Uma Política Industrial para o Brasil
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- Gabriella Laura de Sá Benke
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1 Uma Política Industrial para o Brasil 11
2 Os marcos históricos do desenvolvimento industrial brasileiro são o ponto de partida para reflexões sobre os desafios enfrentados pela indústria brasileira nos tempos atuais, assim como as projeções sobre o futuro da indústria como elemento fundamental para a sustentação do desenvolvimento do país a longo prazo. O artigo faz, também, um balanço da política industrial, tecnológica e de comércio exterior dos últimos anos no Brasil. A indústria brasileira: breve histórico O desenvolvimento industrial brasileiro possui marcos históricos bem definidos e pontuados por políticas voltadas para a implantação de empresas estatais, planos econômicos, grandes subsídios e criação e expansão da indústria de base. A partir da década de 1940 constata-se de maneira mais evidente um esforço do Estado em prol do processo de industrialização no país. A indústria de base adquire vigor com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce, nos inícios dos anos Na década de 1950, a instituição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico - BNDE, posteriormente BNDES, e da Petrobras aportaram apoio marcante ao desenvolvimento industrial ainda emergente. Conferiu-se atenção, nessa década, aos setores de energia e transportes, construindo-se, assim, a infra-estrutura necessária para a expansão do parque industrial brasileiro. A inauguração de pólo auto- 13
3 mobilístico e de eletrodoméstico no interior paulista deu início à instalação de uma base industrial de produtos de consumo durável. A segunda metade da década de 1960 no Brasil assiste ao início do regime militar, que empreendeu uma série de reformas sob o ponto de vista econômico. Durante o período, o Brasil passou por um chamado 杜 ilagre econômico, época de grande desenvolvimento, representado pelo crescimento recorde do PIB de até 12% ao ano, com crescimento de 18% ao ano do setor industrial. Na busca de transformar o país numa potência emergente e com a disponibilidade externa de capital, foram feitos pesados investimentos em infra-estrutura, indústria de base, indústria de transformação, de bens de capital, de bens duráveis e na agroindústria. As políticas industriais brasileiras até os anos 1970 tiveram pelo menos duas características distintas daquelas de vários países europeus e asiáticos (particularmente Japão e Coréia do Sul). Primeiro, a abertura para a atração de investimento estrangeiro: várias cadeias de produção passaram a ter empresas multinacionais em sua coordenação. A infraestrutura e vários projetos do Estado foram financiados com recursos externos. Segundo, a industrialização baseada em substituição de importações, sem plano estratégico para exportar e nacionalizar suas empresas. Com o fim do milagre econômico, representado pela primeira crise internacional do petróleo (1973), o mundo foi abalado por uma forte recessão e pelo aumento da taxa de juros, que, além de reduzir a oferta de crédito, colocou a dívida externa brasileira em um patamar crítico. Nesse cenário, o Brasil passou por um processo de desaceleração industrial. O país ainda sofreria os efeitos do endividamento externo significativo, do crescimento negativo do PIB e dos altos índices inflacionários. Constituiu-se, assim, um cenário sombrio, caracterizado pela chamada stagflação, uma combinação de estagnação da atividade econômica aliada à inflação de preços. 14
4 O restabelecimento da democracia do Brasil foi acompanhado por vários planos econômicos, que tinham por objetivo acabar com a inflação e criar condições favoráveis para um desenvolvimento sustentado. Os anos 1990 no Brasil ainda foram marcados pela abertura econômica, promovida pela redução drástica das alíquotas dos impostos de importação e pela desregulamentação da economia. Na história recente, uma série de mudanças foi adotada com o objetivo de adaptar o país à nova realidade da economia mundial. Desregulamentação de mercados, flexibilização das regras de contratação de mão-de-obra e fim do monopólio estatal nas áreas de petróleo, energia, siderurgia, telecomunicações e transporte foram algumas das medidas de adaptação. O controle da inflação foi um resultado positivo obtido nesse processo. A indústria, contudo, sofria de maneira acentuada os impactos da forte concorrência internacional e se ressentia da ausência de políticas públicas voltadas à atividade produtiva no país. Depósito industrial 15
5 A indústria brasileira na atualidade e os desafios de uma política industrial Se as economias mundiais forem colocadas numa escala de concorrência, a indústria brasileira estaria posicionada num espectro intermediário dessa disputa competitiva. Na parte inferior dessa escala, estaria a concorrência baseada em baixos custos, e na parte superior a competição caracterizada por inovação e diferenciação de produto. Ocorre que os países localizados nos dois extremos dessa escala estão se movendo para ocupar o espaço das posições intermediárias, e existe a possibilidade real de que os países localizados nesse intervalo do sistema percam espaço na economia global. Em outras palavras, a indústria brasileira está ameaçada por baixo pela concorrência de empresas radicadas em países de baixos salários e piores condições de trabalho (longas jornadas, poucos direitos trabalhistas, poucos direitos sindicais), que buscam a liderança em custos e concorrem via preços baixos. E parte dessas empresas, particularmente as radicadas em países asiáticos, vem procurando associar baixos custos com inovação, pressionando por baixo, procurando mover-se para cima. A fatia superior do espectro competitivo é aquela dominada por empresas inovadoras, localizadas especialmente em países de alta renda, altos salários e melhores condições de trabalho. São empresas que buscam criar novas necessidades de consumo, abrindo mercados e auferindo preços-prêmio por sua liderança. Parte dessas empresas tem procurado reduzir custos, seja alocando a produção física em países de salários mais baixos, seja terceirizando parte da produção, seja racionalizando suas atividades nos próprios países centrais. Partindo dessa visão de presente da indústria brasileira, a visão de futuro adotada pelo país é a da saída por cima, por meio da indução da mudança do patamar competitivo da indústria pela inovação e 16
6 diferenciação de produtos e serviços, com inserção e reconhecimento nos principais mercados do mundo. Essa visão é intimamente associada com inovação tecnológica, com inserção positiva na sociedade do conhecimento - o que inclui educação em todos os níveis, inclusão digital, desenvolvimento científico e tecnológico, com maior protagonismo no comércio exterior nos segmentos de maior intensidade tecnológica, com internacionalização de empresas brasileiras, com disputa pela liderança em desenvolvimento de produtos de base nano e biotecnológica, com liderança de empresas brasileiras na tecnologia e no comércio de biocombustíveis. O fortalecimento e a expansão da base industrial brasileira e o aumento da capacidade inovadora das empresas da base industrial brasileira promovem a sustentação do crescimento. E de um novo tipo de crescimento. A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior brasileira A política industrial brasileira foi definida num contexto de um novo paradigma de relacionamento Estado-Sociedade, no qual o agente público procurou criar um ambiente de negócios favorável ao investimento produtivo, cabendo ao agente privado identificar oportunidades e realizar investimentos. Lançada em março de 2004, a chamada Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) tem características singulares e se distingue claramente das políticas até então vigentes. Objetiva ampliar a eficiência e a competitividade da empresa nacional e inseri-la internacionalmente, criando empregos e elevando a renda. Paralelamente à definição de uma política industrial para o país, criou-se a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI, incumbida de promo- 17
7 18 Detalhe de indústria
8 ver a referida política, além do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial - CNDI, composto por ministros de Estado e representantes da sociedade civil, que em conjunto definem as estratégias que orientam a execução da política industrial do país. Trata-se da institucionalidade necessária para criar a sinergia que articule o setor público e a iniciativa privada em prol do desenvolvimento industrial. Uma síntese da iniciativa brasileira para a indústria está no seu próprio título: política industrial e tecnológica e de comércio exterior, ou seja, relaciona desenvolvimento da indústria (aumento da modernidade e produtividade) com inovação tecnológica e competitividade internacional. Busca incentivar a mudança do patamar competitivo da indústria brasileira rumo à inovação e diferenciação e inovação de produtos. Trata-se de uma política em consonância com as principais tendências internacionais no assunto, voltada ao desenvolvimento tecnológico, e em estrita conformidade com todos os acordos internacionais firmados pelo Brasil, como aqueles no âmbito da Organização Internacional do Comércio (OMC). As diretrizes estabelecidas estão articuladas em três eixos complementares: 1) linhas de ação horizontais para todos os setores econômicos, voltadas para inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção externa, modernização industrial (incluindo pequenas e médias empresas e arranjos produtivos locais), aprimoramento do ambiente institucional e estímulo ao investimento. 2) linhas verticais para quatro setores identificados como estratégicos para o desenvolvimento da economia brasileira e para uma maior inserção do país no comércio mundial: semicondutores; software; bens de capital; fármacos e medicamentos. 3) atividades portadoras de futuro: biotecnologia; nanotecnologia; biomassa e energias renováveis. 19
9 Um balanço da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior e 2005 A Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE provocou uma reengenharia institucional, restabelecendo os instrumentos necessários para alavancar o desenvolvimento da indústria de maneira eficiente e sustentada. Também possibilitou a agilização de instrumentos importantes para a indústria, como a Lei de Inovação. Por quatro anos fora da pauta do Congresso Nacional, foi votada e aprovada em tempo recorde e regulamentada em outubro de A Lei é organizada em torno de três eixos: a constituição de ambiente propício a parcerias estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; o estímulo à participação de institutos de ciência e tecnologia no processo de inovação; e o estímulo à inovação na empresa. A Lei de Biossegurança constitui outro exemplo de medida relacionada à política industrial e também representa um avanço importante nesse contexto. Regulamentada em novembro de 2005, a Lei cria normas de segurança e mecanismos de fiscalização para todas as atividades relacionadas aos Organismos Geneticamente Modificados, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e cria o Conselho Nacional de Biossegurança, além de permitir pesquisas com células-tronco embrionárias. Cabe destacar a introdução, a partir de 2004, de um novo modelo de gestão integrada dos Fundos Setoriais, que se constitui em mecanismo inovador de estímulo ao fortalecimento do sistema de C&T nacional. O novo modelo, a ser consolidado na regulamentação definitiva do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) permitiu integrar grande parte dos investimentos dos Fundos por meio de ações transversais alinhadas com as prioridades do Governo, evitando a duplicidade ou dispersão de iniciativas e assegurando maior 20
10 transparência e eficiência na execução dos recursos. A estruturação do novo modelo de gestão dos Fundos Setoriais permitiu focar na política industrial mais de 60% dos recursos disponíveis para novos investimentos dos Fundos, em 2004 e Agrega-se a isto os créditos reembolsáveis estendidos a empresas pela Finep para fomentar atividades de P&D. O novo modelo de gestão aumentou a eficiência na execução dos recursos dos Fundos, atingindo a marca de aproximadamente 99% de execução dos recursos disponíveis em 2004 e em De modo geral, a execução dos recursos do FNDCT compostos, fundamentalmente, por recursos dos Fundos Setoriais aumentou de R$ 343 milhões, em 2002, para R$ 628 milhões, em 2004, atingindo em torno de R$ 800 milhões, em Outro número relevante vem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES: a carteira do para investimentos em projetos nas linhas prioritárias e estratégicas da PITCE soma cerca de R$ 4,4 bilhões. Em prazo recorde, apenas seis meses após a publicação da Lei que a instituiu, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial já estava consolidada, articulando e promovendo as ações previstas na política industrial. Em parceria com entidades representativas da iniciativa privada, a ABDI definiu e trabalha em dois eixos estratégicos de ação: o Aumento da Capacidade Inovadora das Empresas e o Fortalecimento e Expansão da Base Industrial Brasileira. Para cada um dos eixos há um Macroprograma Mobilizador, com ações ou iniciativas capazes de explorar o potencial industrial nacional. Nesse sentido, foram criados os macroprogramas Indústria Forte, para que a indústria possa mudar o seu patamar competitivo; e o Inova Brasil, para mobilizar as empresas, as universidades, os institutos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, as entidades empresariais, sindicatos de trabalhadores e os diversos órgãos de Estado e da sociedade civil com o intuito de 21
11 aumentar a capacidade de inovação da economia industrial brasileira, amplificando as ações que cada ente já realiza e incentivando outros a se engajarem no processo. Perspectivas para o futuro A PITCE é certamente uma grande iniciativa no conjunto das políticas públicas recentes do Brasil. Baseia-se num modelo articulado de medidas e instrumentos que buscam o aumento da eficiência produtiva, com a elevação do padrão de competitividade da indústria brasileira. Voltada para o futuro, seu foco principal está na inovação. A mudança estrutural da economia brasileira, com a incorporação dos mercados externos nas estratégias das empresas, é outro aspecto sinérgico com a política industrial: estimulada por ela, a disputa em mercados mais exigentes e diferenciados tende a oxigenar todo o tecido industrial brasileiro. Neste cenário, está em curso a construção da Iniciativa Nacional para Inovação, sob a coordenação do CNDI e com execução da ABDI, cujo objetivo é promover uma ampla mobilização nacional envolvendo empresas, universidades, institutos de P&D tecnológicos, entidades empresariais, sindicatos de trabalhadores, órgãos de Estados e da sociedade civil para aumentar a capacidade de inovação na indústria brasileira, por meio da construção coletiva de uma estratégia de longo prazo em temas horizontais e verticais. A política industrial brasileira é, de fato, uma política de Estado, um elemento fundamental para a sustentação do crescimento de longo prazo. É preciso, contudo, ter em mente que a transformação da indústria é obra da própria indústria. Cabe ao Estado indicar, apoiar e incentivar tal processo, criando as condições favoráveis para o de- 22
12 senvolvimento da capacidade produtiva do país. Assim, é fundamental o estreitamento do diálogo entre o Estado e a iniciativa privada, bem como a integração das ações governamentais com as do setor produtivo, da comunidade científica e tecnológica e dos trabalhadores. O cenário que se esboça a partir das iniciativas em curso é não apenas promissor, mas também já vem demonstrando resultados concretos à sociedade brasileira. Alessandro Teixeira Presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) 23
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