Revista Didática Sistêmica, ISSN 1809-3108, Volume 4, julho a dezembro de 2006. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE



Documentos relacionados
Resumo Aula-tema 01: A literatura infantil: abertura para a formação de uma nova mentalidade

LEV VIGOTSKY 1. VIDA E OBRA

A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS NOS ANOS INICIAIS RESUMO

REPRESENTAÇÕES DE AFETIVIDADE DOS PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Deise Vera Ritter 1 ; Sônia Fernandes 2

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

CURSO PREPARATÓRIO PARA PROFESSORES. Profa. M. Ana Paula Melim Profa. Milene Bartolomei Silva

O olhar do professor das séries iniciais sobre o trabalho com situações problemas em sala de aula

PROGRAMA ESCOLA DA INTELIGÊNCIA - Grupo III ao 5º Ano

Formação de Professores: um diálogo com Rousseau e Foucault

Fonte:

Por uma pedagogia da juventude

INDISCIPLINA ESCOLAR E A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO: UMA ANÁLISE SOB AS ÓTICAS MORAL E INSTITUCIONAL

EDUCAÇÃO E CIDADANIA: OFICINAS DE DIREITOS HUMANOS COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ESCOLA

Colégio La Salle São João. Professora Kelen Costa Educação Infantil. Educação Infantil- Brincar também é Educar

tido, articula a Cartografia, entendida como linguagem, com outra linguagem, a literatura infantil, que, sem dúvida, auxiliará as crianças a lerem e

Principais discussões sobre o ensino-aprendizagem de matemática na educação infantil

GUIA DE IMPLEMENTAÇÃO DO CURRICULO ANO 2 - APROFUNDAMENTO

Lev Semenovich Vygotsky, nasce em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, em Bielarus. Morre em 11 de junho de 1934.

A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DA TURMA DE 9º ANO DA ESCOLA RAIMUNDO PEREIRA DO NASCIMENTO

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FISICA NAS SÉRIES INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA LEILA REGINA VALOIS MOREIRA

O PAPEL DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

ESCOLA: AMBIENTE DE HARMORNIA OU CONFLITO? RESUMO

8. O OBJETO DE ESTUDO DA DIDÁTICA: O PROCESSO ENSINO APRENDIZAGEM

A DANÇA E O DEFICIENTE INTELECTUAL (D.I): UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA À INCLUSÃO

O ENSINO FUNDAMENTAL DE 9 ANOS: CONTRIBUIÇÕES PARA UM DEBATE

Estado da Arte: Diálogos entre a Educação Física e a Psicologia

FORMAÇÃO DOCENTE: ASPECTOS PESSOAIS, PROFISSIONAIS E INSTITUCIONAIS

As diferentes linguagens da criança: o jogo simbólico

No final desse período, o discurso por uma sociedade moderna leva a elite a simpatizar com os movimentos da escola nova.

Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesquisa

COMPETÊNCIAS E SABERES EM ENFERMAGEM

PRÓ-MATATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

V Seminário de Metodologia de Ensino de Educação Física da FEUSP Relato de Experiência INSERINDO A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO COPA DO MUNDO.

Afetividade: Caminho pada a aprendizagem

LUDICIDADE... BRINCAR... EDUCAR... PRAZER E TRANSFORMAÇÃO...

INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS III Curso do IAB Formação de Agentes Multiplicadores em Prevenção às Drogas

PSICOPEDAGOGIA. DISCIPLINA: Desenvolvimento Cognitivo, Afetivo e Motor: Abordagens Sócio Interacionistas

O PSICÓLOGO (A) E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR ¹ RESUMO

A IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS DE MATEMÁTICA E FÍSICA NO ENEM: PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO CURSO PRÉ- UNIVERSITÁRIO DA UFPB LITORAL NORTE

AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS E O DESENVOLVIMENTO AFETIVO E INTELECTUAL DA CRIANÇA

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

AS RELAÇÕES DO ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO ENSINO REGULAR INCLUSIVO

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

Projeto Pedagógico Institucional PPI FESPSP FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL PPI

1.3. Planejamento: concepções

Avaliação da aprendizagem... mais uma vez

Roteiro VcPodMais#005

Como mediador o educador da primeira infância tem nas suas ações o motivador de sua conduta, para tanto ele deve:

ADOLESCÊNCIA SEXUALIDADE

UMA EXPERIÊNCIA EM ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DO PIBID

Jéssica Victória Viana Alves, Rospyerre Ailton Lima Oliveira, Berenilde Valéria de Oliveira Sousa, Maria de Fatima de Matos Maia

Recomendada. A coleção apresenta eficiência e adequação. Ciências adequados a cada faixa etária, além de

PROPOSTA PEDAGOGICA CENETEC Educação Profissional. Índice Sistemático. Capitulo I Da apresentação Capitulo II

Instituto Educacional Santa Catarina. Faculdade Jangada. Atenas Cursos

REPRESENTAÇÃO DO MEIO AMBIENTE MAPAS MENTAIS UMA LINGUAGEM NO ENSINO DA GEOGRAFIA

USANDO A REDE SOCIAL (FACEBOOK) COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM

A Interdisciplinaridade como Metodologia de Ensino INTRODUÇÃO

O Indivíduo em Sociedade

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

BRINCAR É UM DIREITO!!!! Juliana Moraes Almeida Terapeuta Ocupacional Especialista em Reabilitação neurológica

Curso de Especialização Educação Infantil 2ª Edição EMENTA DAS DISCIPLINAS

EDUCAÇÃO E PROGRESSO: A EVOLUÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA ESTADUAL ELOY PEREIRA NAS COMEMORAÇÕES DO SEU JUBILEU

Família, Escola e a construção do contexto afetivo: Maria Aparecida Menezes Salvador/Ba

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

Ciclos educativos. Desenvolvimento Humano

UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO COM FOCO NA MODALIDADE ORAL DE LINGUAGEM EM SUJEITOS COM SÍNDROME DE DOWN

Pedagogia Estácio FAMAP

SEDUC SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MATO GROSSO ESCOLA ESTADUAL DOMINGOS BRIANTE ANA MARIA BALDINOTTI O LÚDICO E A LÍNGUA INGLESA

AS TEORIAS MOTIVACIONAIS DE MASLOW E HERZBERG

TEORIAS DA APRENDIZAGEM: DA TEORIA À PRÁTICA

ESTADO DE GOIÁS PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA DE GOIÁS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SANTA BÁRBARA DE GOIÁS. O Mascote da Turma

GRITO PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

PROJETO CONVIVÊNCIA E VALORES

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

PRAXIS. EscoladeGestoresdaEducaçãoBásica

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Grupo de Pesquisa em Interação, Tecnologias Digitais e Sociedade - GITS

O uso de jogos no ensino da Matemática

Currículo e tecnologias digitais da informação e comunicação: um diálogo necessário para a escola atual

ESPAÇO INCLUSIVO Coordenação Geral Profa. Dra. Roberta Puccetti Coordenação Do Projeto Profa. Espa. Susy Mary Vieira Ferraz RESUMO

AS INQUIETAÇÕES OCASIONADAS NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM SÍNDROME DE DOWN NA REDE REGULAR DE ENSINO

A LUDICIDADE NO CONTEXTO ESCOLAR

h u m a n i t y. c o m. b r A vida acontece quando você realiza os seus sonhos

OS SIGNIFICADOS DA DOCÊNCIA NA FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA - A PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DAS ESCOLAS FAMILIA AGRÍCOLA

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

LUDICIDADE: INTRODUÇÃO, CONCEITO E HISTÓRIA

PNL? o que é. Dossie. Veronica Ahrens Diretora de T&D, Trainer e Coach da SBPNL Inspirar pessoas a criarem um mundo melhor. veronica@pnl.com.

A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA EDUCAÇÃO DOS FILHOS NO CONTEXTO ESCOLAR

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

Gestão da Informação e do Conhecimento

Pesquisa com Professores de Escolas e com Alunos da Graduação em Matemática

Conceitos de Identidade Relação "eu" e "outro" Para Vygotsky

Projeto de Acessibilidade Virtual RENAPI/NAPNE. Maio de 2010

2.5 AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

DIFICULDADES DE LEITURA E ESCRITA: REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO PIBID

CURSINHO POPULAR OPORTUNIDADES E DESAFIOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DOCENTE

Marta Kohl de Oliveira Algumas Contribuições da Psicologia Cognitiva

Duração: 8 meses Carga Horária: 360 horas. Os cursos de Pós-Graduação estão estruturados de acordo com as exigências da Resolução CNE/CES nº 01/2007.

Humanização no atendimento do Profissional Envolvidos Com as Técnicas Radiológicas

PORTFÓLIO, AVALIAÇÃO E TRABALHO SITUANDO O PORTIFÓLIO PEDAGÓGICO BENIGNA MARIA DE FREITAS VILAS BOAS

Transcrição:

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE Revista Didática Sistêmica TRIMESTRAL ISSN: 1809-3108 Volume 4, julho a dezembro de 2006 AFETIVIDADE COMO CONDIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM: HENRI WALLON E O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA CRIANÇA A PARTIR DA EMOÇÃO Ricardo José Lima Bezerra 1 RESUMO As idéias de Henri Wallon sobre afetividade e emoção se constituem num aparato teórico psicogenético de inestimável valor para o entendimento das formas de aprendizagem na realidade escolar. Procuramos compreender a aprendizagem a partir da teoria walloniana da emoção e seu contributo para uma educação escolar muito mais profícua. Palavras-chave: Henri Wallon Afetividade Aprendizagem. ABSTRACT The ideas of Henri Wallon on affectivity and emotion if constitute in a psicogenetic theoretical apparatus of inestimable value for the agreement of the forms of learning in the pertaining to school reality. We look for to more understand the learning from the WALLON s theory of the emotion and its contribution for a pertaining to school education very best prosperous. Keywords: Henri Wallon Affectivity Learning. No texto a seguir procuraremos abordar algumas das idéias desenvolvidas por Henri Wallon no que diz respeito à afetividade e, a partir daí perceber como essa dimensão humana facilita e até mesmo estimula o processo de aprendizagem e cognição do indivíduo. O afeto constitui-se no elemento básico da afetividade humana, que é um 1 Professor do Departamento de Geografia e História da Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns/Universidade de Pernambuco. 20

conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre de impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou de tristeza (CODO & GAZZOTTI, 1999: 48-59). E este é o conceito de afetividade que utilizaremos como eixo central deste trabalho. A partir de uma teoria da emoção, Henri Wallon concebe a dimensão afetiva como conceito fundamental da sua teoria psicogenética da aprendizagem. É preciso, contudo, destacar a diferenciação existente entre afetividade e emoção em seus trabalhos. Na obra de Wallon, segundo Galvão (1999:61): As emoções, assim como os sentimentos e os desejos, são manifestações da vida afetiva. Na linguagem comum costuma-se substituir emoção por afetividade, tratando os termos como sinônimos. Todavia não o são. A afetividade é um conceito mais abrangente no qual se inserem várias manifestações. A construção do indivíduo a partir da afetividade Na concepção de Wallon, as teorias sobre as emoções são essencialmente mecanicistas e pouco inteligíveis. Ele as percebe, primeiramente, como reações incoerentes e confusas, e em seguida, destaca o poder motivante que têm as emoções consideradas por ele positivas: O estudo da criança exigiria o estudo dos meios onde ela se desenvolve. É impossível de outra forma determinar exatamente o que é devido a este e o que pertence ao seu desenvolvimento espontâneo. (WALLON, 1982:189). Dessa forma, é possível afirmar a partir das idéias de Wallon, que a sociedade intervém no desenvolvimento psíquico da criança, através de suas sucessivas experiências e das dificuldades ou não para vencê-las, já que ela a criança depende para viver e sobreviver durante muito tempo dos adultos que a cercam. Sendo assim, a emoção ocupa um lugar privilegiado nas concepções psicogenéticas de Henri Wallon, pois para ele a emoção é vista como instrumento de sobrevivência imprescindível à espécie humana e por sua vez também a afetividade, onde as emoções se manifestam. A emoção, segundo Dantas (1992b: 85) é simultaneamente social e biológica em sua natureza, pois realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa cognitiva, racional, que só pode ser atingida através da mediação cultural, isto é, social. 21

A dimensão afetiva que é de fundamental importância para Wallon, seja do ponto de vista da construção da pessoa, como do ponto de vista do conhecimento, é portanto marcante para o desenvolvimento da humanidade que se manifesta a partir do nascimento e estende-se pelo primeiro ano de vida da criança. Wallon explica que uma criança sadia, quando já está se relacionado afetivamente bem com o meio que a cerca, em particular com sua mãe, sente necessidade de ser objeto de manifestações afetivas para que, assim, seu desenvolvimento biológico seja perfeitamente normal (DANTAS,1992a:85). Wallon então prova com sua teoria, que o bebê, se não fosse pela sua capacidade de mobilizar poderosamente, no sentido do atendimento de suas necessidades, ele pereceria. Na é por acaso que seu choro atua de forma tão intensa sobre a mãe.esta função biológica então é que dá origem a um dos traços característicos da expressão emocional. È neste sentido que Wallon, considera a emoção fundamentalmente social, ela fornece o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos e supre a insuficiência da articulação cognitiva nos primeiros momentos da vida do indivíduo. Já no terceiro ano de vida, acontece uma reviravolta nas condutas da criança e nas suas relações com o meio, o qual é de suma importância para a existência da criança e que Wallon acredita haver desde o período fetal, prolongando-se para além do nascimento. É nesta fase que se iniciam os conflitos inter-pessoais, onde a criança opõe-se a tudo o que julga diferente dela, que venha de outro. O conflito eu-outro não é exclusivo do estágio da formação do eu, que Wallon chama de personalista, pois surgirá uma nova crise de oposição no período da adolescência, crise essa necessária para a reconstrução da personalidade, sendo, na sua opinião, um importante recurso para a diferenciação do eu. Assim, vemos que para Wallon, afetividade, além de ser uma das dimensões da pessoa, é uma das fases mais antigas do desenvolvimento humano, pois quando este, tão logo deixou de ser puramente orgânico passou a ser afetivo e, da afetividade lentamente passou para a racionalidade.a afetividade e a inteligência estão imbricadas, havendo um predomínio da primeira e, mesmo havendo logo uma diferenciação entre as duas, haverá uma permanente reciprocidade entre elas, pois, como afirma DANTAS (1992b:90), ao longo do trajeto elas alternam preponderâncias, e a afetividade reflui para dar espaço à intensa atividade cognitiva assim que a maturação pões em ação o equipamento sensório-motor necessário á exploração da realidade. 22

Dessa forma a afetividade depende, para evoluir de conquistas realizadas no plano da inteligência e vice-versa (DANTAS, 1992a: 90). Partindo desse pressuposto, uma teoria pedagógica que se depreenda das idéias sobre a construção do indivíduo a partir de Wallon diz que o desenvolvimento intelectual envolve muito mais do que uma aparato cerebral. Pressupões perceber a dimensão afetiva do indivíduo e trabalha-la para permitir uma construção cognitiva mais dinâmica e efetiva. Sendo assim, uma teoria pedagógica inspirada em Wallon pressupõe um movimento dialético entre afetividade, emotividade e subjetividade com processos cognitivos, interação social e racionalidade mutuamente imbricado e relacionados em via de interdeterminação. Vale ressaltar que na escola, a maioria das tarefas exigidas das crianças requerem que elas estejam sentadas, paradas e com a atenção voltada para uma única direção ou objeto. A postura para o cumprimento de tais tarefas exige muito controle que advém de um tardio e custoso processo de consolidação das disciplinas mentais (...) a intensidade com que a escola exige essas condutas é superior às possibilidades da idade, o que propicia a emergência de dispersão e impulsividade (Wallon apud GALVÂO, 1999:109). Não se pode pensar em uma única postura corporal que garanta a atenção em qualquer atividade, porque às vezes, são as mudanças na posição do corpo que proporcionam melhor e maior atenção na atividade desempenhada pela criança. Percebe-se que uma série de fatores, ao longo do desenvolvimento da criança, contribuem para sua formação enquanto ser social. Refletir sobre tudo isso faz parte do processo de crescimento pedagógico de cada um de nós professores, educadores comprometidos com o desenvolvimento psico-social do indivíduo que estamos preparando para inserir numa sociedade da qual fazemos parte e, portanto sermos ou beneficiados por eles ou sofrermos conseqüências indesejáveis, pois: Não se pode explicar uma conduta isolando-a do meio em que ela se desenvolve (WALLON, 1986:369). Verificamos que para Wallon é relevante que a escola ofereça formação integral, ou seja intelectual, afetiva e social, e que dentro da sala de aula, não deve estar apenas o corpo da criança, mas também suas emoções, sentimentos e sensações. Por isso, suas idéias têm com base os quatro elementos que se comunicam o tempo todo afetividade, movimento, capacidade cognitiva e a formação da personalidade e que estão íntima e indissociavelmente relacionados entre si. 23

Quando Wallon coloca a afetividade em primeiro lugar, é porque é ela, através da emoção que é uma impressão corporal de uma estado interno, que faz a comunicação, o intercâmbio entre os indivíduos, e provoca as primeiras representações, figurações e que, adquirem consistência nos movimentos. Por outro lado, a separação entre emoção e cognição, afetividade e aprendizagem é puramente metodológica, artificial e não pode transforma-se num princípio para orientar procedimentos teórico-metodológicos no processo de escolarização do indivíduo. Quanto à inteligência, Wallon diz, que toda a atividade cognitiva, ou seja, todo o armazenamento organizado de informações da criança implica em sua origem, seu desenvolvimento ou sua conclusão, inevitáveis componentes afetivos que por si mesmo impulsionam a aprendizagem. Este pensador da emoção alerta também, que, se o professor tiver conhecimento do conflito eu-outro na construção da personalidade, onde costuma surgir por vezes hostilidade da criança em relação ao professor; tanto pela falta de êxito da criança, pela severidade do professor, por motivos pessoais oriundos da família, quanto por problemas afetivos de origem psíquica, então diante de todos esses aspectos, nós professores poderemos receber essas atitudes com mais tolerância e não tomá-la como afrontas pessoais. Portanto, refletir e avaliar as situações e dificuldades buscando compreender seus motivos e reações já é um meio de reduzir a atmosfera emocional. Por isso, é necessário identificar os fatores responsáveis pelos conflitos, o que possibilitará o aperfeiçoamento da prática pedagógica, uma vez que a libertação das inteligências pode ser buscada numa redução das duas emoções anti-fisiológicas e anti-cognitivas por excelência: o medo e a raiva (DANTAS, 1992a:70). Por tudo isso, concordamos com as contribuições de Wallon enunciadas por DANTAS (1992a) em seu trabalho, quando afirma que a escola comete erros porque desconhece as várias fases de desenvolvimento da mente humana; erra também, por não conhecer conteúdos culturais que possam contextualizar concretamente os alunos, e persevera no erro ainda mais, por desconhecer as histórias de vida de cada um. Não que seja suficiente conhecer o universo cultural de convívio e sociabilidade dos indivíduos, sobretudo das crianças, mas com certeza é indispensável para efetivar uma escolarização mais coerente perceber esta dimensão da realidade humana. Constatamos que, quanto à interação afetiva professor/aluno no processo de ensinoaprendizagem Wallon considera a afetividade de especial relevância, uma vez que a tendência intelectualista, generalizada na escola na atualidade, parece ignorar os determinantes afetivos e emotivos do pensamento e da conduta do aluno. 24

A aprendizagem ocorre a partir de situações que intercomunicam afetividade com intelectualidade. GODOY (1997:35) estabelece a importância de alguns elementos que possibilitam a aprendizagem tais como: o auto-conhecimento, a autonomia e a auto-regulação da conduta. Mas a auto-estima é sem sombra de dúvida um dos elementos mais importantes para facilitar o processo de aprendizagem do indivíduo. Segundo BEAN et al (1995) a autoestima afeta a aprendizagem. Pesquisas realizadas tomando como foco da análise a autoimagem e a relação com o desempenho escolar mostram forte relação entre afetividade e a capacidade de aprendizagem de adolescentes e crianças. Em geral, aprende mais rápido e com mais facilidade o aluno que está bem afetivamente. Seu desempenho tende a ser efetivamente positivo, pois a auto-estima elevada levam a uma ação sobre a realidade mais firme e convicta. Para que a aprendizagem provoque uma eficaz mudança de comportamento e possa aumentar a qualificação do educando, faz-se necessário que ele perceba a relação entre o que está aprendendo e sua vida. Uma aprendizagem mecânica e conteudista, atrelada a uma excessiva preocupação com acúmulo e memorização de conhecimentos não lhe permite elaborar significado, sendo portanto, inútil e enfadonha. Por outro lado, uma aprendizagem significativa é aquela que ajusta raciocínio, análise e imaginação com afetividade e emoção, onde o vínculo afetivo será um grande facilitador das atividades cognitivas e simbólicas, dimensão possibilitadora de uma racionalidade melhor definida e de um saber mais prazerosamente construído. BRIGGS (2000:7) estabelece a importância da afetividade na vida de uma criança afirmando que: ajudar as crianças a desenvolver sua auto-estima é a chave de uma aprendizagem bem sucedida. Sendo assim, as interações dos professores serão mais objetivas e frutíferas se a convivência com os seus alunos lhe proporcionarem satisfação por eles serem quem são e serem como são. Considerações finais Wallon procurou conceber a afetividade como a chave para o crescimento e a formação da personalidade do indivíduo. A sua teoria psicogenética é, na verdade uma teoria do sujeito, da sua condição puramente orgânica e biológica a uma ascensão ontológica racional tipicamente identificada com a condição humana. Contudo, esse sujeito é historicamente determinado, pois sua história de vida, suas experiências sociais e culturais são definidoras de sua personalidade e lhe permitem construir sua autonomia dentro das possibilidades da sua interação social. Isso fará sempre com que o 25

sujeito que conhece, segundo as idéias de Wallon, conheça pela interação dialética e dinâmica com os demais sujeitos bem como com a cultura e a realidade social. Essa concepção é, portanto, bastante identificada com o papel transformador e libertário que deve ter uma educação escolar voltada para contribuir para o desenvolvimento intelectual, social e cultural dos indivíduos. Sendo assim, Wallon nos confere uma contribuição importante para se pensar a aprendizagem no âmbito escolar a partir da importância que atribui a afetividade no processo de formação do indivíduo. A escola deve procurar respeitar as emoções e as necessidades individuais, propiciando desafios e atividades que levem o educando a uma crescente elevação da sua racionalidade. Mas a escola deve também refletir e estar preparada para o desenvolvimento de indivíduos potencialmente mais capazes, integralmente formados, onde corpo, mente e sentimentos são dimensões indissociáveis do mesmo ser. Referências Bibliográficas BEAN, R. et al. Adolescentes Seguros: como aumentar a auto-estima dos jovens. São Paulo: Gente, 1995. BRIGS, D. C. A auto-estima do seu filho. São Paulo: Martins Fontes, 2000. CAMBI, F. História da Pedagogia. São Paulo: EDUNESP, 1999. CODO, W. & GAZZOTTI, A.A. Trabalho e Afetividade. In: CODO, W. (coord.) Educação, Carinho e Trabalho. Petrópolis-RJ:Vozes, 1999. DANTAS, H. A infância da razão. São Paulo: Manole, 1992.a. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. In: LA TAILLE et al Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.b GALVÃO, I. Henri Wallon: Uma concepção Dialética do desenvolvimento infantil. Petróplis-RJ: Vozes, 1999. GODOY, E. A. de. Educação, Afetividade e Moral. Revista de Educação e Ensino. Bragança Paulista, v.2 n.1 jan/jun, 1997. WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1986.. As origens do caráter na criança. São Paulo: Difel, 1972. 26