QUARTA CÂMARA CÍVEL RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL Nº 60691/ CLASSE II COMARCA DE RONDONÓPOLIS

Transcrição

1 APELANTE: APELADOS: COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL DO SUL DE MATO GROSSO - SICREDI SUL MT EURIPEDES RIBEIRO DE GODOI E OUTRO(s) Número do Protocolo: 60691/2006 Data de Julgamento: EMENTA INSOLVÊNCIA CIVIL NULIDADE PROCESSUAL MANIFESTAÇÃO DO MP DESNECESSIDADE EXTINÇÃO DO PROCESSO DECISÃO EQUIVOCADA REQUISITOS NECESSÁRIOIS RECURSO PROVIDO. 1- Sendo as partes maiores e capazes, não há que se falar em nulidade processual por falta de manifestação do MP. 2- A demonstração do inadimplemento do devedor e a existência do título executivo. 3- A inexistência de bens penhoráveis e/ou existência de concurso de credores não afasta a possibilidade jurídica do pedido. Fl. 1 de 8

2 RELATÓRIO EXMA. SRA. DRA. MARIA APARECIDA RIBEIRO Egrégia Turma: Versam os autos sobre pedido de declaração de insolvência ajuizado por COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL DO SUL DE MATO GROSSO SICREDI SUL MT, julgada carecedora de ação pela r. sentença de fl. 59/64, que extinguiu o processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Inconformado, o autor apelou (fl. 65). Em suas razões de fl. 66/74, aduz que os apelados possuem bens e que para declaração de insolvência basta que a divida exceda a importância dos bens, além que, sua declaração permite evitar os prejuízos sofridos pela apelante. Alega ainda, falta de intervenção do MP, o que enseja nulidade processual. Em suas contra-razões (fl. 87/91), os apelados protestam pela manutenção da r. sentença (fl. 87/91). É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DRA. MARIA APARECIDA RIBEIRO (RELATORA) Egrégia Turma: Como relatado, trata-se de recurso de apelação cível contra a r. sentença que acolheu preliminar de falta de interesse de agir da autora COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL DO SUL DE MATO GROSSO SICREDI SUL MT e julgou extinta a ação declaratória de insolvência civil proposta contra EURÍPEDES RIBEIRO DE GODOI e OUTROS. Conheço do recurso, eis que presentes seus pressupostos de admissibilidade. Importa, inicialmente, perquirir sobre a necessidade da intervenção ministerial no caso de insolvência civil. Fl. 2 de 8

3 A meu ver, não há falar em nulidade do processo, se as partes litigantes são maiores e capazes, não ofendendo, assim, o disposto contido no art. 82 do Código de Processo Civil. Não causa aos apelados qualquer prejuízo a falta de manifestação do Ministério Público no efeito executivo, se, em embargos à execução, tiveram eles a oportunidade de se defender sobre o mérito da execução. No entanto, como a ação de insolvência civil comporta duas fases, ainda há tempo, se for o caso, colher o parecer ministerial por ensejo da arrecadação e declaração da insolvência. O art. 748, do Código de Processo Civil, estabelece que: Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem a importância dos bens do devedor. O Código de Processo Civil Interpretado, sob a coordenação de Antônio Carlos Marcato, Ed. Atlas, 2004, pág define a insolvência real e presumida da seguinte forma: 3. Insolvência real e presumida: Segundo o art. 748, a insolvência se dá toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor. Ou seja, estabelece o legislador um conceito econômico, baseado no desequilíbrio patrimonial do devedor. Da análise de outros dispositivos, contudo, vê-se que a intenção do legislador é a de que a declaração da insolvência seja feita em face da impossibilidade do pagamento integral dos credores (e não do desequilíbrio patrimonial em si, da simples situação negativa contábil ou econômica). O verdadeiro conceito de insolvabilidade a ser considerado é o de estar o devedor em situação patrimonial negativa, de forma que o impossibilite de pagar integralmente todos os credores. Havendo bens a serem penhorados pelo credor de uma execução singular, não há por aquele ou o próprio devedor pedirem a insolvência, ainda que o executado esteja de fato em estado de insolvência, em virtude de outros débitos estranhos àquele processo. Fl. 3 de 8

4 A situação negativa do devedor deve ser verificada por meio da existência de certos fatos objetivos fixados na lei (excesso das dívidas em detrimento dos bens penhoráveis do devedor), os quais caracterizam a insolvência real. Outra situação é a da insolvência presumida, ou seja, aquela em que existem fortes indícios do desequilíbrio patrimonial do devedor. Tal é o que ocorre com o devedor que não possui outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora (CPC, art. 750, I), ou se forem arrestados bens com fundamento no art. 813, I a III (CPC, art. 750, II). Assim, se o bem objeto de uma segunda penhora não for suficiente para cobrir o valor de ambas as penhoras e o devedor não tem outros bens livres e desembaraçados para oferecer, presumir-se-á sua insolvência. Em tal caso, a certidão do oficial de justiça afirmando que não encontrou outros bens será suficiente para comprovar o estado de insolvência patrimonial e ensejar o pedido de insolvência, que se processará em autos apartados, já que exigirá uma fase inicial indispensável de cognição, destinada à declaração principal do estado de insolvência do devedor e, portanto, um processo de conhecimento, encerrando-se o processo de execução em questão nos termos do art. 791, III, do CPC não há uma conversão automática do processo de execução individual para o de execução coletiva, nem pode o credor, nos mesmos autos, pedir tal conversão. (...) A presunção de insolvência é relativa porque admite prova em contrário. Essa prova, porém não é uma mera alegação do devedor; consiste na efetiva demonstração de sua solvabilidade, com a indicação de bens livres e desembaraçados para a penhora ou com o depósito do valor do crédito (CPC, art. 757). Na dúvida, diante dos fatos do art. 750, o juiz deve decretar a insolvência. Antes deve, porém desenvolver atividade eminentemente Fl. 4 de 8

5 investigativa, para a qual a lei lhe confere amplos poderes (CPC, art. 130), a fim de evitar fraudes e simulações, em detrimento da economia em geral. Somente mediante cognição exauriente, declara-se em caráter principal a insolvência civil do devedor.. Evidencia-se do caso em exame que proposta pela apelante a execução sob n /97, restou comprovado, nos autos, terem sido penhorados, anteriormente, todos os bens disponíveis dos devedores, de sorte que inexistem outros a penhorar, esgotados assim todos os meios, inclusive através de remessa pela Receita Federal das declarações de rendimento dos devedores, aspecto que configura a presunção de insolvência, segundo previsto do inciso I, do art. 750 do Código de Processo Civil. A meu ver, assiste razão ao apelante. Isto porque não afasta a possibilidade jurídica do pedido de insolvência civil, o fato de não dispor o devedor de bens penhoráveis e nem tampouco a existência de concurso de credores. Destarte, cabe, ressaltar que a declaração de insolvência do devedor se trata de um procedimento autônomo, em que se requer a instalação de uma execução coletiva, sendo o devedor citado para, no prazo de 10 dias, oporem embargos, e se não os oferecer, o juiz proferirá, em 10 dias, a sentença (art. 755 CPC), tendo o devedor a faculdade prevista pela norma do art. 757 do CPC de depositar a importância do crédito. Precede, assim, a declaração de insolvência aos atos de arrecadação existentes em uma execução, sendo, portanto, uma fase pré-cognitiva, que somente exige a apresentação pelo credor do título executivo, cabendo ao devedor comprovar sua solvência. Com efeito, considero ter o ilustre e culto magistrado incorrido em equívoco ao extinguir o processo sem julgamento do mérito, entendendo que por não possuir o devedor bens desembaraçados, para nomear à penhora, ou garantir o juízo da execução, não poderia ser requerida sua insolvência. Isto porque a lei processual não exige para reconhecimento da insolvência a existência de bens para arrecadação e satisfação do credor que a requer. A demonstração do inadimplemento do devedor e a existência do título executivo bastam para Fl. 5 de 8

6 amparar o pedido de insolvência civil, com vista ao provimento declaratório/constitutivo de um estado do devedor que produzirá o vencimento antecipado das dívidas e a execução por concurso universal dos credores. O art. 754 do Código de Processo Civil impõe ao requerente da execução contra devedor insolvente a adequada instrução do pedido com o titulo executivo. É o que leciona Alexandre de Paula: A única exigência feita ao credor, que requer a insolvência do devedor, é a de instruir o pedido com o titulo executivo judicial ou extrajudicial. Satisfeita fica essa exigência com a juntada ao requerimento de duplicata do aceite do requerido, protestada por falta de pagamento. (Paula, Alexandre de. Processo Civil à Luz da Jurisprudência. vol. VIII, Rio de Janeiro: Forense, 1988, pag. 194) Portanto, pode e deve ser processada a declaração de insolvência, desde que tenha o credor instruído seu pedido com o título executivo extrajudicial, principalmente tendo em vista os efeitos de seu reconhecimento, posto que, apesar da inexistência de bens que propiciem ao credor oportunidade de receber seu crédito na atualidade, a fase executiva do processo de insolvência fica suspensa, garantindo ao mesmo a possibilidade de arrecadá-lo num remoto futuro, com bens que porventura sejam adquiridos no curso do processo. Acerca da questão, é tranqüilo o entendimento de nossos Tribunais: Mesmo que não existam bens suscetíveis de penhora, pode ser requerida e declarada a insolvência civil do devedor, com o vencimento antecipado de suas dívidas, e o devedor será executado, automaticamente, por todos os seus credores. (STJ, 4ª T., RESP DF, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j , v.u., DJU ) Insolvência civil. Inexistência de bens. A insolvência civil é situação fática que pode ser judicialmente reconhecida, através do procedimento previsto nos artigos 748 e seguintes do CPC, ainda que não existam bens a penhorar. Recurso provido. (TJRS, Ap. Cível PROC , 16ª C.C., rel. Ana Beatriz Iser, DATA 05/06/2002) Fl. 6 de 8

7 Neste esteio, constata-se que os embargos opostos pelos apelados não merece acolhimento, devendo, pois, ser rejeitados por ausência de fundamento legal. Pelo exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para tão-somente rejeitar os embargos, determinando o retorno dos autos ao juízo monocrático para dar prosseguimento a insolvência civil, visto que a declaração de insolvência encerra duas fases cognitivas. Pelo que se tem nos autos, não vejo como, analisando o pedido nesta instância, ficando invertidos os ônus sucumbenciais. Custas recursais pelos apelados. É como voto. Fl. 7 de 8

8 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. BENEDITO PEREIRA DO NASCIMENTO, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DRA. MARIA APARECIDA RIBEIRO (Relatora convocada), DES. BENEDITO PEREIRA DO NASCIMENTO (Revisor) e DR. SEBASTIÃO BARBOSA FARIAS (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: POR DECISÃO UNÂNIME, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, PROVERAM O RECURSO. Cuiabá, 30 de outubro de DESEMBARGADOR BENEDITO PEREIRA DO NASCIMENTO - PRESIDENTE DA DOUTORA MARIA APARECIDA RIBEIRO - RELATORA GEACOR Fl. 8 de 8