Dirigindo uma das principais entidades de petróleo do mundo, o World Petroleum Council, mas também presidente da brasileira Barra Energia, Renato Bertani acha que o Brasil não pode se dar ao luxo, como país em desenvolvimento, de demorar tanto tempo para desenvolver seus gigantescos reservatórios de petróleo no pré-sal brasileiro. O executivo, porém, ainda vê muito interesse de empresas estrangeiras no país caso os leilões de áreas de petróleo e gás voltem realmente a ser realizados, como anunciou ontem o governo. O próprio Bertani está à espera de novas áreas para a Barra Energia, hoje com apenas dois blocos devido à falta de leilões --um deles é o bem sucedido Carcará, em parceria com a Petrobras. Apesar de estar localizado na região do pré-sal, Carcará praticamente não registra presença de CO2 (gás carbônico), elemento que vem sendo encontrado em outros campos da região e que encarece a extração. 1 / 8
O foco da empresa nos leilões da ANP (Agência Nacional do Petróleo) será o pré-sal, informa o executivo que trabalhou 32 anos na Petrobras. De preferência, o prospecto Libra --já identificado pela agência e que, segundo Bertani, pode conter até 15 bilhões de barris de petróleo. * Folha - Como o senhor vê a exploração do petróleo nos próximos anos e o posicionamento do Brasil na indústria mundial? Renato Bertani - O mundo vai continuar precisando de petróleo. Hoje os combustíveis fósseis, onde se inclui também o gás e o carvão, representam 70% da energia consumida no mundo e, mesmo com o aumento dos biocombustíveis, deve continuar assim. Em 2030 o consumo global vai atingir 110 milhões de barris diários, contra os 87 milhões de hoje, e se levarmos em conta o declínio natural dos campos, vamos precisar de mais 65 milhões de barris diários, levando em conta uma média conservadora de declínio de 3,5%. O Brasil é um dos países do mundo que podem dar essa contribuição, porque ninguém vai conseguir suprir isso sozinho. Estão na lista Arábia Saudita, Iraque, Estados Unidos, Rússia, Brasil, e Canadá e Venezuela com óleo pesado. 2 / 8
E o preço do petróleo vai possibilitar os investimentos necessários para fazer frente a esse aumento de produção? O preço do petróleo vai continuar alto, nos patamares atuais para cima, com uma tendência levemente crescente, mas com volatilidade. Mas é absolutamente insustentável petróleo barato. Por quê? Tivemos um teste dessa tese há três anos, em 2008, quando o preço caiu e imediatamente bilhões de dólares de investimentos foram suspensos. O mercado percebeu que ia faltar petróleo se continuasse o preço baixo e o preço voltou para US$ 100. E quais são os obstáculos para o Brasil? Dentro desse contexto, a gente tem a situação de Libra, que é uma descoberta que foi feita há dois anos e se estima que tem reservas de 8 bilhões de barris, com algumas visões de que podem chegar a 15 bilhões de barris. É um ativo incrivelmente valioso que hoje está controlado pela ANP. Foi descoberto há dois anos e não sabemos quando será oferecido em uma licitação. Vai levar mais no mínimo dois anos até que os primeiros investimentos para desenvolver Libra venham a ser feitos. 3 / 8
Ninguém pode se dar ao luxo, principalmente um país em desenvolvimento, de deixar uma riqueza como essa por quatro anos, no mínimo, sem explorar. O governo errou então em mudar o marco regulatório e redesenhar a distribuição de royalties? A questão que está gerando esse atraso todo é a questão dos royalties, não do marco, uma questão que se originou com os Estados. Mas o fato é que precisa haver um avanço nessa discussão o quanto antes, porque o país está sendo prejudicado. O Brasil está perdendo o interesse de empresas de fora? O Brasil continua extremamente interessante, tem muito potencial, tanto no lado exploratório como no desenvolvimento econômico, mas a falta de rodadas está inibindo o entusiasmo e a iniciativa de algumas companhias em virem para o Brasil. E podem ir para outro lugar? 4 / 8
Hoje em dia, em termos de áreas emergentes, temos a exploração no oeste da África, que continua despertando muito interesse, e o leste da África particularmente tem gerado resultados extremamente interessantes. Quênia, Moçambique, Tanzânia estão atraindo muito capital. A Rússia é o maior produtor mundial de petróleo e tem muito potencial para recuperar os atuais campos. O capital vai para os ambientes onde há uma oportunidade de recuperar o capital, de crescer, mas acho que estamos perdendo a oportunidade de multiplicar a atual indústria de petróleo por duas ou três vezes. Então o Brasil pode perder nessa concorrência? Se retomarmos rápido os leilões, as companhias virão para o Brasil aportar capital e tecnologia, recursos humanos, e isso vai permitir ainda mais o desenvolvimento de uma indústria local de bens e serviços, e o Brasil vai sair ganhando. Por isso é lamentável que a nossa indústria esteja paralisada por falta de licitações, as razões aparentemente estão vinculadas a uma discussão da questão de royalties. 5 / 8
O Brasil já tem uma indústria pujante, mas poderíamos estar diversas vezes mais pujantes, atraindo mais investimentos e trazendo oportunidades. O que está acontecendo hoje é que algumas companhias já estão começando a repensar seus planos de investimento no Brasil, e começam a se posicionar no leste e oeste da África, nos Estados Unidos. No momento alguma empresa está decidida a sair do país por falta de áreas? Tem companhias constantemente ajustando seu portfólio, mas conheço pelo menos dez que querem entrar, da China, dos Estados Unidos, da Europa... Vocês são sócios da Petrobras em Carcará, que foi bastante comemorado pela estatal. Quais são as perspectivas para o desenvolvimento do campo? Carcará está sendo perfurado a 6.300 m, é um ótimo reservatório e praticamente não tem CO2 (gás carbônico). Tivemos sorte, mas tem que ter sorte e ter gestão, tem que furar os poços certos. O primeiro óleo está previsto para 2018. 6 / 8
E como a Barra vai se capitalizar para dar conta de tantos investimentos? Fomos capitalizados com US$ 1,2 bilhão dos nossos acionistas, fundos de investimentos americanos, e já gastamos US$ 470 milhões, então temos US$ 730 milhões e estamos preparados para a 11ã rodada de petróleo. Se precisar mais capital para desenvolver Carcará, o que acho provável, as alternativas seriam ter mais capital dos atuais investidores ou contrair dívida, porque a gente não tem nenhum endividamento. Não pensamos em abrir capital também, por ora. Vai depender de como vão evoluir as oportunidades de novos negócios e os nossos projetos. Queremos aumentar o portfólio, mas seletivamente, não tem nada em negociação. * RAIO X RENATO BERTANI 7 / 8
Idade 59 anos Formação Doutor em geologia e geoquímica sedimentar pela Universidade de Illinois (EUA) Atividades 32 anos na Petrobras (diretor de exploração e produção da Braspetro e presidente das subsidiárias internacionais da Petrobras no Reino Unido e nos Estados Unidos). Atual presidente da Barra Energia e do World Petroleum Council, entidade que reúne os 65 países responsáveis por 95% do petróleo produzido no mundo Por: Denise Luna (Fonte: Folha SP) 8 / 8