PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 38ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São José do Rio Pardo, em que é apelante MARIA CRISTINA BAIZI BOARO (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO SANTANDER BRASIL S/A. ACORDAM, em 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SPENCER ALMEIDA FERREIRA (Presidente), FERNANDO SASTRE REDONDO E FLÁVIO CUNHA DA SILVA. São Paulo, 21 de junho de Spencer Almeida Ferreira RELATOR Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº: APELAÇÃO: (Processo Físico) COMARCA: SÃO JOSÉ DO RIO PARDO (1ª VARA CÍVEL) APTE.: MARIA CRISTINA BAIZI BOARO (JUSTIÇA GRATUITA) APDO.: BANCO SANTANDER BRASIL S/A AÇÃO DE CAUTELAR Exibição de Documentos Processo julgado extinto sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, inciso VI, do CPC/73 Recurso do autor - Transação celebrada entre as partes no curso do processo versando sobre direitos disponíveis a critério dos interessados - Homologação judicial - Ausência - Recusa da homologação do acordo em primeiro grau, fundada no artigo 129 do Código de Processo Civil/73 - Caso concreto em que o acordo firmado entre as partes está formalmente em ordem cumpridos os requisitos de validade previstos no artigo 104 do Código Civil, uma vez satisfeita a pretensão exibitória de documentos, torna-se defesa a recusa na homologação judicial - Inteligência do art. 840 do Código Civil - Não se aplica, neste caso, as hipóteses previstas no artigo 129 do CPC/1973 (art. 142 do CPC/2015) - Sentença reformada - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Ausência de qualquer das situações previstas nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil/73 (NCPC, artigo 80) - Litigância temerária não configurada - Sentença reformada - Sanções afastadas - Expedição de ofício à OAB para apuração de irregularidades - Revogação - Sentença reformada RECURSO PROVIDO. 1.- A sentença de fls. 60/62, disponibilizada no DJE em , cujo relatório é adotado, com embasamento no disposto artigo 129 do CPC, determinou a extinção do feito, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do CPC/73. pronunciamento judicial. Aduz, Recorreu a autora a fls. 103/116, buscando a reforma do em síntese, que o processo foi devidamente instruído com pedido administrativo e que a medida cautelar somente foi proposta quando da não apresentação do documento solicitado pela recorrente ao recorrido. Assevera que o acordo realizado pelas partes teve dois objetivos, primeiro foi dar o fim a lide por ter a recorrente conseguido documentação hábil para entrar com ação de repetição de indébito e segundo desafogar o Judiciário de mais um processo, uma vez que não era economicamente viável para os procuradores do recorrente em Apelação nº

3 receber apenas 50% do valor de sucumbência que eram fixados pelos Juízes desta comarca. Argumenta que diversos advogados que militam na comarca de São José do Rio Pardo adotam o mesmo procedimento, qual seja: medida cautelar, tendo em vista dificuldade encontrada por todos em auferir os contratos de financiamento junto a todas as instituições financeiras, inclusive em face do recorrido. Assim, requer o provimento do recurso para que seja afastada a litigância de má-fé e que seja homologado o acordo celebrado entre as partes. Recurso tempestivo, ausente preparo, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita, e foi respondido (fls. 122/125). É o relatório. 2.- Registre-se que se trata de recurso interposto contra sentença que foi disponibilizada no Diário da Justiça Eletrônica em , portanto anteriormente à vigência do Novo Código de Processo Civil/2015, de modo que serão aplicadas as disposições contidas no Código de Processo Civil de 1973, anotando-se que com relação aos honorários recursais previstos no 11 do art. 85 do CPC de 2015, estes somente se aplicam aos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, em observância ao Enunciado Administrativo nº 7 do C. Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de ação cautelar de exibição de documentos no qual pretendia a autora a obtenção do contrato de empréstimo consignado de nº Com a petição inicial juntou o pedido encaminhado ao réu com aviso de recebimento (fls. 21). administrativo Após a apresentação da contestação pelo banco requerido (fls. 27/30), as partes informaram que se compuseram, pleiteando a homologação do acordo (fls. 45/46), que ficou assim redigido: Pela presente transação, e na melhor forma de direito, as partes resolvem pôr fim ao litígio, sendo que o Banco réu por mera liberalidade pagará a importância líquida de R$ 500,00 (quinhentos reais), sendo que esse valor será depositado no Banco Santander, Agência 3557, conta corrente , de titularidade do patrono do autor, Dr. Micael Fogliarini Busso, CPF: , no prazo de 10 (dez) dias úteis, contados do protocolo (...) Cumpridos os termos do presente Apelação nº

4 acordo, as partes outorgam-se, reciprocamente, plena, geral e irrevogável quitação, abrangendo todos os pedidos objetos desta demanda e se realizará por mera liberalidade, sem reconhecimento de culpa, abrangendo todas as despesas, objeto desta ação, sem exceções. Como consequência desta quitação, o Autor desiste do prosseguimento da presente ação e renuncia ao direito de ajuizar qualquer outra medida contra o BANCO SANTANDER BRASIL S/A com base na mesma causa de pedir ora discutida e que por sua vez, o réu concorda expressamente com a extinção com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, III e V, do Código de Processo Civil. (fls. 45/46). Sucede que sobreveio a sentença que ora se ataca, por meio da qual a Magistrada, recusando-se a homologar o acordo, decretou a extinção do processo sem resolução do mérito (falta de interesse de agir em Juízo), fundamentando o decisum nos seguintes termos: (...) O 'acordo' celebrado em nada preserva os interesses da parte autora, que sem qualquer justificativa plausível renuncia ao direito de pleitear a exibição do contrato objeto da demanda e de ajuizar qualquer ação contra o banco réu com base na mesma causa de pedir ora discutida. A maneira como se portou a autora nestes autos permite vislumbrar a total ausência de interesse na exibição do documento. E não havendo litígio entre as partes, resta claro que apenas tentam se valer do processo para obter vantagens escusas. (...) Nesse trilhar não está obrigado a homologar acordo entre as partes se verificar que esse acordo encerra intuito manifesto de obter algo que, por outras formas, as partes não lograriam alcançar. Mais do que isso, é dever do juiz negar a homologação para preservar direitos de terceiros e a própria dignidade da jurisdição. (...) Respeitado o posicionamento da magistrada, não se vislumbra que a transação realizada entre as partes de fls. 45/46 encerra intuito manifesto de obter algo que, por outras formas, as partes não lograriam alcançar. Nem que o acordo noticiado nos autos foi formalizado mediante conluio entre os patronos das partes, com vistas a se beneficiarem dos honorários advocatícios. Dispõe o artigo 142 do novo Código de Processo Civil, (sentido idêntico ao art. 129 do CPC/73) que: Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se Apelação nº

5 serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé. A respeito do referido artigo 142 do CPC/2015 (antigo 129 do CPC/73) Cristiano Imhof, escreve que: Art. 142 do CPC/2015. Sentido idêntico ao art. 129 do CPC/73. De que forma deverá proceder o juiz quando se convencer de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei. O artigo 142 do novo CPC, a exemplo do que fazia o artigo 129 do CPC/73, trata do processo simulado. Nelson Nery Júnior e Maria Andrade Nery, ensinam que 'há processo simulado quando as partes, sem a vontade de aproveitar-se do resultado da demanda e sem interesse de obter os efeitos jurídicos advindos da prestação jurisdicional, simulam a existência de lide entre elas, com o fim de prejudicar terceiros ou mesmo desviar o processo de sua finalidade constitucional e ontológica de servir de instrumento à paz social' (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Extravagante em Vigor, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª ed, p. 437) (...) 1 Embora afirme a magistrada na sentença que é dever do juiz negar a homologação para preservar direitos de terceiros e a própria dignidade da jurisdição, na hipótese dos autos, pode-se observar que as partes não pretenderam prejudicar direito de terceiros, violar a dignidade da jurisdição ou mesmo desviar o processo de sua finalidade constitucional de servir de instrumento à paz social. Cumpre anotar que, no caso em análise, trata-se de ação cautelar de exibição de documentos satisfativa, envolvendo interesses disponíveis e privados. Acrescente-se que o acordo está formalmente em ordem, não há como se presumir a existência de conluio, ausente prova cabal de as partes agiram de má-fé ao entabulá-lo. Certo é que os esclarecimentos prestados ao Juízo pelo autorapelante no recurso mostram-se convincentes, podendo-se deles concluir que a entrega dos documentos posteriormente pelo réu diretamente ao autor teve o condão 1 Novo Código de Processo Civil Comentado, Cristiano Imhof, 2ª ed., São Paulo Booklaw, 2016, p Apelação nº

6 de satisfazer sua pretensão exibitória. Tanto que informou em suas razões recursais que com a propositura das medidas cautelares, a agência do banco recorrido local, com a comprovação do protocolo de distribuição, fornecia a recorrente a proposta filhote do contrato requerido, o que já era suficiente para instruir a ação principal de repetição de indébito (fls. 105). Sob esse prisma, o que de fato se observa é que as partes se compuseram extrajudicialmente após a citação do réu, o que, ademais, é de extrema valia e eficiência para solucionar os processos judiciais, motivo pelo qual, inclusive, deve ser estimulado e buscado pelo Juízo em atenção aos princípios da celeridade, eficiência e devido processo legal. O acordo homologado em Juízo constitui meio hábil de solução dos litígios, sendo admitido em qualquer fase do processo. Noticiada a composição, cabe ao Magistrado homologá-lo quando presentes os requisitos de validade, consignados no art. 104 do Código Civil (objeto lícito e possível, partes capazes e regularidade formal do ato), incidindo, neste caso, o disposto no artigo 840 do CC, segundo o qual É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça, em demandas similares, ajuizadas na mesma Comarca, assim já decidiu: Ação cautelar de exibição de documentos - Acordo firmado entre as partes no curso do processo - Homologação judicial - Ausência - Configuração das hipóteses previstas no artigo 129 do Código de Processo Civil/1973 (art. 142 do CPC em vigor). Estando o acordo firmado entre as partes formalmente em ordem cumpridos os requisitos de validade previstos no artigo 104 do CC, uma vez satisfeita a pretensão exibitória de documentos, torna-se defesa a recusa na homologação judicial, não se aplicando, neste caso, as hipóteses previstas no artigo 129 do CPC/1973 (art. 142 do CPC em vigor). Afastada a pena por litigância de má-fé imposta na sentença. Recursos providos. 2 CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Composição amigável. Manifestação, pelo autor, de desistência da ação. Recusa da homologação do acordo em primeiro grau, fundada no artigo 129 do Código de Processo Civil/73. Decisão reformada. Recurso provido. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Ausência de qualquer das 2 Apelação nº , Rel. Des. Itamar Gaino, j Apelação nº

7 situações previstas nos artigos 17 e 18 do Código de Processo Civil/73 (NCPC, artigo 80). Sentença reformada. Sanções afastadas. Expedição de ofício à OAB para apuração de irregularidades. Revogação. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO. 3 Medida cautelar de exibição de documentos - Contrato de empréstimo consignado - Formalização de acordo entre as partes, após a resposta, com obrigação de pagamento de honorários advocatícios ao patrono do autor - Transação firmada livremente entre as partes capazes, versando sobre direitos disponíveis a critério dos interessados - Inteligência do art. 840 do Código Civil Litigância temerária não configurada - Incorrência de transgressão disciplinar Recurso provido 4. Exibição de documento - Contrato de empréstimo bancário - Resistência da instituição financeira em apresentar os documentos postulado, tanto na esfera administrativa quanto na judicial Interesse processual configurado - Realização de transação entre as partes, no curso do processo, abrangendo todos os pedidos objeto da demanda - Admissibilidade - Direito disponível - Litigância de má-fé afastada - Não configuração das hipóteses previstas no art. 129 do CPC de 1973 (art. 142 do CPC atual) - Homologação da transação - Extinção do processo, com resolução do mérito - Art. 269, III, do CPC/73 (art. 487, III, b, do CPC atual) - Sentença reformada- Recurso provido 5. De outra parte, na espécie, não houve qualquer ato ou indício de prática desleal à justiça que ensejasse o reconhecimento de litigância de má-fé, que, aliás, não se presume, a justificar tal condenação. Logo, não se verifica o dolo processual justificador de aplicação da sanção às partes, cujas atuações não se ajustam às hipóteses previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil/73 (artigo 80, NCPC). Merece, portanto, a sentença ser reformada para o fim de homologar o acordo de fls. 45/46, declarando extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso III, alínea b, do CPC/2015 (Artigo 269, inciso III, do CPC/1973). Fica revogada a ordem de expedição de ofício à OAB. Afasta-se, por consequência, a pena por litigância de má-fé imposta na sentença. 3 Apelação nº , Rel. Des. Fernando Sastre Redondo, j Apelação nº , Rel. Des. César Peixoto, j Apel , Rel. Des. Paulo Roberto de Santana, j Apelação nº

8 da fundamentação. 3.- Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, nos termos SPENCER ALMEIDA FERREIRA Relator Apelação nº