II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores



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Transcrição:

II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL NA UNESP 1997-2010: CONQUISTAS E DESAFIOS Sonia Maria Duarte Grego, Luci Regina Muzzeti, Sheila Zambello De Pinho Eixo 4 - Políticas de formação de professores - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL NA UNESP 1997-2010: CONQUISTAS E DESAFIOS Eixo temático 4:Políticas de formação de professores Resumo O objetivo foi investigar se as políticas de inclusão social da UNESP têm possibilitado a conquista efetiva de acesso à universidade pública por jovens formados em escolas públicas e pertencentes a famílias de nível sócio-econômico-cultural tradicionalmente excluído da educação superior, no período de 1997 a 2010. A metodologia envolveu análise documental, análise e tratamento estatístico e análise crítica. Análises da série histórica indicam: avanços na democratização do acesso quanto à condição sócio-econômica, com 72% em 2010 com renda familiar até 10 salários-mínimos; ocupação de aproximadamente 43% das vagas por jovens com formação total ou parcial em escola pública de ensino médio; avanços na equidade de acesso à universidade pública para os que frequentaram cursinhos preparatórios e a persistência do capital cultural como um desafio para a superação das desigualdades de acesso à educação superior. Palavras-chave: democratização do acesso, políticas de inclusão, educação superior. 8081

POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL NA UNESP 1997-2010: CONQUISTAS E DESAFIOS Sonia Maria Duarte Grego. FCLA; Sheila Zambello de Pinho. REITORIA; Luci Regina Muzzeti. FCLAR, UNESP. INTRODUÇÃO O entendimento da educação como direito inalienável do homem e, inclusive, o direito à educação superior como um direito de todos que a ela aspirem em função do mérito (IESALC/UNESCO, 2008; UNESCO, 2009) em contraposição à concepção da educação como mercadoria defendida pela Organização Mundial do Comércio (SQUISSARDI, 2008), coloca não só ao governo, mas em particular às universidades públicas, o desafio da democratização do acesso à educação superior de qualidade. No Brasil, como em geral em toda a América Latina, marcado por profundas desigualdades econômicas e sócio-culturais, a necessidade de enfrentamento deste desafio, no sentido de resgate da cidadania e da dignidade de milhares de jovens tradicionalmente excluídos, é questão hoje altamente consensuada, ainda que distintos setores e grupos sociais divirjam quanto à natureza das ações a serem empreendidas. A preocupação com a expansão equitativa do acesso ao ensino superior ganha espaço significativo a partir de meados da década de 1990, resultante tanto de pactos e acordos internacionais firmados pelo Brasil (Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1992, Conferências Mundiais de Educação Superior, realizadas pela UNESCO em Paris, em 1998 e 2009, Declaração de Cartagena da Conferência Regional de Educação Superior na América Latina e Caribe), como de um conjunto de fatores socioeconômicos e culturais referentes: [...] à valorização do conhecimento técnico e científico; às pressões por direitos sociais; às aspirações de mobilidade social; à necessidade de competência técnica para enfrentar um mercado cada vez mais estável e seletivo; e às transformações no mundo das profissões trazendo de volta aos bancos escolares uma população adulta e integrada em atividades profissionais. Como pano de fundo está o resgate da justiça social. (CUNHA, MOOG PINTO, 2009, P.579-580) A busca do resgate da justiça social, que implica no Brasil a passagem de uma perspectiva elitista de educação superior para uma perspectiva mais equitativa de ampliação do acesso, encontra-se largamente referenciada nos princípios assumidos nas Conferências 8082 1

internacionais de educação superior e, em especial, no compromisso social assumido pelas universidades da América Latina e Caribe na Conferência Regional de Educação Superior na América Latina e Caribe, realizada em Cartagena sob o patrocínio da IESALQ/UNESCO (2008) No Brasil, o enfrentamento dessa agenda tem requerido além de políticas e programas governamentais, políticas e ações concretas por parte das instituições de ensino superior que permitam garantir, na prática, a universalização da educação superior pública e gratuita a jovens oriundos das escolas da rede pública e de famílias de menor nível sócioeconômico-cultural. Na instância governamental um marco na institucionalização de políticas de educação superior foi o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período 2001-2010, ao preceituar que: o dever do Estado com a educação efetiva-se mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; ao destinar às universidades o desafio de reunir em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão os requisitos de relevância, incluindo a superação das desigualdades sociais e regionais; ao propor como metas a oferta de educação superior para, pelo menos 30% da faixa etária de 18 a 24 anos, e a ampliação da oferta de ensino público de modo a assegurar uma proporção nunca inferior a 40% do total das vagas. (BRASIL, 2001). O projeto de lei do PNE 2011-2020 reitera o dever do Estado com a educação e amplia a oferta de vagas públicas federais para 50% para a população de jovens entre 18 e 24 anos. Embora perpasse nesses documentos a idéia de uma universidade inclusiva que assegure educação superior como um bem público e um direito do cidadão, os programas de expansão de vagas das duas últimas décadas, centrados, no dizer de Oliveira et alli, (2008, p.83), na diversificação da oferta, do crescimento das matrículas no setor privado e da racionalização dos recursos nas Instituições Federais de Educação Superior (IFES), permitindo a ampliação de vagas quase que a custo zero, sobretudo nas universidades federais, bem como os programas de ações afirmativas, como os sistemas de cotas, não têm logrado o atendimento de 40% das vagas no setor público, previsto no PNE 2001-2010. Dados do Censo da educação superior do Ministério da Educação MEC (BRASIL, 2009) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009) evidenciam que o Brasil, apesar de avanços significativos, está distante de atingir as metas estabelecidas. Em 2008, apenas 13,9% dos jovens entre 18 e 24 anos cursavam o ensino superior. Mesmo no Estado de São Paulo, onde se concentra o maior número de instituições de ensino superior, apenas 18,2% cursam algum tipo de educação superior. 8083 2

Outro importante fenômeno gerador de desigualdade no ensino superior tem sido a adoção de uma política de expansão desordenada do setor privado. Das 2.252 instituições de ensino superior 90% são privadas e somente 10% públicas. As matrículas nos cursos de graduação presenciais nas instituições de ensino superior privada representam hoje 71,6% do total, sendo 84,9% das matrículas no turno noturno. As privadas apresentam também as mais altas taxas de matrículas nas regiões interioranas 73,1%. (BRASIL, 2008) Outro dado perturbador é que em todo o Brasil foram registradas 1.479.318 vagas ociosas em relação ao número total de ingressos em 2008, a maior percentagem nas instituições privadas de ensino superior, a maioria faculdades de pequeno porte, que oferecem mais de 90% das vagas em pequenas localidades, o que torna visível outro grande desafio a ser vencido na educação brasileira que é o acesso, permanência e conclusão do ensino médio. Segundo dados do IBGE o percentual de jovens entre 18 e 24 anos com 11 anos de escolaridade em 2008 era de apenas 36,8%. Além disso, o percentual de jovens que concluem o ensino médio na idade certa (17 anos) é de cerca de 50%. Embora um avanço em relação ao ano de 1998, quando a taxa de conclusão era de apenas 30,4%, estes dados revelam que expressiva percentagem de jovens não consegue sequer concluir o ensino médio. (BRASIL, 2008) Esses dados da realidade educacional brasileira, vistos à luz das condições históricas recentes que os engendram, ressaltam o importante papel das universidades públicas no processo de democratização do acesso à educação superior de qualidade. A responsabilidade pública das universidades paulistas está estabelecida no parágrafo único do artigo 254 da Constituição do Estado de São Paulo (São Paulo, 1989, p.37): A autonomia da universidade será exercida respeitando, nos termos de seu estatuto, a necessária democratização do ensino (pela) utilização dos recursos de forma a ampliar o atendimento à demanda social. Pautada nesses princípios constitucionais a UNESP, através da Fundação para o Vestibular da Unesp (VUNESP), vem aperfeiçoando o denominado modelo VUNESP de seleção de ingressantes, em consonância com o objetivo de democratizar as oportunidades de acesso. Mais recentemente, diante de novas diretrizes da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo e de debates nacionais em favor da adoção de ações afirmativas, as universidades paulistas vêm adotando políticas orientadas para a democratização do acesso aos jovens de camadas populares que tiveram sua trajetória educacional na escola pública, 8084 3

buscando garantir ao mesmo tempo a excelência acadêmica. Análises dessas políticas evidenciam que: [...] as universidades públicas têm-se esforçado por estabelecer diretrizes e procedimentos para o acesso aos seus cursos que atendam a duas concepções aparentemente contraditórias de sua missão social: garantir a excelência acadêmica e a relevância social, em outras palavras, tornar possível o acesso a uma educação superior de qualidade a todos que queiram e possam desfrutar de seus benefícios (GREGO, PINHO, 2002, p.2). Os programas das universidades públicas paulistas se caracterizam, também, pelos esforços empreendidos para embasar suas propostas em estudos sobre o perfil, e estimativas de desempenho de candidatos e de matriculados. Estas investigações visam contribuir com a produção de novos conhecimentos sobre a questão da inclusão e da diversidade na educação superior, e avaliar suas ações afirmativas em relação às questões em debate no cenário nacional. É justamente por reconhecer que o problema da exclusão social extrapola a capacidade das universidades para solucioná-las sozinhas, frente ao grave quadro de desigualdade social que envolve todos os aspectos da existência humana, que se torna imprescindível a realização de projeto de pesquisa para se avaliar o impacto e a pertinência destas políticas. No presente estudo, parte de projeto mais amplo, o objetivo foi buscar respostas às questões: Qual o grau de inclusão que estas políticas e programas efetivam e/ou tem efetivado historicamente? Quais os espaços almejados e efetivamente conquistados historicamente pelos estudantes formados em escolas públicas e por jovens oriundos de ambientes familiares sócio-econômico-culturais tradicionalmente considerados desfavoráveis ao ingresso em uma universidade pública, a UNESP? Metodologia A pesquisa envolveu três passos metodológicos: análise documental, análise e tratamento estatístico dos dados de candidatos e ingressantes e análise crítica. Na análise documental, buscou-se apreender as relações entre conhecimento e formas de regulação social, como proposto por Popkewitz (1997), explicitando os princípios que têm orientado as políticas de acesso na UNESP, ao longo do período estudado. As fontes primárias foram os discursos e documentos oficiais sobre políticas de acesso na UNESP (documentos da VUNESP, atas do CEPE e documentos da PROGRAD) e, como fonte secundária, estudos e pesquisas sobre políticas de acesso e de equidade e sobre o perfil de candidatos e ingressantes em instituições de ensino superior. 8085 4

Na análise e tratamento estatístico foi utilizado o banco de dados fornecido pela VUNESP, que anualmente aplica um questionário a todos os inscritos no exame vestibular. Para a realização desta pesquisa os dados foram reagrupados de modo a possibilitar análises da série histórica sobre o perfil dos candidatos e ingressantes desde 1997 até 2010. Os dados foram agrupados em três categorias: trajetória escolar (tipo de escola frequentada e frequência a cursinho), característica sócio-cultural (escolaridade do pai) e característica econômica (renda familiar), tomadas como eixos centrais de análise por serem apontadas como determinantes das possibilidades de acesso ao ensino superior. A análise crítica buscou desvelar o movimento entre o proposto como política de admissão e o efetivado na realidade do processo seletivo. Políticas de acesso na UNESP Com a criação da Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista (VUNESP), por iniciativa do Conselho Universitário, em 1979, a UNESP se responsabiliza pela realização de seu vestibular desde 1981. Coerente com o objetivo de democratizar as oportunidades de acesso, os pontos fundamentais da política da UNESP têm sido: a ampliação de cursos e vagas em cidades estratégicas do interior do Estado, com atenção ao turno noturno, configurando um processo de interiorização da educação superior pública; a integração dos objetivos dos exames vestibulares aos objetivos curriculares da educação básica; e avaliação global do desempenho dos candidatos, permitindo uma ampla visão da formação destes em relação aos estudos realizados no ensino fundamental e médio; a ampliação de vagas em cursinhos preparatórios à universidade gratuitos, coordenados pelas Unidades Universitárias em diferentes câmpus da UNESP, alguns em parceria com os governos locais. Ações políticas relevantes adotadas em prol da democratização incluem: o programa de isenção de taxas de inscrição para os vestibulandos com renda familiar mensal igual ou inferior a 1,5 salários mínimos por pessoa e o programa de redução de taxa de inscrição para alunos de escolas públicas, programa desenvolvido em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo; o aproveitamento da nota do ENEM no processo seletivo e atualmente a reserva de 15% de vagas para alunos de escolas públicas (UNESP, 2013a). Na UNESP os cursinhos representam uma iniciativa de alcance social. Há atualmente 30 cursinhos em funcionamento em 22 câmpus da universidade. Em 2013 foram atendidos 4.886 jovens. Destes 51,5% lograram ingresso no ensino superior, sendo 65% em instituições públicas e 35% em instituições privadas. (UNESP, 2013b) 8086 5

CONQUISTAS E DESAFIOS DO ACESSO NA UNESP A Trajetória Escolar A análise da série histórica de candidatos e ingressantes quanto ao tipo de escola frequentada permite evidenciar que, na UNESP, a democratização do acesso para aqueles formados em escola pública está relacionada à proporção de candidatos com formação em escola pública e em escola privada, mas também à freqüência de cursinhos preparatórios, que lhes garanta equidade de desempenho nos exames vestibulares. Analisando-se a série histórica dos candidatos e ingressantes que tiveram toda sua formação de ensino médio em escola pública, em comparação com os que realizaram o ensino médio em escola privada e com os que realizaram parte em escola pública e parte em escola privada, pode-se observar (Figura 1) que os alunos de escola particular comparecem em maior número ao longo de toda a série histórica, tanto como candidatos como ingressantes. Mas, observando-se a Figura 1 pode-se verificar igualmente que de 1997 até 1999 os candidatos de escola pública tiveram proporcionalmente mais chances de ingresso na universidade que os de escola privada, mas não mantiveram esta chance nos anos subsequentes, quando começaram a prestar o vestibular os alunos oriundos de escola pública que tiveram toda sua formação no regime de progressão continuada, implantada em 1998. 8087 6

Figura 1 Distribuição de candidatos e matriculados na UNESP no período de 1997-2010 e o ano em que prestaram o vestibular, segundo o tipo de ensino médio frequentado. Mas, a possibilidade de democratização do acesso aos candidatos com formação em escola pública ganha um novo sentido quando se analisa o peso dos cursinhos preparatórios para aprovação dos jovens nos exames vestibulares, em períodos demarcados da sequência histórica. A figura 2 permite evidenciar que no ano de 1997 a frequência a cursinhos tinha um peso relativo para ingresso na universidade para os formados em escola pública, considerando que embora entre os candidatos 59,9% houvesse frequentado cursinho e 39,9 não, entre os ingressantes 50% havia frequentado cursinho e 50% não. Mas, para os candidatos formados em escola particular a frequência a cursinho já exercia, em 1997, certo peso na chance de ingresso na universidade (51,7% dos candidatos haviam frequentado cursinho e 48,2% não, mas dentre os ingressantes 59% havia frequentado cursinho e 40,8% não). No período de 1998 até 2004 os cursinhos ganham progressivamente maior peso e os jovens que o frequentam, inclusive aqueles com formação em escola pública, passam a ter, proporcionalmente, maiores chances de ingresso que os com formação em escola privada que não frequentaram cursinho. Mas a partir de 2007 o peso do cursinho para ingresso na universidade começa a diminuir. Ao se considerar a maior inserção à educação universitária pública dos jovens com formação em escola pública e que frequentaram cursinhos preparatórios, pode-se relacionar estes resultados, ao menos em parte, à reconfiguração das provas de acesso, dada a finalidade desta reconfiguração de privilegiar o domínio da cultura diretamente ensinada e totalmente controlada pela escola (BOURDIEU, 2008, p.98). 8088 7

Figura 2 Distribuição de candidatos e matriculados de escola pública e particular, segundo o ano em que realizaram o vestibular da UNESP e a frequencia ou não a cursinhos preparatórios. AS CARACTERÍSTICAS SÓCIO-CULTURAIS A análise da escolaridade do pai oferece elementos relevantes para se estimar a extensão e os limites da democratização de oportunidade de acesso ao ensino superior em relação á pertença de classe. Figura 3 Distribuição de candidatos e matriculados na UNESP, segundo o ano em que prestaram o vestibular e o nível de escolaridade do pai. 8089 8

O êxito nos exames vestibulares exige esforços diferenciados dos candidatos em função do nível de instrução dos pais. Como se observa na figura 3 encontram-se bem representados entre os ingressantes os filhos de pais com ensino superior completo e com ensino médio, indicando a influência do capital cultural no acesso à educação superior pública. Características socioeconômicas A renda familiar tem sido considerada um dos indicadores mais elitistas do acesso ao ensino superior. Figura 4 Distribuição de candidatos e matriculados na UNESP segundo o ano em que prestaram exames vestibulares e a renda familiar. A relação da pertença a classes sociais economicamente favorecidas aos êxitos escolares, porque fortemente determinantes do acesso a bens culturais, nos obriga a uma observação mais atenta à Figura 4 quanto à expressiva participação, entre os ingressantes, de indivíduos cuja renda familiar situa-se entre 5,0 e 9,9 salários mínimos (SM) e a progressiva e expressiva participação, notadamente a partir de 2004, de indivíduos com renda familiar entre 2,9 e 4,9 SM (14,4% em 1997 e 34% em 2010) e, igualmente a partir de 2004, de indivíduos com renda familiar mensal até 1,9 SM (1,2% em 1997 e 9,6% em 2010). Essa participação indica um efetivo processo de democratização do acesso, mas que a conquista desse espaço na universidade exige esforço maior, por não possuírem, como os filhos de famílias com maior poder aquisitivo, uma dotação inicial herdada da pertença de classe (BOURDIEU, 1998, ENGUITA, 2001), considerando que este esforço é mais bem recompensado quando a relação candidato-vaga é menor, o que permite relacionar a ampliação de oportunidades de acesso para as classes menos favorecidas às políticas tanto 8090 9

institucionais como governamentais de aumento de vagas nas universidades públicas, sobretudo em cursos noturnos localizados em cidades do interior do Estado. Conclusões Análise do perfil de candidatos e ingressantes da Universidade Estadual Paulista, ao longo da série histórica de 1997 até 2010, quanto à trajetória escolar pregressa e condições sócio-econômicas, notadamente a renda familiar, permitem evidenciar que as ações políticas visando à democratização do acesso, em seu conjunto, têm logrado, ano a ano, crescente inserção de jovens provenientes de estratos sócio-econômicos tradicionalmente excluídos, com 72% dos efetivamente matriculados em 2010 com renda familiar até 10 salários mínimos, sendo que em 1997 apenas 41,5% dos matriculados se situavam nesta faixa de renda. Tem possibilitado também que aproximadamente 43% das vagas oferecidas pela universidade sejam efetivamente ocupadas por jovens com formação total ou parcial em escola pública de ensino médio. Se a ampliação da oferta de vagas em cursos situados no interior do Estado pode explicar a crescente inserção de indivíduos oriundos de famílias de baixa renda, fatores como o respeito às orientações curriculares para a escola básica, nacional e estadual e a ampliação na oferta de cursinhos preparatórios gratuitos ao vestibular também contribuem para oferecer condições de equidade aos alunos da escola pública ao privilegiarem a estes o domínio da cultura diretamente ensinada e totalmente controlada pela escola (BOURDIEU, 2008, p.98) Considerando que ao longo do período estudado observa-se uma diminuição gradativa na porcentagem de candidatos e ingressantes de escola pública com ligeiro, mas contínuo acréscimo após 2007, e entendendo que esta diminuição reflete, em parte, a baixa porcentagem de concluintes no ensino médio na idade certa, impõe-se refletir sobre os desafios e responsabilidades que se colocam hoje ao Estado e às universidades públicas no atendimento ao desafio da democratização do acesso à educação superior de qualidade. Ao Estado o desafio de investimentos qualificados na educação pública e, em especial no ensino médio; às universidades públicas, além da responsabilidade pela formação dos professores da escola básica, o envolvimento e compromisso na resolução dos problemas do ensino fundamental e médio através da pesquisa e da extensão universitária. 8091 10

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