MODELAGEM MATEMÁTICA, DESPERDÍCIO E ESCASSEZ DE ÁGUA 1 Resumo Willian Fuzinato Perez, willianthebest@gmail.com Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão FECILCAM Wellington Hermann 2, eitohermann@gmail.com Universidade Estadual de Londrina UEL Willian Beline 3, wbeline@gmail.com Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão FECILCAM Márcia C. de C. T. Cyrino 4 marciacyrino@uel.br Universidade Estadual de Londrina UEL Neste trabalho relatamos uma experiência desenvolvida com alunos do 2º ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual João XXIII da cidade de Janiópolis PR, que envolve o tema desperdício e escassez da água. Consideramos que as discussões põem em evidência aspectos relevantes sobre educação ambiental e o futuro da nossa sociedade. No desenvolvimento do trabalho em sala de aula utilizamos Modelagem Matemática na perspectiva da Educação Matemática Crítica, que nos permitiu criar modelos e explicitar nossas próprias concepções sobre o tema. A condução dialógica da atividade criou a oportunidade dos alunos refletirem criticamente sobre a matemática e sobre o tema Educação Ambiental. Palavras-Chave: Educação Matemática. Modelagem Matemática. Educação Ambiental. 1. INTRODUÇÃO É característico do ser humano criar modelos para representar sentimentos e percepções da realidade (como as obras de arte), para prever o comportamento de 1 Neste texto apresentamos um estudo de um episódio que faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso de Perez (2007). 2 Mestrando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina UEL. 3 Docente do Depto de Matemática da FECILCAM Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. Doutorando em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina UEL. 4 Docente do Depto de Matemática e no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da UEL Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora do GEPEFOPEM - Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação de Professores em Educação Matemática.
determinado fenômeno (como um protótipo de determinado produto), assim como para compreender e modificar a realidade. Modelos, geralmente, são simplificações da realidade e, sendo assim, as grandezas, variáveis ou aspectos considerados relevantes para compô-los são selecionados a partir de critérios. Estes podem ser determinados pelo diálogo entre as pessoas envolvidas no processo de modelagem, pelo seu posicionamento epistemológico (pelo que elas acreditam ser relevante), ou podem já estar pré-determinados ou delimitados pelo desenvolvimento cognitivo de quem modela. Estes modelos, muitas vezes, são resultado de aproximações e sucessivas reconstruções, discussões e mesmo abandono da idéia original para um novo começo, o que confere aos modelos uma função heurística 5. Existem várias áreas que fazem uso de modelos com as mais diversas finalidades como a Economia, as Artes, a Física, indústrias, dentre outras. Acreditamos que a Modelagem Matemática possibilita desencadear em sala de aula discussões sobre diversos temas situando o papel que cabe à matemática no desenvolvimento social. Esta abordagem dialógica 6 propicia a criação de modelos repletos de significados que representam os posicionamentos críticos dos alunos a respeito da temática proposta pelo professor ou por eles escolhida. No trabalho desenvolvido em sala de aula buscamos criar um ambiente propício para que os diálogos acontecessem entre os alunos para que os mesmos pudessem situar a matemática na discussão sobre escassez e desperdício de água por meio da Modelagem Matemática. 2. MODELAGEM E DIÁLOGOS Bassanezi (2002) refere-se à Modelagem Matemática como uma estratégia que utiliza princípios da Modelagem no processo ensino-aprendizagem. Argumenta que a 5 Adotamos para heurística a seguinte definição: método educacional que consiste em fazer descobrir pelo aluno o que se lhe quer ensinar. (Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, versão 1.5). 6 Entendemos por abordagem dialógica o encaminhamento de uma aula que proporciona diálogos de alunos com alunos, alunos com o professor e alunos com o modelo. Uma das finalidades destes diálogos é atribuir significado ao modelo, ou seja, situar a função da matemática no contexto do problema. 492
Modelagem pode ser apenas um meio em que o mais importante não é chegar imediatamente a um modelo bem sucedido, mas caminhar seguindo etapas nas quais o conteúdo matemático vai sendo sistematizado e aplicado. Esse percurso deve ser dialógico, constituído por diálogos entre os pares (colegas e professores) e com o próprio modelo. Para que tais diálogos se tornem possíveis em sala de aula é preciso configurar o que Skovsmose (2000) chama de cenário para investigação. Um cenário para investigação é aquele que convida os alunos a formularem questões e procurarem explicações. O convite é simbolizado pelo O que acontece se... T do professor. O aceite dos alunos ao convite é simbolizado por seus Sim, o que acontece se... T. Dessa forma, os alunos se envolvem no processo de exploração. O Por que isto...? do professor representa um desafio e os Sim, por que isto... T dos alunos indica que eles estão encarando o desafio e que estão procurando explicações. Quando os alunos assumem o processo de exploração e explicação, o cenário para investigação passa a constituir um novo ambiente de aprendizagem. (p. 71). Barbosa (2003) utiliza as idéias de Skovsmose para afirmar que a Modelagem Matemática pode criar ambientes de aprendizagem. O ambiente de Modelagem está associado à problematização e investigação. O primeiro refere-se ao ato de criar perguntas e/ou problemas enquanto que o segundo, à busca, seleção, organização e manipulação de informações e reflexão sobre elas. Ambas atividades não são separadas, mas articuladas no processo de envolvimento dos alunos para abordar a atividade proposta. (p.4-5). Em um ambiente de modelagem podemos trabalhar temas de diversas áreas buscando situar a matemática e seu papel no desenvolvimento da sociedade, fomentando o pensamento crítico dos alunos por meio da problematização e investigação, necessárias para a criação de um modelo. Assumimos que pensar criticamente [...] é examinar cuidadosamente argumentos e opiniões analisando até que ponto são credíveis, é construir argumentos consistentes que fundamentem a opinião que defendemos, é evitar que sejamos manipulados por informações falaciosas, confusas ou contraditórias com que contactamos todos os dias. (ALVES; MATOS, 2008, p.713). Na perspectiva da Educação Matemática Crítica, a matemática é assumida como uma ferramenta social, que possibilita o desenvolvimento do aluno como cidadão capaz de tomar decisões com autonomia. 493
3. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO TRABALHO DESENVOLVIDO EM SALA DE AULA Este trabalho foi desenvolvido em uma turma de 2º ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual João XXIII da cidade de Janiópolis PR. Foi utilizado um tema que está em voga nos meios de comunicação e na escola, o desperdício e a escassez da água. Para a primeira aula foram propostos dois textos 7 sobre o assunto escassez e desperdício de água. Após a leitura dos textos e alguns comentários, os alunos foram questionados sobre o que seria possível fazer para economizar água. Durante o diálogo os alunos sugeriram: utilizar a água que lavamos a roupa para limpar calçadas; não deixar a torneira aberta enquanto escovamos os dentes; lavar o carro utilizando baldes; verificar se não há vazamento em canos e torneiras; diminuir o tempo do banho, entre outras. O exemplo do vazamento de água de uma torneira, citado pelos alunos, foi utilizado pelo professor para o seguinte questionamento: É possível medir o desperdício de água causado por uma torneira com vazamento? Em seguida foi sugerido que eles encontrassem uma maneira para medir a quantidade de água que é desperdiçada por uma torneira com vazamento, durante um dia. A turma foi dividida em grupos, para investigação. Durante a discussão dos alunos, surgiu a seguinte proposta: - Professor, dá uma olhada na nossa idéia. Pensamos assim: vamos colocar um balde embaixo de uma torneira pingando, durante uma hora, aí vamos medir a água e multiplicar por 24, pois um dia tem 24 horas. Os alunos foram indagados se não daria para fazer isso em menos tempo, pois não teríamos tanto tempo assim para esta tarefa. Foi dito aos alunos que na próxima aula eles iriam simular um vazamento em uma torneira da escola utilizando os procedimentos por eles propostos e, após a discussão, cada grupo deveria apresentar ao restante da sala como fizeram para calcular a vazão da água da torneira. Nesse momento surgiram outras propostas, relatadas a seguir. 7 Disponíveis em: <http://paginas.terra.com.br/lazer/staruck/agua.htm> e <htttp://www.geocities.com/~ esabio/agua/agua.htm>. 494
- Nós vamos coletar a água durante um minuto em seguida vamos utilizar uma seringa para medir a quantidade de água. E depois multiplicaremos por 60 e teremos a quantidade de água que vazou durante uma hora. - Nós vamos colocar um copo debaixo da torneira e aguardar 10 minutos, depois vamos medir a água com um copinho de remédio e multiplicar o resultado por 6. - A gente vai medir a água que vaza da torneira durante uns 5 minutos e multiplicar o resultado por 12. E vamos utilizar um copo, e uma seringa. Após a apresentação dessas propostas, foi ressaltado que eles deveriam trazer os materiais necessários para a realização do experimento na próxima aula. Na aula seguinte os alunos colocaram em prática suas idéias. Cada grupo simulou o vazamento em uma torneira de um bebedouro da escola. Após o experimento, os alunos relataram o que haviam feito e foram questionados se seria possível, a partir dos dados coletados, criarem uma função, uma fórmula, ou seja, um modelo para medir a vazão de água da torneira. Apresentamos a seguir alguns dos modelos elaborados pelos alunos. Grupo 1 Grupo 2 Figura 1 Figura 2 495
Os Grupos 1 e 2 tiveram o mesmo raciocínio para desenvolver o problema proposto: mediram a vazão de água durante um minuto e multiplicaram por 60, obtendo assim a vazão durante uma hora. A seguir multiplicaram o resultado por 24, obtendo assim a vazão em um dia (em ml), por fim dividiram por 1000 este resultado, para que a resposta fosse dada em litros/dia. Apesar de terem trilhado pela mesma linha de raciocínio, é interessante observar que cada grupo teve sua maneira própria para explicitar a resolução do problema. Enquanto o Grupo 1 apresenta mais detalhes, o Grupo 2 já é mais sucinto. Grupo 3 Figura 3 496
Este grupo nos impressionou pela riqueza de detalhes no desenvolvimento da atividade. Entretanto, algo nos chamou a atenção ao observarmos os dados apresentados por eles, havia vazado apenas 10 ml em 10 minutos. Diante disto os questionamos: - Vocês têm certeza que vazou 10 ml em 10 minutos? - Sim professor, nós temos, na simulação que fizemos a água da torneira pingava bem lentamente. Por meio dessa resposta percebemos que os alunos do grupo estavam seguros do que haviam feito. Na terceira e última aula, cada grupo apresentou aos demais colegas da classe o que havia feito, expondo o modelo matemático formulado por eles. Ao terminarem a apresentação foi proposta a seguinte situação: Desejamos calcular o desperdício de água causado pelo vazamento de uma torneira da nossa casa durante um dia, ao coletar a água durante dois minutos, obtivemos 206 ml. É possível calcular o desperdício usando qualquer um dos modelos que vocês construíram? Façam os cálculos utilizando o modelo de outro grupo. Ao analisarmos a resoluções, observamos que os alunos buscaram se adequar muito bem à situação proposta. Apresentamos a seguir as respectivas soluções dos grupos. Modelo do Grupo 1 Figura 4 497
Modelo do Grupo 2 Modelo do Grupo 3 Figura 5 Figura 6 498
Figura 7 Assim que os alunos terminaram os cálculos, os valores foram comparados para que eles pudessem ver que todos haviam obtido o mesmo resultado. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Durante o trabalho percebemos um grande interesse por parte dos alunos. Eles realmente se envolveram com a atividade. Discutiram, investigaram, fizeram algumas observações sobre o desperdício de água, o que evidencia que conseguimos criar o ambiente de aprendizagem que desejávamos. Percebemos, também, que este ambiente dialógico constituiu um cenário propício para investigação, pois os alunos estavam em constante debate com os colegas e com a situação proposta. Algumas vezes, quando não davam conta dos questionamentos dos colegas buscavam o auxílio do professor. Embora o tema e a abordagem tenham propiciado a discussão de uma matemática elementar, a integração dos temas, a investigação e a descoberta, por parte dos alunos, permitiram que eles avaliassem o papel que cabe à matemática nesta discussão sobre escassez e desperdício de água. 499
REFERÊNCIAS ALVES, A. S.; MATOS, J. P. Educação Matemática crítica na escola. In: Investigación en educación matemática XII. Badajoz, Espanha: Facultad de educación Universidad de Extreamdura, 2008. p. 709-716. BARBOSA, J. C. Modelagem Matemática na sala de aula. Erechim (RS): Perspectiva, v. 27, n. 98, p. 65-74, junho/2003. BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. São Paulo: Contexto, 2002. PEREZ, W. F. Modelagem e Educação Ambiental: apresentando um projeto no Ensino Médio por meio do tema desperdício de água. 2007. 44 f. Monografia (Licenciatura em Matemática) Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, Campo Mourão. SKOVSMOSE, O. Cenários para investigação. Bolema n. 14, pp. 66 a 91. UNESP - Rio Claro, 2000. 500