EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 E OS IMPACTOS NA ÁREA TRABALHISTA



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Transcrição:

1 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 E OS IMPACTOS NA ÁREA TRABALHISTA 1. Considerações Gerais A grande novidade legislativa dos últimos meses foi, sem dúvida alguma,i a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45/2004 que veiculou a tão debatida Reforma do Judiciário. Após mais de uma década de trâmite e enfrentando percalços, críticas de seus opositores, mas também sendo veemente defendida por muitos, finalmente em 08/12/2004, o texto da Proposta de Emenda Constitucional nº 29/2000 foi promulgado, inserindo e remodelando dispositivos constitucionais significativos, alterando direta ou indiretamente o sistema judiciário brasileiro. O texto promulgado, no entanto, frise-se de início, não é exatamente o mesmo que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados em 2.000. Devido às alterações inseridas já no Senado Federal, em obediência ao processo legislativo de elaboração de emenda constitucional, parte do texto aprovado na Casa Revisora 1 teve de voltar para a Câmara dos Deputados, de modo que se pode dizer que a Reforma do Judiciário ainda não se completou. A EC 45/04 acarretou muitas mudanças, tais como: - A inserção no rol dos direitos e garantias individuais do princípio da celeridade dos processos judiciais e administrativos; 1 O processo legislativo brasileiro é previsto nos artigos 59 a 69 da Constituição da República Federativa do Brasil. A leitura destes artigos revela quais são as espécies normativas que a Ordem Jurídica Brasileira admite e estabelece as diretrizes de elaboração para Casas Legislativas competentes para tanto. Dispõe, assim, quem possui legitimidade para iniciar o processo de elaboração da norma. Uma proposta de emenda constitucional, por exemplo, somente pode ser apresentada por a) um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;b) Presidente da República c) mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Este é o teor do artigo 60 da CF. Apresentada a PEC pelos membros da Câmara dos Deputados, ela será votada em dois turnos e, se aprovada, seguira para o Senado Federal. 1

2 A previsão de que tratados referentes a direitos humanos passam a ser incorporados ao Ordenamento Jurídico Brasileiro como norma constitucional, desde que aprovados pelas duas Casas do Congresso em dois turnos por três quintos dos votos dos parlamentares; - A criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de um Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) formado por membros dessas carreiras e também por advogados e cidadãos, órgãos a quem competirão exercer fiscalização administrativa e financeira do Poder Judiciário e do Ministério Público, respectivamente; - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou mediante provocação, aprovar súmulas vinculantes; - A modificação da competência para homologar sentenças estrangeiras que, agora, passa a ser do STJ e não mais do STF; - A federalização dos crimes contra os direitos humanos; No âmbito do Direito do Trabalho, destacam-se as seguintes alterações: - O aumento do número de ministros do TST, passando de 17 para 27; - A previsão de uma Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, órgão a que incumbirá, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para ingresso e promoção na carreira; - A previsão de um Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer a supervisão administrativa, orçamentária financeira e patrimonial da Justiça do Trabalho. - A alteração do artigo 114 que ampliou os limites da competência da Justiça Laboral, abarcando, além das relações de emprego, também as relações de trabalho; - O estabelecimento de que os dissídios coletivos devem ser propostos de comum acordo entre as partes Por certo, cada uma das alterações acima mencionadas merece análise profunda. Entretanto, por ora, atentar-se-á para as principais repercussões que a EC 45/2004 trouxe no âmbito trabalhista. E estas são muitas. Todavia, a principal delas, pode-se dizer sem qualquer titubeio, é a reformulação da competência estabelecida pelo artigo 114. 2

3 A amplitude conferida à, assim chamada, Justiça Especializada já vigora, o que acaba trazendo inúmeros problemas não somente aos profissionais atuantes na área trabalhista, mas também aos demais, já que muitas relações jurídicas de natureza não trabalhista passaram a ser julgadas pela Justiça do Trabalho. Nesse passo, torna-se relevante conhecer a estrutura dessa Justiça, mesmo que a lide não seja trabalhista. O presente estudo tentará trazer algumas luzes àqueles que ainda não se encontram muito seguros quanto ao que passou a ser competência da Justiça do Trabalho e aquilo que ainda é de competência da Justiça Comum. Não se pretende, por óbvio, traçar diretrizes rígidas e inequívocas, pois as alterações ainda são muito recentes e somente se poderá ter alguma certeza quanto ao perímetro dessa competência, após alguns anos. Para melhor entender as mudanças ocorridas recentemente, é necessário que se faça um ligeiro retrospecto da situação que redundou na reforma do Judiciário. 1.2 Histórico da emenda A emenda constitucional nº. 45/2004 resultou de um projeto de lei apresentado em 1.992 na Câmara dos Deputados pelo então deputado Hélio Bicudo. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº. 96/92 continha dispositivos bem diferentes daqueles constantes de sua redação final. Tenho sido apresentada em 1.992, teve diversos relatores, sendo a última a deputada Zulaiê Cobra Ribeiro. Finalmente, no ano de 2.000, a PEC foi aprovada na Câmara de Deputados e remetida ao Senado Federal para a necessária aprovação em dois turnos. Chegando ao senado, teve como relator o Senador Bernardo Cabral que se empenhou na aprovação da reforma, tendo, aliás, emitido dois significativos pareceres o de nº. 538 e o de nº. 1.035/2002. Tais pareceres foram aprovados pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, órgão incumbido de averiguar eventuais irregularidades no teor das propostas de emenda constitucional. Todavia, o senador Bernardo Cabral cumpria, no ano de 2.002, o último ano de seu mandato e, embora tenha concorrido à reeleição, não conseguiu seu intento. Naquele ano, aliás, o Senado Federal passou por verdadeira renovação, modificada sua composição em mais da metade. Diante dessa mudança significativa, o então presidente do Senado Federal, Senador. José Sarney, apoiado pelo Plenário da Casa Legislativa, determinou que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania analisasse novamente a PEC. Designou-se, então novo relator: o Senador. José Jorge. 3

4 Convém esclarecer que a PEC 29/2000 não era a única existente sobre o tema reforma do judiciário. Além dela, havia 17 outras propostas de emendas constitucionais. O Senado Federal, assim, reduziu todas essas propostas em 4 principais: 29/2000; 29-A/2000; 26/2004e 27/2004. É interessante alertar que, o Senado Federal modificou o texto aprovado na Câmara dos Deputados, gerando a acima citada PEC 29-A/2000. Este texto, por exigência constitucional, teve de retornar à Câmara dos Deputados. Entretanto, muitos o divulgaram (inclusive o próprio Senado Federal) como sendo o texto efetivamente promulgado. 2. Principais pontos da reforma trabalhista Há muito que se constata intenso debate acerca da legislação trabalhista brasileira. Se de um lado existem empresários honestos, mas seriamente afetados com os chamados encargos sociais, de outro, existem trabalhadores igualmente honestos e receosos de que direitos historicamente conquistados se esvaiam da noite para o dia. A questão se torna mais difícil de ser solucionada quando se pensa que, em face dos baixos salários que a maioria dos trabalhadores recebe, receber um 13º salário pode ser essencial para a quitação de dívidas desse empregado. O impasse se instala de vez quando se pondera que a empresa é a fonte de custeio do empregado e do próprio Estado e, se instada a pagar, além da pesada carga tributária, muitos ônus trabalhistas, não haverá emprego para esse trabalhador. Tais dilemas propiciaram, há aproximadamente alguns anos, o debate quanto à modificação do artigo 618 da CLT. O PL 5483/2001 propunha que a redação do retro mencionado dispositivo modificação que importaria a prevalência do negociado sobre o legislado Foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal, mas retirado da pauta desta Casa por iniciativa do Poder Executivo. 3. Alterações na competência e na estrutura da Justiça do Trabalho A Emenda Constitucional 45/2004 alterou profundamente artigos relevantes da Seção V (Dos Tribunais e Juízes do Trabalho) do Capítulo III (Do Poder Judiciário) do Titulo IV (Da Organização dos Poderes) da Constituição Federal. 4

5 Uma das maiores alterações foi a reformulação do artigo 114 da Constituição Federal. Até o advento da emenda, referido dispositivo estabelecia o que se segue: Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da união, e, na forma da lei, outros controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as condições convencionadas e legais mínimas de proteção ao trabalho. 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar de ofício as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.. Com a Emenda 45/04, o dispositivo passou a ter a seguinte redação: art. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I- as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II- as ações que envolvam exercício do direito de greve; III- as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV- os mandados de segurança, hábeas corpus e hábeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeito à sua jurisdição; V- os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; 5

6 VI- as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII- as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII- a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I., a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX- outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. 2º Recusando se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. 3.1- Ações oriundas da relação de trabalho A alteração mais notória foi a amplitude das relações jurídicas que podem agora ser julgadas pela Justiça do Trabalho. A redação anterior do artigo 114 previa expressamente que a competência da JT para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores. Nesse passo, fugiam da competência da Justiça do Trabalho dissídios que não envolvessem relação de emprego, à exceção das inclusões legais, expressamente permitidas pela redação anterior do artigo 114. A atual redação deste dispositivo constitucional refere-se a ações oriundas de relações de trabalho, o que, de início, já causa impacto e inúmeras dúvidas. Afinal, o que seriam tais relações de trabalho? 6

7 Ainda não existe uma resposta definitiva. Há determinadas relações que podem ser consideradas, de forma cristalina, relações de trabalho, ao passo que há outras que definitivamente não são. O grande problema é a indesejada zona cinzenta, em que pairam dúvidas, as quais somente serão dirimidas aos poucos através de maciço esforço da doutrina e da jurisprudência. Para tentar adiantar as possíveis decisões dos Tribunais, trazem-se as opiniões de alguns autores comentaristas da reforma: Amauri Mascaro Nascimento tece as seguintes considerações 2 : Há diferença entre relação de trabalho e relação de emprego? De acordo com os modelos teóricos doutrinários, sim. Mais de uma perspectiva pode ser dada à questão. A primeira, que não elucida nossa questão, é a diferença entre contrato de trabalho e relação de trabalho, perspectiva que, para nosso tema,, não é o fundamental porque a discussão que nesse objeto se trava na doutrina tem a única finalidade de responder duas questões: primeira, se o contrato faz nascer a relação de emprego ou se esta é que é a causa daquele; segunda, o debate entre contratualismo e anticontratualismo, que nada mais é que saber qual é a natureza jurídica do vínculo de emprego, tem natureza contratual ou se tem natureza institucional, não sendo esse o nosso problema. A segunda, que é importante para o nosso temo, é sabe se relação de trabalho é o mesmo que contrato ou relação de emprego ou se, ao contrário, é um gênero que compreende todo tipo de relação individual de trabalho de pessoa física para pessoa física ou jurídica excedente da esfera do emprego, e esse é ponto central. Sabido é que não há apenas um tipo básico de vínculo jurídico de trabalhoentre quem trabalha e o tomador de serviços que nem sempre será empregador quando está sendo beneficiado pelo trabalho d alguém, como a prestação de serviços autônomos, o trabalho temporário, o trabalho eventual, o trabalho avulso, o rural, o doméstico e a empreitada do operário. 2 In A Competência da Justiça do Trabalho para a Relação de Trabalho artigo publicado em Nova Competência da Justiça do Trabalho Coutinho,Gribaldo Fernandes e Fava, Marcos Neves (coords.) p.28/35 Editora LTr SP: 2005 7

8 O direito material do trabalho direcionou-se mais como fenômeno da sociedade industrial, do trabalho prestado para uma organização como direito dos empregados, mas nunca foi unicamente isso, porque até mesmo para uma organização outros tipos de trabalho ou contratos de atividades podem existir não se confundindo com o emprego, tantas são as necessidades que uma organização complexa tem e que procura atender de diferentes modos contratuais. (...) O Código Civil rege os contratos de prestação de serviços de transporte, de agência ou representação comercial, de corretagem, de fornecimento, de mandato, de administração e de cooperados, atividades prestadas por pessoas físicas de modo continuado ou não. A Justiça do Trabalho agora poderá decidi-las. Não são relações de emprego, mas poderão ser, como tal, com base nos dispositivos que definem o seu conteúdo obrigacional previstos no Código Civil. O autor acima cita alguns casos de contratos que podem vir a ser julgados pela Justiça do Trabalho tais como: contrato de prestação de serviços (trabalho autônomo, por conta própria, artigo 593 a 609 do CC), contrato de transporte (art. 730 do CC), contrato de agência e distribuição (art. 710 a 721 do Código Civil), contrato de representação comercial (Lei 4.886/65), contrato de corretagem (arts. 722ª 729 do CC), contrato de administração (art. 1016 do CC), contratos de cooperados (art. 1093 a1096 do CC e Lei *****), contrato de arrendamento e de parceria rural. Exclui, todavia, o contrato de fornecimento, por entender que o seu objeto não é a atividade do exercente. É um contrato atípico, não disciplinado pela legislação, pelo qual uma parte se obriga mediante um preço a entregar a outra em prestações periódicas, coisas. (...) O fornecimento não configura relação de emprego, porque há autonomia na execução do contrato. O autor ainda menciona o mandato, mas o considera como um contrato de representação e não uma relação de trabalho. Já Edilton Meirelles 3, após definir objetivamente relação de trabalho como a situação em que uma pessoa física presta serviços para outrem, diferenciando-a de relação de emprego, a qual ocorre quando o trabalho prestado por uma pessoa física a outrem se dá de forma subordina, esclarece que: Contudo, a Carta Magna não fala em contrato de trabalho, (de atividade), mas sim, em relação de trabalho, o que faz pressupor que procura acobertar outras situações jurídicas que envolvem a prestação de serviço e que não se revelam por meio do contrato de atividade. Cabe esclarecer, inclusive, que toda relação jurídica se estabelece em função de um fato gerador (fatos jurídicos). E o contrato é apenas um dos fatos jurídicos capazes de gerar uma relação jurídica. 3 In op. cit p. 62/81 artigo publicado sob o título A Nova Competência da Justiça do Trabalho 8

9 Encontra-se acobertado pela definição da relação de trabalho, assim, todo e qualquer tipo de contrato de atividade em que o prestador de serviço seja uma pessoa física. Nesta categoria, portanto, incluem-se os contratos de emprego, de estágio, de trabalho voluntário, de trabalho temporário, de atleta não profissional (inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei 9.615/98), de prestação de serviço, de empreitada, de depósito, de mandato, de comissão, de agência e distribuição, m de corretagem, de mediação, de transporte, de representação comercial e outros porventura existentes. Pode-se, ainda, incluir no seu conceito, a depender do caso concreto, as relações jurídicas decorrentes da gestão de negócios e da promessa de recompensa ( do desempenho de certos esforços, art. 854 do CC), enquanto atos unilaterais de vontade geradores de relações de trabalho. Incluem-se, outrossim, no conceito de relação de trabalho, outras situações jurídicas nas quais haja um ser humano prestando serviço a outrem tendo por objeto o trabalho, como aqueles decorrentes da prestação de serviços do diretor e/ou administrador da sociedade, dos membros dos conselhos fiscais e de administração das pessoas jurídicas, do administrador das demais pessoas jurídicas etc. O autor acima citado consigna os casos que entende não configurarem relação de trabalho: Frise-se, todavia, que por não ter por objeto o trabalho, não se incluem no conceito de relação de trabalho as relações jurídicas formadas por laços matrimoniais ou de companheirismo (união estável), as decorrentes do exercício do poder familiar, inclusive em face da adoção, da tutela e da curatela, bem como em face das relações societárias (inclusive em cooperativas), associativas (relação de associação ou filiação) e de gestão de coisa comum (condomínio e copropriedade), ainda que, nessas hipóteses, uma pessoa física possa prestar serviço a outrem. Edilton Meireles traz à lume a peculiar situação que poderia ocorrer pelo serviço prestado por um médico que em seu consultório celebra uma relação de trabalho com seu paciente. Já o médico que presta serviços por intermédio de uma clínica ou hospital na firma um contrato de trabalho com o paciente. Este último, em verdade, contrata os serviços da clinica ou do hospital. Relação, portanto, tipicamente comercial empresarial. 9

10 Relações de trabalho que, inevitavelmente, passarão a ser julgadas pela Justiça do Trabalho são as que envolvem trabalhadores autônomos (destacando-se o representante comercial) e os trabalhadores cooperados. Tais relações jurídicas merecem destaque porque, infelizmente, a Justiça do Trabalho habituou-se a ver a triste realidade dos falsos trabalhadores autônomos e falsos cooperados que vinham às suas portas reclamar um vínculo de emprego mascarado por fraudes. Por óbvio que, nesses anos todos em que a Justiça do Trabalho teve de decidir pela existência de fraude, deparou-se com situações em que se constatava a licitude da cooperativa e a real prestação de serviço autônomo. Entretanto, nunca pode avançar na relação jurídica esmiuçando as suas peculiaridades. Nesse passo, a ampliação da competência poderá revelar um mundo novo à Justiça do Trabalho que tomando contado com essas peculiaridades poderá avaliar de uma forma mais segura a existência de fraude. Mas o que poderá ser pleiteado perante a Justiça do Trabalho por esses trabalhadores? Como a redação do inciso I do artigo 114 é bem ampla, diz-se que tudo que se refira a tais relações. Assim, o Juiz deverá observar no tocante a cada um dos contratos tanto as disposições do Código Civil como regras específicas que eventualmente constem de legislação especial. Um exemplo é o do trabalhador autônomo que firma contrato de prestação de serviços regido pelos artigos 597 a 603 do Código Civil. Ao ingressar com reclamação trabalhista, poderá pleitear: - A própria remuneração que, a teor do artigo 597 do CC, deve ser paga ao final do serviço, podendo ser parcelada; - Aviso Prévio- que, tendo como parâmetro a periodicidade da remuneração, será de 1 a8 dias (art. 599 do CC); -Indenização- postulada pelo não cumprimento integral do contrato (art. 602/603 do CC) Ainda exemplificando, o estagiário poderá pleitear os direito que lhe são assegurados pela Lei 6.494/77 que prevê, por exemplo, o cumprimento de um horário compatível com o horário escolar e o desenvolvimento de atividades afins com o objeto de seu curso. A par disso, a grande polêmica existente diz respeito à já citada zona cinzenta. E, nesse campo, há opiniões de toda sorte, havendo, inclusive, aqueles que são adeptos da tese de que a expressão relação de trabalho abrange também relação de consumo, afinal a prestação de um serviço não deixaria de se configurar uma relação de trabalho, ainda que episódica. Os conceitos, todavia, não hão de se confundir. E isto porque o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) deixou bem claro o conceito de serviço: 10

11 Art. 3º, 2º: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Tem-se, portanto, que relação de trabalho não se confunde com a prestação de serviço tutelada pelo CDC. O sistema consumerista já afasta de seu regramento as relações de caráter trabalhista, dando a entender que estas merecem tratamento diferenciado. Tal conclusão traz algumas luzes, mas não resolve o problema e tampouco afastaria a competência da Justiça do Trabalho para dizer o que é e o que não é relação de trabalho, a exemplo do que já acontecia com a relação de emprego. Assim, fatalmente, muitas lides envolvendo relações de consumo serão apreciadas pela Justiça do Trabalho no exercício de sua competência para dizer o que é relação de trabalho. - 3.2 Dano Moral e Material Destaque-se a inovação contida no inciso VI do artigo 114: competência para o julgamento de ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho. Nesse particular, a possibilidade de a Justiça do Trabalho processar e julgar dano material e moral decorrente da relação de emprego, embora, em princípio, tenha sido controversa, ultimamente o entendimento já tinha se sedimentado quanto à possibilidade. Nesse sentido o Enunciado nº 392 do TST: Nº 392 - Dano moral. Competência da Justiça do Trabalho. (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 327 da SDI-1 - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005) Nos termos do art. 114 da CF/1988, a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de trabalho. (ex-oj nº 327 - DJ 09.12.2003) Eram comuns as reclamações trabalhistas que cumulavam pedidos referentes a verbas tipicamente trabalhistas como as devidas por ocasião da rescisão do contrato de trabalho e pleitos referentes a danos materiais (indenização por gastos com uniformes) e morais sofridos pelo trabalhador no curso da relação de emprego. 11

12 A polêmica se instaurava (e crê-se que ainda vá permanecer) quanto à competência para o julgamento de indenizações decorrentes de acidente de trabalho. Isto porque o artigo 7º, inciso XXVIII prevê que o trabalhador terá direito a seguro contra acidentes do trabalho a ser pago pelo seu empregador, sem prejuízo do pagamento de indenização a ser paga por este último em caso de dolo ou culpa. Como a competência para pedir o seguro em questão é da Justiça Comum por expressa previsão constitucional (artigo 109, I da CF), passou-se a entender que também era competência desta Justiça a apreciação da lide referente à indenização decorrente do acidente de trabalho. O Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para julgar conflitos de competência entre Justiça Comum e Justiça do Trabalho, em 1990 tinha editado a Súmula 15: ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA JUSTIÇA COMUM Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente de Trabalho O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, teria assinalado em sentido diverso ao editar a Súmula 736 em 09/12/2003 e que tem o seguinte teor: COMPETÊNCIA- AÇÕES QUE TENHAM COMO CAUSA DE PEDIR O DESCUMPRIMENTO DE NORMAS TRABALHISTAS RELATIVAS Á SEGURANÇA, HIGIENTE E SAÚDE DOS TRABALHADORES- JUSTIÇA DO TRABALHO. Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. A ação de indenização por dano moral decorrente de acidente de trabalho tem notoriamente como causa de pedir o descumprimento de norma relativa à segurança do trabalhador. Sendo assim, houve certo fôlego quanto ao entendimento de que: - A ação acidentária postulada em face do INSS para o pedido do benefício acidentário continuava, nos termos do artigo 109, I, sendo de competência da Justiça Estadual Comum; - A ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada em face do empregador que, ato doloso e culposo, provocou o acidente deveria ser julgado pela Justiça do Trabalho. Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, este tema, aparentemente, restou espaçado de dúvidas, já que os termos do inciso VI do artigo 114 são bem claros. Entretanto, recente 12

13 decisão do STF provocou certa celeuma entre os militantes da área trabalhista: Transcreve-se a seguir a nota publicada no Informativo 379 do STF e referente à decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário 438639 Informativo 379 (RE-438639) Título Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho: Competência Artigo As ações de indenização propostas por empregado ou ex-empregado contra empregador, quando fundadas em acidente do trabalho, continuam a ser da competência da justiça comum estadual. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que, confirmando decisão do juízo de 1ª instância, entendera ser da competência da justiça do trabalho o julgamento de ação de indenização por danos morais decorrentes de acidente do trabalho, movida pelo empregado contra seu empregador. Ressaltando ser, em tese, da competência da justiça comum estadual o julgamento de ação de indenização baseada na legislação acidentária, entendeu-se que, havendo um fato histórico que gerasse, ao mesmo tempo, duas pretensões uma de direito comum e outra de direito acidentário, a atribuição à justiça do trabalho da competência para julgar a ação de indenização fundada no direito comum, oriunda do mesmo fato histórico, poderia resultar em decisões contraditórias, já que uma justiça poderia considerar que o fato está provado e a outra negar a própria existência do fato. Salientou-se que deveria intervir no fator de discriminação e de interpretação dessas competências o que se chamou de unidade de convicção, segundo a qual o mesmo fato, quando tiver de ser analisado mais de uma vez, deve sê-lo pela mesma justiça. Vencidos os Ministros Carlos Britto, relator, e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso, e declaravam a competência da justiça do trabalho 13

14 Vê-se portanto, que a polêmica ainda remanesce. Todavia, há de se considerar que o entendimento expresso na Súmula 736 do STF e a redação do inciso VI do artigo 114 da Constituição Federal têm por certo grande peso na abordagem da questão. Outro fator importante a ser considerado é o posicionamento adotado pelos próprios Juízes do Trabalho, em sua maioria adeptos de que a Justiça do Trabalho é a competente para a apreciação do tipo de lide em comento. Aliás, após a publicação da decisão do STF, a ANAMATRA, em seminário realização em São Paulo,divulgou o seguinte manifesto: Manifesto Os mil e cem magistrados do trabalho reunidos em São Paulo por ocasião do Seminário Nacional sobre Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho reafirmam que a Emenda Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004, tornou inequívoca a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar as lides sobre a reparação de dano moral e material nas relações de trabalho, inclusive quando decorrem de acidente do trabalho. Entendem que, antes mesmo da mencionada emenda a Justiça do Trabalho já era competente para essas causas, quando decorrente da relação de emprego, já que a exceção prevista no inciso I do art. 109 da Constituição da República diz respeito as ações de caráter previdenciário em face do INSS. Compreendem que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho representou uma conquista da sociedade e que qualquer interpretação restritiva do conteúdo do art. 114 da Constituição da República significará um retrocesso injustificável e contrário a intenção do legislador. Por fim, comprometem-se a lutar para que se torne efetiva a ampliação assegurada no texto constitucional. Anamatra São Paulo, 18 de março de 2005 3.3 Relações de trabalho de servidores públicos estatutários 14

15 Antes de se analisar a amplitude que a reforma constitucional conferiu à competência trabalhista, é de se observar que a redação do inciso I do artigo 114 foi um dos tópicos que ensejou o desmembramento da PEC e seu retorno à Câmara dos Deputados, pois o Senado Federal, ao votar o texto da PEC, suprimiu parte do texto original enviado que era o seguinte: As ações oriundas de relações do trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da Federação. A supressão da parte final do dispositivo teria ampliado a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento, inclusive, de servidores públicos estatutários, sejam ocupantes de cargo de provimento efetivo, sejam ocupantes de cargo em comissão. Promulgada a Emenda Constitucional 45/04, a AJUFE (Associação dos Juizes Federais do Brasil) propôs, em 25 de janeiro de 2.005, Ação Declaratória de Inconstitucionalidade invocando a existência de vício formal na Emenda, já que a Casa Revisora alterou texto e não o submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados. A ADI em comento (ADI nº3.395) foi precedida por uma Medida Cautelar na qual o Ministro Nelson Jobim concedeu liminar em 27/01/2005 com efeitos retroativos para dar interpretação conforme à Constituição entendendo-se como não inclusa na competência da Justiça do Trabalho o julgamento de causas que versem sobre servidores públicos estatutários de cargo efetivo ou em comissão. O trecho seguinte é o disponível no site do STF (www.stf.gov.br): "(...) A NÃO INCLUSÃO DO ENUNCIADO ACRESCIDO PELO SF EM NADA ALTERA A PROPOSIÇÃO JURÍDICA CONSTIDA NA REGRA. (...) NÃO HÁ QUE SE ENTENDER QUE A JUSTIÇA TRABALHISTA, A PARTIR DO TEXTO PROMULGADO, POSSA ANALISAR QUESTÕES RELATIVAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS. ESSAS DEMANDAS VINCULADAS A QUESTÕES FUNCIONAIS A ELES PERTINENTES, REGIDOS QUE SÃO PELA LEI 8112/90 E PELO DIREITO ADMINISTRATIVO, SÃO DIVERSAS DOS CONTRATOS DE TRABALHO REGIDOS PELA CLT. (...) EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO, CONCEDO A LIMINAR, COM EFEITO 'EX TUNC'. DOU INTERPRETAÇÃO CONFORME AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DA EC Nº. 45/04. SUSPENDO, AD REFERENDUM, TODA E QUALQUER INTERPRETAÇÃO DADA AO INC. I DO ART. 114 DA CF, NA REDAÇÃO DADA PELA EC 45/04, QUE INCLUA, NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, A "...APRECIAÇÃO... DE CAUSAS QUE... SEJAM INSTAURADAS ENTRE O 15

16 PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES, A ELE VINCULADOS POR TÍPICA RELAÇÃO DE ORDEM..." 4 Em 04/05/2005, os autos da ADI estavam conclusos ao Relator César Peluso e a decisão liminar ainda não havia sido submetida ao Plenário. Assim, a situação que existente até a data retro mencionada é que as relações de trabalho referentes aos servidores públicos estatutários ainda fogem ao âmbito da Justiça Trabalhista. De toda sorte, a PEC 329/2005 que se originou do Senado Federal, ora tramita na Câmara de Deputados e altera mais uma vez o dispositivo acima, incluindo a ressalva suprimida no Senado. Desta forma, o quadro mais provável é que essa PEC seja aprovada na Câmara e que a Ação Direta de Inconstitucionalidade perca o objeto, fazendo com que não haja alteração de competência quanto ao julgamento de lides envolvendo servidores públicos estatutários. Hábeas Data 3.4 Remédios Constitucionais : Mandado de Segurança, Hábeas Corpus e O inciso IV, por sua vez, fixa expressa e coerentemente competência para julgar os clássicos remédios constitucionais (mandado de segurança, hábeas corpus e hábeas data) previstos nos incisos LXVIII, LXIX, LXX e LXXII quando se referirem a ato impugnado envolver matéria concernente à sua jurisdição. Uma observação há de ser feita quanto ao mandado de injunção, garantia constitucional que pareceu esquecida pelo inciso IV do artigo 114 da Constituição Federal. Cumpre esclarecer que esse esquecimento não impede que a impetração de mandado de injunção na Justiça do Trabalho: ocorre que a sistemática do mandado de injunção praticamente esvazia a competência da Justiça Trabalhista. O mandado de injunção é uma garantia constitucional prevista no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal e será concedido sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O artigo 102, I, q da Carta Magna, por sua vez, prevê a competência originária do Supremo Tribunal Federal para o processamento e julgamento de mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal. O artigo 105, I, h, por seu turno, prevê a competência originária do Superior Tribunal de Justiça para o processamento e 4 Extraído do site www.stf.gov.br em 04/05/2005 16

17 julgamento da medida em comento quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal. O cotejo entre esses dispositivos revela, assim, que ressalvada a competência do STF, o mandado de injunção cuja matéria seja afeta à Justiça do Trabalho por esta última deve ser julgado, pois a competência do STJ é residual. Cria-se, então, a possibilidade de um mandado de injunção ser impetrado perante um órgão da Justiça do Trabalho quando o exercício de um direito ou liberdade constitucional for obstado pela inexistência de norma regulamentadora cuja elaboração devesse ter sido feita por um órgão, entidade ou autoridade federal, por exemplo. 3.5 Ações Relativas a Penalidades Administrativas O inciso VII do artigo 114 da Constituição Federal previu, ainda, a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho Nesse contexto, ações versando sobre multas aplicadas pela Delegacia Regional do Trabalho passam a ser de competência da Justiça do Trabalho Eventual mandado de segurança a ser impetrado em face de ato de delegado regional do trabalho deverá ser apreciado pela Justiça do Trabalho, inclusive com manifestação do Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, manifestouse Sandra Lia Simon 5, atual Procuradora Chefe do Ministério Público do Trabalho: Desde logo se pode dizer que eventuais mandados de segurança envolvendo, por exemplo a atuação do Ministério Público do Trabalho (em especial na condução de procedimentos administrativos, como os inquéritos civis) haverão de ser apreciados na Justiça do Trabalho. Dada a competência estabelecida no inciso VII, do art. 114, da Constituição Federal ( as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização ds relações de trabalho ), o julgamento de mandados de segurança impetrados contra Auditores Fiscais, por exemplo, também caberá à Justiça do Trabalho. 17

18 3.6 Contribuições Sociais A previsão contida no incisão VIII do artigo 114 da Constituição Federal, por sua vez, não é novidade, já que o anterior dispositivo constitucional já havia estabelecido a competência da Justiça do Trabalho para a execução de ofício das contribuições sociais previstas nos artigos 195, I, a e II e seus acréscimos, desde que decorrentes das sentenças que proferir. As contribuições acima referidas são devidas tanto pelo trabalhador e demais segurados da previdência social (artigo 195, II) como pelo empregador, pela empresa e pela entidade a ela equiparada na forma da lei e incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (artigo 195, I, a) 4. Alterações na estrutura sindical brasileira A estrutura sindical brasileira constitui, sem sombra de dúvida, o principal foco de críticas e de proposições de reforma na área trabalhista. Para entender os pontos afetados pela Emenda Constitucional 45/2004, faz-se necessário entender como é a atual estrutura. Antes de mais nada, portanto, é interessante saber o que é um sindicato e qual a sua finalidade. O Direito do Trabalho nasceu e sobrevive para tutelar o trabalhador. Seu objetivo é determinar regras para que o sujeito que vende sua força de trabalho para outrem possa faze-lo de forma a receber dignamente pelo seu dispêndio de energia e de maneira a não prejudicar sua saúde física ou mental. As primeiras lutas trabalhistas, aliás, nasceram para diminuir as exaustivas jornadas de trabalho que se estendiam por muito mais dos que as atuais oito horas diárias. A despreocupação com as condições de trabalho do empregado acarretava também um alto índice de acidentes de trabalho, muitos dos quais fatais. Vivenciando situações semelhantes, os trabalhadores passaram a se unir e a reivindicar melhorias. Assim nascem os sindicatos: como associações de trabalhadores que suportavam condições de vida semelhante e, justamente por isso, verificaram que poderiam se unir para melhorá-las. Mas hoje, pode-se perguntar, não existem sindicatos de empregadores? 5 Artigo publicado sob o título A ampliação da competência da Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho em Nova Competência da Justiça do Trabalho op cit p.349/350 18

19 Sim, eles existem e nasceram justamente na contrapartida da associação dos trabalhadores. Os conflitos coletivos trabalhistas demonstraram que havia uma necessidade de os empregadores também se agruparem, até mesmo porque, isso facilitaria o estabelecimento de regras semelhantes para situações semelhantes. Hoje, o Ordenamento Jurídico Brasileiro 6 prevê a licitude da associação de pessoas para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais. Prevê, ainda, que estas associações podem ser constituídas de empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou ainda profissionais liberais e que exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. Vê-se, dessa forma, que podem existir associações sindicais de empregados, de empregadores, de trabalhadores autônomos, de profissionais liberais... Enfim, para a associação de empregadores, parte-se da verificação das atividades por eles desenvolvidas: se idênticas, similares ou conexas, isto evidenciará uma solidariedade de interesses econômicos, ou seja, para todos os que desenvolvem uma determinada atividade empresarial, como a fabricação de certo produto, há interesses muito similares pois suas necessidades são muito parecidas. Desta forma, estes empregadores comporão o que se denomina categoria econômica. A outra face da moeda é que os trabalhadores que se ativam nessas empresas também passam por condições de vida semelhantes. Nesse contexto, para a associação de trabalhadores, a condição necessária é a chamada similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas. Segundo a CLT, constatada tal circunstância os trabalhadores comporão o que a lei denomina categoria profissional. Se, no entanto, os trabalhadores exercerem uma profissão ou função diferenciada por força do estatuto profissional especial ou em conseqüência de vida singulares, comporão o que a lei denomina categoria profissional diferenciada. Nesse caso, bastante peculiar, vela-se pela especial natureza do trabalho desenvolvido, o qual, no mais das vezes, poderá ser exercido em atividades econômicas diversas. Sendo lícita a associação de trabalhadores e de empregadores, conforme acima exposto, a congregação poderá ser feita a qualquer tempo e de qualquer forma? Há total liberdade sindical no Ordenamento Jurídico Brasileiro? Há controvérsia a respeito, pois a Constituição Federal parece se contradizer. A leitura do artigo 8º revela que a liberdade sindica foi adotada pelo Brasil com certos limites. Não existe mais intervenção estatal direta nas entidades sindicais como já houve, mas um controle administrativo 6 Art. 511 da CLT 19

20 sobre quais sindicatos existem, impedindo a existência de mais de um sindicato em uma mesma base territorial, o que se denomina unicidade sindical. Nesse passo, a forma como se dá a liberdade de associação profissional ou sindical no Brasil é duramente criticada, pois segundo muitos, ela não consistiria verdadeira liberdade, já que a própria Constituição Federal limita o nascimento dos sindicatos ao prever a unicidade sindical. Segundo o inciso II do artigo 8º da Constituição Federal: É vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, na podendo ser inferior à área de um Município. Assim, uma determinada categoria profissional ou econômica somente poderá instituir um sindicato que as represente se este já não existir dentro de uma determinada área territorial, a qual não pode ser inferior a um município. Exemplificando: se um grupo de empregados de uma certa cidade, envolvidos em uma determinada atividade econômica, como a fabricação de chapéus, resolver se agrupar em um sindicato, somente poderão fazê-lo se, naquele município, não houver outra associação sindical. As mesmas regras são válidas para eventuais grupos de fabricantes de chapéus que queiram constituir um sindicato que represente a respectiva categoria econômica (o chamado sindicato patronal). Se este grupo for de tamanho suficiente a congregar pessoas de mais de um município, a base territorial desta categoria, portanto, ultrapassa a um município, assim, em todos deverá se averiguar a existência prévia de associação sindical. Caso esta não exista, o futuro sindicato poderá perfeitamente representar os trabalhadores de todos os municípios envolvidos. Este princípio denominado unicidade sindical vem sendo severamente combatido por muitos porque impediria o nascimento de sindicatos atuantes, mais fortes e representativos. Constituído, o sindicato não precisa de autorização para funcionar, mas deverá registrar seus atos constitutivos no Registro Geral de Pessoas Jurídicas, uma vez que possui natureza jurídica 7 de associação. 8 Observar-se-á, desta forma, a disciplina jurídica trazida pelos artigos 53 a 61 do Código Civil, observando-se, ainda, quanto ao registro, o disposto no artigo 45 deste diploma legal 9. 7 A natureza jurídica de um determinado instituto revela o que ele é para o Direito. Sempre se buscará a natureza jurídica do objeto a ser tratado para se verificar quais dispositivos legais que lhe serão aplicados ou, na ausência de dispositivos legais expressos, se há algum outro instituto semelhante. Assim, usar=se-á as disposições deste último ao caso concreto, aplicando-se o que o Direito denomina de analogia. 8 Art.53 do Código Civil : Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Muito embora, em uma rápida e primeira leitura, não se possa enxergar o sindicato como uma associação com fim não econômico, é de se esclarecer que este fim econômico previsto no Código Civil diz respeito ao desenvolvimento de uma atividade econômica. A associação busca apenas lutar pela melhoria das condições de seus filiados, por isso não desenvolve atividade econômica. 9 Artigo 44 São Pessoas jurídicas de direito público interno: 20