ACORDO MENDONÇA-BLAINE



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Transcrição:

ACORDO MENDONÇA-BLAINE Nome com que ficou conhecido o Convênio Aduaneiro entre o Brasil e os Estados Unidos celebrado em 31 de janeiro de 1891, primeiro acordo comercial entre os dois países no período republicano. Promulgado por decreto do governo provisório brasileiro e por proclamação do governo dos EUA em 5 de fevereiro de 1891, durou de abril de 1891 a agosto de 1894 para os EUA, e de abril de 1891 a janeiro de 1895 para o Brasil. O acordo pode ser definido como um tratado comercial de favores recíprocos, pelo qual uma categoria limitada de produtos de cada país teve reduzidas suas tarifas de importação. Teve significado político e diplomático para ambos os países. Para o Brasil, significou uma aproximação com a maior potência do hemisfério, uma resposta amigável ao pronto reconhecimento americano da República, uma reversão da relutância do país em aceder a tratados comerciais abrangentes e uma busca de mercado para o açúcar nacional. Para os EUA, significou a instrumentalização de uma política pan-americana e uma iniciativa voltada para a expansão externa da economia, que reverteria a política de não ratificação de tratados comerciais. ANTECEDENTES A busca brasileira de uma aproximação diplomática com os EUA data das últimas duas décadas do Império. Foram feitos então grandes esforços para aumentar os laços com a grande República do norte. O objetivo era enfraquecer a preeminência européia no Brasil, em uma das primeiras iniciativas de diversificar a dependência econômica e política do país. Já do lado americano, a busca de uma maior interação econômica com o Brasil decorria do grande déficit comercial que o país tinha na América Latina em 1889, tal déficit era da ordem de 142 milhões de dólares, enquanto com o resto do mundo os EUA tinham um superávit 129 milhões de dólares. O maior ensaio de aproximação veio nos estertores do regime imperial. Em 1887, o presidente democrata Grover Cleveland reuniu-se com Salvador de Mendonça, então

cônsul brasileiro em Nova Iorque, para discutir as relações econômicas bilaterais entre os dois países. Ao comparar os dados do comércio bilateral, o mandatário americano indicou que havia um grande desequilíbrio em favor do Brasil. Como forma de aprofundar os laços comerciais e reverter esse quadro, propôs a abertura comercial completa entre os dois países. Mendonça apontou a impossibilidade de tal opção, pois o Brasil tinha grande dependência das rendas aduaneiras para sustentar os gastos governamentais. Diante da exposição do problema, Cleveland fez outra proposta: uma união aduaneira com repartição de receitas. No Brasil, apesar da resistência, a iniciativa de Cleveland induziu à reflexão na política externa brasileira, em especial sobre o papel que o aprofundamento dos laços com os americanos poderia ter nas relações exteriores com as potências européias. Mendonça apresentou a idéia a dom Pedro II, que se entusiasmou com a proposta, mas ao chegar ao Brasil no final de 1887, e apresentar a idéia ao barão de Cotegipe, chefe do Conselho de Ministros do gabinete conservador, encontrou resistência. O mesmo ocorreu com o ministro da Fazenda, Francisco Belisário, e com o visconde do Cabo Frio, diretor-gral do Itamaraty. Não obstante a clara resistência do governo, no ministério João Alfredo, em 1888, Mendonça examinou, conjuntamente com os barões de Paranapiacaba e do Rosário, o potencial de um acordo comercial com os EUA. O resultado desse trabalho foi um artigo no orçamento que autorizou o governo a rever as tarifas aduaneiras após a celebração de um tratado com o governo americano. Dando prosseguimento ao esforço de aproximação, dom Pedro II, ao enviar uma delegação à I Reunião Pan-Americana, instruiu os negociadores brasileiros a buscar um acordo comercial com os Estados Unidos. Durante as negociações na conferência, realizada em Washington entre outubro de 1888 e maio de 1890, Salvador de Mendonça tentaria, informalmente, negociar um tratado recíproco de comércio, mas a iniciativa fracassou em decorrência da resistência do Congresso americano. MENDONÇA E BLAINE

As negociações para um tratado comercial prosseguiram, tendo como principais negociadores Salvador de Mendonça e James Blaine. Salvador de Mendonça, filho de fazendeiro e republicano histórico, viveu mais de 20 anos nos Estados Unidos desempenhando as funções de cônsul, chefe de missão especial, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do governo brasileiro. Era amigo de dom Pedro II e foi, juntamente com Joaquim Nabuco e o barão de Rio Branco, artífice das novas relações com os EUA na Primeira República. Grande conhecedor da sociedade e do governo americano, pôde utilizar sua íntima amizade com Blaine para avançar os interesses brasileiros. Sua percepção era de que os EUA estavam em rápida mudança em sua posição relativa no sistema internacional. Sendo inevitável a preeminência americana, ao Brasil não restava outra opção senão extrair da situação os maiores benefícios possíveis. Para ele, a melhor forma de conseguir isso era amarrar a nova potência pelos laços de afeto e pelas obrigações dos tratados. Ao contrário de seus críticos, acreditava que os interesses econômicos brasileiros estavam em exportar mais, e não em promover a indústria nascente pela restrição às importações. Já James G. Blaine foi um dos principais líderes republicanos do período posterior à Guerra Civil americana, além de um dos mais hábeis políticos de sua geração. Foi líder da Câmara de Representantes por 14 anos e secretário de Estado durante o breve governo Garfield, em 1881. Pré-candidato republicano à presidência da República em 1888, desistiu de concorrer por sua saúde frágil. Suas principais bandeiras na política externa eram o panamericanismo e a reciprocidade. Como a maioria dos republicanos de sua época era protecionista radical, mas reconhecia a necessidade de, ao mesmo tempo, proteger agricultores e industriais e buscar novos mercados para os setores mais eficientes e competitivos da economia americana. Apesar de ter desistido de sua candidatura presidencial, Blaine participou da campanha do republicano Benjamin Harrison, que disputava com Cleveland a presidência. O tema central do confronto era a política comercial. Cleveland argumentava que o protecionismo exacerbado não trouxera benefícios à economia americana, levando a um

aprofundamento da depressão que arruinava o país. A solução estaria em uma política de exportações pela qual os EUA dariam acesso a seu mercado em troca de acesso ao mercado de terceiros. Cleveland foi derrotado por Harrison, que propunha a retomada do protecionismo tarifário. No início de sua gestão, a Tarifa McKinley atenderia ao anseio da plataforma política republicana. Aumentou-se o nível de proteção do mercado americano, mas foi criada uma lista de produtos livres que ficariam isentos do pagamento de direitos de importação café, peles, açúcar, chá e melado. Após a iniciativa de vários políticos da administração Harrison, inclusive de Blaine, que ocupava o cargo de secretário do Departamento de Estado, foi introduzida uma emenda à tarifa, dando ao presidente o poder de manipular a lista de produtos livres para assegurar a concessão tarifária de outros países em acordos de reciprocidade comercial. Foi por intermédio dessa emenda que o governo americano buscou o acordo bilateral com o Brasil. As negociações ocorreram em 1890 na cidade de Washington, tendo os acertos finais do rascunho sido feitos entre 26 de outubro e 3 de novembro daquele ano. Logo depois, Salvador de Mendonça retornou ao Rio de Janeiro com a minuta do acordo. Havia grande resistência ao tratado no governo brasileiro. Primeiro, temia-se o efeito da redução de tarifas sobre as contas governamentais, tendo em vista que as rendas aduaneiras financiavam grande parte dos gastos. Segundo, o acordo prejudicava seriamente os interesses da nascente indústria brasileira a tarifa brasileira de 1887 era altamente protecionista, proibindo a isenção de tarifas a produtos similares. Terceiro, temia-se a reação de outros parceiros comerciais ao possível acordo. A gestão de Mendonça foi fundamental para que essa resistência fosse vencida. Para ele, o Brasil não deveria temer uma sobretaxa americana sobre o café brasileiro porque o país fornecia 2/3 das importações de café americano e mais da metade das importações mundial do produto. Em sua visão, mesmo com a possível sobretaxa de três centavos por libra, as exportações brasileiras não seriam afetadas negativamente. Por outro lado, o caso do açúcar indicava a necessidade do acordo. Segundo Mendonça, a falta de acordo com os EUA ocasionaria o aumento da tarifa aduaneira paga na ordem de 50%. Já com o acordo, o país

estaria diante da oportunidade de conseguir o monopólio do fornecimento de açúcar ao mercado americano, pois Blaine havia indicado que nenhum acordo recíproco de comércio seria negociado com outros produtores de açúcar. Outro argumento utilizado pelo diplomata foi o de que a abertura comercial brasileira não seria suficiente para que os americanos superassem os baixos custos dos produtos europeus. Por fim, aos críticos que defendiam altas tarifas para sustentar uma indústria nascente, ele afirmaria que o patriotismo industrial cego não poderia sustentar-se diante da falta de matéria-prima, operários e facilidades de transporte. Após algumas semanas de negociações no Rio de Janeiro, Mendonça voltou aos EUA para dar o aval brasileiro ao documento. Em troca dos benefícios da lista livre americana, o Brasil removeria os impostos aduaneiros de diversas alimentos, como trigo em grão, farinha de trigo, batata inglesa, carne de porco salgada, além de ferramentas, livros e maquinário agrícola. Também foi reduzida em 25% a tarifa sobre produtos como ferro, aço, banha, presunto, peixes, frutas, madeira, carros e manufaturas de algodão. O tratado estipulava que seu próprio fim somente valeria a partir dos dias 1 o de janeiro ou 1 o de julho de qualquer ano, depois de decorridos pelo menos três meses da denúncia de uma das partes. A reação ao tratado nos EUA foi positiva na imprensa, e a classe comerciante nutriu grandes expectativas sobre os potenciais de ganhos ao contrário da pequena comunidade americana no Brasil, que era cética com relação à hipótese de súbito aumento das exportações americanas para o Brasil. De qualquer maneira, o tratado incentivou a gestão Harrison a firmar tratados semelhantes com a Espanha (para Cuba e Porto Rico), com a Grã-Bretanha (em nome das Índias Orientais Britânicas), com a França, com a Alemanha, com a Áustria-Hungria e com outros países da América Latina. Mesmo o Brasil ocupando somente 10% das importações e menos de 2% das exportações americanas em 1891, o acordo foi recebido com apreensão em várias praças comerciais. Comerciantes franceses, britânicos e portugueses demandaram de seus governos privilégios similares aos gozados pelos americanos. Rússia e Portugal enviaram agentes para estudar

os efeitos do acordo. A Câmara de Comércio de Glasgow advogava a restrição de investimentos britânicos no Brasil como forma de retaliar possíveis desvios de comércio. Já a Câmara de Comércio de Londres desejava que o governo britânico abolisse os impostos aduaneiros ao café brasileiro, de maneira a conseguir um tratado comercial semelhante. Na América Latina, a resposta ao tratado mais interessante foi a do Chile, que desejava trocar a livre entrada do café brasileiro pela liberalização da importação de seus vinhos. A reação ao tratado no Brasil foi grande e seu exame acabou sendo alvo de amplo debate sobre o exercício do Poder Executivo, o federalismo e a sobrevivência da República em um contexto de crise. Com isso, o tratado transformou-se em um teste da força política do governo, que mobilizou a máquina pública para que fosse aprovado pelo Congresso. Para Deodoro da Fonseca, o tratado tinha função central na sua sustentação política: tendo alienado os republicanos históricos do sudeste, buscava na elite nordestina uma forma de assegurar-se no poder. Em troca do apoio desse grupo, oferecia a oportunidade de reavivar a indústria de exportação de açúcar por intermédio do acesso privilegiado ao mercado americano. A primeira crise relacionada ao acordo ocorreu quando Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, criticou-o por não haver cláusula que assegurasse explicitamente o monopólio do açúcar aos produtores brasileiros. Rui renunciou ao cargo em janeiro de 1891. A segunda crise decorreu da forma utilizada por Deodoro para internalizar o acordo no ordenamento jurídico nacional. Antes que fosse discutido no parlamento, Deodoro assinou-o, tendo utilizado as prerrogativas extraordinárias que o Congresso constituinte lhe havia dado para gerir a administração pública. Com isso, transformou a discussão do tratado em um acirrado debate sobre as prerrogativas do Poder Executivo. A terceira crise veio em maio de 1891, com a notícia de que os EUA haviam concluído um tratado de reciprocidade com a Espanha, em nome de Cuba e Porto Rico, o que acabou com a possibilidade de o Brasil conseguir o monopólio do mercado de açúcar americano. A postura do Executivo de não submeter o tratado à aprovação legislativa ajudou a fomentar o clamor pela revogação de todos os atos do governo provisório republicano. Foi

nesse contexto que Salvador de Mendonça voltou ao Brasil, em setembro de 1891, para defender o acordo e alertar sobre o perigo que a não ratificação poderia trazer para as relações com os Estados Unidos. Com esse objetivo, argumentava que a não aprovação do tratado poderia afetar a postura americana na arbitragem do território das Missões. Ao examinar o tratado com a Espanha, apontou uma necessidade maior de o Brasil aceder ao acordo, pois o açúcar brasileiro enfrentaria uma barreira tarifária que seu concorrente direto não teria. Mesmo com as críticas domésticas, o Brasil decidiu aderir ao tratado. A razão foi a percepção de que o país ganhava mais com o acordo que os americanos. A vitória de Deodoro durou pouco. Após tentar fechar o Congresso em novembro de 1891, foi removido do poder e substituído por Floriano Peixoto. Floriano fora grande crítico do tratado, julgando-o prejudicial à indústria nacional. Esperava-se, então, que o Brasil denunciasse o Acordo Mendonça-Blaine. Mas isso não ocorreu. Havia necessidade, em uma situação de grave instabilidade política, de manter um bom relacionamento com o governo americano. Os republicanos históricos, os industriais e os nacionalistas também não viam os EUA como uma ameaça, de maneira que o aprofundamento dos laços com os americanos cumpria uma função de diversificação estratégica diante do imperialismo europeu de então. Apesar de não denunciar o tratado, Floriano mudou a política tarifária para acomodar seu objetivo de proteção à indústria nascente. As modificações de alíquota e de taxa de expediente aumentaram a proteção em diversos produtos em mais de 60%. Além disso, a desvalorização do mil-réis e a necessidade de pagamento dos custos aduaneiros em ouro elevariam o preço dos produtos importados ainda mais. Os americanos aceitaram as modificações com resignação, pois não havia proibição no tratado a alterações da tarifa, além de já haver, no parlamento do país, iniciativas de reformas da tarifa McKinley. Isso ocorreu com a Lei Wilson, de 28 de agosto de 1894, que resultou na revogação do tratado brasileiro. A denúncia foi resultado da volta dos democratas ao poder, sob a liderança de Grover Cleveland, que defendia mercados mais livres e menor participação do governo na economia. O Brasil denunciou o convênio em 22 de setembro de 1894, mas continuou a executá-lo até o último dia do ano. A diplomacia

brasileira criticou a forma pela qual o tratado foi revogado, mas a atuação do presidente Cleveland na arbitragem do território das Missões, em 1895, fez olvidar a lembrança do fim abrupto do tratado. Quando a administração republicana retornou em 1897, sob a presidência William McKinley, houve interesse em recriar um acordo de reciprocidade. O governo brasileiro, no entanto, negou-se a negociar novo instrumento de regulação do comércio bilateral. AVALIAÇÃO DO ACORDO A análise dos resultados do acordo deve ser desagregada em suas consequências econômicas e políticas. Do ponto de vista econômico, a avaliação inicial das autoridades brasileiras foi pessimista. Um exame mais detido, no entanto, demonstra que as exportações brasileiras para os EUA entre 1891 e 1894 foram 45% maiores que no triênio precedente. Já as importações brasileiras de produtos americanos declinaram em mais de 10% em 1893 e somente voltaram a patamares mais altos que em 1892 após o fim do tratado. Houve súbito aumento da exportação de açúcar em 1891 e 1892, tendo o país quase triplicado sua participação no mercado americano no primeiro ano de vigência do tratado. Porém, após a ocorrência de outros acordos de reciprocidade, o país diminuiu rapidamente suas exportações de açúcar. O Brasil poderia ter-se beneficiado ainda mais do acordo, se os governos estaduais não taxassem tanto os produtos de exportação. Do lado brasileiro, o maior aumento das exportações veio do café e da borracha, que não gozaram de qualquer concessão distinta da já existente ao fim do Império. Percebe-se, então, que o sucesso brasileiro é explicado pelo aumento da demanda dos consumidores americanos e não pelo tratado comercial. Os únicos produtos exportados pelos EUA que conseguiram algum sucesso no mercado brasileiro no período foram o trigo e a farinha de trigo. Mas a explicação para o aumento das importações brasileiras do produto talvez esteja na seca que prejudicou as exportações argentinas, e não propriamente no tratado comercial. A perspectiva pessimista traçada pelos críticos do tratado não se concretizaram, nem tampouco o otimismo de outros que esperavam significativa expansão e diversificação dos

laços comerciais entre os dois países. No plano político, o Acordo Mendonça-Blaine demonstrou ser um exercício de aproximação relevante entre o Brasil e os EUA. Fortaleceu-se a tese de que a estratégia direcionada, incremental e focada de busca de acordos de comércio não era necessariamente prejudicial aos interesses do país, como se acreditava no período imperial. O tratado também foi uma retribuição ao pronto reconhecimento da República e uma indicação de que o país desejava continuar a diversificar seus laços políticos, reequilibrando sua dependência com as potências européias. O tratado, juntamente com o apoio americano na Revolta da Armada e o laudo arbitral da questão das Missões, foram indicadores que sinalizavam à diplomacia republicana a construção de uma aliança não escrita entre os dois países. FONTES: Rogério Farias de Souza AZEVEDO, J. Vida; BUENO, C. República; MENDONÇA, C. Salvador; NOBRE, F. Grande; SMITH, J. Unequal; SMITH, J. Limits; TOPIK, S. Trade.