 156, 3º. Até aqui as terras particulares e as públicas eram hábeis para serem usucapidas. Na

25 Constituição de 1.967 ela deixou de constar. Entenderam os constitucionalistas da época que a matéria não era própria para ser tratada numa Constituição, mas objeto de lei ordinária. O Estatuto da Terra, instituído pela Lei 4.504, de 30.11.1964, em seu artigo 98 previa a usucapião rural. Posteriormente, a Lei 6.969/81, reduziu o prazo aquisitivo para dez anos, estabelece o limite de 25 hectares.e inclui as terras devolutas como hábeis a serem usucapidas. Essa última medida teve por finalidade solucionar os problemas que ocorriam com os posseiros rurais. A usucapião rural contribuiu para a redução do grande número de latifúndios existentes na época e garantiu proteção a pequena propriedade, mantida com o trabalho do possuidor da terra. Essa espécie de usucapião voltou a ser Constitucional no momento em que passou a integrar a Carta Magna de 1988, em seu artigo 191, acima transcrito, com importantes alterações. - O prazo reduziu para 5 anos, também ininterruptos e sem oposição; - a área rural requerida não pode ser superior a 50 hectares e nela o possuidor deverá estabelecer a sua moradia, tornando-a produtiva com o seu trabalho ou de sua família. Pelo fato de realizar trabalho próprio, pessoal ou de sua família e nela residir, nessa espécie não é admitida soma de posses. Não poderá, também, ser requerida usucapião se a área já era produtiva e o possuidor ser proprietário de outro imóvel, seja ele urbano ou rural.

26 Importante salientar que somente pessoa física tem legitimidade para requerer essa modalidade de prescrição aquisitiva, frente ao requisito da moradia. Também aqui é dispensado o justo título e boa-fé 1.4.6 Usucapião Urbana ou Usucapião Pro Moradia Pro Habitatio Essa espécie de usucapião esta prevista na Constituição Federal, artigo 183, no Código Civil, artigo 1.240 e no Estatuto da Cidade, artigo 9º. Como o texto da norma é o mesmo nos três diplomas, transcrevemos, abaixo, apenas o da Constituição Federal. Art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade disciplinaram a usucapião urbana, levada depois, para o Código Civil 2002. Este reproduziu, na íntegra, a norma da Carta Magna.

27 Essa espécie, assim como a rural, tem por finalidade garantir, proteger a moradia. Ela abraça o princípio da função social da propriedade, consagrado na nossa Constituição. Dispensa o justo título e boa-fé. Quanto ao tempo para aquisição prescritiva, é de cinco anos, de forma ininterrupta, mansa e pacífica, sem oposição. Outros requisitos são exigidos: - é de 250 m² a área máxima permitida para usucapir; - somente pessoa física tem legitimidade para requerer o domínio e com a condição de não ser proprietário de outro imóvel, urbano ou rural. -área requerida será utilizada para moradia própria ou de sua família. Como a lei exige posse pessoal, própria, o comando do art. 1.243- accessio possessionis, não se aplica à usucapião urbana nem à usucapião rural. Impossível, portanto, a soma de posse nessas espécies. Cabe analisar com bastante atenção o disposto no 2º do 1.240. Diz o dispositivo que: - O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Isso significa que somente é possível ajuizar ação de usucapião urbana apenas uma vez. Mesmo que o imóvel adquirido por essa via, já tenha sido alienado. Se fosse permitido, o instituto não estaria atendendo sua finalidade de garantir a moradia. Essa restrição vale apenas para essa espécie de usucapião.

28 1.4.7 Usucapião Coletiva A usucapião urbana do 1.240, chamadas, também, de Constitucional e a Coletiva, do artigo 10 do Estatuto da Cidade, tem sido fonte de muita discussão, tanto no judiciário como na sociedade. Os motivos são vários, dentre eles cabe citar: - o prazo de aquisição prescritiva é bastante reduzido, 5 anos; o proprietário é despojado do seu imóvel sem qualquer indenização; dispensada a presença do justo título e boa-fé. Cabe lembrar que todo aquele que ocupa um lugar para morar, mesmo ciente de que não lhe pertence, certamente é porque não dispõe de recursos necessários para outra alternativa. Por outro lado, a pobreza e a legião de sem tetos tem aumentado assustadoramente nos centros urbanos. O nosso Código Civil não trata da usucapião coletiva, ela encontra-se inteiramente disciplinada pelas regras contidas no Estatuto da Cidade, instituído pela Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Seus dispositivos por serem bastante claros, tornam mais fácil a compreensão. Atendidos os requisitos do 4ºdo artigo 1.228 do Código Civil, o proprietário do imóvel também ser privado do imóvel, conforme nos diz o referido dispositivo: 4º - O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

29 A diferença entre esse dispositivo e o que dispõe o Estatuto da Terra na usucapião coletiva, é que o autor, no caso o proprietário não possuidor, busca satisfazer sua pretensão em ação reivindicatória. Importante destacar, também, que a posse não tem por finalidade moradia, nem é considerada a renda dos ocupantes. 1.4.8 Quadro Resumo dos Prazos Usucapião Ordinária C.C. art. 1.242 Usucapião Ordinária Tabular, de posse qualificada e prazo reduzido- C.C. art. 1.242, parágrafo único Usucapião Extraordinária, de posse simples e prazo longo, C.C. art. 1.238 Usucapião extraordinária de posse qualificada C.C. art. 1.238, parágrafo único Usucapião Rural ou Pro Labore, C.C., art. 1.239 Usucapião Urbana ou Pro Moradia, C.C. art. 1.240 Usucapião Coletiva, Estatuto da Cidade, art. 10 a 14 Quadro 1. Quadro resumo dos prazos. 10 anos 5 anos 15 anos 10 anos 5 anos 5 anos 5 anos 1.5 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A USUCAPIÃO A Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, XXIII, dispõe que a propriedade atenderá a sua função social. Em quase todas as espécies de usucapião esse princípio é atendido. Abstendo-se da discussão de que se é justo ou não, o proprietário ser despojado do bem, cujo domínio a própria lei que lhe outorgou, mais tarde transfere a outrem por sua inércia, real ou presumida, pode-se afirmar que a usucapião veio proteger a propriedade e a moradia.

30 A usucapião Extraordinária do parágrafo único do artigo 1.238, a Usucapião Rural do artigo 1.239 e a Usucapião Tabular, do artigo 1.242, alem de protegerem a moradia, exigem que o possuidor torne a área produtiva. Quanto a Usucapião Urbana do artigo 1.240 e a Coletiva, do Estatuto da Cidade, tem por fim a proteção da moradia. No Brasil a usucapião corre ao lado dos problemas gerados com as grandes extensões de terras, como os latifúndios improdutivos, o aumento da população e da pobreza, a escassez de moradias e outros tantos. Mas a legislação pátria que rege esse instituto, em certos casos polêmicos, não deixou passar a oportunidade de imprimir-lhe a obrigação de cumprir com a função social da propriedade. Mais adiante veremos esse princípio em relação aos condomínios edilícios. 1.6 ÁREAS SUSCETÍVEIS DE SEREM USUCAPIDAS 1.6.1 Bens Públicos Na legislação pátria a regra é de que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Assim, por exclusão, os bens particulares são passíveis de prescrição aquisitiva. O próprio Código adota esse critério: primeiro segrega os bens públicos para depois classificar o restante como bens particulares, independentemente a quem pertencerem, conforme dispõe o artigo 98: São públicos os bens do domínio nacional pertencente às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

31 Essa classificação é importante para se chegar ao universo de bens que podem ser usucapidos. Mais adiante, no artigo 102, a lei determina que Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Diante do comando que exclui os bens públicos, somente os bens particulares estão sujeito, são hábeis a serem adquiridos via usucapião, desde que atendidos os requisitos legais. 1.6.2 Bens Particulares Pelo artigo 102 do Código Civil, acima transcrito, que afasta dos bens públicos a possibilidade de serem usucapidos, restam os particulares. Nesse grande grupo estão incluídos os direitos reais com limitação de gozo e uso: servidão, usufruto, uso, habitação, penhor, anticrese. A hipoteca é um direito real de garantia imprescritível, pois não há transferência da posse. O bem hipotecado continua na posse do seu proprietário, que é devedor hipotecário. A pergunta que se faz é: se todos os bens particulares estão sujeitos a aquisição de domínio pela prescrição, desde que satisfeitos os requisitos legais, é possível usucapir partes de propriedade comum nos condomínios edilícios? A questão será discutida mais adiante, face entendimento doutrinário e jurisprudencial.

32 CAPÍTULO II - 2 USUCAPIÃO EM PARTES COMUNS NOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS 2.1 CONDOMÍNIO EDILÍCIO O condomínio edilício, até a edição do Código Civil 2002 denominado de condomínio especial ou horizontal, ingressou no ordenamento jurídico pátria com a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Esse diploma instituiu e regulamentou o condomínio em edificações e as Incorporações imobiliárias. Inimaginável tratar-se do tema condomínio, sem trazer os ensinamentos do Ilustre Prof. Caio Mário da Silva Pereira, autor da Lei 4.591/64. Da sua obra Condomínio e Incorporações, já mencionada nesse trabalho, transcrevemos parte do caminho que traça, no tempo, até chegar no Novo Condomínio como ele chama: Procurando, de seu lado, emergir à tona desta inundação de desconforto, desenvolveu-se ao máximo a técnica de construção que permitisse o melhor aproveitamento dos espaços e a mais suportável distribuição de encargos econômicos, mediante o edifício de apartamentos. Projetou para o alto as edificações, imaginou acumular as residências e aposentos uns sobre os outros, criou arranha-céu, fez as cidades em sentido vertical e, numa espécie de

33 ironia do paradoxo, apelidou-a propriedade horizontal, em razão do edifício achar-se dividido por planos horizontais. Novo não é o fenômeno, nem o social nem o jurídico, Em verdade, novo, totalmente novo, nada há debaixo do sol. Já de remotos tempos vem a habitação concentrada, e desde então o jurista pensou no assunto, e emitiu conceitos. Não, porém, com a intensidade e a extensão de hoje em dia. Mais adiante conceitua o novo condomínio: A Lei 4.591/64. de 16 de dezembro de 1964, consignou a concepção moderna da propriedade horizontal. O seu art. 1º inscreve nesse regime toda edificação ou conjunto de edificações, de um ou de vários pavimentos, sem cogitar do número de peças de cada unidade e independentemente da sua natureza residencial ou não residencial. A lei exige a construção sob forma de unidades autônomas. Esta é uma conditio legis. É mister que cada unidade apartamento residencial, sala ou conjunto de escritório, loja, sobreloja, vaga em edifício-garagem constitua unidade autônoma, e deve ser tratada objetivamente como tal e assinalada por uma indicação numérica ou alfabética, para efeitos de identificação ou discriminação. Exige, ainda, a lei que a cada unidade corresponda uma quota ou fração ideal do terreno e das partes e coisas comuns, expressa matematicamente sob forma decimal ou ordinária ( 2º). Também exige que cada unidade tenha acesso à via pública. Pode tê-lo diretamente, como é o caso das lojas, dos compartimentos em mercados, das vagas em garagens, etc. Ou será indiretamente o acesso à via ou logradouro público, por escada, corredor, rampa ou ascensor. O que não é admissível, no regime da propriedade horizontal, é o apropriamento da

34 rota de comunicação por uma só pessoa, alheia ou não ao condomínio, ou que ela se efetue através da unidade pertencente a um, ou que este seja, a qualquer título, dono da passagem. Se se levantar uma edificação em que as unidades não sejam autônomas ou não se comuniquem direta ou indiretamente com a via pública, não haverá condomínio especial regulado pela Lei 4.591/64, ou a propriedade horizontal. O novo Código derrogou a Lei 4.591/64 na parte relativa ao condomínio, artigos 1º a 27, permanecendo em vigor os dispositivos seguintes que tratam das Incorporações. Cabe registrar que durante quase 40 anos, a referida lei sofreu poucas alterações e que o Código editado em 2002 acolheu quase todos os seus dispositivos. No novo diploma o Condomínio Horizontal, ou Especial passou a ser denominado Condomínio Edilício, tratado nos artigos 1.331 a 1.358. Pela simples leitura do 1.331, artigo que abre o capítulo do Condomínio Edilício, abaixo transcrito, já se tem um entendimento claro do que ele compreende: no mesmo espaço edificado coexistem unidades autônomas, de propriedade privativa e partes comuns cujo domínio é de todos os comunheiros. É da própria essência desse regime em condomínio a coexistência da propriedade individual exercida pelo proprietário sobre sua unidade autônoma e a propriedade em condomínio, exercida por todos os condôminos sobre o terreno e partes comuns da edificação, de acordo com a fração ideal atribuída a cada um. Com poucas e claras palavras, Caio Mário aponta a essência desse regime: - Sem que se torne necessário descer à minúcias e delongas enfadonhas, Baste-nos como elemento característico essencial fixar e determinar, de início, que no condomínio a idéia mestra está no exercício conjunto das

35 faculdades inerentes ao domínio pela pluralidade de sujeitos, de tal arte que cada um deles tenha um poder jurídico sobre a coisa inteira, em projeção da sua quota ideal, sem excluir idêntico poder nos consócios ou co-proprietários. Art. 1.331 Pode haver em edificações, partes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no terreno e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários. 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás, e eletricidade, a calefação e refrigeração central, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizado em conjunto pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos. 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. Quanto à expressão Pode haver, que inicia o art. 1.331, foi criticada por Caio Mário quando constou no Projeto de Código Civil, enviado ao Congresso Nacional em 1975. Segundo o mestre a referência não é facultativa e sim imperativa, portanto, o correto seria Haverá. No entanto, o Código Civil 2002 manteve a expressão criticada.

36 Antes de ingressar no estudo do que compreende partes de propriedade privativa e partes de propriedade comum, importante transcrever o Artigo 1.335, incisos I e II que estabelece os direitos dos condôminos sobre tais partes: Art.1.335. São direitos do condômino: I usar, fruir e livremente dispor das suas unidades II usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contando que não exclua a utilização dos demais compossuidores., 2.1.2 Partes de Propriedade Exclusiva As unidades autônomas, privativas, previstas no 1º do artigo 1.331, são aquelas suscetíveis de utilização de independente, correspondendo aos apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas, garagens ou espaços estacionamento. A esses últimos o novo Código denominou abrigo para veículos. Tais unidades são individualizadas, com matrículas próprias assentadas no Cartório de Registro de Imóveis. Por reunir as condições de independência podem ser gravadas e alienadas livremente por seus proprietários. Sobre elas, o dono detém a propriedade plena, com a faculdade de usar, gozar e dispor. 2.1.3 Fração Ideal no Solo e Partes Comuns Por determinação expressa do 3º do artigo 1.33l, a cada uma das unidades autônomas caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns. Dita ideal por ser indeterminada dentro do todo, ou seja, sem localização física específica.

Caio Mário 9 aponta a importância da função atribuída à fração ideal: A cada apartamento ou unidade autônoma deve corresponder uma fração ideal no condomínio sobre o terreno e partes comuns do edifício. Isso é fundamental no regime da propriedade horizontal, já que resulta esta da fusão indissociável da propriedade exclusiva do apartamento com o condomínio daquelas coisas. Mais adiante destaca sua importância ao servir de base no rateio das despesas de condomínio e a distribuição de direitos entre os comunheiros: Mas não fica aí o interesse nesta apuração. É de lei que cada um dos comunheiros deve concorrer nas despesas de condomínio; deve participar no rateio do prêmio do seguro; deve contribuir com a sua quota-parte no orçamento das repartições do prédio; e, em caso de desapropriação do edifício ou de sua destruição por incêndio ou outro risco segurável, compartilhará do quantum em que a coisa fica sub-rogada, como tudo veremos nas respectivas oportunidades. Para haver, então, uma base de distribuição dos direitos e dos encargos de cada proprietário, no conjunto do edifício, é necessário fixar uma cifra representativa do interesse econômico de cada uma das pessoas participantes da comunhão. Normalmente atribui-se a cada apartamento uma quota percentual ou milesimal no terreno, e é esta fração o índice do direito do respectivo proprietário, bem como dos que lhe competem, dentro daquele complexus. 37 2.1.4 Partes de Propriedade Comum 9 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio e Incorporações. 5.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 97.

38 O campo onde será discutida a questão proposta no presente trabalho localiza-se, especificamente, nas partes de propriedade comum, ou seja, aquelas em que o domínio é de todos os comunheiros indistintamente. O 2º do artigo 1.331 especifica algumas partes comuns, não todas, certamente em função do tipo e das características de cada edificação. Porem, no final do parágrafo, ao dizer e demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, inclui, efetivamente, todas elas. Também é taxativo ao determinar a condição de serem utilizadas em comum pelos condôminos. Aliás, esse é um dos direitos dos condôminos previsto no inciso II do Art. 1.335. Em poucas palavras pode-se dizer que nos condomínios edilícios, retirando-se do todo as partes de propriedade privativa, restam as de propriedade e uso comum a todos compossuidores. No sentido inverso a equação é a mesma: retirando-se do todo as partes comuns, restam as de propriedade privativa de cada condômino. Como a finalidade do presente trabalho é o estudo da possibilidade de adquirir o domínio de partes comuns pela prescrição aquisitiva, mais adiante abordaremos questões relativas a essas áreas de forma mais ampla..

39 2.2 USO EXCLUSIVO, POR CONDÔMINO, DE PARTES DE PROPRIEDADE COMUM. A questão ora apresentada exige uma atenção especial, pois, o uso exclusivo e contínuo de partes comuns, por condômino, sem oposição dos demais compossuidores, são elementos que podem levar o possuidor requerer o seu domínio por usucapião. Desde a instituição do condomínio horizontal é frequente o uso exclusivo por condôminos de partes pertencentes a todos. A Lei 4.591/64 não abriu qualquer possibilidade, apesar das edificações existentes na época em que entrou em vigor, já apresentassem espaços ou locais que somente algumas unidades poderiam ter acesso ou, mesmo sem essa particularidade, fossem usadas de forma exclusiva. Embora o Código Civil 2002 em seu Art. 1.335, II, acima transcrito, seja bastante claro ao determinar a não exclusão dos demais condôminos do uso em comum, o Art. 1.340 admite a exclusividade no momento em que incumbe ao beneficiado a obrigação de arcar com as despesas decorrentes do uso - As despesas relativas as partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbe a quem delas se serve.. Com isso, o Código Civil 2002 pacificou uma situação recorrente nos condomínios. 2.2.1 Uso Exclusivo Permissão Vale ressaltar a importância de uma interpretação precisa do Artigo 1.340, sempre tendo em mente que no regime de condomínio edilício, o uso exclusivo, mesmo que prolongado, não induz à prescrição aquisitiva. Por outro lado, deve ser considerado que tal benefício modifica a destinação da coisa comum. Face a isso, para que um ou algum dos