Mineira, associação que reúne os produtores artesanais do estado. Por Ana Clara Rodrigues e Luiz Othavio Gimenez

Transcrição

1 Cerevisia Quæ Vespera Tamen A frase vinda do latim, faz referência à bandeira do estado de Minas Gerais, hoje, numericamente o maior na produção de cervejas artesanais, e faz parte do símbolo da AcervA Por Ana Clara Rodrigues e Luiz Othavio Gimenez Mineira, associação que reúne os produtores artesanais do estado. William Shakespeare já dizia: Um litro de cerveja é a refeição de um rei. Se for artesanal, melhor ainda. Esta é uma cultura que vem crescendo a cada dia em todo o Brasil, principalmente na região metropolitana de Belo Horizonte, onde é possível encontrar muitas fábricas de cervejas artesanais. Nova Lima é uma cidade de aproximadamente (setenta mil) habitantes situada à 18 km da capital mineira. Há algum tempo, os apaixonados por cerveja encontraram na pequena cidade o lugar perfeito para suas aventuras. O espaço e a arquitetura das casas trabalha a favor do processo de produção das cervejas artesanais, quase sempre comercializadas localmente. Algumas destas cervejarias se expandiram, e hoje, as 20 produtoras existentes no município variam a sua produção entre a pequena e a média escala. Estes empresários chegaram à cerveja de várias formas, por hobby ou por obrigação, mas todos amam o que fazem. Um comprovante disso foi a criação da AcervA (Associação dos cervejeiros Artesanais) Mineira, fundada em 2007 e que reúne cerca de 80 cervejeiros associados e pes soas de influência ligadas ao meio. Hoje, presidida por Alfredo Figueiredo, que é também proprietário da VM Bier e idealizador da Uaiktoberfest, realizada em Nova Lima durante o mês de outubro. Felipe Viegas é empresário, vice presidente da AcervA Mineira e dono da cervejaria Taberna do Vale, que produz hoje 200 litros de cerveja por mês, de 17 tipos diferentes. Além da degustação, é possível ter acesso a cursos como os de Harmonia e cultura cervejeira, Fabricação de cerveja Teórico e prático Foto: Ana Clara Rodrigues/ PUC Minas em apenas 4 dias e com turmas de no máximo 20 alunos, além de consultorias para empresas do ramo. Felipe iniciou se no ramo cervejeiro sendo representante das hoje famosas cervejas alemãs foi ele quem colocou, em 2003, as primeiras cervejas importadas nas prate

2 leiras dos supermercados de Minas Gerais, como ele mesmo gosta de ressaltar. Anos mais tarde, em 2005, surgiu a necessidade de mais conhecimento para a geração de técnicas comerciais, e foi desta maneira que ele se dirigiu ao Rio de Janeiro para fazer o seu primeiro curso de produção cervejeira. Como a produção da cerveja é um processo minucioso, ele explica que é necessário calcular precisamente as suas receitas. São mais de 100 tipos diferentes de cervejas, e para cada uma delas existe uma receita e um processo de produção diferenciado. Após essa seleção, o processo se inicia a moedura do malte, que é transformado em uma espécie de chá ou infusão. Após isso acontecer, são as temperaturas que desenham os componentes químicos do que virá a ser a cerveja: como vai ser o aroma, qual vai ser a formação da espuma, se a cerveja vai ser encorpada ou não, se a espuma vai ter bolhas pequenas ou não. Tudo isso é definido neste processo de elevação de temperatura. Para Felipe, fazer cerveja é como cozinhar. E em seus cursos ele nota que aqueles alunos que já possuem um certo conhecimento e atuação na área da culinária, tem mais facilidade na hora de produzir a sua própria cerveja. Em 2005, quando resolveu começar a sua produção caseira, foi necessário que ele se dirigisse até o Rio de Janeiro para fazer o seu primeiro curso. Após esse episódio é que Foto: Ana Clara Rodrigues/ PUC Minas surgiu a ideia de oferecer cursos na sua própria cervejaria. Os cursos de produção de cerveja tiveram início em Minas Gerais nas mãos do cervejeiro Danilo Mendes, em Felipe, que já ministrava cursos de degustação e harmonização se juntou ao amigo em 2009, quando as suas antigas cervejarias deixaram de existir para que a Taberna do Vale fosse criada. E com o aumento da procura e da produção, a casa de Felipe ficou pequena, e foi preciso a aquisição de um espaço onde isso fosse feito. Onde hoje se encontra a sede da cervejaria. Até outubro de 2011 ele estima que já estiveram no seu estabelecimento cerca de 650 alunos, que ele prefere chamar de home beers, e que destes 650, atualmente, cerca de 20% deles ainda dão continuidade à produção em suas casas. Para que esse trabalho seja visto, foi criada em 2011 a Bierfest, que é uma festa onde os alunos e pessoas próximas a eles podem mais do que ver, experimentar os resultados das aulas, e é como Felipe diz: A taberna é dos taberneiros, é de quem

3 entrou aqui pra fazer curso., e faz uma definição no mínimo inusitada da festa: É igual feira de ciências do colégio. Os alunos vão fazer experiências que são as vezes banais, mas pra mostrar pros parentes, pros amigos, e isso gera uma satisfação muito grande pra gente. Então o aluno faz a cerveja mas ele quer que você tome e fale: Pô, mas a cerveja tá boa!. Isso é do homem né? Isso é do ser humano. Então a gente abre o espaço. [fic.] Espaço este que se encontra em reforma, para que haja um melhor aproveitamento por parte dos alunos. Será criada uma cozinha comunitária para aqueles alunos que não possuem um equipamento poderem trabalhar, além da construção de uma área maior para as confraternizações que acontecem com frequência no lugar. Para os próximos anos, existem muitos planos. Com a expansão do mercado cervejeiro em todo o Brasil, Minas Gerais se destaca: o volume de produção e a criatividade dos produtores faz com que o estado se equipare em muitos aspectos com a região Sul do país, onde a cultura da cerveja vem desde a sua colonização por ingleses, alemães e europeus em geral. Hoje, as receitas da Taberna do Vale passam pelos últimos ajustes para que possam atender às demandas do mercado e colocá las de vez nas prateleiras. Além da venda, eles também atendem às demandas dos crescentes pubs, um conceito de bar muito popular em países cervejeiros como o Reino Unido e a Irlanda e que tem se destacado cada vez mais no cenário nacional. Uma prova disto é o interesse de empresários e publicitários pela causa. A visibilidade do mercado tem tomado proporções tão grandes que estes profissionais se inserem no meio para juntar o útil ao agradável. É o caso do documentário Cerveja Brasilis. Executado por dois publicitários, o documentário tem mostrado a cara da cerveja no Brasil e como essa popularização tem se dado de forma cada vez mais intensa. Seja no interior ou nas capitais tupiniquins, estas festas tem se tornado o alvo de muitos apaixonados por cerveja, vindos de todos os ramos do mercado. Felipe ainda é audacioso, e faz uma afirmação interessante: Há alguns anos eu venho dizendo isso, e vou continuar falando até que se torne verdade. Minas Gerais é a Bélgica do futuro no Brasil! Se será a Bélgica do futuro ainda é um mistério. Ainda existe muito a ser construído no que se trata de educação, saúde e condições básicas de vida para todas as camadas sociais. Mas no que depender da cerveja e do seus príncipes, os cervejeiros, nós estamos bem perto de chegar lá.

4 A receita do sucesso Alfredo Figueiredo é hoje proprietário da VM Bier, mas a sua entrada no mundo cervejeiro não foi por acaso. Com a ajuda de um médico aposentado, a arte de fazer cerveja passou de um hobby para tomar um segmento profissional em sua vida. Foto: Divulgação/ Acerva Mineira Alfredo conta que começou no ramo cervejeiro com apenas um livro básico emprestado por um amigo. Com os primeiros ensinamentos foi possível começar sua produção do que se tornaria a VM Bier, cervejaria mineira que produz 1000 litros por mês e ganha cada vez mais espaço no cenário nacional. Engenheiro por formação, a ideia até então abstrata de produzir cervejas, tomou forma quando um médico aposentado se propôs a ajuda lo. Com os livros emprestados por ele, ele pôde aprender o ofício e foi necessário importar os seus primeiros equipamentos dos Estados Unidos. Mas a alegria não durou muito: morando em um apartamento na Zona Sul de Belo Horizonte, enquanto era síndico do prédio, usava o salão de festas. Quando não podia mais, usava a cozinha de casa e deixava sua esposa de cabelos em pé, como ele mesmo diz: Minha esposa ficava me importunando e reclamando da bagunça. Aí mudei pra Nova Lima, pensando em fazer uma cervejaria legal. Nova Lima inspira isso porque quase todo mundo mora em casa, tem um quintal, sempre tem um lugar para poder fazer a cerveja..

5 Quando questionado sobre a expansão do mercado cervejeiro, ele é muito claro: ainda falta infraestrutura e apoio do governo. E para ele, quando isso acontecer, muitos virão, e para atender esta demanda, hoje reprimida, todo apoio será necessário. Para isso, tramita na Câmara Municipal de Nova Lima um projeto de lei de apoio aos pequenos cervejeiros da região. O vereador Nélio Aurélio de Souza, foi o autor e padrinho de Alfredo na cidade. Foi ele quem o colocou em contato com o prefeito Carlos Rodrigues para que conversassem sobre a realização de uma festa no mínimo, diferente. Aconteceu nos dias 6, 7 e 8 de outubro de 2011 na praça Bernardino de Lima, em Nova Lima, a primeira edição da Uaiktoberfest, nome que faz referência à tradicional Oktoberfest, que acontece em Santa Catarina durante o mês de Outubro. Junto ao Departamento de Turismo do município, a festa tomou conta da cidade durante um final de semana inteiro. Reunindo os amantes da cerveja e os iniciantes. Teve campeonato de speed chopp, comidas típicas e alemãzinhas circulando por todos os lados. Para Marcelo Scheid, consumidor de cervejas artesanais há 8 anos, a festa foi de extrema importância para a expansão da cultura cervejeira em Minas Gerais. O fato de você chegar num lugar e beber sua cerveja preferida já é um hábito em muitos países, principalmente nos europeus, espero que o Brasil adote essa cultura, declara. Foto: Divulgação/ PMNL

6 O Brasil também é o país da cerveja. Os amigos Marcos Oliveira e Fábio Hofnik se propuseram a mostrar em um documentário que o Brasil também é um país cervejeiro. Eles rodam o país em busca de bons festivais e boas bebidas, e encontram. Formados em Publicidade, os amigos Fabio Hofnik e Marcos Oliveira viajam o Brasil atrás de boas festas e boas cervejas artesanais. Tudo isso é registrado pelas câmeras atentas que os seguem por todos os lados. O interesse pelas cervejas artesanais começou fora do Brasil. Em uma viagem à Europa, eles descobriram quase sem querer estes sabores especiais. Depois disso, foi praticamente uma caçada pelas marcas brasileiras, e assim surgiu o documentário Cerveja Brasilis. Com o objetivo de abrir as portas de um universo tão rico e pouco conhecido pelos brasileiros, a cultura e a historia das cervejas artesanais no país da tropicália é visto com olhos melhores a cada dia. Numericamente, Minas Gerais é o estado com o maior número de cervejarias artesanais do Brasil, e todos os dias surgem novos rótulos que as vezes eles nem dão conta de registrar, conta Fabio. O sabor destas cervejas variam muito, existem para todos os gostos. E a diferença está exatamente na sua composição e no modo de fazer: elas não possuem aditivos artificiais, o que cria um enorme leque de possibilidades para os seus apreciadores. E quando é questionado sobre a cultura cervejeira, Fabio dá uma verdadeira aula de história: A Cultura Cervejeira vem de muito tempo. A civilização atual só existe por conta da cerveja inserida na sociedade desde então. A cultura cervejeira foi o fio condutor da evolução social de 8000 anos até hoje. E o fato de sempre buscarmos o melhor em tudo, está fazendo a cultura da cerveja se popularizar no Brasil, e isso acontece enquanto os brasileiros

7 aprendem a degustar os bons produtos existentes no nosso mercado. Além do bom gosto e da simplicidade dessas cervejas, elas geram um impacto muito positivo no meio ambiente. Quem fala sobre isso é o advogado especializado em direito ambiental Flávio Jacarandá, de Belo Horizonte: O impacto é mínimo, na verdade praticamente inexistente. A produção não leva produtos químicos e praticamente todo resíduo é reaproveitado para outros fins, como para produção de ração animal, por exemplo. Já existem certificados internacionais premiando com selo verde muitas cervejarias artesanais pela sua produção totalmente sustentável. Ou seja, além do prazer de consumir uma cerveja completamente diferente das que estamos acostumados, ainda contribuímos para um desenvolvimento sustentável, que a cada dia ganha mais espaço nas pequenas e grandes empresas do país.