A questão do trabalho infantil no mercado de trabalho: um estudo da oferta de trabalho na década de 1990* Rafael Loures Ogg¹ Cleise Maria de Almeida Tupich Hilgemberg² Palavras-chave: Violação; Criança; Mercado de Trabalho. * Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP Brasil, de 19 a 23 de novembro de 2012 1. Acadêmico, Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, Curso de Ciências Econômicas 2. Doutora, professora, Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, Departamento de Economia, cleise@uepg.br
Introdução De acordo com Veiga (1998, pág. 31) um dos fatores que contribui para o rebaixamento dos custos do trabalho em países em fase de desenvolvimento está atrelado ao trabalho infantil. Segundo o autor um posto de trabalho ocupado por uma criança substitui o de um adulto cuja remuneração seria certamente superior à da criança. O trabalho infantil é um fenômeno global de grandes proporções, especialmente em países em desenvolvimento, neste contexto, Campos e Alverga (2001, p. 228) mostram que grande parte da força de trabalho infantil ocorre por necessidades do ambiente familiar, visto que pela causa e efeito as condições de sobrevivência são precárias. Logo, os autores esclarecem que: Associado à realidade social e econômica, o apoio familiar à inserção precoce no trabalho produtivo subsiste a despeito da legislação que coíbe a contratação e o exercício desse tipo de atividade por crianças, e a tantos programas de atendimento voltados para essa população. Toda a proibição e evidência das conseqüências nefastas do trabalho precoce não têm sido suficientes para fazer estancar o crescimento dos índices das novas vítimas flagradas no trabalho doméstico, na agricultura, nas atividades terceirizadas e domiciliares etc. (CAMPOS; ALVERGA, 2001, p. 228). Conforme apresenta Ogg e Silva (2008), o trabalho infantil é uma violação dos direitos fundamentais da criança e adolescente. No mundo existem 150 milhões de crianças trabalhando. Segundo dados do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil estimam-se que 3,5 milhões de crianças trabalhem nos mais diversos tipos de atividades exploratórias. Outros autores como Neto e Moreira (1998, p. 438) apresentam o trabalho infantil não apenas no contexto sócio histórico, adequando também grande destaque ao socioeconômico. Assim, estes autores colocam que o fortalecimento e a continuidade do trabalho infantil interessam ao mercado, provindo que esta violação de direitos implica a gastos reduzidos e expressivos lucros. Onde, para Hilgemberg (2003) a composição do mercado de trabalho estratificado por gênero, por idade e para grandes regiões em períodos específicos, identifica a presença no mercado de trabalho brasileiro à participação do trabalho infantil em grande escala em setores econômicos de grande importância. Desta forma, algumas questões podem ser levantadas para melhor entendimento da composição da força de trabalho na década de 1990, tais como: Como são constituídas as famílias que compõem a força de trabalho no Brasil? Quantas destas famílias possuem crianças no mercado de trabalho? E, quais as consequências gerais deste comportamento na sociedade? Isto posto, o entendimento destas questões permitem qualificar melhor o mercado de trabalho no Brasil, bem como o procedimento adotado pelas famílias ao ofertar trabalho. Sendo assim, compreende-se o trabalho infantil num aspecto sócio histórico e econômico onde a economia global e a exclusão social possuem papéis fundamentais na compreensão do mesmo, podendo-se analisar o trabalho infantil pela ótica da globalização e do fracionamento das cadeias produtivas, que de acordo com Dupas (1998), incorporou parte dos bolsões de mão-de-obra barata mundiais sem necessariamente elevar-lhes a renda. Assim sendo, os postos de trabalho formal crescem menos que os investimentos diretos. Se, por um lado, surgem oportunidades bem remuneradas no trabalho flexível, por outro, o setor informal também abriga o emprego muito precário e a miséria. Deste modo foram compostas bases de dados para organização, compreensão, análises e por fim conclusões finais sobre os objetivos e questionamentos pertinentes desta pesquisa como os apresentados acima. 1
Materiais e Revisão de literatura Além de destacar que a metodologia utilizada nesta pesquisa baseia-se na estatística descritiva e comparativa através dos dados obtidos nas PNADs Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - IBGE para a década de 1990. Também é importante salientar o cenário onde esta pesquisa está embasada, neste caso o mercado de trabalho na década de 1990. O qual segundo Pinheiro et all (1999) apud Hilgemberg (2003, p. 20), (...) foi afetado pelo custo da mão-de-obra (incluindo os custos impostos pela legislação trabalhista vigente no país), pelo processo tecnológico e a situação conjuntural da demanda. Resumindo, para Neri* et all (2000), a economia brasileira passou por importantes modificações ao longo da década de 90. Durante esse período, ocorreram a abertura da economia ao fluxo de comércio e de capitais internacionais e queda na taxa de inflação e redução da presença do Estado na economia. Essas mudanças estruturais resultaram em efeitos importantes sobre o ritmo e a estrutura do crescimento da economia, afetando, significativamente, o desempenho do mercado de trabalho. Não sendo pertinente a justificação, a década de 1990 é importante quanto à temática do trabalho infantil por diversas circunstâncias, entre as quais está a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, que de acordo com Ferreira (2001) foi o fato mais marcante ocorrido no Brasil nessa era de reconhecimento crescente de direitos. Resultados e Discussão Quanto à análise dos dados obtidos nesta pesquisa, observa-se que a composição por gênero nas unidades familiares (Tabela 1) na década de 1990 eram compostas por cerca de 63,94% de pessoas do sexo masculino, em comparação as pessoas do sexo feminino em torno de 36,06%. Tabela 1 COMPOSIÇÃO DAS UNIDADES FAMILIARES POR GÊNERO BR DÉC 90 ANO TOTAL MASCULINO % Masculino FEMININO % Feminino 1990 58.580.800,00 38.781.715 66,20 19.799.085 33,80 1992 59.251.500,00 37.986.483 64,11 21.265.017 35,89 93 59.630.300,00 38.522.410 64,60 21.107.890 35,40 95 61.226.100,00 36.229.654 59,17 24.996.446 40,83 96 59.764.600,00 38.683.750 64,73 21.080.850 35,27 97 60.122.900,00 38.820.389 64,57 21.302.511 35,43 98 60.766.700,00 39.120.154 64,38 21.646.546 35,62 99 62.418.900,00 39.810.362 63,78 22.608.538 36,22 Média 63,94 36,06 2
No mesmo sentido, dados de inserção no mercado da trabalho por índice de idade (Tabela 2) e dados de escolaridade para a década (Tabela 3) demonstram que cerca de 3% das crianças de 10 a 14 anos e 10% dos adolescentes de 15 a 19 anos possuem 8 a 10 anos de estudos, uma média de 15,13% na década. Em contra partida há uma elevada taxa de 57,56% de pessoas que possuem menos de 8 anos de escolaridade. Tabela 2 PESSOAS INSERIDAS NO MERCADO DE TRABALHO POR ÍNDICE DE IDADE BR DÉC 1990 ANO TOTAL 10 a 14 % 10 a 14 15 a 19 % 15 a 19 1990 58.580.800 1.752.977 2,99 6.717.827 11,47 1992 59.251.500 2.895.358 4,89 7.011.805 11,83 93 59.630.300 1.872.148 3,14 6.656.156 11,16 95 61.226.100 1.266.951 2,07 6.650.328 10,86 96 59.764.600 1.645.181 2,75 5.735.973 9,60 97 60.122.900 1.741.969 2,90 5.900.247 9,81 98 60.766.700 1.731.920 2,85 5.774.978 9,50 99 62.418.900 1.664.691 2,67 5.440.187 8,72 Média 3,03 10,37 Tabela 3 ÍNDICES DE ESCOLARIDADE PARA ANOS DE ESTUDO COMPLETOS BR DÉC 1990 ANO TOTAL Menos de 1 a 7 anos % Menos de 1 a 7 anos 8 a 10 anos % 8 a 10 anos 1990 58.580.800 35.968.490 61,40 16.264.142 27,76 1992 59.251.500 37.521.664 63,33 7.608.730 12,84 93 59.630.300 32.107.664 53,84 8.301.068 13,92 95 61.226.100 29.791.247 48,66 6.848.887 11,19 96 59.764.600 35.719.605 59,77 7.916.421 13,25 97 60.122.900 35.441.470 58,95 8.308.395 13,82 98 60.766.700 35.030.562 57,65 8.625.005 14,19 3
99 62.418.900 35.486.759 56,85 8.769.490 14,05 Média 57,56 15,13 Para Ferreira (p. 213), o conhecimento dos aspectos gerais sobre o trabalho infantil na década de noventa foi fundamental para que o governo e a sociedade firmassem ações em seu combate e prevenção, mesmo que este planejamento mostrasse carência em ser realizado. A realidade desta situação muitas vezes tentava permanecer oculta, porém a análise das variáveis socioeconômicas e demográficas promoveu a clareza do trabalho infantil, apontando algumas soluções, mesmo as estratégias de ação tendo falhado em pontos principais onde o trabalho infantil se expos. Assim, através do cruzamento e comparações de dados juntamente com uma estimativa se obtiveram as seguintes relações para o índice de escolaridade para década de 1990 (Tabela 4): observando primeiramente 1995 em relação a 1990, há um aumento para 1995 de 3,16% de no caso crianças e adolescentes com anos de estudos completos a mais do que no início da década, já a relação de 1999 para 1995, a taxa de aumento no índice de escolaridade cai, porém este dado mesmo tendo um valor relativamente baixo ainda assim não se torna um dado negativo, pois podemos apontar que as crianças e adolescentes não contidas neste índice para que se pudesse gerar o aumento desta taxa, passaram da qualificação de Menos de 1 a 7 anos de estudos para 8 a 10 anos de estudos completos (Tabela 3 respectivamente), principalmente entre 1996 e 1997, mais propiciamente a partir de 1997 quando há uma larga queda nos índices, podendo-se inferir que a partir de 1996 o governo já começava a dar os primeiros passos para programas de incentivo à educação, tal como o bolsa escola, que segundo a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social e Transferência de renda é aquele benefício ao qual as famílias que possuem em sua composição ao menos uma criança ou adolescente de entre 3 e 17 anos podem receber este auxílio com o objetivo do programa de incentivar a permanência dessas crianças e adolescentes na rede de ensino escolar. Por fim, dados gerais para a década, relação de 1999 para 1990 apontam para a estatística de 4,64% de crianças e adolescentes com anos a mais de estudo para 1999. Tabela 4 VARIAÇÕES PERCENTUAIS PARA ÍNDICES DE ESCOLARIDADE BR DÉC 1990 ANO Valor % 1995 para 1990 3,16 1999 para 1995 1,47 1999 para 1990 4,64 4
Conclusões Para a Unicef (apud Veiga, 1998) o trabalho infantil pode estar associado à pobreza e aos baixos níveis de desenvolvimento humano e social, como resultado da baixa participação escolar dessas crianças. Ressalta ainda que países que apresentam altos índices de analfabetismo, baixos índices de permanência na escola de crianças e parcela significativa da população em situação de miséria absoluta ou próxima disso, são aqueles que apresentam as maiores proporções de crianças em situação de exploração. Além disto, e não menos importante há também o fator cultural que envolve tradições e costumes que facilitam a exploração da mão-de-obra infantil e tornam as soluções ainda mais difíceis. (OCDE, 1996: Gonçalves, 1996; Veiga, 1998) Neste sentido, há grande importância a cerca do estudo da família e a sua influência sobre a incidência do trabalho infantil, onde Ranjan (1999) apud Kassouf (2007, p. 14), desenvolve um modelo teórico para uma economia em desenvolvimento, mostrando que o trabalho infantil surge graças à pobreza e às imperfeições no mercado de crédito. O autor mostra que se a família pobre tivesse acesso ao crédito, na presença de altos retornos à educação, ela estaria propensa a colocar o filho na escola em vez de colocá-lo no trabalho. Ademais, mostra que a proibição do trabalho infantil reduz o bem-estar de famílias que tinham a intenção de fazer seus filhos trabalharem. Ele destaca que a proibição, que só pode ser imposta ou cumprida no setor formal da economia, pode piorar a situação das crianças forçando-as a trabalhar no setor informal, sob piores condições de trabalho. Deste modo, especialmente nos países da periferia, os governos comprometidos com a estabilidade não têm orçamento suficiente e estruturas eficazes para garantir a sobrevivência dos novos excluídos. Através da obtenção dos dados que possibilitaram a identificação da composição das famílias por gênero, idade e grau de escolaridade, foi possível mostrar que a partir da estabilização econômica nos anos de 1995 houve uma diminuição da participação da criança na força de trabalho, bem como o entendimento da composição das famílias na oferta de trabalho e o impacto das suas decisões na participação do trabalho infantil no Brasil no período analisado. Assim, a partir deste trabalho pode-se estabelecer uma comparação do comportamento das famílias na composição do mercado de trabalho infantil, permitindo que políticas públicas mais efetivas possam ser realizadas para os setores que ainda se utilizam desse mecanismo como fator de baixo custo. De tal modo, também é importante refletir num ponto de vista sociocultural que o Trabalho Infantil só diminuirá ou terá fim quando a sociedade mudar a maneira de compreender e justificar a existência do mesmo. Este é um gravíssimo problema que necessita de total solução com urgência. Todos os dias crianças e adolescentes estão sendo prejudicadas em seu desenvolvimento físico, mental e moral. Ou seja, tendo seus direitos violados. 5
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