MUCOPOLISSACARIDOSE: AVALIAÇÃO OTORRINOLARINGOLÓGICA DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES APÓS TERAPIA DE REPOSIÇÃO ENZIMÁTICA.
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- Marina Barros Lancastre
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1 MUCOPOLISSACARIDOSE: AVALIAÇÃO OTORRINOLARINGOLÓGICA DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES APÓS TERAPIA DE REPOSIÇÃO ENZIMÁTICA. Livia Garcia Biselli Faculdade de Medicina Centro de Ciências da Vida Carlos Tadayuki Oshikata FCM CCV Centro de Ciências da Vida Resumo: Avaliar pacientes portadores de mucopolissacaridose quanto aos aspectos otorrinolaringológicos e instituir as condutas terapêuticas em cada caso, no Ambulatório de Genética Médica do Hospital da PUC-Campinas, durante o período de 12 meses de tratamento com infusão de enzima. Métodos: Dez pacientes com mucopolissacaridose, com idades entre 6 e 35 anos, de ambos os sexos, foram avaliados pré e pós terapia de reposição enzimática, a cada seis meses, quanto aos dados de história clínica com ênfase à sinais e sintomas de obstrução das vias aéreas superiores, exame físico otorrinolaringológico e nasofibroscopia flexível. Resultados: a anamnese mostrou uma melhora considerável da obstrução nasal, rinorréia, prurido nasal e infecções de repetição. No exame físico direcionado e nasofibroscopia, não houve melhora da macroglossia e hipertrofia de tonsilas quando presentes, porém houve diminuição na secreção nasal e hipertrofia de conchas nasais. Conclusão: Após terapia de infusão enzimática, houve melhora das infecções de repetição, rinorréia e qualidade respiratória, porém não houve melhora dos outros padrões otorrinolaringológicos estudados como hipertrofia de tonsila faríngeas e palatinas assim como macroglossia. Palavras-chave: mucopolissacaridose, glicosaminoglicanos, otorrinolaringologia Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Medicina - otorrinolaringologia 1. INTRODUÇÃO As mucopolissacaridoses (MPS) são doenças de depósito lisossômico (DDL) decorrentes da deficiência de uma das enzimas lisossômicas envolvidas na degradação de glicosaminoglicanas (GAGs). São doenças raras, de caráter hereditário (autossômica recessiva em sua maioria ligada ao X). Não apresentam prevalência entre os sexos, nem em relação a raças. [1],[2],[3] As MPS caracterizam-se por alterações multissistêmicas, de caráter progressivo, sua apresentação clínica varia entre os diferentes tipos de MPS e até mesmo em um único tipo. [4] A MPS I (Hurler-Scheie) foi identificada como uma doença decorrente da deficiência da a-l-iduronidase. A deficiência desta enzima gera um bloqueio na cadeia de catabolismo das glicosaminoglicanas, levando ao acúmulo intra-lisossômico dos produtos metabólicos intermediários dermatan e heparan sulfato, provocando um alargamento celular e consequente desarranjo estrutural e funcional dos tecidos e órgãos acometidos. [5],[6] O diagnóstico de MPS I é sugerido pelo quadro clínico, associado á excreção urinária elevada de dermatan e heparan sulfatos. A deficiência da atividade da a-liduronidase verificada em pele (fibroblastos) ou sangue (soro, plasma ou leucócitos) com valor menor ou igual a 10% do valor médio observado nos controles normais, fornece o diagnóstico de certeza, além de identificar as mutações presentes. [3],[6] A doença envolve os sistemas nervoso central, esquelético, digestório, cardiovascular, respiratórios superior e inferior em diferentes graus de gravidade e de modo independente. Em relação à área otorrinolaringológica, especificamente, os sinais e sintomas mais freqüentes incluem hipoacusia, otorréia, otites de repetição, hipertrofia de tonsilas palatinas e faríngea, sinusites de repetição, distúrbios da fala, roncos, apnéia, respiração bucal e obstrução nasal. [7],[8],[9],[10],[11] É importante que o tratamento da Mucopolissacaridose seja multidisciplinar devido ao acometimento multissistêmico.[2],[12].
2 A Terapia de Reposição enzimática (TER) é um método de tratamento que foi iniciado com a doença de Gaucher, em [5],[14]. A Aldurazyme é uma enzima produzida por técnica DNA recombinante que foi aprovada para uso comercial pelo United States Food and Drug Administration (FDA) European Agency for the Evaluation of Medicinal Products (EMEA) EM [15],[16]. Sua utilização é única e exclusiva para o tratamento de pacientes com diagnóstico confirmado de MPS I. Todos os estudos clínicos realizados aumentaram o conhecimento sobre a doença, porém muitas questões permanecem sem resposta. A quase totalidade dos estudos sobre MPS I é do exterior. Faltam estudos no Brasil sobre incidência, evolução e acompanhamento, em uma realidade que nem sempre é bem representada nos outros estudos já publicados. Particularmente na área de otorrinolaringologia, muito pouco se publicou a respeito da evolução da doença com o uso da TRE. 2. MÉTODO Foram avaliados 10 pacientes portadores de MPS I acompanhados no ambulatório de Genética Médica da Puc-Campinas. Analisamos estes pacientes através de anamnese dirigida, exame físico otorrinolaringológico e nasofibroscopia flexível no período de 12 meses, sendo realizadas duas avaliações com intervalo de seis meses entre elas. Para o controle dos resultados, buscamos nos prontuários de cada paciente dados otorrinolaringológicos subjetivos e objetivos pré infusão enzimática para análise comparativa com os dados pós infusão. Utilizou-se os critérios de Mallampatti para a classificação da obstrução determinada pelo palato e volume das tonsilas e avaliamos as condições das fossas nasais e seu desempenho em relação à obstrução alta das vias aéreas. Considerou-se hipertrofia das tonsilas palatinas os aumentos grau 3 e 4 segundo classificação de Brodsky, e hipertrofia de tonsilas faríngeas a oclusão de coanas maior que 70% [17]. Como critérios de inclusão consideramos aqueles que apresentavam: deficiência de alfa- Iaronidase; detecção anormal de GAGs urinários; consentimento livre e esclarecido assinado pelo paciente ou se menor, assinado pelos pais ou responsáveis. Consideramos critérios de exclusão: gestação, presença de alterações irreversíveis que determinariam o óbito iminente independente do tratamento decorrente da MPS ou doenças associadas. Pelo número reduzido de pacientes em nossa amostra, fizemos diversas suposições para chegar a um modelo estatístico. Assim, julgamos melhor não aplicar um modelo estatístico, já que os resultados serão expostos na forma de gráficos com análise descritiva dos fatos. 3. RESULTADOS Foram avaliados 10 pacientes portadores de mucopolissacaridose, com idades entre 6 e 35 anos, sendo 9 homens e 1 mulher. Três pacientes haviam sidos submetidos à cirurgia otorrinolaringológica antes do início desse estudo. Além da colocação de tubos de ventilação, um paciente realizou adenoidectomia aos 2 anos de idade, um paciente foi submetido a adenoamigdalectomia aos 1,5 ano de idade e outro amigdalectomia aos 7 anos de idade. Anamnese: O gráfico abaixo (gráfico 1) mostra os resultados obtidos com o questionário dirigido aplicado e informações pré infusão obtidas no prontuário de cada paciente. Gráfico 1. Anamnese Otorrinolarringológica Exame Físico Otorrinolaringológico: Os gráficos abaixos mostram os achados mais relevantes do exame físico otorrinolaringológico. Divididos em Oroscopia (gráfico 2), Otoscopia (gráfico 3) e Rinoscopia Anterior (gráfico 4) Na Oroscopia, todos os 8 pacientes que apresentavam ao exame a macroglossia, mantiveram o quadro até o final do estudo.
3 Gráfico 2: Oroscopia Exame Complementar: a figura abaixo (gráfico 5) demonstra o exame complementar através da nasofibroscopia que foi realizado em dois momentos, nele observamos uma diminuição da secreção nasal. Gráfico 5. Nasofibroscopia No exame físico otorrinolaringológico realizado através da Otoscopia, as alterações encontradas mantiveram-se. Gráfico 3: Otoscopia 4. DISCUSSÃO Através da Rinoscopia, observamos uma diminuição da incidência de hipertrofia de conchas nasais ao longo das avaliações realizadas. Além disso, houve melhora no quadro de secreção nasal. Gráfico 4. Rinoscopia Atualmente, os estudos clínicos realizados aumentaram o conhecimento sobre a história natural da doença e tratamento, todavia, muitas questões seguem sem resposta. Há poucas informações sobre a evolução de pacientes não tratados. Além disso, devido à raridade e heterogenicidade fenotípica da doença, torna-se difícil o desenvolvimento de um projeto de estudo de relevância clínica, pois a diversidade de apresentações clínicas, ausência de score específicos e biomarcadores representam um problema no monitoramento da eficácia de qualquer terapêutica [18]. Os pacientes do nosso estudo já apresentavam lesões bem estabelecidas, contribuindo para os resultados poucos expressivos. Além disso, pelo curto tempo de seguimento dos estudos, as conclusões sobre o impacto da laronidase na evolução da MPS I não podem ser definitivas. O estudo longitudinal de maior seguimento (avaliação pós 6 anos) aponta para a manutenção da melhora dos sintomas, porém ainda é insuficiente para determinar o quanto essa melhora clínica vai se traduzir em aumento da longevidade destes pacientes. [19] Nossos achados da anamnese (obstrução nasal, respiração oral, ronco, rinorréia, prurido nasal, otorréias, infecções de repetição), exame físico (macroglossia, hipertrofia de conchas nasais) e exame es-
4 pecial através nasofibroscopia (aumento de tonsilas) são comumente observados em outros estudos. [8,10,20] Os resultados vão de encontro aos descritos na literatura. No ensaio clínico fase I/II, os autores relatam que 90% dos pacientes apresentavam infecções de repetição, e após a TRE houve melhora destes sintomas. Sardón e cols., ao relatar 2 casos de pacientes submetidos à TRE observou diminuição da secreção presente na traqueostomia de um dos pacientes pós 40 semanas de laronidase.. [21] Tokic e cols., em 2007, em relato de 2 casos de pacientes submetidos à TRE também encontrou a presença de infecções respiratórias de repetição em ambos com significativa melhora ou resolução pós enzima [23] A literatura ainda explica que várias anormalidades anatômicas, incluindo vértebras cervicais anormais, pescoço curto, uma epiglote relativamente alta, uma fossa profunda estreitando a nasofaringe, a mandíbula hipoplásica, a anquilose da articulação temporomandibular, o estreitamento da caixa torácico e a infiltração da mucopolissacaridose na nasofaringe, orofaringe, hipofaringe e laringe, predispõem esses indivíduos a obstrução das vias aéreas superiores.[2] Na nasofibroscopia, pós enzima, houve grande diminuição da secreção nasal, porém não houve redução da hipertrofia de tonsilas. Não há relatos de avaliação de tamanho de tonsilas palatinas e faríngea em pacientes MPS I submetidos à TRE na literatura, porém indiretamente, ao relatarem no ensaio clínico com menores de 5 anos que 5 pacientes foram submetidos à tonsilectomia palatinae/ou faríngea durante a TRE, concluímos que os autores também não verificaram melhora neste parâmetro de avaliação na vigência da TER [23] Os pacientes do estudo, em questionário realizado, relataram melhora considerável na qualidade de vida após infusão enzimática, com melhora do padrão respiratório diário e noturno e qualidade do sono não sendo objetivamente evidenciado ao exame físico. Ressalta-se que cada paciente é único em termos de inicio de apresentação dos sintomas, apresentação clínica e presença ou não de comorbidades. Desse modo, objetivamente, os benefícios da TRE não pode ser demonstrada individualmente, lembrando que um paciente não é representativo do grupo de pacientes com MPS [3]. A regressão dos efeitos do depósito de GAGs observada com a TRE é um importante indicador do sucesso terapêutico. Pelo caráter progressivo da MPS I, a estabilização das lesões ou diminuição da velocidade de progressão da doença já pode ser considerada como uma resposta benéfica a esta terapia. Então, a estabilização das alterações respiratórias encontradas em nosso estudo podem ser consideradas como um resultado positivo, já que esperava-se uma progressão das lesões no período de avaliação, se a enzima não tivesse sido empregada.[19] Hoje há convicção de que um melhor futuro para os pacientes afetados pelas mucopolissacaridoses depende da identificação, compreensão e manejo adequado das manifestações multissistêmicas dessas doenças, incluindo medidas de suporte (que devem fazer parte da assistência multidisciplinar regular destes pacientes) e terapias específicas. Existem indicações de que a detecção mais precoce dos casos, eventualmente através de triagem neonatal, possa vir a contribuir para um melhor prognóstico. Uma cura definitiva talvez seja alcançada através da terapia gênica, mas há ainda um longo caminho a percorrer até esse momento. [24] 5. CONCLUSÃO No presente estudo, após a infusão enzimática, houve melhora das infecções de repetição, rinorréia e qualidade respiratória, porém não apresentaram melhora nos demais parâmetros otorrinolaringológicos (hipertrofia de tonsilas palatinas e faríngeas e macroglossia), durante o período estudado. AGRADECIMENTOS Agradecemos FAPIC/Reitoria pela Bolsa de Iniciação Científica. REFERÊNCIAS 1. Dualibi, APFF. Impacto da Laronidase na evolução das manifestações de vias aéreas superiores e audição em pacientes com mucopolissacaridose I. São Paulo, f. Tese de Doutorado da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina, Muenzer J. The mucopolysaccharidoses: a heterogeneous group of disorders with vari-
5 able pediatric presentations. J Ped 2004; 144: S27-S Wraith JE. The first 5 years of clinical experience with laronidase enzyme replacement therapy for mucopolysaccharidosis I. Expert Opin Pharmacother 2005; 6 (3): Martins AM et al. Mucopolissacaridoses: Manual de Orientações. World Wide WebURL: m/downloads/gz-mps-apostila pdf 5. Muenzer J, Fisher A. Advances in the treatment of mucopolysaccharidosis type I. N Engl J Med 2004; 350(19): Wilcox WR. Lysosomal storage disosders: the need for better pediatric recognition and comprehensive care. J Ped : S3- S Cleary MA, Wraith JE. The presenting features of mucopolysaccharidosis type I (Hurler syndrome). Acta Paediatr 1995; 84: MacArthur CJ, Glicklich R, McGill TJI, Perez-Atayde A. Sinus complications in mucopolysaccharidosis I H/S (Hurler-Scheye syndrome). Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1993; 26: Menéndez-Sainz C, Zaldívar-Muñoz C, Gonzáles-Quevedo A.Mucopolysaccharidosis tipo I em La población cubana. Rev Neurol 2003; 37: Myer III CM. Airway obstruction in Hurler s syndrome- radiographic features. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1991; 22: Nayak DR, Balakrishnan R, Adolph S.Endoscopic adenoidectomy in a case of Scheie syndrome (MPS IH).Int J Pediatr Otorhinolaryngol1998; 44: Wraith JE. Advances in the treatment of lysosomal storage disease. Dev Med Child Neurol 2001;43: Wraith JE. MPS I Management and Treatment Guidelines. Am J Hum Genet 2003; 73 (5): Kakkis ED. Enzyme replacement therapy for the mucopolysaccharide storage disorders. Expert Opin Investig Drugs 2002; 11 (5): European Agency for the Evaluation of Medical Products- Aldurazyme - Approval Information 2003, World Wide Web URL: AR/aldurazyme/aldurazyme.html 16. United States Food and Drug Administration- Aldurazyme Approval Information World Wide Web URL: ucts/larobio html 17. Brodsky L. Modern assessment of tonsils and adenoids. Ped Clin North America. 1989; 36(6): Pastores GM, Arn P, Beck M, Clarke JTR, Guffon N, Kaplan P, Muenzer J, Norato DYJ, Shapiro E, Thomas J, Viskochil D, Wraith JE. The MPS I Registry: design, methodology and early findings of a global disease registry for monitoring patients with mucopolysaccharidosis type I. Mol Genet Metabol. 2007; 91: Sifuentes M, Doroshow R, Hoft R, Mason G, Walot I, Diament M, Okazaki S, Huff K, Cox GF, Swiedler SJ, Kakkis ED. A follow-up study of MPS I patients treated with laronidase enzyme replacement therapy for 6 years. Mol Genet Metabol. 2007;90: Shapiro J, Strome M, Crocker AC. Airway obstruction and sleep apnea in Hurler and Hunter syndromes. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1985; 94: Sardón O, Pardos CG, Mintegui J, Ruiz EP, Coll MJ, Chabás A, Olivé T, Benito AR. Evolución de dos pacientes con Síndrome de Hurler en tratamiento con enzima recombinante humana L- iduronidasa. An Pediatr (Barc). 2005; 63(1): Tokic V, Barisic I, Huzjak N, Petkovic G, Fumic K, Paschke E. Enzyme replacement therapy in two patients with an advanced severe (Hurler) phenotype of mucopolysaccharidosis I. Eur J Pediatr. 2007; 166: Wraith JE, Beck M, Lane R, Ploeg A, Shapiro E, Xue Y, Kakkis ED, Guffon N. Enzyme replacement therapy in patients who have mucopolysaccharidosis I and are younger than 5 years: results of a multinational study of recombinant human Liduronidase (Laronidase). Pediatrics. 2007; 120(1): e 37-e46.
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