Avaliação e tratamento do doente com acne Parte II:



Documentos relacionados
Acne. Como Podemos Tratar em Parceria

Peróxido de benzoíla

2- Causas A Acne é causada por alteração em 4 fatores principais

Uso correcto dos antibióticos

MÉTODOS HORMONAIS. São comprimidos que contêm estrogênio e progestogênio associados.

Adacne 30 g. Apresentação de Adacne. gel com 30 g. Adacne - Indicações

Métodos Contraceptivos Reversíveis. DSR-

Sistema de Cuidados com a Pele com Tendência a Acne Mary Kay

ANEXO CONDIÇÕES OU RESTRIÇÕES RESPEITANTES À UTILIZAÇÃO SEGURA E EFICAZ DO MEDICAMENTO A SEREM IMPLEMENTADAS PELOS ESTADOS-MEMBROS

Composição Cada grama de Ilosone Gel Tópico contém: eritromicina base mg excipiente q.s.p... 1 g

CICLOSPORINA PARA DERMATITE ATÓPICA REFRATÁRIA

abscessos interconectados e cicatrizes.

Anexo II. Conclusões científicas e fundamentos para a recusa apresentados pela Agência Europeia de Medicamentos

Sistema de Cuidados da Pele com Tendência à Acne Mary Kay

Câncer de Próstata. Fernando Magioni Enfermeiro do Trabalho

CONTRACEPÇÃO HORMONAL PÍLULA

Campanha de prevenção do cancro da pele

cartões de bolso serié 2 SEXO SEGURO

Desigualdade Económica em Portugal

Shampoo de Ureia Apresenta Eficácia nas Principais Causas da Caspa

Tradução: Regina Figueiredo REDE CE ww.redece.org

Betacariofileno: é um germicida natural obtido do óleo essencial da Copaifera officinalis, sendo excelente para prevenção de infecções e inflamações.

M t é o t d o os o Contraceptivos

O QUE É? A LEUCEMIA MIELOBLÁSTICA AGUDA

Cefaleia crónica diária

A acne é uma complicação da pele oleosa que afeta os folículos pilo sebáceos e os fatores envolvidos no aparecimento e na evolução são:

ANEXO III ALTERAÇÕES AO RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS DO MEDICAMENTO E AO FOLHETO INFORMATIVO

DALAP (adapaleno) Biosintética Farmacêutica Ltda. Gel dermatológico 1 mg

Unidade 1 - REPRODUÇÃO E MANIPULAÇÃO DA FERTILIDADE

Estado- Titular da autorização de Nome do medicamento introdução no mercado. Postfach Ludwigshafen DE Germany.

TRANSPORTE INTER-HOSPITALAR PEDIÁTRICO DA REGIÃO NORTE NORMAS DE ACTIVAÇÃO E CRITÉRIOS DE TRANSPORTE

Modelos de gestão: eficiência, acessibilidade e clinical governance. Pedro Pita Barros

Caracterização dos cursos de licenciatura

Ácido Retinóico (Tretinoina)

AVALIAÇÃO DA ACEITABILIDADE CUTÂNEA E DA EFICÁCIA NA MELHORA DA HIDRATAÇÃO ATRAVÉS DO USO DE PRODUTO PARA PACIENTES COM PSORÍASE.

Acnase Creme Enxofre 2% Peróxido de Benzoíla 5%

Dos 1004 alunos que frequentavam as aulas de Educação Física, um em cada cinco, tinham excesso de peso ou obesidade.

Parte 1: Mainstreaming do HIV: O que é que isso significa?

Indicadores de transferência e de abandono no ensino superior português

BELPELE. Farmoquímica S/A GEL 3 mg/g. Belpele_AR011113_Bula Paciente

EXERCÍCIO E DIABETES


O SMMP oferece aos seus associados uma apólice de Internamento Hospitalar, com as seguintes características:

O QUE É? O NEUROBLASTOMA. Coluna Vertebral. Glândula supra-renal

MITOS NA ESCLEROSE MÚLTIPLA

Adapel. Medley Indústria Farmacêutica Ltda. Gel 1 mg/g

; joao.tedim@sensocomum.pt; joanaviveiro@ordemfarmaceuticos.pt; joaomartinho@ordemfarmaceuticos.pt Assunto:

24 O uso dos manuais de Matemática pelos alunos de 9.º ano

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO PARA GESTÃO

Norma de Orientação Farmacêutica Higienização das mãos Hygiènization des mains Hygienization of the hands

Estabelecendo Prioridades para Advocacia

Tecnologia para a regulação dos nascimentos? gravidez indesejada.

Segurança e Higiene do Trabalho

4. PRINCÍPIOS DE PLANEAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS

O impacto de bactérias resistentes aos antibióticos (ARB) é um problema mundial 13

ALOPÉCIA ANDROGENÉTICA NA MULHER JOVEM ESTUDO DE CASO COM ÊNFASE NO TRATAMENTO

Sessão de Abertura Muito Bom dia, Senhores Secretários de Estado Senhor Presidente da FCT Senhoras e Senhores 1 - INTRODUÇÃO

Notas sobre a população a propósito da evolução recente do número de nascimentos

DESENVOLVER E GERIR COMPETÊNCIAS EM CONTEXTO DE MUDANÇA (Publicado na Revista Hotéis de Portugal Julho/Agosto 2004)

MINISTÉRIO da SAÚDE. Gabinete do Secretário de Estado da Saúde INTERVENÇÃO DE SUA EXCELÊNCIA O SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE

Módulo 1 Questões Básicas da Economia Conceito de Economia

A Segurança na Administração da Quimioterapia Oral.ral

traçam 'plano de ataque'

DOCUMENTO DE CONSULTA PÚBLICA

Informação para o paciente

HOSPITAL DA LUZ 01 RADIOEMBOLIZAÇÃO 02 QUESTÕES FREQUENTES SOBRE A... RADIOEMBOLIZAÇÃO 03 CONTACTOS

Descrição/ especificação técnica: Pó branco a quase branco com o mínimo 99% de Ácido azeláico.

INTRODUÇÃO objectivo

Os Atletas e os Medicamentos Perguntas e Respostas

Nicotinamida. Identificação

OFICIAL DA ORDEM MILITAR DE CRISTO MEDALHA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E BONS SERVIÇOS. Circular n.º 023-A/2014 Portal F.P.T. - Inscrições (Aditamento)

Perceção de valor das análises clínicas

Campanha Nacional de Higiene das MãosMinistério Resultados Nacionais

SALSEP cloreto de sódio Solução nasal 9 mg/ml

3. ANÁLISE DE RISCO NA CONSTRUÇÃO CIVIL

TEMA: Uso de Insulina Humalog ou Novorapid (aspart) ou Apidra (glulisina) no tratamento do diabetes mellitus

Nebulizadores. pmdi inalador pressurizado ; PDI inalador de pó seco; CE câmara expansora. Unidade local (SAP/C.

Segurança e Higiene no Trabalho

O QUE É? O HEPATOBLASTOMA

Isto doi mesmo muito!!!

ANEXO I. Conclusões científicas e fundamentos para a alteração dos termos das autorizações de introdução no mercado

Direcção-Geral da Saúde Circular Normativa

Alimentos de Soja - Uma Fonte de Proteína de Alta Qualidade

Utilização do SOLVER do EXCEL

Programa de Prevenção de Gravidez de Erivedge :

O que é câncer de mama?

REDE TEMÁTICA DE ACTIVIDADE FÍSICA ADAPTADA

newsletter IFD fevereiro 2012 prazer conforto Informação Técnica para Profissionais de Saúde SANINTER GRUPO INSTITUTO DE FORMAÇÃO DERMOCOSMÉTICA

Transcrição:

66 dossier: pele Avaliação e tratamento do doente com acne Parte II: Tratamento tópico, sistémico e cirúrgico, tratamento da acne na grávida, algoritmo terapêutico Américo Figueiredo, 1 António Massa, 2 António Picoto, 3 António Pinto Soares, 4 Artur Sousa Basto, 5 Campos Lopes, 6 Carlos Resende, 7 Clarisse Rebelo, 8 Francisco Menezes Brandão, 9 Gabriela Marques Pinto, 10 Hugo Schönenberger de Oliveira, 11 Manuela Selores, 12 Margarida Gonçalo, 13 Rui Tavares Bello 14 RE SU MO O Portuguese Acne Advisory Board (PAAB), grupo de dermatologistas portugueses que, à semelhança de grupos congéneres internacionais, tem dedicado particular atenção à definição de linhas de orientação para o tratamento da acne, pretende que o presente documento constitua uma ferramenta útil na abordagem dos doentes com esta patologia. Elaborou-se um dossier, para educação médica contínua, subdividido em 2 partes: Parte I etiopatogenia e clínica; Parte II abordagem terapêutica. Nesta Parte II discute-se a abordagem terapêutica tópica e sistémica em cada forma clínica de acne, dando particular ênfase aos retinóides e aos antimicrobianos, e salientam-se as estratégias a adoptar para limitar a crescente resistência bacteriana aos antibióticos. Referem-se as indicações específicas para terapêutica hormonal e analisam-se as particularidades do tratamento da acne na grávida e lactante. Descrevem-se algumas técnicas para correcção das cicatrizes da acne. Por último, publica-se um algoritmo que pretende ilustrar a classificação da acne e definir, para cada tipo clínico, a abordagem terapêutica consensualmente recomendada. Palavras-chave: Acne Vulgar; Terapêutica; Retinóides; Agentes Antibacterianos; Gravidez. 1 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Professor de Dermatologia da Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. 2 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral de Santo António, Porto. Clínica Dermatológica Dr. António Massa. 3 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Centro de Dermatologia Médico-Cirúrgica de Lisboa. Clínica Dermatológica Privada. 4 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatologia do Hospital dos Capuchos. Sequine Clínica Dermatológica. 5 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatologia do Hospital de São Marcos, Braga; Professor da Universidade do Minho. Clínica Dermatológica Privada. 6 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduado. Hospital da Luz, Lisboa. 7 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Ex-Director do Serviço de Dermatologia do Hospital de São João, Porto. Clínica Dermatológica Privada. 8 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Chefe de Serviço do Serviço de Dermatologia do Hospital Central de Faro. Serviço de Dermatologia do Hospital Central de Faro. 9 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Director do Serviço de Dermatologia do Hospital Garcia de Orta, Almada,. Serviço de Dermatologia do Hospital Garcia de Orta, Almada. 10 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do Hospital de Curry Cabral. Serviço de Dermatologia, Hospital de Curry Cabral, Lisboa 11 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar dos Hospitais da Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra. 12 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Directora do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral de Santo António, Porto; Presidente do Colégio da Especialidade de Dermatologia. Centro Hospitalar do Porto Hospital Geral de Santo António. 13 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra; Assistente Convidada de Dermatologia da Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, Clínica de Dermatologia da Faculdade Medicina da Universidade de Coimbra. 14 Especialista em Dermatologia e Venereologia, Assistente Convidado do Hospital Militar de Belém e do Hospital dos Lusíadas. Serviço de Dermatologia do Hospital Militar de Belém; Unidade de Dermatologia do Hospital dos Lusíadas; Clínica Dermatológica Privada

dossier: pele 67 TRATAMENTO DA ACNE Otratamento da acne procura controlar os diferentes factores que constituem a sua patogenia. Quatro objectivos fundamentais são a base das diferentes terapêuticas utilizadas (Quadro I): controlar a hiperceratose de retenção, diminuir a produção de sebo, reduzir a população bacteriana e eliminar a inflamação 1-4. Estas orientações permitem, de um modo geral, controlar todo o tipo de acne, evitar as recaídas, minimizar o sofrimento dos doentes e prevenir as sequelas da doença 5. A resolução da acne demora tempo. Não se pode esperar que antes de 6 a 8 semanas sejam visíveis mais do que os resultados iniciais. São ainda necessários, muitas vezes, ajustamentos individuais. Dado a multiplicidade dos factores envolvidos o tratamento não pode ser estereotipado, deve ser individualizado. Na realidade o sucesso de uma terapêutica num doente é, por vezes, o fracasso noutro 5. Por isso é necessária a intervenção de um especialista na associação de tratamentos tópicos, sistémicos e de procedimentos vários, e ainda de inúmeras subtilezas terapêuticas que vão desde a higiene à camuflagem. O primeiro passo no combate à acne é fazer compreender a doença e os seus mecanismos 3-4. Deste modo é fundamental, numa primeira consulta, a explicação do que é, quais as causas da acne, quais as atitudes a ter no quotidiano e quais as interdições. Muitas vezes os doentes e os seus familiares manifestam o seu desânimo pelo fracasso «dos inúmeros tratamentos» já efectuados, que na maioria dos casos são a utilização de cosméticos ou produtos populares, ou ainda «limpezas de pele». Este historial não constitui em si nenhum tratamento e pode mesmo ser causa de agravamento. Também a compreensão do significado da doença para o doente é fundamental. Não deve haver lugar à QUADRO I. Objectivos da Terapêutica 1. Controlar a hiperceratose 2. Diminuir a produção de sebo 3. Reduzir a população bacteriana 4. Eliminar a inflamação arrogância ou a paternalismo do tipo «isso passa com a idade», porque isso condiciona uma revolta a quem, por vezes, as lesões da face constituem a maior desgraça do universo 5. O profundo impacto social da doença justifica sempre um tratamento adequado, o não tratamento da acne condiciona um sofrimento prolongado, por vezes de décadas, e ainda cicatrizes que podem perdurar toda a vida. TRATAMENTO TÓPICO Os tratamentos tópicos estão indicados nas formas leves a moderadas de acne ou como adjuvantes de terapêuticas sistémicas, nas formas mais graves. Nenhum dos diferentes anti-acneicos disponíveis cobre eficazmente todos os aspectos da fisiopatologia da acne, pelo que são frequentemente usados em combinação. Os mais habitualmente prescritos são os retinóides, os antibióticos e o peróxido de benzoílo. Os produtos contendo ácidos azelaico, glicólico ou salicílico têm eficácia limitada, mas podem ser utilizados nas fases de manutenção, como adjuvantes dos anti-acneicos de 1. a linha. Do mesmo modo, os múltiplos produtos de dermocosmética existentes, devem ser considerados apenas como coadjuvantes e para controlo dos efeitos adversos das terapêuticas tópicas e/ou sistémicas. 1. Retinóides O principal mecanismo de acção dos retinóides consiste na normalização da descamação alterada do epitélio infundibular, com consequente inibição da comedogénese 6. Ao inibirem a formação de novos microcomedões vão reduzir o número de comedões maduros e, consequentemente, também de lesões inflamatórias. Sabe-se que os vários retinóides tópicos também têm propriedades anti-inflamatórias, embora no início da terapêutica, e em peles mais sensíveis, esta acção possa ser «mascarada» pelo seu potencial irritativo 7,8. Outras acções incluem a probabilidade de aumentar a penetração de outros medicamentos e a possibilidade de, em uso continuado, manter a remissão da acne pela inibição de novas lesões retencionais 7,9. Os produtos disponíveis em Portugal são: Tretinoína em creme (diferentes concentrações: 0,025% e 0,05%) e em solução (0,1%); Isotretinoína (ácido 13-cis retinóico) em gel (0,05%);

68 dossier: pele Adapaleno em creme e em gel (0,1%). Alguns produtos de dermocosmética que incluem na sua formulação o retinol ou o retinaldeído também têm discreta actividade anti-acneica. A isotretinoína e a tretinoína têm actividade comedolítica similar, embora com potenciais efeitos adversos, como irritação, intolerância solar e secura cutânea 10. O adapaleno, um retinóide de «3. a geração», ainda que potencialmente irritante no início do tratamento, apresenta melhor perfil de tolerabilidade, com acção comedolítica similar à da isotretinoína e à da tretinoína a 0,025 e a 0,05% 9. O início de acção do adapaleno é mais lento, mas a redução do número de comedões às 12 semanas parece similar à obtida com a tretinoína a 0,1% em gel de micro-esferas 9,10. Os retinóides tópicos são considerados produtos de primeira linha em todas as formas de acne leve a moderada, incluindo nas formas inflamatórias. Devem ser instituídos precocemente; sempre que indicado combinados com outros produtos para maximizar eficácia clínica. São ainda uma arma essencial no tratamento de manutenção/prevenção das recaídas (Quadro II). Para minimizar a eventual irritação devem ser aplicados de preferência à noite e cerca de meia hora depois de lavar a face com agente lavante suave. Doentes muito sensíveis devem ser advertidos acerca da potencial irritação, da possibilidade de agravamento transitório nas duas semanas iniciais e instruídos a iniciar o tratamento com aplicações em dias alternados. Se ocorrer irritação, manifestada por eritema, descamação ou ardor, o tratamento deve ser interrompido até melhoria e só depois reiniciado. Devem ainda aplicar diariamente creme hidratante apropriado e tomar medidas de evicção solar. Apesar de vários estudos indicarem uma baixa ou negligenciável taxa de absorção transcutânea destes produtos, a teratogenicidade dos retinóides, como grupo, interdita o seu uso na grávida ou em lactantes. 2. Antibióticos Os antibióticos actuam nos dois últimos passos da fisiopatologia da acne, ou seja na colonização por Propionibacterium acnes e na inflamação/resposta imunitária 11. Para além do efeito antimicrobiano directo, diminuindo o P. acnes, estes produtos também evidenciam propriedades anti-inflamatórias diversas, como diminuição da quimiotaxia dos neutrófilos, da produção de citocinas e de ácidos gordos livres no infundíbulo piloso, inibição da sintetase do óxido nítrico e aumento da produção de prostaglandinas e de superóxido dismutase 11. De facto, a eficácia de antibióticos usados em doses abaixo da concentração inibitória mínima e em doentes colonizados por estirpes resistentes de P. acnes sugere que a acção anti-inflamatória é importante. Todavia, sabe-se também que a acne causada por estirpes resistentes às tetraciclinas ou à eritromicina nem sempre responde tão bem àqueles antibióticos 12 (Quadro III). Um tratamento antibiótico eficaz na acne resulta numa diminuição da colonização pelo P. acnes, pelo que se julga que este desempenha um importante papel na doença, dependente não da sua concentração mas da inflamação que desencadeia no hospedeiro 12. A principal indicação dos antibióticos tópicos é a acne inflamatória ligeira, em que apesar de um lento início de acção são, em geral, bem tolerados. Devem ser interrompidos assim que houver melho- QUADRO II. Retinóides Tópicos 1. a linha na acne leve a moderada Diminuem o n. o de microcomedões, comedões maduros e lesões inflamatórias Aumentam a penetração de outros medicamentos Potencial irritativo: aplicação preferencial à noite e de inicio em dias alternados Contra-indicados em grávidas e lactantes QUADRO III. Antimicrobianos Tópicos Acne inflamatória Preferencialmente em associação a retinóides tópicos Acção antibacteriana (P. acnes) e anti-inflamatória Suspender após resposta ou ineficácia (6-8 semanas) Peróxido de benzoílo: sem resistência bacteriana eficácia mantida; associação a antibióticos e/ou retinóides; potencial irritativo

dossier: pele 69 ria clínica evidente e devem ser suspendidos ou substituídos, se ineficazes, após 6 a 8 semanas de aplicação regular 11-13. 3. Outros Antimicrobianos O peróxido de benzoílo é um antimicrobiano que tem vindo a ser usado com crescente frequência na acne inflamatória ligeira a moderada, em detrimento dos antibióticos tópicos 14,15 (Quadro III). Tem acção anti-microbiana com eficácia equivalente à dos antibióticos tópicos, possivelmente bactericida, bem como acção comedolítica ligeira. Contrariamente aos antibióticos não está associado ao desenvolvimento de resistências bacterianas pelo que tem eficácia mantida 14. Pode haver interesse na sua associação com antibióticos tópicos, pela melhor tolerabilidade, pela sinergia na redução de P. acnes e pela prevenção do desenvolvimento de resistências microbianas 15. De igual modo é interessante a associação com retinóides tópicos, em acnes ligeiras a moderadas, o que permite a cobertura de todos os aspectos da etiopatogenia 16. O peróxido de benzoílo pode causar dermatites de contacto irritativas ou alérgicas, além de descoloração de roupa e cabelos, pelo que os pacientes devem ser adequadamente instruídos quanto à sua aplicação. Está disponível em Portugal em várias formulações (líquido de limpeza, gel, creme) e em concentrações de 5 e 10%. 4. Cosméticos e Acne Os cosméticos devem ser considerados não como agentes terapêuticos, mas como coadjuvantes no tratamento da acne. Salientam-se: Produtos de lavagem, compensadores do potencial efeito irritativo da terapêutica tópica ou sistémica, sendo neste caso particularmente indicados os cremes ou emulsões sem óleo (em que a fase oleosa é substituída por silicone volátil); Hidratantes labiais, para compensar eventual queilite de retinóides; Emulsões ou cremes com moderado efeito queratolítico, para alternar com produtos mais activos, ou após o fim do tratamento médico; Camuflagem; Protectores solares. Os cosméticos não devem possuir potencial comedogénico e, embora não devam constituir por si a terapêutica principal, podem ajudar a ritualizar a terapêutica. TRATAMENTO SISTÉMICO 1. Antibióticos Os antibióticos orais estão indicados nas formas moderadas a graves de acne inflamatória. Têm início de acção mais rápido que os antibióticos tópicos e são igualmente bem tolerados 17,18. As tetraciclinas são os antibióticos de primeira linha, dadas as suas vantagens combinadas em termos de eficácia, segurança e resistências microbianas. Os macrólidos eritromicina, azitromicina e, eventualmente, a claritromicina além de problemas de tolerabilidade têm uma eficácia cada vez mais limitada dada a frequência crescente de estirpes resistentes de P. acnes, pelo que devem ser reservados para os casos de intolerância ou contra-indicação para as tetraciclinas 17. As quinolonas, o cotrimoxazol e o trimetroprim devem ser considerados de 3. a linha 17,18. As tetraciclinas de 1. a geração a oxitetraciclina e o cloridrato de tetraciclina e as de 2. a geração doxiciclina e minociclina têm farmacocinética distinta. As primeiras requerem administrações bidiárias e a sua absorção é prejudicada pelas refeições. Deste modo, é dada preferência às tetraciclinas de 2. a geração, pela melhor adesão à terapêutica, menor risco de interrupção precoce ou administração irregular que pode comprometer a eficácia e facilitar a emergência de resistências bacterianas 17,19. Tetraciclinas: Cloridrato de Tetraciclina (500mg 2x/d), Minociclina (100 mg/d), Doxiciclina (100 mg/d); Macrólidos: Eritromicina (500mg 2x/d), Azitromicina (500mg/d, 3 dias seguidos/semana) 1.1. Resistência Antibiótica A antibioterapia na acne tem suscitado questões importantes de saúde pública, decorrentes da emergência de resistências bacterianas associadas à prescrição de antibióticos numa doença tão prevalente. Este problema é agravado pela prescrição prolongada (tópica/sistémica) em doses baixas, abaixo das concentrações inibitórias mínimas. A emergência de estirpes resistentes de P. acnes associa-se a menor eficácia ou in-

70 dossier: pele sucesso terapêutico; além disso não podemos ignorar a transferência de resistências à flora comensal ou mesmo a espécies bacterianas patogénicas. Um grupo de trabalho internacional que se tem dedicado à investigação da fisiopatogenia e terapêutica da acne (Global Alliance to Improve Outcomes in Acne Group), publicou recentemente recomendações para o tratamento desta entidade 20, em que salienta a incidência crescente de resistência antibiótica na acne e a necessidade de definir estratégias que a limitem. Deste modo devem seguir-se as seguintes linhas gerais para evitar a resistência antibiótica (Quadro IV): Os antibióticos não devem nunca ser indicados em monoterapia; A prescrição oral deve ser limitada no tempo: não mais de seis meses, preferencialmente até 3 meses em terapêutica contínua; Recomendam-se períodos de 6 a 8 semanas para a antibioterapia tópica, que deve ser interrompida sempre que não haja progressão na melhoria clínica; Nas recidivas deve voltar a utilizar-se o mesmo antibiótico; Nunca se deve associar o mesmo produto por via tópica e oral. A terapêutica combinada, seja com retinóides tópicos ou peróxido de benzoílo, em função das indicações, deve ser a regra, pois demonstrou-se que previne ou minimiza a emergência de resistências. 2. Terapêutica Hormonal O tratamento hormonal tem por objectivo reduzir a actividade androgénica a nível da glândula sebácea e do infundíbulo folicular, responsável pelo aumento das dimensões e actividade dos sebócitos e, directamente ou através da modificação dos lípidos do sebo, pelas alterações da queratinização e descamação a nível do epitélio infundibular 21,22. O efeito antiandrogénico na acne pode obter-se de várias formas 23-26 : 1. Aumento das proteínas transportadoras de hormonas sexuais SHBG (Sex Hormone Binding Globulin) com consequente redução da fracção livre dos androgénios por contraceptivos orais (CO) que combinam estrogénio e progestativo. Ao inibirem a produção de gonadotrofinas e a ovulação QUADRO IV. Estratégias para Limitar a Resistência Antibiótica Não prescrever antibióticos em monoterapia Não associar o mesmo antibiótico tópico e oral Evitar terapêutica prolongada (oral 3 meses; tópica 6-8 semanas) Nas recidivas usar o mesmo antibiótico estes CO inibem também a produção ovárica de androgénios. Este efeito poderá ser potenciado utilizando CO que combinam o estrogénio, habitualmente o etinilestradiol (EE), com um progestativo de 2. a ou 3. a geração, cujo potencial de conversão periférica em androgénios é mínimo, ou que inclusivamente possuem alguma actividade antiandrogénica. São exemplos de progestativos de 2. a geração levonorgestrel, noretindrona e o diacetato de dethinotiol e de 3. a geração o desogestrel, norgestimate e gestodene, nestorone, acetato de nomegestrol, trimegestone e dienogest 21. 2. Os fármacos antiandrogénicos bloqueiam os receptores dos androgénios ou inibem a sua conversão em dihidrotestosterona (DHT). São o acetato de ciproterona (ACP), o acetato de cloromadinona, o dienogest (derivado da nortestosterona com actividade anti-androgénica), o trimegestone, a espironolactona, a drospirenona (análogo da espironolactona com propriedades antimineralocorticoides e anti-androgénicas), e a flutamida. Os primeiros utilizam-se habitualmente combinados com estrogénios como um contraceptivo oral, para evitar os efeitos secundários dos antiandrogénicos isolados (como as alterações do ciclo menstrual, tensão mamária, náuseas e vómitos) 21-23. São exemplos de CO com progestagénicos anti-androgénios: EE 35 microgramas + acetato de ciproterona 2mg EE 30 microgramas + dienogest 2.0 mg EE 20 ou 30 microgramas + drospirenona 3.0 mg EE 30 microgramas + cloromadinona 2 mg O anti-androgénico ACP pode ainda ser utilizado, habitualmente em associação com o CO, em doses variá-

dossier: pele 71 veis de 5 a 50 mg/dia, durante 15 dias do ciclo menstrual, quando há evidência de hiperandrogenismo. Pode recorrer-se a outros fármacos anti-androgénicos como a espironolactona (50-200 mg/dia) ou a flutamida (125 a 250 mg/dia); estes 2 últimos obrigam a controlo laboratorial regular, dada a hipercaliémia habitual na terapêutica prolongada com espironolactona e ao risco de insuficiência hepática grave com a flutamida 25. 3. Em casos muito específicos, como doentes com défice da 21-hidroxilase e hiperactividade suprarenal, podem ser benéficos corticosteróides em dose baixa 25. As principais indicações para um tratamento hormonal na acne são 24 (Quadro V): Mulheres com agravamento pré-menstrual; Mulheres com acne na idade adulta, envolvendo preferencialmente a metade inferior da face e pescoço; Mulheres em qualquer idade com acne associada a seborreia, hirsutismo e irregularidades do ciclo menstrual, com ou sem hiperandrogenismo; Jovens sexualmente activas com acne inflamatória. 3. Retinóides A isotretinoína é o fármaco que interfere de forma mais completa nos mecanismos fisiopatológicos da acne (Quadro VI): reduz a diferenciação sebácea, diminuindo o tamanho da glândula sebácea e a sua capacidade de produzir sebo; normaliza a queratinização folicular reduzindo a formação de novos comedões; diminui a colonização pelo P. acnes, ao modificar o habitat do folículo piloso; tem actividade anti-inflamatória 27-29. A sua principal indicação é a acne nódulo-quistica ou a acne moderada a grave que não responde ou recidiva logo após tratamento tópico e/ou com antibióticos sistémicos 27. Está também indicada na acne com tendência a evolução cicatricial e quando é grande o impacto psicológico. Não está particularmente indicada na acne puramente retencional 29. É utilizada na dose de 0,5-0,7 mg/kg/dia, em tomas repartidas pós prandiais, durante 6-8 meses, de forma a obter a dose total cumulativa de 100-120 mg/kg. A terapêutica com isotretinoína é altamente eficaz, embora possa haver uma fase inicial de agravamento das lesões, sobretudo nas formas com marcado componente retencional 29. QUADRO V. Indicações para Terapêutica Hormonal Agravamento pré-menstrual da acne Acne na idade adulta com lesões da metade inferior da face e/ou pescoço Associação a hirsutismo ou irregularidades menstruais Acne inflamatória em mulheres que necessitam de contracepção QUADRO VI. Retinóides Orais Interferem em todos os factores fisiopatológicos da acne Importantes na acne com tendência cicatricial Essenciais na acne nódulo-quística; e na moderada a grave refractária a outras terapêuticas Efeitos secundários frequentes mas controláveis Evitar associação a tópicos irritantes e a tetraciclinas orais O benefício clínico pode demorar 2 ou 3 meses a evidenciar-se, em particular na presença de nódulos e de lesões do dorso, mas habitualmente mantém-se após a conclusão do tratamento. Podem equacionar-se doses diárias mais baixas, pelo melhor perfil de tolerabilidade e eficácia similar, embora com o inconveniente, em particular no sexo feminino, de prolongar o tempo de tratamento. A necessidade de 2. o ou 3. o tratamento é inferior a 20%, mas pode ocorrer, sobretudo quando a isotretinoína é utilizada em idades muito jovens, em mulheres após os 25 anos ou em doses baixas. Os efeitos secundários são frequentes mas de fácil controlo, desde que tomadas as devidas precauções 30 : queilite, secura ocular com intolerância a lentes de contacto, secura cutânea (que pode evoluir para eczema asteatótico se não forem cuidadas as medidas de higiene e de hidratação da pele), fragilidade das mucosas (nomeadamente da mucosa nasal com epistaxis), e aumento da sensibilidade ao sol. Poderá ocorrer hiperlipidémia pelo que é aconselhável a determinação dos triglicerídeos, colesterol total e das HDL séricos em jejum, bem como estudos da função hepática e hemograma com plaquetas, antes do início e às 4 a 6 semanas de terapêutica. O principal efeito adverso da isotretinoína resulta do seu elevado potencial teratogénico durante o trata-

72 dossier: pele mento e nas 6 semanas após a sua conclusão, pelo que na mulher este tratamento deve ser associado a uma contracepção eficaz, devendo ser dada informação por escrito à paciente e/ou seu representante legal 30. São discutíveis os efeitos sobre o humor, como tendência para depressão e ideias suicidas, sendo adequado alertar os familiares e nos casos mais problemáticos recorrer a apoio de médico psiquiatra. Qualquer doente com alterações psiquiátricas, redução da visão nocturna e cefaleias importantes deve suspender o tratamento 31-33. Podem associar-se tratamentos tópicos com a isotretinoína, mas são de evitar fármacos irritantes (peróxido de benzoílo ou retinóides tópicos) cujo efeito adverso pode ser significativamente aumentado. Não se devem associar antibióticos do grupo das tetracicilinas pela possível potenciação do efeito hipertensor intracraneano, mas antibióticos de outros grupos podem ser usados com benefício. A associação a CO é aconselhada pelo efeito contraceptivo e também pelo possível efeito anti-androgénico 34. TRATAMENTO DA ACNE NA GRÁVIDA As mulheres em idade fértil sob terapêutica anti-acneica devem ser aconselhadas, no caso de engravidarem, a avisar imediatamente o seu médico sobre os tratamentos, tópicos e sistémicos, que estão a efectuar. No caso de se verificar necessidade de tratar a acne durante a gravidez, a doente deve ser adequadamente esclarecida sobre os medicamentos que podem ser utilizados com segurança, os que devem ser evitados e os que estão absolutamente contra-indicados 35. Em relação aos tratamentos tópicos, apesar dos estudos já efectuados indicarem uma baixa taxa de absorção transcutânea dos retinóides tópicos, a teratogenicidade destes medicamentos, como grupo, interdita o seu uso na grávida ou em lactantes. Não parece haver risco na utilização durante a gravidez de outros tópicos, como o peróxido de benzoílo, a eritromicina tópica ou o ácido azelaico, embora a grávida deva ser aconselhada a protelar, sempre que possível, a utilização destes medicamentos até ao período pós-amamentação 35. Quanto à terapêutica sistémica, o tratamento hormonal está obviamente fora de questão e, dos antibióticos orais, as tetraciclinas estão contra-indicadas em crianças, grávidas e lactantes. A eritromicina oral (500mg, 2x/d), isolada ou em associação a suplementos orais com sais de zinco (gluconato ou sulfato), parece ser a escolha mais segura em casos de acne grave, inflamatória e em risco de evolução cicatricial. A extracção cuidadosa de macrocomedões também pode ser efectuada, quando considerados responsáveis pela gravidade das lesões inflamatórias 35. TRATAMENTO CIRÚRGICO No tratamento cirúrgico da acne há a considerar o tratamento da acne activa e o tratamento das cicatrizes. Existem vários métodos terapêuticos, que devem ser adequados a cada caso (Quadro VII). Pode ser necessário encadear, em sucessão, mais que uma técnica ou repetir a mesma com intervalos, para obter um bom resultado final; processo que pode ser prolongado no tempo sendo necessário prevenir o doente 36. Entre as técnicas mais simples usamos a chamada «sub-cision» em que se introduz uma agulha cortante sob a cicatriz com o intuito de a «soltar» do seu leito, elevando-a 37. Pode-se fazer, no mesmo acto, preenchimento com um «filler» adequado, procurando uma muito ligeira sobrecorrecção. Outra possibilidade é a exerése com punção de biópsia seguida de sutura ou enxerto de pele e dermabrasão rotatória em tempo posterior 37. Pode também realizar-se «resurfacing» com laser de CO2 ou Erbium. São tratamentos agressivos e com um tempo de recuperação prolongado e possibilidade grande de efeitos secundários, tais como eritema e hiperpigmentação. Recentemente, o laser CO2 fraccionado permite uma eficácia significativa, com recuperação mais rápida e baixa incidência de efeitos laterais 38. Os peelings químicos são mais úteis no tratamento da acne activa e nos tratamentos de manutenção; nas QUADRO VII. Tratamento Cirúrgico Correcção de cicatrizes frequentemente a preocupação major dos doentes Técnica preferencial (cirurgia, fillers, dermabrasão, peelings ) depende do tipo e características das cicatrizes Equacionar as expectativas dos doentes, tendo em conta a técnica mais adequada a cada situação clínica

dossier: pele 73 sequelas o seu efeito é moderado. Usam-se com maior frequência os peelings superficiais que não implicam «baixa» para o doente 39. O toque com ácido tricloroacético a 100% no fundo das cicatrizes em «ice-pick» é um excelente tratamento, embora necessite de repetições e exija uma técnica perfeita sob pena de provocar desastres de difícil reparação 40. COMENTÁRIO SOBRE O ALGORITMO O algoritmo apresentado (Figura 1) resultou da análise crítica do proposto pela Global Alliance to Improve Outcomes in Acne, publicado em 2003. Seguindo o exemplo do que tem sido efectuado pela comunidade científica internacional, o resultado da discussão deste grupo de especialistas tomou a forma de um algoritmo prático de tratamento da acne, que não pretende constituir uma regra ou obrigação, mas sim um instrumento de ajuda ao clínico para tratar as várias apresentações do doente acneico. Os medicamentos referidos incluem apenas os mais comummente usados nesta patologia. São abordadas as duas questões fulcrais em qualquer doença: como a classificar e como a tratar. No que diz respeito à classificação da acne, definiuse um tipo de classificação baseado na manifestação clínica predominante e sua gravidade. Estabeleceram-se três tipos de acne: comedónica: ligeira/moderada ou extensa-macrocomedónica; papulo-pustulosa: ligeira ou moderada/grave; e nodulo-quística: ligeira/moderada ou grave. Para cada apresentação clínica foi então obtido um consenso sobre o tipo de tratamento. Para facilitar a identificação das diferentes formas clínicas de acne e sua gravidade, foram incluídas no algoritmo fotografias de alguns doentes, seleccionadas pelos autores como particularmente elucidativas, tendo sido autorizada pelos doentes a captação e utilização das suas fotografias no presente trabalho. O tratamento tópico é a 1. a escolha para as formas não inflamatórias de acne e para a inflamatória ligeira. Pela sua acção multi-factorial, os retinóides tópicos estão indicados em todas as apresentações clínicas, com a excepção das formas que justifiquem a prescrição de isotretinoína oral. São também a base do tratamento de manutenção. É atribuído ao peróxido de benzoílo papel predominante na terapêutica antimicrobiana, na tentativa de minimizar a resistência bacteriana associada aos antibióticos tópicos No sexo feminino, a terapêutica hormonal pode ter indicação e um papel importante. A isotretinoína oral inicialmente reservada às formas mais graves de acnes inflamatórias, tem visto a sua indicação ser alargada a acnes comedónicas extensas ou macrocomedónicas, cujo tratamento tópico/cirúrgico é por vezes difícil. Finalmente, não se tratam doenças mas doentes, pelo que a abordagem terapêutica dos nossos pacientes não se esgota na acne activa. Há que poder compreender o significado da doença para o doente e oferecer ou orientar a correcção das sequelas da acne. CONCLUSÕES Os conhecimentos etiopatogénicos actuais e as ilações que daí se tiram para a terapêutica, são a base sólida do conhecimento actual e do tratamento muito eficaz de que já dispomos para a acne. A continuidade da investigação na sua fisiopatologia e principalmente no processo inflamatório que lhe dá origem, parecem ser a base de desenvolvimentos futuros muito promissores. Grande parte da literatura recente na investigação da acne é dedicada a ensaios terapêuticos. No entanto, avaliações sobre o rigor metodológico e fiabilidade das medidas clínicas utilizadas nesses estudos são escassos. As propostas de novas modalidades de determinação da gravidade da acne, deverão ser acompanhadas pela sua validação e fiabilidade em estudos multicêntricos. As entidades reguladoras têm vindo a desenvolver uma boa orientação para a mensuração da gravidade da acne que são clinicamente relevantes e potencialmente universais na sua aplicabilidade. Combinações das classificações das escalas disponíveis para a gravidade da acne, das cicatrizes e da qualidade de vida, podem, em conjunto, fornecer uma aferição mais abrangente do ónus da acne para o indivíduo doente e ajudar na orientação da sua gestão clínica. A influência da dieta sobre a patogénese da doença, tornou-se uma área de crescente interesse. Apesar da aparente controvérsia, só a combinação de estudos fisiopatológicos com novas orientações, o estudo do processo inflamatório da acne e a sua diferença relativamente a outros processos inflamatórios e, com base nisso, a inovação terapêutica, podem, em conjunto, proporcionar o melhor tratamento para essa condição.

74 1 Acne comedónica ligeira 2 Acne comedónica moderada 3 Acne pápulo-pustulosa 4 Acne pápulo-pustulosa 5 Acne nodular 6 Acne nódulo-quistica Comedónica Pápulo-pustulosa Nódulo-quística Ligeira/Moderada Extensa ou Macrocomedónica Ligeira Moderada/Grave Ligeira/Moderada Grave Retinóides tópicos Retinóides tópicos Retinóides tópicos* Retinóides tópicos* Retinóides tópicos + Antibióticos orais e/ou e/ou Peróxido de benzoílo Procedimentos cirúrgicos Peróxido de benzoílo* Peróxido de benzoílo* Procedimentos cirúrgicos Procedimentos cirúrgicos Antibióticos orais Isotretinoína oral Isotretinoína oral Isotretinoína oral Isotretinoína oral Terapêutica hormonal quando indicada * e antibiótico tópico quando indicado Terapêutica de manutenção: Retinóides tópicos Figura 1. Algoritmo de Tratamento da Acne Vulgar: Não significa SEQUÊNCIA DE TRATAMENTO e sim OPÇÕES DE TRATAMENTO

dossier: pele 75 AGRADECIMENTOS Restantes membros do PAAB (Portuguese Acne Advisory Board) Drs(as). Ana Ferreira; Anabela Faria; Armando Baptista; Armando Rozeira, Baptista Rodrigues; Fernando Guerra; Jorge Cardoso; Maria de São José Marques; Mayer da Silva; Miguel Duarte Reis, Osvaldo Correia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Lehmann HP, Robinson KA, Andrews JS, Holloway V, Goodman SN. Acne therapy: a methodologic review. J Am Acad Dermatol 2002 Aug; 47 (2): 231-40. 2. Leyden JJ. A review of the use of combination therapies for the treatment of acne vulgaris. J Am Acad Dermatol 2003 Sep; 49 (3 Suppl): S200-10. 3. Gollnick H, Cunliffe W, Berson D, Dreno B, Finlay A, Leyden JJ, et al. Management of acne: a report from a Global Alliance to Improve Outcomes in Acne. J Am Acad Dermatol 2003 Jul; 49 (! Suppl): S1-37. 4. Strauss JS, Krowchuk DP, Leyden JJ, Lucky AW, Shalita AR, Siegfried EC, et al. Guidelines of care for acne vulgaris management. J Am Acad Dermatol 2007 Apr; 56 (4): 651-63. 5. Ramos-e-Silva M, Nogueira A, Reis C, Sodré S, Hexsel D, Alves G, et al. Brazilian Acne Consensus. Expert Review of Dermatology 2006 Feb; 1 (1): 151-86. 6. Kligman AM. The treatment of acne with topical retinoids: one man's opinions. J Am Acad Dermatol 1997 Jun; 36 (6 Pt 2): S92-5. 7. Shalita A. The integral role of topical and oral retinoids in the early treatment of acne. J Eur Acad Dermatol Venereol 2001; 15 Suppl 2: S43-9. 8. Millikan LE. The rationale for using a topical retinoid for inflammatory acne. Am J Clin Dermatol 2003; 4 (2): 75-80. 9. Shalita A, Weiss JS, Chalker DK, Ellis CN, Greenspan A, Katz HI, et al. A comparison of the efficacy and safety of adapalene gel 0.1% and tretinoin gel 0.025% in the treatment of acne vulgaris: a multicenter trial. J Am Acad Dermatol 1996 Mar; 34 (3): 482-5. 10. Nyirady J, Grossman RM, Nighland M, Berger RS, Jorizzo JL, Kim YH, et al. A comparative trial of two retinoids commonly used in the treatment of acne vulgaris. J Dermatol Treat 2001 Sep; 12 (3): 149-57. 11. Dreno B. Topical antibacterial therapy for acne vulgaris. Drugs 2004; 64 (21): 2389-97. 12. Leyden JJ, McGinley KJ, Cavalieri S, Wwebster GF, Mills OH, Kligman AM. Propionibacterium acnes resistance to antibiotics in acne patients. J Am Acad Dermatol 1983 Jan; 8 (1): 41-5. 13. Ross JI, Snelling AM, Carnegie E, Coates P, Cunliffe WJ, Bettoli V, et al. Antibiotic-resistant acne: lessons from Europe. Br J Dermatol 2003 Mar; 148 (3): 467-78. 14. Bojar RA, Cunliffe WJ, Holland KT. The short-term treatment of acne vulgaris with benzoyl peroxide: effects on the surface and follicular cutaneous microflora. Br J Dermatol 1995 Feb; 132 (2): 204-8. 15. Taylor GA, Shalita AR. Benzoyl peroxide-based combination therapies for acne vulgaris: a comparative review. Am J Clin Dermatol 1004; 5 (4): 261-5. 16. Wolf JE Jr, Kaplan D, Kraus SJ, Loven KH, Rsit T, Swinyer LJ, et al. Efficacy and tolerability of combined topical treatment of acne vulgaris with adapalene and clindamycin: a multicenter, randomized, investigatorblinded study. J Am Acad Dermatol 2003 Sep; 49 (3 Suppl): S211-7. 17. Meynadier J, Alirezai M. Systemic antibiotics for acne. Dermatology 1998; 196 (1): 135-9. 18. Tan HH. Antibacterial therapy for acne: a guide to selection and use of systemic agents. Am J Clin Dermatol 2003; 4 (5): 307-14. 19. Cunliffe WJ, Meynadier J, Alirezai M, George SA, Coutts I, Roseeuw DI, et al. Is combined oral and topical therapy better than oral therapy alone in patients with moderate to moderately severe acne vulgaris? A comparison of the efficacy and safety of lymecycline plus adapalene gel 0.1%, versus lymecycline plus gel vehicle. J Am Acad Dermatol 2003 Sep; 49 (3 Suppl): S218-26. 20. Thiboutot D, Gollnick H, Bettoli V, Dréno B, Kans S, Leyden JJ, et al. New insights into the management of acne: an update from the Global Alliance to Improve Outcomes in Acne group. J Am Acad Dermatol 2009 May; 60 (5 Suppl): S1-S50. 21. Raudrant D, Rabe T. Progestogens with antiandrogenic properties. Drugs 2003; 63 (5): 463-92. 22. Thiboutot D, Chen W. Update and future of hormonal therapy in acne. Dermatology 2003; 206 (1): 57-67. 23. Haroun M. Hormonal therapy of acne. J Cutan Med Surg 2004; 8 Suppl 4: 6-10. 24. Poulin Y. Practical approach to the hormonal treatment of acne. J Cutan Med Surg 2004; 8 Suppl 4: 16-21. 25. Thiboutot D. Acne: hormonal concepts and therapy. Clin Dermatol 2004 Sep-Oct; 22 (5): 419-28. 26. Van Vloten WA, Sigurdsson V. Selecting an oral contraceptive agent for the treatment of acne in women. Am J Clin Dermatol 2004; 5 (6): 435-41. 27. Layton AM, Cunliffe WJ. Guidelines for optimal use of isotretinoin in acne. J Am Acad Dermatol 1992 Dec; 27 (6 Pt 2): S2-7. 28. Hermes B, Praetel C, Henz BM. Medium dose isotretinoin for the treatment of acne. J Eur Acad Dermatol Venereol 1998 Sep; 11 (2): 117-21. 29. Amichai B, Shemer A, Grunwald MH. Low-dose isotretinoin in the treatment of acne vulgaris. J Am Acad Dermatol 2006 Apr; 54 (4): 644-6. 30. McLane J. Analysis of common side effects of isotretinoin. J Am Acad Dermatol 2001 Nov; 45 (5): S188-94. 31. Hull PR, D'Arcy C. Acne, depression and suicide. Dermatol Clin 2005 Oct; 23 (4): 665-74. 32. Katsambas A, Papakonstantinou A. Acne: systemic treatment. Clin Dermatol 2004 Sep-Oct; 22 (5): 412-8. 33. Marqueling AL, Zane LT. Depression and suicidal behaviour in acne patients treated with isotretinoin: a systematic review. Semin Cutan Med Surg 2005 Jun; 24 (2): 92-102. 34. Goldsmith LA, Bolognia JL, Callen JP, Chen SC, Feldman SR, Lim HW, et al. American Academy of Dermatology Consensus Conference on the safe and optimal use of isotretinoin: summary and recommendations. J Am Acad Dermatol 2004 Jun; 50 (6): 900-6. 35. Gollnick H, Cunliffe W. Management of Acne: a report from a Global Alliance to Improve Outcomes in Acne: Treatment of acne during pregnancy. J Am Acad Dermatol 2003 Jul; 49 (1 Suppl): S36-7. 36. Levine RM, Rasmussen JE. Intralesional corticosteroids in the treatment of nodulocystic acne. Arch Dermatol 1983 Jun; 119 (6): 480-1. 37. Batra RS. Surgical techniques for scar revision. Skin Therapy Lett 2005 May; 10 (4): 4-7. 38. Tanzi EL, Alster TS. Laser treatments of scars. Skin Therapy Lett 2004 Jan; 9 (1): 4-7. 39. Wang CM, Huang CL, Hu CT, Chan Hl. The effect of glycolic acid on the

76 dossier: pele treatment of acne in Asian skin. Dermatol Surg 1997 Jan; 23 (1): 23-9. 40. Lee JB, Chung WG, Kwahck H, Lee KH. Focal treatment of acne scars with trichloroacetic acid: chemical reconstruction of skin scars method. Dermatol Surg 2002 Nov; 28 (111): 1017-21. CONFLITOS DE INTERESSES Os autores declaram não possuir qualquer tipo de conflito de interesses, financeiro ou outro, pessoal ou institucional. O trabalho relatado neste manuscrito não foi objecto de qualquer tipo de financiamento externo, nem foi objecto de subsídios externos ou de bolsas de investigação. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Maria Gabriela Vieira Marques Pinto Serviço de Dermatologia Hospital de Curry Cabral Rua da Beneficência 1069-166 Lisboa Recebido em 14/01/2010 Aceite para publicação em 03/12/2010 ABSTRACT EVALUATION AND TREATMENT OF ACNE PATIENTS PART II: TOPICAL, SYSTEMIC AND SURGICAL TREATMENTS, ACNE TREATMENT IN PREGNANCY, TREATMENT ALGORITHM The Portuguese Acne Advisory Board (PAAB), a group of Portuguese dermatologists with a special interest in acne, develop, as other international groups in this field, consensus recommendations for the treatment of acne. Overall, the goal is to provide a practice guideline to all physicians dealing with this entity. The continuing medical education dossier was divided in two parts: Part I etiopathogeny and clinical features; Part II therapy. This Part II reviews the therapeutic approach of acne patients, including topical and oral medications, according to the clinical acne type. Retinoids and antimicrobial agents are discussed and strategies for limiting antibiotic resistance are provided. Appropriate patient selection for hormonal therapy and treatment of acne during pregnancy are also discussed. A variety of surgical techniques useful in the management of acne scars are referred. Finally, the recommendations outlined in the treatment algorithm reflect a consensus approach that takes into account the severity and the specific clinical subtypes of acne. Keywords: Acne Vulgaris; Therapeutics; Retinoids; Anti-bacterial Agents; Pregnancy.