Metodologia. científica. aplicada. Um guia prático para Psicólogos

Transcrição

1 Metodologia científica aplicada Um guia prático para Psicólogos

2 AUTORES Jersica Assis Lozado Coordenadora e autora Doutoranda em Psicologia, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Psicologia sob a ênfase de Psicologia Organizacional e do Trabalho, na mesma universidade. Graduada em Psicologia pela UFBA, com parte da graduação concluída nos Estados Unidos e Reino Unido, com ênfase em Estatística e Métodos Quantitativos de Pesquisa em Ciências Comportamentais. Atualmente é docente do curso de graduação em Psicologia na Universidade Salvador (UNIFACS) e desenvolve pesquisa com uso de métodos quantitativos no Laboratório de Métodos Quantitativos e Psicometria Preditiva da UFBA. Daniela Campos Bahia Moscon Doutora e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia, Psicóloga (também pela UFBA). Atualmente é docente do Programa de Mestrado em Administração da Universidade Salvador (UNIFACS) e da graduação em Psicologia, onde leciona (dentre outras) as disciplinas de técnicas de pesquisa. É editora associada da Revista Psicologia Organizações e Trabalho (RPOT) que possui classificação Qualis A2 na área de Psicologia. Janice Janissek Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina e Graduada em Psicologia pela Universidade Católica de Pelotas. Ensina e pesquisa nas áreas de Gestão de Pessoas, Cognição Gerencial e Inovação Organizacional.

3 APRESENTAÇÃO Conhecer métodos e técnicas de pesquisa é fundamental, mesmo para aqueles que estão afastados do mundo acadêmico. Somos, portanto, todos pesquisadores em essência, e o objetivo deste livro é demonstrar isso de uma forma prática e simples. Por outro lado, ele também será útil para quem precisa construir um trabalho de pesquisa propriamente acadêmico, como uma monografia, uma dissertação, uma tese ou um artigo. Nesse caso, esse livro apresenta um roteiro didático que lhe guiará passo a passo na direção da elaboração do seu trabalho. Convocamos você, leitor, a embarcar nessa jornada RUMO AO CONHECIMENTO CIENTÍFICO! JERSICA ASSIS LOZADO Autora

4 SUMÁRIO Mundo da Pesquisa O que esperar? 13 O começo de tudo: planejando a pesquisa Por onde começar? Transformando o tema em um fenômeno O esboço inicial do planejamento Pensando no trabalho de forma mais completa Projeto x trabalho final Vamos adiante!...29 Referências...29 Definindo o problema, os objetivos e as hipóteses da pesquisa O problema Os objetivos Hipóteses e pressupostos...35 Referências...37 Elaborando a introdução com justificativa 39 Estratégias de Organização e Revisão de literatura Quantas páginas deve ter a minha revisão de literatura? Como iniciar a minha pesquisa? Último passo...51 Referências...52 Delineamentos de pesquisa em psicologia: métodos quantitativos, qualitativos e mistos Como escolher um delineamento de pesquisa? Dimensões da análise da realidade Paradigma Abordagens e estratégias de pesquisa...61 Referências...65

5 Estratégias e instrumentos de coleta de dados Estratégias Quantitativas Surveys e Questionários Dados secundários Observação Qualitativos Entrevista Grupo Focal...75 Referências...76 Estratégias de análise de dados qualitativos Análise de Conteúdo Análise do Discurso Análise Narrativas...86 Referências...87 Estratégia de Análise de Dados Quantitativos Análise de dados e os seus objetivos Estatística: O que você precisa saber? Tipos de variáveis Estatística Descritiva Estatística Inferencial Qual teste estatístico escolher? Softwares disponíveis...96 Referências...98 Conclusões, limites e agenda de pesquisa Conclusões ou considerações finais? Conteúdo do capítulo de conclusões Quão longo deve ser o capitulo das conclusões? Defesa Oral: Apresentação do trabalho O que devo apresentar nos contextos acadêmicos? O que devo apresentar nos contextos profissionais? Como falar bem em público? Fim do caminho e considerações finais...112

6 Mundo da Pesquisa O que esperar? CAPÍTULO 1 Autoras: janice janissek e jersica Lozado Você começou a ler este livro neste momento e provavelmente acredita que uma longa jornada de leitura e conceitos intrincados estão por vir. Mas, não se preocupe! De imediato, queremos convidar você a pensar em uma situação bem concreta. Imagine que você é um psicólogo organizacional e, em uma reunião geral com os gestores, surge uma demanda, que deve ficar sob a sua responsabilidade, para a elaboração de um programa para motivar os empregados, pois há uma percepção geral dos gestores de que existe um alto grau de desmotivação entre eles. Você pensou por aí: Isso é simples demais e não tem nada a ver com este livro de metodologia que eu comprei! A ideia é justamente lhe mostrar que tem tudo a ver! Normalmente, estamos muito condicionados a olhar o universo da metodologia científica, o conhecimento científico e todas as regras e normas que envolvem esse universo de uma forma bem limitada. Vamos explicar um pouco melhor essa questão, pois ampliar o entendimento do que é o conhecimento científico é um dos objetivos iniciais que pensamos alcançar ao escrevermos este livro. Voltemos à situação concreta! Inicialmente, é importante destacar que os encaminhamentos práticos que você poderia sugerir seriam fortemente influenciados pelos conceitos, pelas ideias que você tem sobre o que é motivação e sobre como ela funciona. Mas vamos pensar: de onde vem e como você estruturou o seu conhecimento sobre o que é motivação? Supondo que você seja um psicólogo que passou por um processo de formação acadêmica, você certamente tem um entendimento diferenciado do que é motivação no trabalho, que é, a princípio, diferente das pessoas que não tiveram a sua formação, concorda? O que significa, então, ter um conhecimento diferenciado sobre motivação no trabalho? Muitos fatores entram em cena para caracterizar tal diferenciação. Pretendemos, ao longo dos próximos capítulos, mostrar em 11

7 CAPÍTULO 1 detalhes esses fatores. Neste momento introdutório do livro, apresentaremos uma reflexão sobre a importância de compreender o lugar do conhecimento científico na resposta à pergunta: como nós conhecemos a nossa realidade? Claro que você sabe que todo profissional deve basear as suas intervenções no conhecimento científico. Mas, por quê? O que o conhecimento científico tem de especial quando comparado ao conhecimento do senso comum? E o que de fato separa o conhecimento dito científico daquele definido como conhecimento popular? Vamos entender esse ponto, então. Tradicionalmente, a literatura tem apontado quatro diferentes caminhos: 1. Você poderia ter uma resposta baseada no seu conhecimento empírico sobre a motivação no trabalho. Ou seja, você tem uma explicação sobre motivação que foi construída a partir de sua interação com o mundo, sendo esse conhecimento o resultado de sua experiência individual. Assim, tais conceitos nascem de situações que você presenciou, de relatos que você ouviu de outras pessoas sobre a motivação e com base em ideias que são transmitidas de geração em geração em um momento e lugar específico. Esse tipo de conhecimento é considerado a primeira forma de conhecimento, pois envolve uma explicação bem prática e certamente muito simples sobre a motivação. É assim considerado porque tais formulações de ideias e conceitos são espontâneos e não passam por nenhum método de verificação, sistematização e comprovação mais cuidadosa para ver se tais ideias são realmente verdadeiras¹. Neste caso, as ideias que temos sobre motivação podem até funcionar na prática, mas nós não sabemos por que elas funcionam. Assim, podemos dizer que as principais características do conhecimento empírico ou do senso comum são: Quadro 1 Principais características do conhecimento empírico Ametódico Sensitivo Subjetivo Superficial/ falível e inexato não é produzido intencionalmente, pois depende do acaso. referentes a vivências, estados de ânimo da vida diária. o próprio indivíduo organiza suas experiências e conhecimentos (adquiridos por vivências, ou por um ouvi dizer ). conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto às coisas: porque vi, porque o senti, porque o disseram. 12

8 Mundo da Pesquisa O que esperar? Assistemático Acrítico Dependente a organização das experiências não visa a uma sistematização de ideias, nem na forma de adquiri-las nem na tentativa de validá-las; não representa uma regra que é válida de modo genérico. a pretensão de que estes conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica. é fortemente influenciado pela cultura, sociedade e ambientes físico e geográfico. Fonte: elaboração dos autores 2. Outra opção seria você se basear no conhecimento religioso para explicar a motivação: aqui, você provavelmente buscaria uma explicação a partir da existência de uma força superior ou de um ser supremo (ou mais de um), no caso um deus, que seria a razão para a ocorrência dos fatos que caracterizam a motivação no trabalho e que não são compreensíveis a partir da sua experiência. Ou seja, no conhecimento religioso, para que seja possível explicar um fato ou fenômeno, não é necessária a vivência dele (como acontece no conhecimento empírico). Portanto, você poderia construir o seu entendimento sobre motivação no trabalho como algo resultante de uma força superior com a qual indivíduos foram agraciados, abençoados e que é determinante para que eles sejam motivados. Tal revelação, ou bênção, envolve uma ideia central em torno da qual não se discute, não se questiona, pois ela não é experienciada concretamente e depende muito da crença e da fé para julgar se existe ou não. Assim, esse tipo de conhecimento se caracteriza como sendo: Quadro 2 Principais características do conhecimento religioso Valorativo Inspiracional Infalíveis e indiscutíveis Sistemático Não verificável/ não testável Apoia-se em doutrinas que possuem posições sagradas. Reveladas pelo sobrenatural. As verdades apresentadas são consideradas revelações da divindade. Origem, significado, finalidade e destino. Não aceita ser testado, por ser construído segundo um ponto-chave de caráter hipotético. O conhecimento religioso não aceita ser testado, exceto por seus próprios princípios, que podem ser considerados tendenciosos. 13

9 CAPÍTULO 1 Dogmático Depende da crença/fé Baseia-se em uma ideia, conceito ou condição que não é possível de ser contestada ou testada, sempre apresentando motivos não-racionais para essa condição. Está sempre implícita uma atitude de fé do indivíduo perante o conhecimento revelado. Esse ato de fé pode ser espontâneo (ocorre conscientemente), ou induzido por fatores externos (pressões familiares, grupais, culturais etc.). Fonte: elaboração dos autores 3. Uma terceira forma de compreender a motivação pode vir do conhecimento filosófico. Neste caso, o seu entendimento sobre motivação teria origem em algumas hipóteses formuladas a partir de uma experiência pessoal e subjetiva. Ou seja, tal experiência fez você refletir e construir explicações, que na sua visão fazem sentido e são coerentes. A principal característica aqui é que tais hipóteses não têm o objetivo de serem comprovadas. O fundamento do conhecimento seria a lógica interna entre os conceitos, a coerência lógica entre os argumentos e os seus diversos componentes teóricos. O objeto de análise da filosofia são ideias, relações conceituais, exigências lógicas que não são redutíveis a realidades materiais. O método da filosofia é o método racional no qual prevalece o processo dedutivo, que antecede a experiência, não exige confirmação experimental, mas somente coerência lógica. Dentro desse tipo de entendimento, você poderia orientar as suas ações a partir de conceitos teóricos e questionamentos (hipóteses do tipo que não precisam ser testadas) acerca da motivação. O conhecimento filosófico apresenta as seguintes características: Quadro 3 Principais características do conhecimento filosófico Valorativo Racional Sistemático Não-Verificável Infalível e exato Seu ponto de partida consiste em hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação. Consiste num conjunto de enunciados logicamente correlacionados. Suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada. Não são confirmados nem refutados. Seus postulados e hipóteses não são submetidos ao decisivo teste da observação (experimentação). Fonte: elaboração dos autores 14

10 Mundo da Pesquisa O que esperar? 4. Por último, você poderia basear suas ações no entendimento científico da motivação. Tal conhecimento busca dar respostas mais confiáveis à humanidade, que sejam independentes da experiência individual e não expliquem a vida humana em função de dogmas. Tem-se uma preocupação com a verdade, mesmo que a noção de verdade seja provisória, ou seja, algo é verdadeiro até que se prove o contrário. Nesse tipo de conhecimento, algo nunca é (ou será) totalmente verdadeiro. Assim, seu entendimento é construído a partir de estudos e pesquisas que resultam de um processo sistematizado e que são amplamente discutidos e validados no contexto acadêmico e científico a fim de garantir que tais estudos cheguem a conclusões que tenham um compromisso com a verdade. Aqui, as ações que você teria a respeito da motivação deveriam ser desenvolvidas a partir de um criterioso sistema de criação e testagem de hipóteses, onde o melhor caminho seria definido pela validade e estabilidade dos resultados obtidos. São características do Conhecimento Científico: Quadro 4 Principais características do conhecimento científico Real (factual) Contingente Sistemático Verificável Falível e aproximadamente exato Lida com ocorrências ou fatos. Suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou falsidade conhecida por meio da experiência e não apenas pela razão. O saber é ordenado logicamente, formando um sistema de ideias (teoria), e não conhecimentos dispersos e desconexos. É possível comprovar as hipóteses e as teorias, de maneira que aquelas que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Não é definitivo, absoluto ou final e, por esse motivo, é aproximadamente exato: novas proposições podem reformular a teoria existente. Fonte: elaboração dos autores Acreditamos que você certamente compreendeu qual é o tipo de conhecimento que deveremos adotar para orientar nossas práticas. Imagine-se no seu campo de trabalho, você, como psicólogo, poderia atuar profissionalmente usando apenas os conhecimentos oriundos das suas experiências, o seu senso comum, ou seus valores pessoais e religiosos? Seria aceitável que você tomasse decisões sobre a melhor estratégia de tratamento de um paciente considerando apenas as suas experiências de vida? 15

11 CAPÍTULO 1 Evidentemente, é esperado que o plano de intervenção para motivar os empregados esteja fundamentado em teorias, pesquisas confiáveis que expliquem os conceitos, os processos e a dinâmica da motivação humana no trabalho. Dessa maneira, a formação que você recebeu lhe permitiu compreender como o conhecimento científico é construído. Da mesma maneira que os trabalhos acadêmicos que você desenvolveu durante o seu curso seguiram procedimentos cuidadosos para garantir que o seu entendimento fosse construído cientificamente e que as suas intervenções profissionais tivessem também essa natureza. Toda esta argumentação que desenvolvemos até aqui é para sensibilizar você, leitor, ao que será encontrado nos próximos capítulos deste livro: 1. Um detalhamento das principais etapas e procedimentos que você precisa compreender para construir e produzir conhecimento científico. Neste caso, direcionado para aqueles que visam a se dedicar ao mundo acadêmico (estudantes de cursos de pós-graduação, pesquisadores, docentes etc); 2. Métodos e técnicas específicas de coleta e análise de informações que, além de serem utilizados na construção do conhecimento científico, podem ser empregados em diversos tipos de atividades profissionais. Você lembra quando falamos, bem no início deste capítulo, que normalmente temos uma visão muito limitada das aplicações dos métodos, técnicas e procedimentos próprios da metodologia científica? A visão que incorporamos neste livro é a de que tais conhecimentos não são somente utilizados na vida acadêmica. Os conhecimentos científicos são mais aplicados do que você imagina! E a razão para que você não perceba a sua presença no cotidiano é que esta já se tornou natural, e você nem mesmo nota quando o aplica. Profissionais que atuam nos mais diferentes campos e que dominam algumas das técnicas que empregamos em procedimentos de pesquisa (tais como saber construir um banco de dados, interpretar dados e informações, construir gráficos, quadros, tabelas etc.) apresentam competências profissionais importantes que são difíceis de ser encontradas e que, portanto, são muito valorizadas. Nossa experiência com orientação de estágio, por exemplo, nos mostra, todos os dias, o quanto os estagiários necessitam aplicar essas técnicas em 16