VOZ SILENCIADA: REQUERIMENTO DE PERÍCIA E QUESITOS:
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- Manuella Chaves Cipriano
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1 VOZ SILENCIADA: REQUERIMENTO DE PERÍCIA E QUESITOS: Falar de dilemas entre o real e falso abuso sexual de crianças em contexto intrafamiliar é de elevada complexidade, porque o seio de referência da criança e de protecção e vinculação segura, é, ou deveria ser, a família, nas figuras dos seus cuidadores primários que são ambos os progenitores. Porém, a realidade dos abusos sexuais intrafamiliares é inegável, do mesmo modo que é também inegável que ocorrem no judiciário cenários de falsas alegações de abusos sexual. O que coloca a questão de saber quando estamos perante uma situação de real abuso e falso abuso, porquanto na situação de real abuso proteger a criança é afastá-la do cenário de violência, ao passo que, nos casos de falsa alegação de abuso, proteger a criança é preserva-la da instrumentalização, da indução de falsas memórias com transformação das suas memórias, preserva-la de condutas alienantes e de fidelização, mas igualmente encontrar meios seguros de preservar os seus laços familiares securizantes. Pelo que, este é um dos cenários em que a realização de perícias médico-legais combinadas com perícias psicológicas ganha maior expressão e impacto. Trata-se de escutar o não dito, escutar os silêncios, escutar a linguagem corporal, escutar as vozes silenciadas, escutar além da verbalização, além dos mitos e preconceitos, escutar além do que é dito. Escutar o não dito. Percepcionar os sinais que o corpo e a expressão e verbalização nos mostram, o que nos comunicam e a forma como comunicam. Mas a tarefa de requerer a realização de perícia, definir o seu objecto e indicar os quesitos não pode, nem deve ser deixada ao acaso, muito embora o operador do direito não possua, as mais das vezes, conhecimento multidisciplinar mas que é desejável que o busque. Deixar em aberto um requerimento pericial é deixá-lo vazio de objecto, podendo ser preenchido por uma infinidade de realidades, mas todas elas vagas e abstractas. Há que objectivar, delimitar e circunscrever metodicamente objectivos. Ao elaborar o requerimento pericial, seja psicológico ou médico-legal, deve indicar-se o contexto e fundamento do mesmo. As razões pelas quais o tribunal deve oficiar a sua realização, nomeadamente referindo pretender ver avaliadas as dinâmicas parentais, díade pais filhos, estilos educativos parentais, dinâmica do conflito parental e avaliação de alegado abuso sexual.
2 Referindo inclusive que, pretende que seja realizada entrevista e demais meios complementares de diagnóstico que são múltiplos testes que podem ser feitos consoante a idade, sexo e questões que se pretendem desvendar além de se pretender que sejam respondidos os seguintes quesitos. Aqui, deste modo, permitimos circunscrever e delimitar o âmbito da perícia a realizar, bem como definir o seu objecto. Tudo o mais será desenvolvido através dos quesitos, que terão de ser criteriosamente escolhidos de acordo com o objecto pretendido e fim que se pretende alcançar com a mesma. No âmbito de uma perícia psicológica poder-se-á colocar, entre outras, as seguintes questões relevantes: Qual o grau desenvolvimental da criança e capacidade cognitiva. Qual a capacidade da criança distinguir fantasia da realidade. Qual o nível de sugestionabilidade e capacidade de corrigir o entrevistador e a capacidade de se autorrepresentar nos relatos. Observa-se a existência de sintomatologia clínica ou sintomatologia psicossomática. Qual o estado de saúde mental da criança. A criança apresentar algum indicador de perturbação psicopatológica ou de perturbação da personalidade. Qual o estado da memória da criança. Como a criança lida com o medo ou situações que a assustem. Que tipos de medos apresenta e quais as suas razões, origens ou exteriorizações. Qual o nível de tolerância da criança à frustração. Quais as capacidades e estratégias de desenvicilhamento da criança. Qual o estado de humor da criança. Qual o estado psico-emocional. Qual o nível de vinculação segura e positiva ou negativa que a criança tem no seio familiar. Como é a relação familiar e dinâmicas da família da criança. Como interpreta a criança o conflito parental e familiar. A criança está exposta a verbalizações. A criança indicia sinais psico-emocionais ou físicos de abuso ou maltrato. Quais. Qual o nível de stress da criança.
3 A criança apresenta linguagem sexualizada ou comportamentos sexualizados. A criança apresenta linguagem e verbalização coincidente com a sua capacidade desenvolvimental e cognitiva. A criança compreende significâncias sexualizadas. Qual o nível de conhecimento da criança. Porém, a entrevista psicológica deve sempre ter em conta que, pode ser uma criança abusada. A entrevista não deve consistir num elemento de eventual vitimação secundária ou revitimação e, as perguntas devem ser abertas e não fechadas, e nunca sugestivas. O que requer uma atenção e cuidado muito grande na linguagem e verbalização utilizada, pois isso poderá contaminar o discurso da criança e direcionar ou orientar as suas respostas. O que não se pretende. Pretende-se, sim, obter a sua espontaneidade e veracidade. Ouvir, observar e analisar e sua coerência e lógica, ou a falta dela. É, por isso, preciso ter cuidado para maximizar a informação sobre o evento e minimizar a contaminação da memória da criança. No âmbito destas perícias além das entrevistas realizadas à criança, que devem ser tantas quantas necessário para averiguar com segurança a veracidade das alegações e apreciar as dinâmicas devem, igualmente, ser entrevistados os seus cuidadores. O relatório deve indicar todas as metodologias e testes complementares de diagnóstico indicados, bem como os seus resultados e resposta aos quesitos, finalizando com a conclusão, bem como, expor e documentar a entrevista aos cuidadores, a entrevista com a criança, a análise dos indicadores de abuso, a avaliação do relato ou testemunho da criança, a avaliação do impacto e do ajustamento global e desenvolvimental da criança, e, ainda, a avaliação do risco de abuso. É preciso, contudo, ter em conta que nem todas as crianças reagem da mesma forma, e enquanto umas podem apresentar sintomas típicos de abuso, outras podem não os revelar de imediato ao nível psico-emocional, devendo ser dada atenção indicadores físicos, comportamentos de externalização, comportamentos de internalização e comportamentos sexualizados, o que pode ser associado a sintomatologia pós traumática.
4 A avaliação da veracidade das alegações é bastante complexa e deve ser feita com atenção a alguns indicadores específicos: 1) compatibilidade do relato com a sintomatologia apresentada; 2) compatibilidade do relato com o nível desenvolvimental da criança; 3) compatibilidade do relato com os indicadores de veracidade sugeridos pela investigação; 4) génese e avaliação de hipóteses alternativas. Para analisar a compatibilidade do relato com os indicadores de veracidade assume-se que um relato verdadeiro inclui uma estrutura lógica, espontânea, um enquadramento contextual dos factos, incluindo ao quando e onde dos mesmos ocorreram, resposta emocional significativa e apropriada por parte da criança; e detalhes típicos da ofensa ou específicos de uma situação, autocorreções ou admissões de falhas na recordação. A perícia médico-legal, por seu turno, importa o exame física, com vista à recolha de resquícios biológicos deixados pela prática do acto sexual e que permitam identificar o seu agente ou a sua ocorrência. Qual a história clinica e estado de saúde física da criança. Existem doenças sexualmente transmissíveis ou vírus. A criança apresenta sinais de gravidez. A criança tem antecedentes ginecológicos ou obstetrícios. Qual a sintomatologia apresentada pela criança. A criança apresenta marcar ou hematomas no corpo. Onde e como. Qual o grau de evolução temporal das marcas. Existem indícios de penetração. Existem indícios ou resquícios de ejaculação. Existem outros resquícios biológicos. A criança apresenta eritema ou edemas traumáticos na zona da vagina ou no ânus. A criança apresenta lesões geniais ou anais. Quaisquer hematomas ou escoriações perianais ou vaginais. A criança apresenta fissuras, lacerações ou dilatação compatível com abuso sexual. A criança apresenta feridas ou cicatrizes. Se sim, qual o processo de cicatrização e relevância.
5 A criança apresenta ruptura do himen. Qual o padrão da pele apresentado pela criança. Um exame físico para ser o mais viável possível e permitir grande recolha de prova importa que seja realizado o mais rápido possível, preferencialmente dentro das primeiras 72h, para que os vestígios não se apaguem. Bem como, não deve ter tomado banho ou lavado os genitais, tem retirado ou lavados as roupas, pois a preservação intacta de todos os elementos é fundamental para a boa apreciação pericial. Além do Relatório médico-legal onde se descrevem todos os vestígios e lesões encontradas ou não encontradas, deve, igualmente serem as mesmas fotodocumentadas. Porém, e para finalizar, não é nova a situação de casos do chamado síndrome de muchausen, em que são infligidas lesões à criança para aparentar abuso ou maltrato, sem que o tenha sido efectivamente, o que torna a perícia e avaliação muito mais difícil e complexa. Em face do exposto podemos ter dois cenários: a criança foi abusada ou não existirem indícios que demonstrem que a criança tenha sido abusada, e, por isso, é importante entrecruzar ambas as perícias médico-legal e psicológica, porque podemos não ter provas conclusivas no âmbito de um exame médico-legal e obtê-las por meio da avaliação psicológica. Dado que, nem todo o abuso sexual de crianças implica actos de penetração, tornando mais difícil a descoberta dos factos. Mas também podem não ter ocorrido, de todo. Desse modo, conjugar a perícia médico-legal com a psicológica pode auxiliar significativamente a descoberta da verdade material que é o que se pretende. Nenhuma decisão poderá ser boa ou adequada se não for sustentada em factualidade segura e comprovada nos autos. Não obstante, existem mecanismos, hoje corporizados no Novo regime Geral do Processo Tutelar Cível e que não são estranhos à Lei de Protecção de crianças e Jovens em
6 Perigo, que permitem que os elos, os vínculos familiares não se percam nas delongas periciais e judiciais. Nenhum pai ou mãe deseja ser supervisionado nos seus convívios, mas é melhor do que serem suspensos indeterminadamente por não se saber se a criança está ou não, efectivamente, em situação de perigo. O Acompanhamento e supervisão da convivência familiar por equipas técnicas multidisciplinares é fundamental, não só para assegurar a segurança da criança, mas, igualmente para avaliar os comportamentos e dinâmicas daquela relação, podendo trazer elementos relevantes para os autos, quer no sentido de que a criança esteja em perigo, quer no sentido de que seja pouco evidente a ocorrência de situação de abuso. Não obstante, não deixam de ser questões e análises de profunda complexidade e requerem um acompanhamento especializado e multidisciplinar. A questão dos dilemas entre o real e o falso abuso sexual é, precisamente, a constatação factual e não empírica de que muitas das alegações surgem no contexto de separação ou divórcios litigiosos, muitas vezes provando-se infundadas, mas servindo o propósito de romper a convivência familiar da criança com um dos lados da família. O que torna a questão do abuso sexual ainda mais complexa, pelo facto de poder ser falsa e, tal circunstância ter de ser tida em conta aquando da realização das avaliações e perícias, sendo uma prova fundamental.
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