PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Thiago Sanches Costa. O Salto Transmidiático dos Super-Heróis: HQ - Filme - Game

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Thiago Sanches Costa O Salto Transmidiático dos Super-Heróis: HQ - Filme - Game MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL SÃO PAULO 2012

2 O SALTO TRANSMIDIÁTICO DOS SUPER-HERÓIS: HQ-FILME-GAME MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital sob a orientação do Prof. Dr. Luís Carlos Petry. 2

3 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Prof. Dr. Prof. Dr. 4

4 resumo A pesquisa investiga a relação entre os fenômenos digitais da transposição e transmídia no contexto da mútua influência entre a cultura dos HQs e games e suas repercussões nas estruturas narrativas digitais. Metodologicamente propõe a leitura e o aprofundamento das relações entre os conceitos buscando o seu entendimento de processo enquanto fenômeno da cultura digital, identificando-os em uma ação história anterior à narrativa transmídia: o salto transmidiático. Para tanto, utiliza-se do movimento e história dos super-heróis, personagens nascidos nas histórias em quadrinhos (HQs) no início do século XX, para demonstrar este caminho e passagem do conceito de transformação do salto transmidiático para o fenômeno da transposição e o objeto transmídia. Mostra ainda que o objeto modelar (HQs) possui características filosóficas, psicológicas, culturais e ontológicas que os tornaram protagonistas da moderna indústria do entretenimento, a qual não existe senão na pluralidade transmídia. A pesquisa realizada é teórica, pois se trata de um estudo com vistas a reconstruir conceitos, para a melhoria de fundamentos teóricos. O método utilizado é a pesquisa bibliográfica, utilizando os materiais existentes acerca do tema, sendo: Scott McCloud e Will Eisner as principais referências sobre a estrutura e linguagem das HQs; os estudos de Gerard Jones a fonte mais utilizada no tocante à História dos superheróis e de seus criadores; Joseph Campbell indicando o caminho mitológico e Richard Reynolds conectando essa visão aos superheróis, fundamental para compreender as narrativas que seguem de um suporte midiático a outro; com Janet Murray sendo o complemento perfeito para o entendimento do funcionamento dessas estruturas no ambiente do game digital. Forma-se assim a base para a discussão do salto transmidiático dos super-heróis: HQ-Filme-Game. Palavras-chave: História em Quadrinhos, Cinema, Games, Transmídia, Super-Heróis. 6

5 ABSTRACT This research investigates the existent relations between digital transposition phenomenon and transmedia on a mutual influence context of comic book and game culture and its repercussions on digital storytelling structures. The methodological proposal is to read and deepen the relations between different concepts in search of its understanding process as a digital culture phenomenon, identifying as an historical action previous to transmedia storytelling: the transmediatic jump. For this, it uses superheroes, characters born in comic books at the beginning of the twentieth century, to show this path and the passage from the concept of transformation by the transmediatic jump to the transposition phenomenon and the transmedia object. It also show that the model object has philosophical, psychological, cultural and ontological features that made them leading figures on the modern entertainment industry that only exists on transmedia plurality. The research done is theoretical, as it s a study that looks forward to concept rebuilding and to enhance theoretical fundaments. The utilized method is bibliographic research, using prevailing materials about the theme, such as: Scott McCloud and Will Eisner as the main references about comic books structure and language; Gerard Jones research as the most used source about superheroes and its creators History; Joseph Campbell points the mythological way and Richard Reynolds connect it to superhero, central to comprehend storytelling that flows from a media support to other; and Janet Murray is the perfect complement to understand how this structures works at the digital game environment. This is how the superheroes transmedia jump, comics-movie-game, discussion base is formed. Keywords: Comic Books, Movies, Digital Game, Transmedia, Superheroes. 8

6 Este trabalho é dedicado à minha primeira professora, à pessoa que colocou meu primeiro gibi em minhas mãos e assim me deu de presente a maravilha da imaginação, fazendo tudo isso ser possível: minha mãe. Tercília Bernadete Sanches Costa * In memoriam 10

7 agradecimentos Esta dissertação não poderia ter sido realizada sem o apoio incondicional de minha esposa, Alexandra Santos, que foi leitora, editora, conselheira e revisora. Seu olhar crítico, firmeza de discurso e conhecimento das minhas capacidades, elevou a qualidade do trabalho e trouxe para fora o melhor de mim. Nunca será suficiente o agradecimento ao meu orientador e amigo, Luís Carlos Petry, por todo acompanhamento e apoio no decorrer do Mestrado. Sua criatividade foi o estopim que desencadeou o processo que gerou este trabalho e seu apoio quando pensei em desistir foi fundamental. Agradeço também meus grandes amigos, Marcelo Cury e Marcel de Souza, pelos insights, conversas infinitas sobre quadrinhos, filmes e games, e por gostarem de tudo isso tanto quanto eu. Ao Cury, especialmente, pela crítica sem meias palavras no início deste trabalho, que me deu forças para avançar e melhorar. Às irmãs Barbará, Tita e Dani, por fazerem a minha parte na EVCOM, me dando tempo para dedicar-me ao Mestrado, o meu muito obrigado. Registro ainda meus agradecimentos aos colegas e professores do TIDD, pelas ideias trocadas, pelo conhecimento expandido e pelo ótimo ambiente, que estimula a pesquisa e o desenvolvimento acadêmico. Aos desenhistas e escritores: Brad Meltzer, Alex Ross, Mike Deodato, Mark Waid, Karl Kesel, Frank Quitely, Ivan Reis, Geoff Johns, Kurt Busiek, Jim Lee, John Byrne, Chris Claremont, Keith Giffen, Kevin Maguire, Mark Miller, Alan Moore, Grant Morrison, Neil Gaiman, Jim Aparo, José Luis Garcia- López, Jerry Ordway, J.M. DeMatteis, Dan Jurgens, George Pérez, Marv Wolfman, John Ostrander, Tom Grummett, Adam Hughes, Gail Simone, Kevin Smith, Joe Kubert, Will Eisner, Jack Kirby e Stan Lee: obrigado por manterem meus heróis vivos. Jerry Siegel e Joe Shuster: se vocês não tivessem sonhado, o meu sonho não existiria. Para o alto e avante! Finalmente, agradeço a toda ajuda e força recebida da espiritualidade de Luz que sempre me acompanha. Salve o Caboclo Cobra Coral, salve meu pai Caboclo Pena Azul. 11

8 índice Introdução... Pág. 15 Capítulo 1: Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica... Pág. 19 Capítulo 2: Super-heróis: os novos deuses... Pág. 41 Capítulo 3: Transmídia e a plenitude do Super-herói... Pág. 59 Capítulo 4: Infinitas Terras: HQ - Filme - Game... Pág. 75 Considerações Finais... Pág. 87 Anexos... Pág. 95 Bibliografia... Pág

9 Introdução S urgidas ao final do século XIX, as Histórias em Quadrinhos (HQs) se consolidaram como uma das expressões artísticas, culturais e midiáticas mais marcantes da metade final do século XX e assim continuam no século XXI. Dentre os diferentes tipos de HQs, um gênero se destaca em relação aos outros no sentido de exposição e contato com o público: o de super-heróis. Recheado de características mitológicas e, por isso mesmo, com íntimas relações com as fantasias pessoais dos seus espectadores, os super-heróis atraem uma legião de fãs que, mensalmente, adquire as revistas contendo aventuras de seres extraordinários como Super-Homem, Homem- Aranha, Batman, X-Men, entre outros. Desde o final dos anos 1930 que os super-heróis povoam mentes e corações e se espalham pela cultura ocidental. Essas personagens, ainda que tenham nascido nos Estados Unidos da América, tornaram-se uma força reconhecível em qualquer lugar do mundo: o Homem-Aranha já teve um seriado japonês, com direito a robô gigante e veículos especiais. E o Superman foi agraciado com um filme realizado totalmente em Bollywood. E desde seu advento, entre as duas Grandes Guerras, esses seres fantásticos vêm se expandindo para além da mídia que lhe gerou, as revistas em quadrinhos. Essa fluidez midiática transforma os super-heróis em modelos ideais para o estudo de um fenômeno que vem sendo alvo de discussões desde meados da década de 1980 (ainda que não recebesse este nome): o transmídia. Com o intuito de entender os mecanismos que possibilitam o salto de uma produção cultural de uma mídia para outra, este trabalho utiliza-se das histórias em quadri- The Avengers - Os Vingadores (2012) já é um dos filmes mais assistidos de todos os tempos. 15

10 Introdução nhos e, especificamente, dos mais impactantes personagens nascidos nelas, os superheróis, para realizar um estudo interdisciplinar, que vai desde o estudo estrutural das HQs, passando pela mitologia, até a discussão acerca das atribuições do sujeito no ambiente dos jogos digitais. Justifica-se tal pesquisa, em primeiro lugar, pela ausência de estudo nacional que relacione HQs, Cinema e Games sob a ótica do transmídia. Além disso, o próprio tema transmídia merece mais aprofundamento o que esta dissertação também realiza. Outro fator de destaque nesse âmbito é que, nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do século XXI, os super-heróis dominaram a indústria do entretenimento. Os dois filmes finais da trilogia Batman de Christopher Nolan e o arrasaquarteirão Os Vingadores arrecadaram mais de US$ 1 bilhão somente em bilheteria nos cinemas, e o jogo Batman Arkham Asylum vendeu aproximadamente 2,5 milhões de unidades (somando todas as plataformas) em todo mundo em apenas um mês. O trabalho aqui apresentado se insere diretamente na Área de Concentração "Processos Cognitivos e Ambientes Digitais" do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, especificamente na linha de pesquisa Design Digital e Inteligência Coletiva, em função de levantar questionamentos ligados à hipernarrativa, sua metodologia e desenvolvimento, seus aspectos conceituais e conexão com a forma de recepção do leitor/espectador/usuário. Para melhor entendimento por parte do leitor e complexidade do estudo, o pesquisador optou pela divisão dos temas, finalizando com a interconexão entre eles. Assim, no Capítulo 1, é feita uma revisão histórica das HQs, em busca de entender seus princípios formadores: a união entre texto e imagem, um verdadeiro casamento mágico entre razão e emoção. Apresenta-se ainda a estrutura especí- A série iniciada por Batman Arkham Asylum (2009) é considerada a que melhor utilizou super-heróis nos games. 16

11 Introdução fica das histórias de super-heróis, que mostram possui características peculiares e que se revelam como fundamentais no salto dessas personagens para outras mídias. É dada uma visão temporal da evolução mercadológica dos super-heróis nos quadrinhos, indicando como isso deve afetar sua expansão por outros meios, o que abre caminho para o Capítulo 2, em que se aprofunda a questão do impacto e representatividade dessas personagens na cultura contemporânea. Mais uma vez, tudo se inicia historicamente: apresentando os primeiros idealizadores dos super-heróis, suas motivações e frustrações, o contexto sociocultural em que se encontravam. A partir daí, com o auxilio da mitologia, é feita a comparação entre as narrativas de super-heróis e o Monomito ou Jornada do Herói conceitos que explicam, em grande parte, a universalidade e o interesse gerado por essa categoria de personagem. É dessa relevância que nascem as discussões apresentadas no Capítulo 3, no qual o transmídia ganha enfoque por meio de diversos autores, como Henry Jenkins, Humberto Eco e Janet Murray, o que torna possível a apresentação do conceito de salto transmidiático que pode ser vista como a principal contribuição deste trabalho para a sociedade. Iniciando no Capítulo 3 e se completando no Capítulo 4 está a aplicação dos super-heróis nesse contexto, como verdadeiro estudo de caso do universo plástico e líquido do trinômio HQ-Filme- Game. É feita uma comparação entre as três plataformas midiáticas, suas semelhanças e diferenças, para ser possível avançar mais e entender as reações do sujeito. Sujeito esse que nos gibis e no cinema é espectador, com maior ou menor grau de interação, mas que passa a ser usuário no game, ganhando poder de decisão, sentido de ação e sendo agraciado com muito mais prazer por conta disso. Essa evolução traz mudanças para os próprios quadrinhos, mas impacta mais ainda o próprio sujeito, que ganha a possibilidade, no ambiente digital da Cultura da Convergência, de resgatar seu herói primordial, ele mesmo. A viagem é longa e passa por caminhos complexos. Então coloque sua capa, vista sua máscara e preparese: chegou a hora da aventura! 17

12 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica 19

13 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica Animal Man: 'Listen, just tell me one thing: am I REAL or what?' Grant Morrison: 'Of COURSE you're real! We wouldn't be here talking if you weren't real. You existed long before I wrote about you and, if you're lucky, you'll still be young when I'm old or dead. 'You're more real than I am. Grant Morrison, Animal Man, Book 3: Deus Ex Machina S uperman, Batman, Homem de Ferro, Homem Aranha. Esses são apenas alguns dos personagens de uma categoria única e, com o perdão do trocadilho, superpoderosa: os super-heróis. Mas seu poder não repousa apenas nos feitos extraordinários que executam na ficção. É no mundo dito real que eles se mostram mais fortes e impressionantes, pois desde seu advento, no início do século XX, não deixaram de se espalhar por diferentes meios, em diversas narrativas. Incorporaram-se assim ao imaginário 1 Histórias em Quadrinhos no Brasil, Banda Desenhada em Portugal, Comics em Inglês, Comic em Alemão e Bande Dessinée em Francês, são algumas das formas diversificadas de se vernacularizar o mesmo objeto. coletivo da modernidade, tornando-se símbolos indispensáveis para a compreensão da cultura pop e, por consequência, da própria maneira de entender o mundo atual e futuro. Esses seres fantásticos nascem em um meio bastante específico, as histórias em quadrinhos (HQs), para dali expandir-se para todas as demais mídias: rádio, cinema, TV, web, games... Não há um espaço da produção humana em que não se encontre uma referência, uma imagem ligada à estética dos super-heróis. Não há um país do mundo em que um desenho de morcego sob fundo preto ou cinza não apareça em camisetas, bonés e canecas. Eles são parte da mitologia dos nossos dias. E para compreendê-los, é necessário entender as HQs, sua linguagem própria, sua forma encantadora de contar histórias e as intensas reações que causam em seus espectadores. 1.1 Mas afinal, o que são Histórias em Quadrinhos? Para tentar definir as HQs é necessário buscar sua origem. O mais comum, nesses casos, é associar o nascimento das histórias em quadrinhos com a virada do século XIX para o XX. Foi naquela época que chegou às bancas The Yellow Kid (1895), uma história com temática humorística que é considerada a primeira HQ. Sua publicação ocorria no jornal novaiorquino World (Moya, 1996). Mas uma análise mais criteriosa é capaz de demonstrar que os quadrinhos já estavam disponíveis há muito, muito mais tempo. 21

14 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica Scott McCloud (1993), em Understan- ses dois elementos, o verbal e o imagético, um ding Comics: The Invisible Art, explica que os sentido de interdependência e complementari- quadrinhos são imagens pictóricas e de ou- dade. tros tipos justapostas em sequência deliberada, com intenção de transmitir informação e/ou produzir uma resposta estética em seu espectador. Nesse sentido, os trabalhos de Rodolphe Töpffer, no século XIX, podem ser considerados como o nascimento da linguagem contemporânea dos quadrinhos. Ele se utilizava de painéis A partir dessa definição, um novo nos quais dividia a ação de sua narrativa e, pela mundo se abre e inúmeras produções huma- primeira vez, as palavras entram na mistura e nas podem ser encaixadas na categoria HQ. se tornam parte indispensável para o entendi- O próprio McCloud (1993) dá como exemplos mento daquele todo (McCloud, 1993). os hieróglifos egípcios e a tapeçaria medieval. Em ambos os casos, seguindo uma determinada sequência e com uma clara intencio- Saber como surgem e se desenvolvem os quadrinhos auxilia na busca por uma definição nalidade, imagens são colocadas lado a lado, contando uma história. Podem não se parecer com os quadrinhos como os conhecemos hoje, mas é evidente a semelhança estrutural. A mudança evolutiva que faz com que cheguemos ao modelo atualmente estabelecido de quadrinhos está em deixar de usar apenas as imagens para contar histórias, agregando ao processo as palavras e criando entre esfigura 2 Reprodução de obra de Rodolphe Töpffer (retirado da internet) Figura 1 Reprodução de The Yellow Kid (retirado da internet) 22

15 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica do que são as HQs, mas não responde plenamente a pergunta que inicia este tópico: afinal, o que são histórias em quadrinhos? É preciso então procurar entender o lado do leitor. Ou, melhor dizendo, do espectador. Na definição apresentada por McCloud (1993), o sujeito da leitura é chamado de espectador. Essa é uma questão importante, porque espectador é muito diferente de leitor. Espectador ou, ainda melhor, como colocado no original em inglês, viewer, é alguém que vê, que é colocado em frente a um objeto e dele obtém uma visão. Ele pode ou não interpretar essa visão, mas busca-se desse viewer algum tipo de reação. E uma reação estética, cheia de sensibilidade, muito em função das reações causadas pelas imagens contidas nesse objeto. Como aponta Eisner (2008) as HQs, por meio de suas imagens, lidam com sentimentos primitivos do espectador, pois esta é uma arte representacional devotada a emular a experiência do real. A imagem, portanto, tem um efeito ritualístico, de trazer à realidade algo que a priori não faz parte dela. Porém, as imagens não são a realidade. Ou, melhor dizendo, são apenas um aspecto dela, como na definição de Ismail Xavier (2005), citando artigo de Maya Deren (1960): O termo imagem (originalmente baseado em imitação) significa, em sua primeira acepção, algo visualmente semelhante a um objeto ou pessoa real; no próprio ato de especificar a semelhança, tal termo distingue e estabelece um tipo de experiência visual que não é a experiência de um objeto ou pessoa real. (1960, apud XAVIER, 2005:17). Os quadrinhos são, portanto, espelhos côncavos e convexos da realidade. São feitos para as massas e representam desejos delas e projetam, em certa medida, aquilo que já existe no corpo da cultura, mas com nuances próprias. As HQs lidam com imagens comuns, no sentido de que são facilmente reconhecíveis, já fazem parte daquilo que Jung (2002) chamou de inconsciente coletivo 2. É essa universalidade imagética que garante a ade- 2 Em Os arquétipos e o inconsciente coletivo (original de Edição de referência, 2002), Carl Gustav Jung define inconsciente coletivo da seguinte maneira: O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto, desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Maya Deren 23

16 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica Marshall Mcluhan rência e conexão junto ao espectador. A ideia de Os quadrinhos, independente do tipo de história que contenham, se caracterizam por espelhar que uma imagem possa evocar uma resposta emocional ou sensível (relacionada aos sentidos) no espectador é vital para a arte dos qua- passado e futuro (desejado). A leitura de uma HQ é a realidade em seus diferentes aspectos: presente, drinhos (McCloud, 1993). Como bem coloca um ato estético e também uma busca intelectual, McLuhan: pois o mundo dos quadrinhos é um mundo do jogo, de modelos, da projeção de situações que se Na década de 30, quando milhões de revistas em passam em outras partes da vida dos espectadores (McLuhan, 2005). quadrinhos estavam despejando sangue sobre as cabeças dos jovens, ninguém parecia perceber que, Somando esses aspectos à visão de emocionalmente, a violência de milhões de carros McCloud (1993) têm-se um quadro que pode em nossas ruas era incomparavelmente mais histérica do que qualquer coisa impressa (2005:248). explicar os motivos dos quadrinhos ainda hoje serem consumidos e estudados. Ao se utilizarem de um modelo imagético para seu storytelling 3, as HQs remetem a uma memória genética, à essência tribal do homem que aprendia como sobreviver ao seu ambiente pelas informações gravadas na pedra. Essa mesma lógica continua valendo e, ainda que não seja mais necessário aprender a como matar um búfalo para garantir a sobrevivência da tri- 3 Pode ser traduzido como ato ou ação de contar histórias. bo, o homem moderno tem a necessidade de lidar com todos os aspectos de sua complexa vida. Assim, o novo fenômeno recupera a força da tradição histórica reinventado em estruturas materiais e narrativas que são potencializadas por meio dos recursos técnicos de uma sociedade pós-industrial. Não é de se espantar, portanto, que a imagem associada ao fã de gibis 4 (especialmente o de super-heróis, foco deste estudo), seja a do solitário que, neste exato momento, em um quarto mal iluminado deste planeta, sente o peito pressionado pela dureza de sua vida, profundamente incomodado com a ininterrupta condição de inadequação que sente, e encontra em páginas impressas com histórias feitas de imagens acompanhadas de textos em caixas e balões a força necessária para seguir em frente. Os quadrinhos são uma das 4 Gibi é o modo popular de designação das HQs no Brasil, que foi popularizada pela revista homônima. Tratou-se de uma importante referência editorial na área, e que formou uma cultura nacional e a mentalidade de milhares de fãs. Sua divulgação se deu como suplemento do jornal O Globo, lançado em 1939 (Gonçalo Júnior, 2004). 24

17 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica melhores formas de escapismo que o homem já foi capaz de criar. Pode-se dizer, assim, que os gibis podem hoje ser vistos como ferramentas para escapar da realidade, arte e bases para produções em outros meios, ao longo de seu desenvolvimento foram diversas as funções atribuídas aos gibis. As pinturas rupestres e os hieróglifos, que podem ser chamados de proto-quadrinhos, serviam ao propósito historiográfico e educacional, registrando eventos de toda sorte para referência das gerações vindouras. Colocavam-se também como veículos de reforço mitológico, resgatando e formalizando a cultura das populações. Na Idade Média, o foco da arte sequencial se voltou para temas religiosos e com direcionamento claramente moralizante um agente de dominação das massas iletradas, que por meio das proto-hqs, recebiam as informações que dominariam seus imaginários e estabeleciam um controle invisível sobe suas vidas. Para que tudo isso fosse possível, a ferramenta empregada pela arte sequencial foi o uso de estereótipos 5 para a representação imagética e caracterização. Para que o espectador se reconhecesse e se identificasse era preciso generalizar, era assim que se tratava da essência do humano. E é esse modelo que perdura até hoje nos quadrinhos. Isto explica em grande parte porque as narrativas que são alvo deste estudo, do gênero dos super-heróis, possuem tamanha proeminência entre as HQs. Os gibis de super-heróis resgatam a essência mitológica das narrativas da Antiguidade. Reynolds (1992) aponta que o desenvolvimento do gênero super-herói a partir da década de 1980, quando muitas obras esticaram os limites dessa categoria, veio justamente do entendimento em utilizar o mito do super-herói para fazer uma declaração calculada sobre a cultura que o mito tenta compreender. Assim, essas produções acabam funcionando como um eco de outrora, que ressoa 5 Pode-se definir estereótipo como sendo generalizações, ou pressupostos, que as pessoas fazem sobre as características ou comportamentos de grupos sociais específicos ou tipos de indivíduos. Isto explica em grande parte porque as narrativas que são alvo deste estudo, do gênero dos super-heróis, possuem tamanha proeminência entre as HQs. Os gibis de super-heróis resgatam a essência mitológica das narrativas da Antiguidade. Reynolds (1992) aponta que o desenvolvimento do gênero super-herói a partir da década de 1980, quando muitas obras esticaram os limites dessa categoria 6, veio justamente do entendimento em utilizar o mito do super-herói para fazer uma declaração calculada sobre a cultura que o mito tenta compreender. Assim, essas produções acabam funcionando como um eco de outrora, que ressoa diretamente no Eu Histórico dos espectadores, submergindo-os no grande lago da memória humana. Mais sobre isso será discutido no Capítulo 2. McLuhan (2005) conta como muitos inte- 6 Os exemplos mais representativos da expansão de possibilidades dos super-heróis da década de 1980 estão em Batman O Cavaleiro das Trevas (DC Comics, 1986), de Frank Miller, Klaus Janson e Lynn Varley; e Watchmen (DC Comics, 1986), de Alan Moore e Dave Gibbons. 25

18 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica nifesta-se da necessidade humana de significar a realidade, quando esta se mostra de uma complexidade tal que as ferramentas disponíveis não são mais suficientes. Campbell (1997) afirma que: Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as circunstâncias, os mitos humanos têm florescido, da mesma forma, esses mitos têm sido a viva inspiração de todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos. Dessa forma, o autor esquematizou as narrativas mitológicas no que chamou de Monomito ou Jornada do Herói, a qual se configura da seguinte maneira: Campbell (1997, p.20) subdivide essas partes em outros elementos, da seguinte forma: Partida: 1) "O chamado da aventura", ou os indícios da vocação do herói; 2) "A recusa do chamado", ou a temeridade de se fugir do Deus; 3) "O auxílio sobrenatural ; 4) "A passagem pelo primeiro limiar"; e 5) "O ventre da baleia". Iniciação: 1) "O caminho de provas", ou o aspecto perigoso dos deuses; 2) "O encontro com a deusa"; 3) "A mulher como tentação", a realização e agonia do destino de Édipo; 4) "A sintonia com o pai"; 5) "A apoteose"; e 6) "A bênção última". Retorno: 1) "A recusa do retorno"; 2) "A fuga mágica", ou a fuga de Prometeu; 3) "O resgate com ajuda externa"; 4) "A passagem pelo limiar do retorno", ou o retorno ao mundo cotidiano; 5) "Senhor dos dois mundos"; e 6) "Liberdade para viver", a natureza e função da bênção última. 26

19 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica Os exemplos da aplicação desse esquema nas narrativas dos super-heróis são inúmeros. Logo de início, na etapa em que o herói é convocado para a aventura, existe a figura do Arauto, que é quem vai trazer a boa nova de que o mundo está prestes a mudar e o protagonista precisa surgir. Este Arauto é o portador da potencialidade da aventura, como diz Campbell (1997), é uma figura que aparece subitamente como guia, marcando um novo período, um novo estágio da biografia. Ele traz elementos que, na superfície, parecem desconhecidos, mas que causam intenso fascínio justamente por já existirem no subconsciente. No Superman, por exemplo, esse chamado não é feito diretamente ao herói, mas ao seu pai. A destruição iminente de Krypton faz o cientista Jor-El enviar seu filho ainda bebê para o desconhecido, o qual aquele pai acredita (ou melhor, sabe, internamente) que trará fabulosas aventuras ao seu rebento. Já na fase da Iniciação, quando o herói se depara com o Caminho de provas, é possível enxergar o que fez o jovem Bruce Wayne, como narrado no filme Batman Begins (2005) e em incontáveis HQs: ele decide percorrer o mundo, descobrindo -o e também a si mesmo nesse processo, a fim de renascer como o novo, na figura do Batman assimilando a imagem arquetípica do morcego, ser da noite que gera o medo nos corações supersticiosos. Metaforicamente, o herói lido, assistido e jogado enfrenta as provas para que seu espectador/jogador não o faça. Ou ainda, o espectador/ jogador terá a experiência de redescoberta do Eu pela leitura do quadrinho, assistência do filme e jogar do game. As provações são um aprofundamento do problema do Chamado, um começo. Para seguir, chegar à Iluminação e voltar, o herói deverá combater fortemente, ultrapassar toda sorte de provas e barreiras, com infinitas pequenas vitórias. Em linguagem de game: fases com seus subchefes, até a chegada à vitória final. Na etapa da Iniciação reside a maior parte dos elementos que podem ser relacionados aos super-heróis ainda que toda a estrutura desse gênero possa ser enquadrada no esquema do Monomito. O encontro com a Deusa e A Mulher como tentação podem ser vistos, em primeiro lugar, na questão da identidade secreta. Quando já na primeira edição em que aparece o Superman estabelece-se que há o ser superpoderoso, mas também existe Clark Kent e entre eles está a bela Lois Lane, está patente que esta mulher não será nem de um, nem de outro uma situação análoga à de muitas sociedades selvagens nas quais os guerreiros são privados de sexo para que conservem sua força e para que o masculino em si não seja maculado por forças externas. A mulher é a inimiga da castidade, condição que possibilita ao herói a pureza de espírito necessária para avançar em sua jornada (Reynolds, 1992; Campbell, 1997). 27

20 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica lectuais, de Picasso a Joyce, se apaixonaram pelas HQs, por verem ali uma autêntica reação criativa às iniciativas oficiais e, dessa forma, como sendo uma legítima arte popular, que nos desperta para toda aquela vida e todas aquelas faculdades que deixamos de desenvolver na vida de todos os dias. Quadrinhos são um recipiente, um vaso no qual cabe qualquer líquido do mais denso ao mais raso, e que se coloca pronto para ser derramado nas retinas dos espectadores (McCloud, 1993). Ou seja, as HQs são um meio. Uma mídia em que histórias são contadas e que, também, possui regras próprias Estrutura própria Essa forma particular de ser dos quadrinhos exige do seu espectador o domínio desse vocabulário, uma certa alfabetização quadrinística, como aponta Vergueiro (2006). Mas, colocado dessa maneira, parece ser algo formal e complexo demais, o que não corresponde à verdade. Trata-se apenas do entendimento de algumas regras, como a sequência a ser seguida para leitura dos quadros, as falas e pensamentos que estão (na maioria dos casos) contidas em balões que indicam qual personagem está falando e, especialmente, a cumplicidade entre espectador e a obra que ele tem em mãos (seja em papel ou digitalmente) pois ali todas as dimensões do tempo estão ao seu dispor. O espectador pode ir e vir livremente e só não o faz por respeitar um contrato tácito com o criador da narrativa, pois no coração da colocação sequencial de imagens com a intenção de demonstrar o tempo está o senso comum da percepção (McCloud, 1993). Essa educação do espectador, porém, é quase instintiva. Ao ter contato com uma HQ, o espectador entende muito rapidamente quais são as regras daquele jogo. Sem muito pensar, imerge em um mundo no qual o quadro captura o instante, confina em seu espaço uma parte da ação imaginária das personagens concebida pelo autor que, por sua vez, deve conhecer ou, melhor dizendo, partilhar, da mesma linguagem e referência do espectador. Essa comunhão entre as partes permite que o espectador complete os espaços em branco entre quadros com seu entendimento, sua imaginação. É na mente do espectador que o movimento acontece, que uma personagem se move. Assim, por meio da síntese na qual sua mente completa algo que é apenas sugerido na HQ que ele torna-se também sujeito daquela ação. É também na mente do espectador, por esse mesmo mecanismo de síntese, que os demais sentidos, além da visão, passam a integrar a experiência de leitura dos quadrinhos, visto que esta é uma mídia mono-sensorial. O som dos quadrinhos vem dos balões de fala e das onomatopeias. Os gibis representam, assim, a arte do invisível e do inaudível, pois o que está colocado é apenas parte daquilo que o espectador apreendeu, é somente um aspecto de sua experiência (McCloud, 1993). 28

21 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica Nessa estrutura, o quadro (ou painel, como também é chamado) atua como um indicador geral de tempo e espaço e como uma tentativa de demonstrar visualmente a passagem de ambos. Porém, nos quadrinhos tempo e espaço são o mesmo, indivisíveis, por estarem colocados na mesma dimensão plana seja no suporte papel ou no digital. Essa condição da linguagem das HQs, que leva seu espectador de quadro a quadro, dá a este sujeito um poder único em comparação com os outros meios. Pois somente nos quadrinhos é possível avançar na narrativa na velocidade que se queira, dar zoom em qualquer detalhe da cena, retroceder e pular a frente: tudo a qualquer momento, com um simples passar de olhos ou folhear de páginas. Eisner (2008) coloca que a leitura de quadrinhos é em todos os sentidos, uma forma de leitura singular. E seu discípulo Morrison (2011) complementa: O ritmo de um filme ou um show de TV era ditado por seu diretor. Os quadrinhos permitiram seu leitor dirigir sua própria experiência da história. Os quadrinhos têm também a vantagem da portabilidade. Em qualquer local é possível mergulhar na narrativa e ser mentalmente transportado para outras realidades. Porém, diferente do cinema, por exemplo, as HQs dependem totalmente da emoção que geram, sentimentos nascidos da união de imagem e texto. 1.3 HQ é texto e imagem: um casamento mágico Se o cinema trabalha com imagens em movimento, e a literatura gera imagens na mente dos leitores, o que é então um meio em que imagens e textos são colocados lado a lado com a intenção de construir uma narrativa com algum tipo de sentido? O nome disso é história em quadrinhos: um termo que começa com história, pressupondo a narrativa, e termina com quadrinhos que, como vimos, são imagens justapostas de maneira deliberada buscando reações no sujeito espectador. McCloud (1993) diz também que os quadri- Figura 3 - Reprodução de Batman and Robin #6, Vol. 2 (2012), pág. 2. Podem ser observadas as transições de quadros demonstrando a passagem de tempo e o uso de onomatopeias sugerindo o som. 29

22 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica nhos são um receptáculo que pode absorver um sem número de ideias e imagens. Com tanta ênfase nas imagens, como ficam as palavras? A resposta é ao mesmo tempo óbvia e complexa: palavras são, elas próprias, imagens. Quando despimos as palavras de seus sentidos apreendidos e, como crianças sendo alfabetizadas as separamos, primeiro em sílabas e depois em apenas letras, o que temos é um conjunto de símbolos, de desenhos, aos quais foi atribuído um sentido, um valor. Porém, ainda que palavras e imagens se equivalham, o processamento de uma e outra pelo espectador se dá de maneira distinta, fruto de toda a educação recebida que coloca em lados separados texto e imagem, cada uma cuidando de uma área: palavras dominando a razão e imagens responsáveis pela emoção. Flusser (1985) ensina que se a produção de imagens cai em desuso, a imaginação diminui; e se o texto perde força, a capacidade conceitual é enfraquecida. Mas o contrário também acontece, já que a poesia se apresenta como palavras buscando e expressando sentimentos. De outro lado, a imagem de um esquema técnico para a montagem de uma máquina nada mais é que um desenho completamente lógico e racional. Ao escrever, ou seja, lidando apenas com palavras, um autor dirige a imaginação do leitor. Nos gibis, o autor oferece a imagem e é tarefa do espectador encontrar o ritmo daquela narrativa, que lhe foi apenas sugerido pela forma pela qual as palavras e os desenhos foram colocados. O texto e a imagem, esses irmãos gêmeos nascidos da evolução humana, reencontram-se de diferentes formas nas HQs. Por vezes as palavras apenas descrevem as imagens, em outros momentos provém a elas uma espécie de trilha sonora. Podem ainda amplificar sentimentos e sensações, ou serem colocados sem conexão explícita um com o outro, dando ao espectador a tarefa de buscar significado. A verdadeira mágica, no entanto, acontece na interdependência, quando um só faz sentido ao lado do outro, unindo forças na busca de uma reação maior e mais imersiva do espectador. Ao unir texto e imagem, os gibis fundem esses dois elementos criando uma situação singular, no qual as narrativas fluem com lógica e fantasia, razão e emoção. Os quadrinhos expressam, unindo verbal e não-verbal, texto e imagem, a comunicação básica entre as pessoas, que combina estilos diferentes de fala, linguagem corporal e postura. Pois ainda que seja seguida a norma culta na escrita, a imagem transmite informações que complementam o sentido da narrativa. Pode-se afirmar que reside aí um dos elementos que mais contribuem para a popularização desta produção. Ao falar como o espectador, as HQs criam vínculos com seu receptor, em uma relação na qual a empatia sobressai como elemento predominante. Para Eisner (2008), a leitura de quadrinhos se dá por uma expansão do texto, pois a 30

23 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica leitura tradicional (como num livro) resultaria numa conversão de palavras para imagens, feita na mente do leitor. Os quadrinhos então aceleram esse processo, por já apresentarem o fator imagético. Wolk (2007) examina a questão da seguinte maneira: Quadrinhos não são prosa. Quadrinhos não são filmes. Eles não são um meio direcionado pelo texto com imagens adicionadas; eles não são o equivalente visual de uma narrativa em prosa ou a versão estática de um filme. Eles são sua própria coisa: um meio com seus próprios dispositivos, seus próprios inovadores, seus próprios clichês, seus próprios gêneros, armadilhas e liberdades. O primeiro passo em direção a uma leitura atenta e a apreciar completamente os Quadrinhos é entender isso. (WOLK, 2007:14) Douglas Wolk Ao forçar o espectador a entender uma sequência ordenada de maneira intencional de palavras e, principalmente, de imagens, cria-se uma terceira identidade prevalecente, um todo unificado. Assim, é possível dizer que os quadrinhos são uma Gestalt 7, mais do que texto e imagem somados, mas sim algo único, que possui uma linguagem própria e coerente. E que enquanto veículo (meio), os quadrinhos possuem a capacidade de expressar toda a complexidade de sentimentos, sons, ações e ideias que a imaginação humana for capaz de criar Gêneros múltiplos 7 Gestalt é uma palavra alemã sem tradução exata para o português. De acordo com a teoria gestáltica, não se pode ter conhecimento do "todo" por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de suas partes: "(...) "A+B" não é simplesmente "(A+B)", mas sim um terceiro elemento "C", que possui características próprias" (Revista Mente e Cérebro, 179, pgs Editora Duetto. São Paulo, 2007). wiki/gestalt Se a pluralidade humana é espelhada nos quadrinhos, isso significa que todo tipo de história pode ser contada ali. Ramos (2010) segue a linha de denominar quadrinhos como um grande rótulo o qual pode ser aplicado a produções extremamente diversas entre si, como uma tira de humor publicada em um jornal e uma história mais longa editada na forma de graphic novel 8. Trata-se de uma visão coerente e alinhada com a realidade, como é possível atestar ao visitar qualquer banca de jornal ou livraria. Nesses espaços encontra-se desde os gibis infantis, como a consagrada Turma da Mônica e os clássicos Pato Donald e Mickey, passando pelos mangás 9 de temas diversos, chegando até às HQs eróticas, de autores como Milo Manara e Paolo Serpieri. Isso sem contar as tiras publicadas diariamente em praticamente todos os jornais de grande circulação. Para a categoria de personagem foco deste estudo, o super-herói, o tipo de HQ estudada será o de histórias longas, que podem ser publicadas em revistas seriadas mensais ou na forma de coleções encadernadas (graphic novel). Dessa maneira, 31

24 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica 8 O termo graphic novel é comumente utilizado no Brasil sem ser traduzido e remete, usualmente, a edições mais luxuosas, que seguem estética dos livros. 9 Mangá é o nome originalmente dado aos quadrinhos de origem japonesa. Atualmente configuram um estilo de desenho e narrativa. Existem mangás produzidos no Brasil e nos EUA, por exemplo. Super-Herói passa a ser o gênero, por possuir características bastante marcantes na comparação com outras produções também encontradas nos quadrinhos, tanto em termos estruturais, quanto temáticos. Entre esses itens diferenciadores, pode-se destacar: Maniqueísmo: Ainda que na década de 1960, Stan Lee e a Marvel Comics tenham revolucionado o gênero Super-Herói apresentando personagens mais humanas e menos mitológicas, nas histórias de Super-Herói o Bem e o Mal estão sempre bem definidos. Isso pode até não ser declarado de início ao espectador, mas no decorrer da narrativa deixa-se claro quem são os mocinhos e quem são os bandidos. Universo compartilhado: as personagens coexistem em um mesmo universo ficcional compartilhado pertencente às editoras donas dessas propriedades intelectuais. Assim, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, o veloz Flash e o rei dos mares Aquaman compartilham um mesmo continuum espaço-temporal na DC Comics. Enquanto Homem-Aranha, Capitão América, o selvagem Wolverine e o Incrível Hulk convivem na Marvel Comics. Continuidade: os eventos apresentados nas histórias de super-heróis continuam válidos, edição após edição. Um exemplo que ilustra bem essa situação é o seguinte: se em uma edição de Cebolinha a personagem-título terminar uma história levando uma surra da Mônica que o deixe de olho roxo, esse fato não será citado na revista do mês seguinte. Já numa revista Batman, se o Homem-Morcego tiver a coluna quebrada por um de seus inimigos, ele irá andar de cadeira de rodas, pelo menos por um tempo. Cor: ainda que existam versões de histórias de super-heróis em preto-e-branco, a cor é elemento constante desde a primeira revista de superheróis, Action Comics nº 1. Como aponta McCloud (1994), no caso específico, as cores primárias que até o advento da colorização por computador dominaram as narrativas fixaram de maneira decisiva as personagens, alçando-as ao estado de ícones. Ao se repetirem seguidamente, as cores passam a representar as próprias personagens. A combinação de azul, vermelho e amarelo recorda o Superman, bem como o cinza, azul escuro e amarelo evocam o Batman, e assim sucessivamente com os outros superheróis clássicos. Conflito: as personagens dessas histórias estão em oposição constante. Pode ser (na maior parte das vezes é) contra um vilão que ameaça o estado vigente e/ou ameaça inocentes, pode ser contra outros heróis (uma narrativa bastante tradicional no gênero) ou mesmo conflitos internos, com suas próprias consciências. Uniformes: as fantasias vestidas pelas personagens são presença infalível no gênero. Reforçam seu posicionamento icônico ao representarem não apenas a personagem em si, mas 32

25 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica todo conceito que os autores pretendem passar em suas narrativas. Um homem que se veste de morcego quer ser visto como um ser da noite, amedrontador, capaz de impedir que crimes sejam realizados. Bem como um soldado vestido com as cores de seu país está pronto para representá-lo, inclusive de maneira ideológica, nas linhas de frente contra as tropas inimigas. Fantástico: a temática do gênero superherói pressupõe sempre o fantástico. Em geral, isso se apresenta por meio dos protagonistas, que possuem alguma característica sobrehumana. Esse atributo pode ser advindo de exaustivo treinamento, infortúnios diversos (como ser mordido por uma aranha radioativa ou ser atingido por uma bomba), origem em planetas distantes da Terra ou mesmo uso de um uniforme que lhe confira algum poder. O fantástico se mostra pela possibilidade de realização de feitos que não poderiam ser alcançados no mundo real. Figura 4 - Reprodução das capas de Batman #497, Vol. 1 (1993) e Legends of the Dark Knight #60 (1994). Demonstração do universo compartilhado, em que as narrativas circulam por vários títulos e a continuidade faz com que fatos ocorridos em uma edição continuem valendo em nas subsequentes: a espinha quebrada no mês de julho/1993 resulta em cadeira de rodas em maio/

26 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica É evidente que possam existir (e certamente existem) histórias desse gênero que não possuam uma ou mais dessas características. Bem como nem toda HQ colorida é de superherói, por exemplo. Mas esses elementos pontuam o modelo de gibi que serve de base para este estudo e possibilitam o aprofundamento em demais questões pertinentes ao entendimento completo do tema Para chegar ao público No início, as HQs eram distribuídas pelos jornais, como um chamariz para o público geral e, com um pouco mais de atenção, para as crianças que influenciavam seus pais na compra de um ou outro periódico noticioso em função de encontrar nele suas tiras favoritas. Observando essa impulsão nas vendas causadas pelos quadrinhos, já no início do século XX editores passam a reunir as tiras de sucesso na forma de revistas e livros para vendêlos em bancas e até mesmo livrarias. A versão livro, nos dias atuais, é muito utilizada especialmente nas HQs de super-heróis. As histórias que são publicadas mensalmente no formato revista são posteriormente agregadas em encadernados, com capa em papel mais nobre e um aspecto mais próximo dos livros do que de revistas. Ambos os formatos foram aprimorados pelas técnicas de impressão, mas essencialmente, continuam os mesmos desde seu início. No caso das revistas, sua popularização maior ocorre na década de 1930, quando muitas empresas utilizavam essas revistinhas como um item promocional a ser distribuído a quem enviasse cupons juntados por compras sucessivas de um determinado produto ou marca. Ou simplesmente como um brinde em função de alguma aquisição em uma loja específica. Tratava-se, em todos os sentidos, de um produto cultural muito bem acabado, o que perdura até hoje. Em seu desenvolvimento, os gibis iniciam com a sátira política e social para, posteriormente, retratar narrativas de humor mais leve e muitas aventuras fantásticas com assuntos diversos, muitos deles resgatados dos pulps 10, romances rápidos vendidos em bancas de jornal, barbearias, farmácias dos Estados Unidos da América (EUA) no início do século XX. Assim, o nascimento dessa produção ocorre na América do Norte, mas logo se espalha pelo mundo. É o foco comercial dado pelos editores dos EUA que consolida as HQs enquanto meio e possibilitam sua expansão, em função da popularização atingida. Isso, de forma alguma, diminui as capacidades artísticas dessa produção, muito menos seu potencial influenciador da cultura. Pelo contrário, apenas reforça esses aspectos, pois seria míope negar ou mesmo ignorar o que representa para a essência do Ocidente contemporâneo tudo que é e foi produzido culturalmente nos Estados Unidos da América desde o início do século XX. Naqueles romances que inspiram os pri- 10 Os pulps recebem esse nome por serem publicações feitas com papel de baixa qualidade, criado a partir da polpa, um subproduto da produção de papel. Esses livros ganharam o mercado dos EUA no início do século XX. Mais sobre o assunto em 34

27 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica meiros gibis eram contadas histórias de guerra, crimes, horror e aventuras com heróis. Essas narrativas são transferidas para os quadrinhos e, em ambos os casos, os temas resgatam projeções de vontades e anseios, de buscar a criação de uma realidade diferente da existente. Ou seja, de imaginar. Dessa maneira, as histórias em quadrinhos consolidam-se como produto cultural pleno, ainda que de baixa resolução, no papel. Tamanho é o seu impacto, que continuam existindo há mais de um século e ainda estão ativas atualmente. Além disso, as narrativas (imagéticas e textuais, como sempre nos quadrinhos) nascidas neste meio, muito em função de sua característica híbrida, se prestam a ser base para produtos culturais em diversos outros meios: no início do século XX, o rádio; nas últimas décadas do século XX e primeiras do XXI, o cinema, a televisão e os games. Para que continuassem chegando ao público, os modelos de distribuição de HQs também evoluíram. Se no início as bancas e outros locais, que já vendiam pulps, eram onde se podiam encontrar gibis novos toda semana, na década de 1970 começam a surgir nos EUA as primeiras comic shops, que se tornam mais do que simples pontos de venda: são o ambiente perfeito para a nascente cultura de fãs. Nos EUA, os quadrinhos como um todo haviam passado por altos e baixos, do início do século XX até a década de O auge, em termos de tiragem, havia sido nas décadas de 1930 e Aventura, Romance, Western, Humor e Super-Heróis eram os gêneros que dominavam as produções e atraíam o público, não só de crianças e jovens, mas também de adultos. Isso segue até a II Grande Guerra, quando os quadrinhos servem como propaganda de guerra dos Aliados, elevando o moral das tropas e aliviando a realidade de quem ficou em casa. Vive-se a chamada Era de Ouro das HQs. 11 Como os gibis são chamados em inglês de comic books, as lojas em que esses itens são vendidos são chamadas de comic shops. Esse termo é também utilizado no Brasil. Pós-guerra, o contexto cultural muda. Os pequenos comércios de bairro, nos quais os quadrinhos eram encontrados fartamente, perdem cada vez mais espaço para as grandes lojas de departamentos e para os shopping centers. A televisão também começa a atrair mais e mais a atenção do público, que escolhe um meio mais quente para dedicar seu tempo. O clima era de racionalismo, não havia espaço para fantasia pois uma nova guerra, ainda que fria, se iniciava e era preciso trabalhar forte para ficar à frente da ameaça vermelha. E assim os gibis, em linhas gerais, perdem leitores. Entre os diferentes gêneros, os gibis de super-heróis perdem espaço para os gêneros de Terror, Western e Romance. Esses continuam interessando ao público, ainda que com um nível de vendas menor, comparando com as décadas de 1930 e Mas nenhum deles deixa de existir, mesmo com intensa campanha contrária. O desafio, porém, não estava apenas na conquista do público. 35

28 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica 1.6. Gibis como inimigos do sistema Em 1954 chega ao mercado o livro Seduction of the Innocent, de Fredric Wertham, psiquiatra alemão radicado nos EUA. A publicação, em linhas gerais, indicava que as histórias em quadrinhos incitavam comportamentos errados nos jovens leitores, entre eles o homossexualismo, cuja representação maior estaria com a dupla de personagens Batman e Robin (Moya, 1996; Trindade, 2010). O livro foi amplamente divulgado e bem aceito na época marcada pelo Macarthismo 12 quando qualquer coisa parecia trazer algum tipo de ameaça. Com os gibis não foi diferente. As afirmações do Sinistro Doutor W., como o autor Grant Morrison (2011) carinhosamente o apelida, são de que os quadrinhos dão 12 Do fim da década de 1940 até quase o final da década de 1960 uma onda de caça ao comunismo tomou conta dos Estados Unidos atingindo especialmente a área cultural, num processo conhecido como caça as bruxas. Autores, cineastas, atores e outros artistas foram acusados de ligações com a ameaça vermelha vinda da antiga União Soviética. Leva o nome Macarthismo em função de seu principal difusor, o senador norteamericano Joseph McCarthy. início a uma cadeia de pensamentos indesejáveis e perigosos. Tudo de ruim para aquela época hipócrita e sensível do pós-guerra nos EUA estaria exposto nos quadrinhos, influenciando as jovens mentes: comunismo, sexo, crime, drogas e homossexualismo. Os conceitos de Wertham podem ser sintetizados no pensamento de que mesmo o Superman era um perigo, pois ensinava as crianças que todos os seus problemas poderiam ser resolvidos com força física. Como resultado dessa iniciativa, um mercado que já não andava muito bem acabou não aguentando a pressão e diversas publicações saíram do mercado, especialmente nos gêneros Policial, Super -Heróis e Terror. Outra consequência foi a criação, por parte da associação americana de editores, do Comics Code Authority, um escritório de censores responsável por agraciar com um selo aprobatório os quadrinhos que se enquadrassem à sua linha de conduta (Jones, 2004). Entre os pontos que o código ditava estavam: Figura 6 - Excerto do livro, publicado na popular revista "Reader's Digest". É possível ler o título: "Comic Books - Blueprint for Delinquency": Revistas em Quadrinhos - Modelos para a Delinquência 36

29 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica - Crimes não devem nunca ser apresentados de maneira a criar simpatia pelos criminosos, promover a desconfiança das forças da Lei e Justiça, ou simplesmente inspirar outros a terem o desejo de imitar criminosos. - Em todas as instâncias o bem deve triunfar sobre o mal e os criminosos serem punidos por seus atos errôneos. - Mulheres devem ser desenhadas realisticamente, sem exagero de nenhuma qualidade física. - Cenas de violência excessiva são proibidas. Cenas de tortura brutal, uso excessivo e desnecessário de facas e revólveres, agonia física, crimes sanguinolentos e repulsivos devem ser eliminados. Figura 7 - Selo de aprovação colocado na capa das revistas em quadrinhos a partir de 1954 No início, o Código realmente funcionou como uma espécie de censura, ainda que não fosse esse seu posicionamento declarado. A lógica era: submeta sua HQ, se ela cumprir todos os requisitos, receberá o selo. Naquele contexto, isso gerou um posicionamento dos anunciantes, que faziam propaganda apenas nas revistas que estavam em conformidade com o Comics Code. Do ponto de vista criativo, as histórias que surgem a partir da vigência do Código passam a ser mais infantis. Personagens como Batman, por exemplo, que sempre foi um combatente do crime urbano (muito baseado no Sombra, dos pulps, como veremos nos capítulos seguintes), passa a enfrentar vilões de outros planetas e dimensões, fazer viagens no tempo, entre outras invencionices que o afastavam do risco de não ser aprovado. Esse processo continua até pelo menos meados da década de 1960, quando autores underground passam a desafiar e Figura 8 Reprodução da capas de Batman #93, Vol. 1 (1955) Na edição, Batman e Robin viajam no tempo, até a pré-história,. Onde encontram o^ Batman Homem das Cavernas. Na capa vêse claramente o selo do Comics Code. 37

30 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica colocar suas produções na rua sem se preocupar se elas possuíam ou não o selo de aprovação na capa. E isso só ocorre por conta da mudança no sistema de distribuição. As primeiras comic shops nascem de lojas de produtos naturais, de discos, roupas, entre outros produtos. Eram tempos de contracultura, de desafiar o establishment com o Flower Power, de questionar a autoridade Independência ou morte Para a distribuição de gibis, a autoridade eram as empresas responsáveis pela distribuição de revistas nos EUA. Essas companhias faziam a ponte entre as editoras e os pontos de venda, entregando semanalmente cargas de quadrinhos para bancas, farmácias, postos de gasolina, barbearias, entre outros pequenos comércios, que vendiam HQs 13. O sistema se baseava totalmente na 13 Conforme mostra matéria do The Comics Journal, edição 277 (Julho de 2006), disponível em possibilidade de reembolso. As revistas não vendidas eram devolvidas para o distribuidor, que por sua vez as devolvia para a editora, que reembolsava os valores de toda a cadeia. Aliás, com um agravante: as revistas nem precisavam ser fisicamente retornadas. Era só dizer que se perderam ou não foram vendidas para receber o reembolso. Funcionando assim, as fraudes eram constantes e era bastante comum encontrar revistas ainda novas sendo vendidas abaixo do preço de capa, como encalhe. Esse sistema também distribuía de maneira errática as revistas. Como não havia um controle mais forte por parte das editoras e nem pressão por parte do público, as distribuidoras deixavam praças sem receber material ou não entregavam todos os títulos em todos os locais possíveis. Para as revistas de humor, por exemplo, isso não era um grande problema. Mas para as de super -heróis, que tinham na continuidade um de seus pilares, essa distribuição falha era um golpe fortíssimo. Na década de 1970, a situação chegava ao ponto de quem trabalhava na área acreditar que o mercado de HQs desse gênero poderia se extinguir. Tudo muda com a iniciativa de um professor de inglês e vendedor de gibis chamado Phil Seuling. É ele que percebe que aquele modelo de negócios iria acabar com o mercado mais cedo ou mais tarde. Seuling então se aproxima das editoras e oferece um novo negócio. Nada mais de pagar por revistas devolvidas. Por um desconto de 50% no preço de capa (que, posteriormente chegou a 60%), ele diria exatamente quantas revistas seriam vendidas e ficaria com todas, mesmo as não comercializadas, para vender aos fãs que perdessem algum número. A mudança para as editoras era muito forte. Elas poderiam estimar melhor sua produção, teriam um ganho financeiro considerável evitando pagar reembolsos e teriam a garantia de que seu público-alvo efetivamente receberia seus produtos. Assim nasce o Direct Market (mercado direto), que é a base até hoje do sistema de 38

31 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica distribuição de HQs nos EUA 14. Começou com as revistas de super-heróis, mas acabou sendo o modelo de distribuição padrão de todos os gêneros de quadrinhos. Baseadas firmemente nesse sistema é que proliferam as comic shops, lojas especializadas em quadrinhos e demais produtos relacionados, como pôsteres, camisetas e brinquedos. Nessas lojas, os fãs tinham a certeza de que encontrariam as revistas que desejavam, visto que as mesmas faziam pedidos às editoras confiando justamente na presença desses compradores fiéis. Para os donos dessas lojas (a imensa maioria deles fãs de quadrinhos como seus clientes), o importante era fazer as produções chegarem ao público. Por isso, ter ou não um selo de aprovação de um órgão censor na capa da revista pouco importava. O importante era satisfazer o desejo constante dos espectadores o que acabava auxiliando, ao mesmo tempo, aos criadores que estavam dispostos a ousar. Assim, o mercado de quadrinhos de superheróis que agonizava nos anos 1970 ganha um novo ânimo na década seguinte, com um número crescente de compradores de revistas surgindo a cada dia, auxiliado pela imensa rede de lojas surgida e também por uma renascença no gênero, que evolui para a além das histórias rasas de seres superpoderosos inevitavelmente vencendo engenhosos vilões. Obras como The Dark Knight Returns (1986) 15 de Frank Miller, e Watchmen (1986) de Alan Moore e Dave Gibbons, já citados aqui, resignificam os gibis de super-heróis, trazendo-os para a atualidade e dando a eles mais uma vez a relevância que possuíam em outros tempos, colocandoos na trilha que percorrem até os dias de hoje. 14 Processo similar ocorre no ano de 2012 no Brasil. A principal editora de quadrinhos de super-heróis, a Panini Comics, para o relançamento do Universo DC no país, dentro da iniciativa chamada de Os Novos 52, comercializa alguns títulos apenas nas comic shops brasileiras, para ter maior controle da tiragem e distribuição. Informações disponíveis em 15 No Brasil, O Cavaleiro das Trevas. Por outro lado, o sistema de distribuição via comic shops criou um tipo de interação entre consumidores e produtores de conteúdo que alterou profundamente a maneira de ser das HQs de Super-Heróis: sabendo que haveria um público fiel e interessado na continuidade, pois esse era um elemento de identidade, catalisador daqueles fãs, os editores cada vez mais aprofundavam suas narrativas ao ponto Figura 9 Capas de Watchmen #1 e Batman The Dark Knight Returns #1, ambas de Nas imagens, já se denota a temática mais adulta: o sangue em Watchmen e a noite tempestuada de Batman. 39

32 CAPÍTULO 1 Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica de nas décadas de 1990 e 2000 ser praticamente impossível para alguém que quisesse começar a acompanhar as aventuras de um superherói qualquer fazê-lo sem ter que procurar pelo menos algumas histórias dos cinco anos anteriores. Somente assim era possível entender o que estava acontecendo àquela determinada personagem. 16 Como visto em matéria do The Comics Journal disponível em Como será visto no Capítulo 3, o fã é fundamental para o processo transmidiático, pois é ele que abre o caminho para os demais espectadores no consumo das produções em outras mídias, notadamente quando concorda com a tradução realizada sobre seu objeto de adoração quando da transposição para outros meios. E essa cultura de fãs é reforçada completamente com as comic shops. Ali surge o que alguns chamam de superhero ghetto 16. Quem não era um visitante assíduo das lojas especializadas, raramente colocava as mãos em um gibi, não só de super-herói, mas principalmente deste gênero. Assim, o que antes eram algo extremamente popular, distribuído até como brinde de lojas de departamento começa a se fechar em um mundo próprio, acessível apenas aos seus iniciados. É verdade que na década de 1990 houve um aumento do interesse do público fora desse mundinho. A edição número 1 da revista X-Men (1991) escrita por Chris Claremont e desenhada por Jim Lee vendeu espantosos 8 milhões de cópias, tornando-se recorde absoluto na História do gênero. Esse sucesso faz surgir para além da DC Comics e da Marvel, as maiores referências em produção de narrativas nesse tema, a Image Comics, editora fundada por artistas dissidentes dessas duas casas (entre eles o próprio Jim Lee). Mas ainda que aquele momento fosse bom comercialmente, em termos de acessibilidade, as narrativas continuaram demasiadamente intrincadas e, dessa maneira, afastando as pessoas em geral daquelas personagens. Essa situação começa a mudar apenas quando a indústria cinematográfica busca a fonte super-heróica dos quadrinhos para tentar encantar as massas sedentas por figuras que preenchessem o vazio mitológico de suas existências. Os super-heróis despertam o homem moderno para o confronto com sua fragilidade frente à realidade da Máquina e do Sistema, tão característicos no pós Revolução Industrial. É por meio de super-homens de capa e cueca por cima da calça que o fantástico se apresenta, multiplicando capacidades e possibilidades. O super-herói consagra o conceito de heroísmo e o amplifica tornando-se, pela via da cultura de massa emergente, o ícone da modernidade, na qual o tempo imaginário que compreende tanto o tempo histórico como o dos quadrinhos e as experiências decorridas dentro deles ganham uma amplitude global. Chega o tempo de voar: para o alto e avante! 40

33 CAPÍTULO 2 Super-heróis: Os novos deuses 41

34 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses "Superman: In this world, there is right and there is wrong...and that distinction is not difficult to make. The powers we have...the things we do...they're meant to inspire ordinary citizens... Not intimidate them... Not terrify them." Mark Waid, Kingdom Come O mês é junho. O ano é Nas bancas de jornal, farmácias, barbearias e doçarias dos Estados Unidos, uma revista com a imagem de um homem musculoso vestido com roupas que se assemelham a de um artista circense carregando um carro por cima dos ombros chama a atenção de crianças, jovens e adultos. O título era Action Comics, em sua primeira edição. A figura destacada é aquela que, historicamente, se consagra como super-herói original: o Superman. O mundo vivia a turbulência dos dias pré II Grande Guerra e, especificamente, os Estados Unidos (EUA) ainda estavam sob o signo da chamada Grande Depressão, crise econômica que afligia aquele país desde Eram tempos de muitas dificuldades, de falta de emprego e dinheiro. Os EUA, desde meados da primeira década do século XX, recebiam muitos imigrantes vindos da Europa, em parte fugindo das dificuldades resultantes da I Guerra Mundial e, no caso dos judeus, da crescente perseguição à sua etnia. Nesse contexto, jovens judeus, alguns nascidos ainda na Europa, mas a maior parte já tendo vindo ao mundo em solo norte-americano, vão buscar uma saída desesperada para condição difícil de sua realidade. Como a maior parte deles vinha de famílias bem educadas, cultas, com o costume da leitura, a fantasia ficcional torna-se o caminho preferido. Esses meninos serão os criadores dos super-heróis e a essência dessas personagens é diretamente influenciada por sua condição social, econômica e cultural (Jones, 2004). Entre os elementos definidores daquela situação está a falta de recursos financeiros. O mundo estava em crise e não havia dinheiro para nada. Ainda assim, buscava-se o entretenimento, até mesmo como forma de amenizar a dura realidade. Os pulps, romances que custavam pouco, por utilizarem papel mais simples e barato, se configuram como um dos itens mais adquiridos, ao lado de revistas (de quadrinhos e outros temas), jornais (com suas tiras) e, em última instância, o cinema. O gênero preferido dos futuros criadores era, em todas as mídias, a Aventura. Viviase o tempo de personagens como Tarzan, Doc Savage e o Sombra. Este último, aliás, tem uma ligação direta com os super-heróis. Apesar de o Superman ser considerado o primeiro dessas personagens, o termo super-herói havia sido utilizado já em 1932, justamente para denominar o herói detetive aventuresco, misterioso e sobrenatural. E é inegável a semelhança entre este homem heroico e sombrio que leva justiça à corja do submundo e um certo homemmorcego que vaga nas noites de Gotham City (Jones, 2004). Tarzan e Buck Rogers, este já na Ficção Científica, são as primeiras tiras com público- 43

35 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses alvo definido: os jovens do sexo masculino. O foco estava em atingir diretamente o coração e as mentes daqueles meninos, que começam a perceber e adquirir aquele universo fantástico como sendo seu - como uma realidade possível de ser dominada e conhecida plenamente: diferente do mundo real, ao qual muitos deles não conseguiam se inserir, especialmente os jovens judeus (Jones, 2004). Todo o esquema da sociedade norteamericana baseado em sucesso individual, proezas e beleza física, não era exatamente algo em que eles pudessem se encaixar. A maior parte deles era de baixa estatura, magros, com um visual sofrido resultado das dificuldades passadas por seus pais em tempos anteriores. Além disso, a maioria vivia em guetos, bairros de imigrantes apartados do centro do establishment dos EUA. Esse isolamento cultural gerava neles um intenso sentimento de inadequação, que por sua vez causava o isolamento pessoal. Jerry Siegel 17, escritor e co-criador do Superman, ao lado do desenhista Joe Shuster 18, é o perfeito exemplo dessa situação. Retraído, legítimo filhinho da mamãe, Jerry sempre preferia a introspecção e a solidão. Logo no início de sua adolescência, ele repetiu o ano na escola e isso fez com que se recolhesse ainda mais. Típico outcast, o futuro ícone da História das histórias em quadrinhos era um ser estranho ao ambiente competitivo e cheio de furor adolescente de sua escola durante o Ensino Médio. Seus olhos denunciavam uma desconfiança típica dos rejeitados pelo sistema de castas que, desde aquele tempo, dominava o sistema interpessoal das escolas dos EUA (Jones, 2004). Ele consegue se conectar a alguém quando conhece outros como ele, especificamente o desenhista Joe Shuster. Em Joe, Jerry encontrou o parceiro ideal, alguém que podia dar forma aos seus sonhos, especialmente por sentir-se da mesma forma. A relação de Jerry e Joe, que se conheceram na escola, está diretamente ligada a outro ingrediente no caldeirão de influências dos super-heróis: a comunidade de fãs. Não é segredo e nem novidade alguma que pessoas com interesses semelhantes acabam se juntando. Nesse caso, o interesse era o gênero nascido da união de revistas de divulgação de inventos científicos e as aventuras do pulps 19, a Ficção Científica. Este é o tecido pelo qual tudo vai se amarrar. É por meio dela que a comunidade de fãs vai se configurar. As pessoas que faziam parte do grupo de apreciadores da Ficção Científica eram e queriam mesmo ser diferentes dos outros leitores, por conta de elementos implícitos e explícitos. O que eles não desejavam dizer era o fato de serem, em sua grande maioria, párias, segregados e isolados socialmente. O que queriam reforçar era sua dedicação, aprofundamento e envolvimento com aquilo que amavam (Jones, 2004) Como visto no Capítulo 1. 44

36 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses A parte científica do seu objeto de adoração os colocava em um patamar acima das outras pessoas, pelo menos era isso em que acreditavam. Não eram simples historias que liam. Como Barthes nos mostra em S/Z (1975) e no Rumor da Língua (1988) o ler não é simplesmente seguir, mas ler-com e seguir caminhos. Trata-se da criação de sentido e da atribuição de valor aos objetos, o que será discutido no próximo capítulo, a partir das visões de Murray (2003) e Turkle (2005): objetos transicionais e objetos evocativos. A Ficção Científica representava, para aquele público, as projeções do futuro da humanidade. Eles sentiam-se arautos de uma nova era. Quando os novos tempos se iniciassem, eles seriam a vanguarda, pois saberiam de tudo antes. A Ficção Científica dá àqueles meninos a oportunidade de ser a primeira geração a ter acesso a um universo alternativo oferecido pelo entretenimento comercial de forma constante. São eles os primeiros a crescer entendendo que a própria natureza da experiência e percepção poderia ser alterada pela tecnologia (no cinema) e pelas narrativas ficcionais, tornando a fantasia tão palpável quanto o real (Jones, 2004). O cinema tem o poder, nesse caso, de trazer à vida aqueles personagens, demonstrando sua potencialidade no mundo real. Como coloca Aumont (1993), o espectador constrói a imagem, e a imagem constrói o espectador. Afinal, nunca é demais lembrar, aquele cinema não era o de hoje, com suas imagens criadas computadorizadamente 20. Era algo bruto, visceral. E que, por isso mesmo, gerava muita empatia nos espectadores. Filmes como os das séries Flash Gordon (1936) e Buck Rogers (1939), além de outros - fora da temática da Ficção Científica, mas dentro da Aventura como A Marca do Zorro (1920) e Tarzan, o Filho das Selvas (1932) tiveram participação efetiva na criação dos super-heróis. Seu impacto nos criadores é sentido diretamente nas produções vindouras. Voltando aos fãs de Ficção Científica, é interessante notar que eles eram, também, um novo tipo de jovem e criança. Nos anos 1920, são os primeiros a terem direito à infância tal qual, ou bem semelhante, à que conhecemos hoje. Havia tempo livre, visto que nos EUA essas crianças não mais trabalhavam, nem na indústria nem no campo (Jones, 2004). Essa condição, por outro lado, tira dessas crianças o espaço de conexão com o mundo e os abandona sozinhos em uma realidade de pais ausentes e, como vimos, de isolamento cultural. Sem âncoras afetivas, a oportunidade de pertencer a uma comunidade de iguais é por demais sedutora para não ser abraçada. Menezes (2003), apoiada nas ideias de Vygostsky (1989), aponta que é o grupo cultural o responsável por introduzir o indivíduo em um universo de significados, os quais estão conectados di- 20 É referência no estudo da criação computadorizada de imagens para uso no cinema, especialmente no que se refere à animação, a dissertação de Eliseu Lopes Filho, Animação e Hipermídia: Trajetória da Luz e Sombra aos recursos midiáticos, disponível em arquivo.php?codarquivo=

37 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses retamente aos conceitos traduzidos em palavras da língua desse grupo. Aqui, não somente às palavras, mas também às imagens do cinema e das capas dos pulps. Diz Menezes (2003): O (a) adolescente busca suas referências nos grupos em que participa e é, pela identificação com estes grupos, que ele (a) vai definindo a sua própria identidade, encontrando os caminhos do compartilhamento. Compartilhar é a essência da Cultura da Convergência (Jenkins, 2009) e é essa primeira comunidade de fãs que vai gerar todo o movimento contínuo desse fenômeno, o qual será mais detalhado nos próximos capítulos deste trabalho. O ponto da ausência dos pais é também relevante, especialmente as relações turbulentas com a figura paterna. Jerry Siegel é, mais uma vez, um bom exemplo dessa situação. O pai dele era comerciante e acaba assassinado em assalto a sua loja, em Em toda sua vida pública, Jerry jamais mencionou o pai em textos e entrevistas. Somente em sua produção artística é possível identificar os temas de violência e desejos de invulnerabilidade e retribuição (Jones, 2004) 21. O nascimento dos super-heróis se dá, então, da soma do consumo de literatura rápida de Aventura e Ficção Científica dos pulps e quadrinhos, com o isolamento pessoal e cultural de seus criadores que, também por isso, vão juntar-se na comunidade de fãs. Pulps, quadrinhos e cinema provêm um suprimento inesgotável de sensações e experiências emocionais que não exigiam conexão alguma com a realidade. Os super-heróis são representações de um futuro vencedor, completo e brilhante. São filhos da ansiedade, depressão e solidão, um contraponto ao sentimento de solidão e abandono gerado pelas 21 A questão do assassinato do pai de Jerry Siegel é tão emblemática que inspira até mesmo a ficção. A partir desse fato, o autor Brad Meltzer (2008) escreveu The Book of Lies, romance aventuresco que conta, fantasiosamente, como Mitchel Siegel, pai de Jerry, morreu protegendo um artefato místico, a arma com a qual Caim matou Abel também conhecido como o Livro das Mentiras, e como todo esse processo teria influenciado na criação do Superman. Os quadrinhos de super-heróis, novamente, são base para um salto transmidiático. duas grandes guerras, uma resposta à falência da função do Pai no declínio que sofre a Civilização Ocidental na primeira metade do Século XX 22. A timidez dos criadores leva à projeção, ao sonho de algo melhor, de ser alguém diferente, capaz de superar todo e qualquer desafio. É desse sonho, da essência onírica, que emerge o mito: nas palavras de Campbell (1998) um sintoma do inconsciente. Naqueles tempos de luta contra a realidade, nada tem maior significado do que a retirada da identidade mundana para o florescimento da fantasia da plenitude. O herói morre como homem moderno e renasce como homem eterno, para trazer ao nosso meio a lição de vida que aprendeu, explica Campbell. 22 Tratam desse tema Leal: tde_arquivos/1/tde t091127z-183/publico/fernanda% 20Andrade%20Leal.pdf; Teixeira: e Castro: bas/ p6/2010/castro_te_dr_assis.pdf 46

38 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses 2.1. Gênese mitológica Jerry Siegel diz, em diversas entrevistas ao longo de sua vida, que sonhou com o Superman até chegar ao modelo ideal dessa personagem. Esse sonho era a sua busca por resolução de questões pessoais, mas é também um mergulho na piscina coletiva da psique da humanidade. Ao resolver seus problemas criando um herói onírico, ele gera algo que é tão profundamente mitológico que ganha a virtude da universalidade. Esse é, justamente, o elemento que possibilita ao super-herói continuar vivo e bem, como mostram as vendas de ingressos para filmes como Vingadores (2012) e Batman O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) e de games como Batman Arkham City (2011) 23 e Marvel Super Hero Squad (2009) 24, mesmo 23 Desenvolvido por Rocksteady Studios, publicado por Warner Bros. Interactive Entertainment. Site oficial: Desenvolvido por Blue Tongue Entertainment, Mass Media e Halfbrick, publicado por THQ. Site oficial: marvelshsgame.marvel.com/ mais de 70 anos após o nascimento desse gênero. Ao ser universal, o super-herói torna-se relevante e indispensável. Além das forças já vistas que atuaram na emergência dos super-heróis, naquele tempo outras ideias já estavam sendo mexidas e cozidas no caldeirão da cultura, tanto erudita, quanto popular. No final do século XIX, Nietzsche apresentou ao mundo o seu conceito de Übermensch. Do ponto de vista hermenêutico, os americanos em geral optam pela tradução desse termo como Super-Homem (Superman), entretanto a complexidade da língua portuguesa mostra que o termo filosófico a partir de uma discussão especializada recebeu a tradução de além-do-homem, isto em função de suas propriedades ontológicas que jogam o homem ordinário para além de si mesmo em sua condição extemporânea. Entretanto, é preciso ter claro que o homem da massa sempre irá optar por razões óbvias e mundanas pelo termo consagrado dos quadrinhos. Ou seja, o Superman dos gibis é um super-homem. Um exemplo retirado diretamente desse universo pode ser interessante aqui: no primeiro episódio da série Smallville 25, quando apresentados às personagens principais, vê-se Clark Kent, o futuro Superman, dirigindo-se para a escola carregando uma pilha de livro e ele, subitamente, esbarra em Lana Lang, seu interesse amoroso. Um livro cai de suas mãos. A jovem o recolhe, lê seu título Thus Spoke Zarathustra e diz: Nietzsche? Não sabia que você possuía um lado sombrio, Clark. Ao que ele responde: Não temos todos? Ela replica: E então o que é você: homem ou super-homem? Clark responde: Ainda não consegui saber. É o Superman em desenvolvimento, em busca de ir além. Inspirado no Übermensch, o além-dohomem, em 1903, George Bernard Shaw escreve 25 Smallville é uma série de TV produzida entre 2001 e 2011 cujo foco estava em contar a história prévia de Clark Kent, o alterego do Superman, em sua trajetória até tornar-se efetivamente o super-herói. A série termina com Clark vestindo o uniforme e voando para salvar a humanidade da ameaça alienígena de Darkseid. O conceito da série pode ser comparado à Jornada do Herói ou Monomito apresentado por Campbell (1997). 47

39 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses a peça Men and Superman, evidente a semelhança com o Superman. A mai- um drama em quatro atos em or diferença, entretanto, está na atuação das que o autor filosofa sobre a personagens nas narrativas. Hugo Danner nun- condição do homem como um ca pretende ser um herói, considerando inútil criador espiritual, utilizando atuar dessa forma, e nunca encontra seu lugar para tanto a metáfora de Don na sociedade. Termina seus dias ao ser Juan. É mais uma referência ao atingido por um raio, após questionar a super-humano da época. existência de Deus. Completando esse qua- Ou seja: é claro e evidente como o herói dro, em 1930, Philip Wylie publi- superhumano estava em vias de emergir da ca o romance de Ficção Cientí- consciência coletiva, de colocar-se como artífi- fica, Gladiator. O livro conta ce da libertação do homem que se via enclausu- a trajetória de Hugo Danner, o rado entre guerras e pós Revolução Industrial. filho de um cientista que inje- Como coloca Campbell (2007): A função primá- tou em sua esposa grávida um ria da mitologia e dos ritos sempre foi a de for- soro que deveria melhorar a necer os símbolos que levam o espírito humano. O resultado é a avançar, opondo-se àquelas outras fantasias que Hugo nasce com velocidade humanas constantes que tendem a levá-lo para trás. humanidade 26 e força superiores a de qualquer outro homem e com a pele à prova de balas. É bastante Figura 10 - O jovem Clark Kent e Lana Lang, em Smallville. O super-herói é, portanto, a externalização do mito, que é ativo no subconsciente e ma26 Toda eugenia tem em si um gérmen de nazi, no qual a diferença tende a se tornar aniquiladora da ideia de alteridade. 48

40 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses Nesse sentido, é importante lembrar-se das super-heroínas, personagens como Mulher-Hulk, Miss Marvel, Canário Negro, Batgirl e, a base de todas elas, a Mulher-Maravilha. Reynolds (1992) comenta que nos super-heróis, a sexualidade está domesticada, isto é, tornada segura. No ambiente do universo ficcional, o domínio é do espectador, que é capaz de lidar com elas tranquilamente, sem inquietar-se como possivelmente faria no mundo real. As mulheres são visualmente interessantes, ainda que ameaçadoras e perigosas para quem não as conhece, explica Reynolds. A Mulher-Maravilha, especificamente, é concebida nesse subtexto erótico. Seu criador, o Dr. William Mouton Marston, um psicólogo de vida e ideias progressivas (vivia maritalmente com duas mulheres) a concebeu como um apelo direto à fantasia masculina de dominação pela mulher. Dê a eles uma mulher charmosa e mais forte que eles para dominá-los e verá que se tornarão, orgulhosamente, seus consentidos escravos, dizia. Não causa surpresa, portanto, a imensa quantidade de imagens das primeiras aventuras da Mulher-Maravilha em que a te- Figura 11 - Canário Negro, Mary Marvel, Supergirl, Lois Lane e Mukher-Gavião, no traço setentista do artista Dick Giordano. 49

41 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses mática de amarras, correntes e algemas se faz presente. E que a arma dessa heroína seja um laço mágico (Reynolds, 1992). A Mulher como tentação remete também ao mito de Édipo, que constantemente pode ser visto nos super-heróis. Ao mesmo tempo em que querem o respeito e admiração do pai, desejam ardorosamente livrar-se dele, pois essa figura representa o destino que lhe é imposto: Vá ser protetor de outro mundo e das pessoas que vivem ali. Seja parecido com os humanos, mas nunca igual a eles, no caso do Superman. Dedique sua vida a vingar minha morte, no caso do Batman. Evidente que essa condição gera culpa outro tema recorrente dos super-heróis. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, proclama o pai adotivo do Homem-Aranha, seu tio Ben. É a culpa por deixar um ladrão fugir e este mesmo criminoso assassinar seu tio que impele aquele adolescente que queria Figura 12 - Capa de Wonder Woman #68 (1954). A heroína se vê amarrada logo na imagem que convoca o espectador. apenas ganhar dinheiro e deixar de ser alvo de chacota na escola a tornar-se um combatente do crime. Já o Batman tenta, noite após noite, reconciliar -se com a família, por ter assistido passivamente a morte dela. Além do fato de lembrar-se constantemente de que seus pais morrem ao levá-lo ao cinema, para satisfazer seu desejo infantil por diversão. Dessa maneira, é natural que a Sintonia com o Pai seja o aspecto da Jornada do Herói mais forte nas narrativas dos super-heróis. A ausência do pai é um elemento constante no gênero, inclusive entre seus criadores, como vimos com Jerry Siegel, o criador do Superman. Como bem coloca o autor do romance The Book of Lies (2008), Brad Meltzer, sobre o assassinato do pai de Jerry, "A América não ganhou o Superman a partir de nossas maiores lendas, mas sim porque um menino perdeu seu pai. O Superman não nasceu de nossa força, mas sim de nossa vulnerabilidade 27. Vejamos: Superman é órfão de pai (tanto biológico, quanto adotivo) na maior parte de suas aparições. Batman também tem seu pai assassinado. Fato que se repete, como visto, no Homem-Aranha, que perde seu tio Ben logo em sua primeira aventura. O Homem de Ferro tem uma extensa lista de problemas com o pai, sendo o principal a sensação de abandono. E até a Mulher-Maravilha foi criada por sua mãe do barro, em uma ilha de população integralmente feminina, sem nenhuma figura masculina por perto. O super-herói, então, é aquele que busca a aprovação do pai frente à ausência ou inviabilidade do contato com o mesmo. Mesmo com a impossibilidade da relação, as ideias e conceitos do progenitor estão constantemente presentes, disponíveis para que seu 27 - Em matéria intitulada The tragic real story behind Superman's birth do jornal The Telegraph, disponível em filho se concilie a ele (Reynolds, 1992; Campbell, 1997). celebritynews/ /the-tragicreal-story-behind-supermansbirth.html 50

42 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses Quando em sua sala escura o jovem adulto Bruce Wayne observa o morcego adentrar pela janela e então se decide pela figura sombria do Batman, torna-se a versão de seu pai para aqueles tempos: enquanto Thomas Wayne era médico um erradicador das pragas do corpo Bruce será o médico de sua cidade, extirpando o crime, doença da sociedade. Enquanto seu pai se fantasiava de branco, Bruce veste o negro, em demonstração de evolução. Sua sintonia com o pai se dá na superação, na execução de tarefas muito além daquelas que possam ser consideradas normais. No caso do Superman, a fantasia adolescente da onipotência toma forma completa e a relação com o pai surge novamente, agora como metáfora da situação intermediária entre infância e idade adulta. Ainda que tenha aparência e força física de um homem crescido, o herói ainda tem obrigações que o conectam aos seus dois pais, o da Terra e o do Céu. Essa situação é mais evidente ainda no Capitão Marvel. Personagem criado em 1939 como concorrente do Superman, configura-se como a fantasia infantil completa. Na narrativa, o também órfão Billy Batson é escolhido pelo mago Shazam para ser seu campeão na luta contra o mal. Ao dizer o nome do feiticeiro transforma-se no Capitão Marvel, um homem adulto que possui a força de heróis mitológicos do acróstico de Shazam: Sabedoria de Salomão, Força de Hércules, Vitalidade de Atlas, Poder de Zeus, Coragem de Aquiles e Velocidade de Mercúrio. Uma criança, que por meio de uma palavra mágica transforma-se em adulto e pode assim realizar feitos extraordinários. Essa é a cristalização de todo desejo infantil e também representação do mito edipiano. O menino magicamente se faz crescido, tomando assim o lugar Figura 13 - O jovem Billy Batson transformase em Capitão Marvel na arte de Alex Ross 51

43 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses que seria do pai. A força dessa ideia é tão forte que não é de se estranhar que o Capitão Marvel tenha chegado a vender mais exemplares de gibis que o próprio Superman na década de 1940 (Jones, 2004). Retomando o monomito, quando chega o Retorno e o herói deverá regressar ao mundo trazendo o que aprendeu, o fogo mítico de Prometeu, ele se vê frequentemente auxiliado por diversas entidades e é lembrado dos motivos pelos quais deve voltar. É a humanidade, acima de tudo, que traz sucesso ao herói (Campbell, 1997). Batman, Superman, Homem de Ferro e Homem-Aranha têm todos o termo homem em suas denominações heroicas. Eles podem estar além-do-homem, mas a humanidade é parte indissociável de suas essências. É o que os conecta ao todo e os faz relevantes, tanto no universo ficcional, quanto para seus espectadores/ jogadores. Reside aí sua vitória, doce, mas ao mesmo tempo sofrida, pois como coloca Campbell (1997), ele tem que enfrentar a sociedade com seu elixir, que ameaça o ego e redime a vida, e receber o choque do retorno, que vai de queixas razoáveis e duros ressentimentos, à atitude de pessoas boas que dificilmente o compreendem. Isso vale também no mundo real. Ainda que seja hoje a coqueluche do momento, muitos setores da sociedade condenam os super-heróis, seja acusando-os de incitarem a violência infantil, seja simplesmente por considerarem pueris e superficiais suas narrativas. Interessante notar que a maior parte da crítica é feita contra a mídia menos massificada, as revistas em quadrinhos. Muitos adultos leitores de quadrinhos, mesmo estes sendo a base das franquias transmídia de super-heróis que tanto sucesso fazem no cinema e na TV, sofrem preconceito em seus ambientes sociais por estarem consumindo algo considerado bobo e infantil 28. O Eu freudiano (ego) é ameaçado pelas lembranças da infância e tenta, de toda forma, se proteger disso 29. Já do ponto de vista da narrativa ficcional, os super-heróis são confrontados constantemente, em especial sobre suas motivações (esse questionamento também é feito na realidade, fora da ficção, é preciso dizer). Sobre o Superman questionam: Por que tão bom? Por que altruísta dessa forma? Uma das motivações de seu arqui-inimigo, Lex Luthor, é justamente essa, a incompreensão sobre a Boa Nova que este Salvador traz: como pode alguém escolher ser tão bom? Com o Batman ocorre o mesmo. Aqueles que compartilham do segredo de sua dupla identidade o confrontam: se estão mortos os pais, de que vale a busca por vingança? E mais: se o crime não acaba, quão despropositada, vã e inglória é a luta do Homem-Morcego? 28 - Um dos seriados de maior sucesso da TV paga mundial é The Big Bang Theory, que baseia toda sua premissa humorística na inadequação vivida por quatro nerds, todos eles cientistas e fãs de revistas em quadrinhos de super-heróis, frente ao mundo dito normal O leitor mais atento perceberá ao longo do texto algumas referências à psicanálise, indispensáveis para o bom entendimento deste trabalho. Entretanto, não haverá aprofundamento nessas questões, visto que o foco do estudo não é esse. Porém, reside aí um dos possíveis caminhos para a continuidade desta pesquisa. 52

44 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses A resposta a essas perguntas pode estar na fala de Reynolds (1992): Os super-heróis tem a missão de preservar a sociedade, não de reinventá-la. Nesse gênero, a moral é presença constante e ainda que existam conflitos éticos. Afinal, como vimos no Capítulo 1, o maniqueísmo é uma das características definidoras dessas narrativas. Ainda assim, a mudança de um lado para o outro, do Bem para o Mal, é uma temática até certo ponto comum nas narrativas dos superheróis. Do ponto de vista psicológico, a motivação para tratar disso pode residir na curiosidade em saber como seria a vida sob outra ética (quando se vai do positivo para o negativo). Já quando a trajetória é do negativo para o positivo, é a atuação moralizante e que busca a todo custo manter o status quo. É a metáfora da redenção, que pode ser associada também a etapa do Ventre da Baleia, na Partida da Jornada do Herói: da escuridão do submundo sai o herói renascido, reconectado com o Universo. Entre os super-heróis mais conhecidos, o Gavião Arqueiro, membro dos Vingadores retratado também no filme dos heróis, nasce nos quadrinhos como vilão, para depois se redimir e ser aceito na equipe algo que também ocorre, de certa maneira, na versão para o cinema desse grupo de heróis. De maneira oposta, o Lanterna Verde Hal Jordan torna -se um assassino na história Crepúsculo Esmeralda, publicada originalmente em Tomado pela ira ao não ser capaz de salvar sua cidade natal completamente destruída após o ataque de um déspota interplanetário, o herói vai à busca de mais poder para remediar de alguma forma essa situação. Em sua louca trajetória, acaba assassinando vários de seus antigos companheiros da Tropa dos Lanternas Verdes, absorve todo a energia do grupo e de sua fonte, a Bateria Central, tornando-se o vilão conhecido como Parallax. Mas ainda que tenha cometido diversos crimes, no de- Figura 14 - Hal Jordan se transforma em Parallax, no traço de Darryl Banks e Romeo Tanghal 53

45 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses correr da narrativa, dentro da estrutura de continuidade dos quadrinhos, eventualmente o personagem se redime e volta a ser herói. Ou seja, a força moralizante do gênero volta se fazer notada. A moralidade e o altruísmo dos superheróis são faces de uma mesma moeda, que está ligada à geração de interesse no público. Em termos narrativos, um vilão facilmente derrotável por um único soco do Superman ou um bem lançado batarangue do Batman não interessam a ninguém. Mas alguém que abale as estruturas do herói a ponto de ameaçar sua própria existência é o que atrai a atenção de fãs e consumidores culturais em geral. No caso do Lanterna Verde, o vilão era sua própria fúria e inconformismo. Os vilões são apresentados em grande parte como anjos caídos, como no caso de Hal Jordan que se torna Parallax. Mas muitos outros se deixam envenenar pela Árvore do Conhecimento e são corrompidos por ela. Sir Francis Bacon já disse: Conhecimento é Poder e é esse poder que se abate sobre os vilões, como o Doutor Destino, inimigo do Quarteto Fantástico, Ozymandias de Watchmen (1986) e Lex Luthor. Os superheróis são a Ordem e os vilões são o Caos (Reynolds, 1992). Um Coringa como retratado no filme Batman O Cavaleiro das Trevas (2008), que é a pura encarnação do Caos, ameaçando destruir todo o modo de vida daquele ambiente ficcional e que chega até a matar o interesse romântico do Homem- Morcego no filme, pode ser apontado como um dos motivos dessa produção ter gerado renda, somente em bilheteria, de mais de um bilhão de dólares. Além de ter rendido ao ator Heath Ledger o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Um herói se mede pelo tamanho de seus desafios, desde os 12 trabalhos de Hércules. Figura 15 - O Coringa do filme Batman - O Cavaleiro das Trevas (2008) 54

46 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses 2.2 Deuses entre nós Se a mitologia é inspiração e fonte de energia para o nascimento e constante renovação dos super-heróis, em muitos casos é também referência direta para suas narrativas. Podemos citar, no Universo Marvel, a existência do Poderoso Thor e de todo o panteão nórdico que o acompanha, bem como Hércules e o panteão Greco-Romano. Esses, aliás, também se fazem presentes no Universo DC, especialmente via as histórias da Mulher-Maravilha. De certa forma, essa adequação mitológica feita pelas narrativas de super-heróis advém do fato dos criadores dessa produção buscarem, mesmo que em alguns casos inconscientemente, justificar-se por terem nascido de um meio considerado infantil e de baixa cultura, no sentido de ser popular. Se não retratando o mito em si, como em Thor, apropriando-se dele. O Superman, super-herói primordial, retoma Sansão, Herácles e o Golem judaico afinal, os seus criadores eram judeus e tinham esse antecedente cultural para se embasar. Assim, com a força da Antiguidade Clássica, os autores esperavam elevar intelectual e moralmente suas produções (Reynolds, 1992). Com essa condição popular e mitológica, híbrido de alta e baixa cultura, os super-heróis foram capazes de sobreviver a todas as mudanças de rumo ocorridas na cultura de massas desde seu advento nos final dos anos Sua universalidade os coloca como possíveis de ser apropriados e colocados em praticamente qualquer situação, algo indispensável na atual cultura da convergência, que busca incessantemente novas narrativas para alimentar as diferentes plataformas midiáticas, como será mostrado no capítulo a seguir. Com isso, os super-heróis são hoje parte do inconsciente coletivo. Quando alguém conta uma piada com o Batman ( Batman encontra o Robin para um Bat-papo, por exemplo), a anedota é facilmente compreendida por virtualmente qualquer pessoa. A estética dos super-heróis ganhou as ru- as e outras mídias. É comum ver pessoas vestindo camisetas referentes aos uniformes vestidos pelas personagens nas HQs, filmes e games. Este fato é interessante, pois a fantasia colocada por um super-herói é expressão de individualidade e poder. Ao mesmo tempo em que protege o alterego, destaca a persona heroica (Reynolds, 1992). Figura 16 - Sheldon Cooper, personagem principal de The Big Bang Theory, veste-se com a camiseta do Lanterna Verde. 55

47 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses Há algo de libertador em decidir vestir-se de maneira completamente diferenciada dos humanos ditos normais e lançar-se ao mundo. Ali está expressa uma característica de personalidade daquela personagem, que remete à liberdade infantil de poder ser quem se deseja ser, sem se importar com a opinião alheia. Vestir uma fantasia de super-herói confere, magicamente, algumas das características da personagem à criança. Assim como a camiseta confere ao adulto uma identidade junto ao seu grupo social, seja este a comunidade de fãs ou não 30. No plano metafórico ficcional, o uniforme é também reafirmação da sexualidade: os superheróis utilizam, na maior parte dos casos, roupas coladas ao corpo, sem receio de mostrarem seus potenciais físicos. O Homem-Aranha pode 30 - O grupo dos chamados cosplayers é dos mais fortes na comunidade de fãs. São pessoas que se esforçam em criar fantasias de personagens cada vez mais perfeitas para vesti-las em concursos e eventos da comunidade. O termo cosplay vem da junção das palavras Costume (fantasia) e Play (brincar e/ou atuar). A atividade de cosplay ganhou força na última década do século XX e nas primeiras do século XXI principalmente por influência dos fãs de mangás, os quadrinhos japoneses, os quais são adeptos fervorosos dessa prática. sofrer bullying na escola, quando é Peter Parker. Mas ele se revela em um collant que marca seu corpo e ganha a personalidade de um bufão, fazendo troça de seus inimigos enquanto os combate, demonstrando um evidente domínio de si e da situação ainda que se possa tratar o humor como uma defesa perante ao medo. Em se tratando das super-heroínas, a sexualidade e a sensualidade, ainda que sejam controladas, como já vimos, estão constantemente presentes. Como o gênero de super-heróis é predominantemente masculino, as mulheres surgem ali com diferentes propósitos: objetos de desejo, mas um desejo concretizado apenas na fantasia; referências para o pequeno (mas existente) público feminino; e fetiche para os leito- Figura 17 - Capa de Batman XXX, produção da Vivid que parodia o famoso seriado da década de 1960, sob a ótica pornográfica. res masculinos, pubescentes ou não (Reynolds, 1992). Existe, inclusive, um enorme repositório de conteúdo pornográfico relacionado aos superheróis produzido pela comunidade de fãs e disponibilizado na Internet. Há, também, uma recente onda de filmes feitos por grandes produtoras pornôs com paródias dos super-heróis, como Batman XXX (2010), Supergirl XXX (2011), Avengers XXX (2012), entre outros. Isso serve ainda como certo alívio contra a ideia propagada, especialmente pelo já citado Fredric Werthan, de que os super-heróis seriam símbolos homossexuais (mesmo que também exista pornografia gay produzida por fãs utilizando os super-heróis). Os uniformes são, para várias personagens, sua fonte de 56

48 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses poder o que traz novamente à tona a questão da identidade. Tony Stark é o Homem de Ferro apenas quando veste sua armadura. Sua identidade é o seu poder. Assim, mais do que um simples disfarce, o uniforme é metáfora do desenvolvimento e conflito interno dos super-heróis (Reynolds, 1992). Como vimos no Capítulo 1, os uniformes são itens caracterizantes do gênero superherói e, numa demonstração da potencialidade dessas personagens, tornaram-se ícones Pop, reconhecíveis em diferentes situações e, por isso mesmo, ponto definidor, indissociável e indispensável ao salto entre as mídias, que estudaremos no capítulo seguinte. Um filme, game ou desenho animado do Superman que não o apresente vestido de maneira completamente distinta dos humanos comuns e, notadamente, utilizando as cores azul e vermelho, não será reconhecido como sendo do Superman. Há casos de mudanças, adaptações, mas que mantêm uma estética similar, a qual possibilita o reconhecimento pelo público. Exemplo disso é a bem -sucedida série de animação Batman Beyond (1999), que apresenta as personagens tradicionais deslocadas no tempo para um futuro não muito distante no qual Bruce Wayne está aposentado e escolhe um sucessor, que veste um uniforme negro com um morcego vermelho destacado no peito. A partir desse desenho animado houve expansão para games, livros infantis, brinquedos e a volta para meio inspirador, os quadrinhos, em um movimento de salto transmidiático, que será detalhado no capítulo a seguir. Vê-se, portanto, que Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Superman, ao lado de seus contemporâneos, foram capazes de resgatar do caldeirão cultural os desejos e paixões de crianças, adolescentes e excluídos de toda sorte, captando do mito aquilo que ele tem de mais essencial, sua capacidade de ser a ponte entre consciente e inconsciente que gera respostas e resultados na psique e, assim, na vida real. Por isso, as regras e maneira de contar histórias pensadas naquele tempo continuam referências para toda a moderna indústria do entretenimento. Figura 18 - Batman Beyond, releitura futurista do Batman em versão desenho animado e que gerou representações em diversas outras mídias. 57

49 CAPÍTULO 2 Super-Heróis: os novos deuses No momento em que este trabalho é escrito, o filme do grupo de heróis da Marvel Comics, os Vingadores, está se tornando uma das produções cinematográficas mais assistidas em toda a História e novos games estão sendo lançados com toda essa miríade de personagens. Os super-heróis são mais relevantes do que nunca. São personagens tão básicos, infantis, irreais e absurdos, com seus uniformes colados aos corpos e poderes extraordinários que dão aos seus espectadores, nas diferentes mídias, a potência que precisam para lidar com a realidade de maneira figurada, sem que seja necessário efetivamente sentir que estão trabalhando seus próprios medos e ansiedades (Jones, 2004). É por meio de seres fantásticos de capa brilhante existentes em um ambiente controlado no qual, por mais complexos e perigosos que fossem os desafios, estes eram sempre vencidos, que crianças e também adultos lidam com suas frustrações e angústias. Isso valia para os tempos da Grande Depressão e vale ainda hoje, em uma época de pressão constante e individualismo exacerbado, pois o mito possibilita ao sujeito o salto para um estado superior de consciência (Campbell, 1997). Quem não gostaria de ter uma identidade secreta na qual pudesse, magicamente, resolver todo e qual problema, de correr rápido o suficiente para atravessar a grande cidade num piscar de olhos ou de voar para bem longe sem ter que se preocupar com as contas para pagar ou com chefes tiranos? Nossos monstros são esses, do cotidiano, que são combatidos e vencidos, no sentido figurado, pelos heróis superpoderosos, nos gibis, cinema e games. Ao ler, assistir e jogar, somos todos Jerry Siegel, menino pobre, franzino e órfão de pai, que enxerga a si próprio como um homem capaz de saltar grandes edifícios em um só pulo, mas que por fora é apenas um rapazinho tímido. Os super-heróis são os heróis internalizados da humanidade. São os mitos modernos, são verdadeira e indiscutivelmente os novos deuses. Figura 19 - Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Superman 58

50 CAPÍTULO 3 TRANSMÍDIA E A PLENITUDE DO SUPER-HERÓI 59

51 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói Dream: Things need not have happened to be true. Tales and dreams are the shadow-truths that will endure when mere facts are dust and ashes, and forgot. Neil Gaiman, The Sandman C onsagrados no altar da vida contemporânea, não escapariam os super-heróis dos quadrinhos da expansão midiática que caracteriza o mundo atual. De fato, como visto nos capítulos anteriores, as HQs do gênero são, desde sempre, produto cultural muito bem acabado, intimamente conectado ao zeitgeist 31. De chamariz para jornais, passando a item promocional, até o formato de revista, chegando aos livros e agora aos tablets, aonde for possível contar histórias com texto e imagem, lá estarão os super-heróis. Mas eles não se restringem aos quadrinhos. Pelo contrário, expandem-se por todos os meios, na medida em que as possibilidades surgem: primeiro no rádio, seguindo pelo cinema, TV (com filmes, séries e desenhos animados), games 31 Zeitgeist é o espírito do tempo, destacado especialmente na obra de Hegel, A Filosofia da História. pt.wikipedia.org/wiki/zeitgeist. (desde o saudoso Atari) e web (com webséries e webcomics). Desde seu nascimento, os super-heróis são pensados como franquias, tal qual a definição de Jenkins (2009): Franquia: operação coordenada para imprimir uma marca e um mercado a um conteúdo ficcional, no contexto dos conglomerados de mídia. Quando começam a apresentar o Superman às editoras, Jerry Siegel e Joe Shuster já imaginavam sua personagem em caixas de cereal e de biscoito. Siegel era conhecido por ter certo tino para os negócios (ainda que tenha vendido barato sua principal criação e se arrependeu disso durante o restante de sua vida) e sabia que o sucesso financeiro estava no licenciamento 32, em espalhar seu homem do amanhã por quantos espaços da vida humana quanto fosse possível (Jones, 2004). É interessante notar que a origem dos quadrinhos de super-heróis se dá no mesmo tempo em que o rádio se firma como uma mídia de alta penetração junto ao público e que o cinema começa a ganhar o espaço proeminente que preserva até hoje na cultura de massa. Até por isso, tão logo os super-heróis começam a fazer sucesso no papel, já se vislumbra para os conglomerados midiáticos a possibilidade de expandir seus ganhos nessas outras mídias. São exemplos disso o show de rádio The Adventures of Superman que foi ao ar de 1940 a 1951; e os seriados cinematográficos que se iniciam com Adventures of Captain Marvel (1941), seguido por Batman (1943), The Phan- 32 Licenciamento, segundo Jenkins (2009) é um sistema em que a empresa de mídia central quase sempre um estúdio de cinema vende a outras empresas os direitos de desenvolver produtos associados à franquia, embora muitas vezes estabeleça limites estritos ao que essas empresas podem fazer com a propriedade. No caso de Jerry Siegel não se tratava de cinema, mas sim de quadrinhos. Mas a intenção era claramente esta, conseguir fazer produtos associados com a marca Superman. 61

52 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói tom (1943), Captain America (1944) e novamente Superman (1948). O licenciamento é, por sua vez, um dos pilares de algo maior e mais complexo: a Narrativa Transmídia uma ação definida por Jenkins (2009) como histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo; uma abordagem mais integrada do desenvolvimento de uma franquia do que os modelos baseados em textos originais e produtos acessórios Narrativa Transmídia ou apenas Transmídia? Jenkins (2009) utiliza o termo transmídia sempre acompanhado de narrativa. Ou seja, para ele o transmidiatismo, como fenômeno, somente se dá por meio do contar histórias. Entretanto, é possível observar que as personagens são representadas em diversas plataformas, em inúmeras formas de apresentação. Assim, é possível afirmar que este é um fenômeno da cultura de massa, passível de ocorrer independente de um processo narratológico estar em curso ou não. A visão de Jenkins para o assunto é, essencialmente, comercial, publicitária. Não cabe aqui nenhum julgamento a essa posição apenas o apontamento do fato, que possui sua lógica. Quanto mais um mercado se torna mercenário e faminto, maior é a oferta de produtos complementares ao universo ficcional original. O capitalismo e seu grande sintoma, o consumismo, são os combustíveis da Narrativa Transmídia (NT, como é possível abreviar). Com mais opções, que percorrem os diferentes meios (HQs, cinema, TV, livros, games), o público tem a possibilidade de imergir e envolver-se emocionalmente cada vez mais, reforçando o movimento de compra de produtos (Jones, 2004). Porém, o fenômeno transmídia pode ser visto sob uma ótica diferente. Scolari (2009) fez uma tentativa bastante válida de clarificar esse campo, ainda que partindo da premissa da Narrativa Transmídia e não do conceito de Transmídia em si. A definição de Scolari (2009) diz que a NT é uma estrutura narrativa particular que se expande tanto em diferentes linguagens (verbal, icônica, etc.), quanto em diferentes mídias (cinema, quadrinhos, televisão, games, etc.). Ele explica ainda que a NT não é apenas uma adaptação de uma mídia para outra. A história que o quadrinho conta não é a mesma que é contada na televisão ou no cinema; as diferentes mídias e linguagens participam e contribuem para a construção do mundo narrativo transmídia. Sem dúvida, quando se fala em narrativa, esta definição que é derivada do que disse Jenkins (2009) pode ser considerada a mais acurada. Porém, em sua continuação, Scolari (2009) diz não se tratar apenas de uma adaptação de uma mídia para outra. O que já dá pistas de que há mais nesse processo que não apenas a questão narrativa. A força motriz desse processo é a expansão para outros meios, o salto de uma mídia para outra, esteja 62

53 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói uma história sendo contada ali ou não. Encontramos então outros elementos na base desse ofereça a visão mais ampla e próxima do que está Nesse sentido, P. David Marshall (2002) talvez fenômeno, o que veremos agora. sendo proposto aqui, com seu conceito de objeto intertextual 33. Sua posição é a seguinte: As indústrias culturais estão oferecendo uma ação circunscrita para o novo público ao dar a ele padrões complexos de engajamento e arquiteturas exploratórias. Casado a esse desenvolvimento da complexidade e dos objetos intertextuais está a expansão do prazer da antecipação por meio de estratégias mais elaboradas de promoção de produto. Várias formas de promoção estão alinhadas em adicionar informações às formas culturais que são projetadas para aprofundar o investimento da audiência nesses mesmos objetos culturais (2002: 61). Quando uma revista em quadrinhos era distribuída como brinde em uma loja de departamentos da década de 1930 (Jones, 2004), aquele objeto cultural estava sendo expandido, tornando-se intertextual (Eco, 1985), na mesma proporção dos dias atuais, quando brinquedos do mais novo filme do Batman são dados como brindes na compra de lanches em cadeias de fast food; ou uma camiseta do filme é vestida por alguém que talvez nem tenha visto a produção nos cinemas. É preciso, de toda forma, deixar claro: Eco (1985) considera as estruturas intertextuais 34, que são, em sua visão, situações estereotipadas vindas da tradição textual prévia e registradas por nossa enciclopédia. Ele avança ainda mais, buscando entender o que chama de arquétipos intertextuais, aquelas situações apresentadas em obras ficcionais que não apenas são reconhecíveis pela audiência como P. David Marshall 33 Intertextual commodity, tradução do autor. 34 Intertextual frames, tradução do autor. 63

54 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói pertencentes a uma tradição intertextual ancestral, mas que também apresentam uma fascinação particular. Ou seja, seu foco está na narrativa, aproximando-se assim da visão de Campbell (1998), que considera essas estruturas semelhantes e que fascinam o espectador no processo de contar histórias como manifestações da Jornada do Herói. Aqui, portanto, fazemos um avanço nessas visões, ao considerar elementos não narratológicos como participantes do corpus da cultura (como os brindes das redes de fast food), ressignificando a intertextualidade a partir do fenômeno do transmidiatismo. Ou seja, não é apenas a narrativa que é capaz de gerar estruturas intertextuais, mas tudo aquilo que se produz com as personagens. Assim, ainda que a Narrativa Transmídia, como colocada por Jenkins (2009) e Scolari (2002) seja sintomática da Era Digital, por ser um esforço coordenado para que uma história seja contada de forma ao mesmo tempo única e fragmentada em diferentes plataformas midiáticas, sua essência a adaptação de um objeto cultural de uma mídia em outra já é existente e consolidada há séculos: uma história que surge em uma mídia e avança sobre outra é algo que remonta à passagem da tradição oral para a escrita, da escrita para a musical, da musical ou da escrita para a imagética e assim por diante (Costa e Petry, 2011) Um exemplo deste movimento fenomênico pode ser dado pela trajetória da Ilíada. Da tradição oral dos poetas da Grécia antiga, ele se converte em um texto na pena de Homero. Mais recentemente, não referindo os seus passos intermediários, temos o texto de Homero transformado em roteiro para cinema, um filme realizado, a produção de um álbum em quadrinhos e inúmeros games. Nesse sentido, são os conteúdos, os temas que se deslocam e que, como forças vivas, produzem efeitos com novas e diversificadas formas de significação em novos campos (mídias). Jenkins (2009) também define a Narrativa Transmídia como a arte da criação de um universo, o que parece ser mais correto, pois assim, caberia a este universo ficcional ter forças para se desdobrar em diferentes meios e os espectadores/usuários buscarem suas partes únicas pelos meios diversificados e difusos para, assim, alcançar completamente a experiência completa da obra (Manovicth, 2001). Ao falar em universo, podemos considerar possibilidades infinitas de aplicação das personagens, algumas inclusive não narratológicas. Ou seja, o interesse está no transporte de uma criação cultural de uma plataforma midiática para outra, seja ela por meio de uma narrativa ou não. E a esse fenômeno pode-se dar o nome de salto transmidiático. E ele se mostra muito mais interessante do que associado a um fenômeno cultural-publicitário, como um processo no qual é possível identificar o processo da transposição, o qual esteve intimamente associado às narrativas nos filmes SciFi e, posteriormente, se torna uma forte mola propulsora nos games. 64

55 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói 3.2. Audaciosamente indo... Quando uma produção realiza um salto transmidiático, esta é uma ação em duas dimensões: comercial e criativa. Ou, ainda, específica e geral. contemporaneidade. Se, do ponto de vista publicitário/comercial, o salto transmidiático surge da emergência de novas mídias, nasce também, como coloca Murray (2003), de uma crescente necessidade de estimulação e [essa ação] também pode É comercial e específica no sentido em que ser percebida como a expressão de uma curiosidade mais ativa ou de um anseio de olhar ao redor os conglomerados de mídia, em busca de sua própria sobrevivência, espalham suas propriedades por tantos quantos forem possíveis os por si mesmo e fazer as próprias descobertas. mercados, transformando personagens em Murray (2003) ainda complementa: franquias, como já vimos. Mas é no aspecto criativo e individual (de É como coloca Campbell (1998): A moderna tarefa do herói deve configurar-se como uma busca criadores e, principalmente, espectadores) que o salto se qualifica como fenômeno cultural da Precisamos de cada forma de expressão disponível e de todas as novas que possamos reunir, para que nos ajudem a compreender quem somos e o que estamos fazendo aqui. (2003: 255) Janet murray destinada a trazer outra vez à luz a Atlântida perdida da alma coordenada. Ao somar as visões de Murray (2003) e Campbell (1998) temos a base para o entendimento fenomenológico do salto transmidiático. Para Campbell, o herói surge do subconsciente, da necessidade humana de se estabelecer no mundo. Dessa forma, a combinação de elementos psicológicos, mitológicos e sociológicos é o carvão, a força, a motivação para o salto transmidiático um conceito que pode ser pensado como um fenômeno da cultura, no qual se demonstra de maneira clara e inequívoca a migração de forças e estruturas da própria natureza humana, as quais são capazes de se deslocar dentro de inúmeras áreas de representação da própria cultura. Com isso, este fenômeno se torna fundamental, pois permite capturar em tempo real o movimento do inconsciente cultural em ação. 65

56 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói E se um conceito abre um novo campo de investigação, desvelando novas possibilidades para a cultura, alguns conceitos estendem seu domínio e se tornam operacionais, permitindo que outros conceitos sejam articulados e reproduzidos graças a ele. Este é o caso do salto transmidiático que, pela sua existência, permite que uma miríade de conceitos e fenômenos antes deixados restritos a meios enclausurados, possam agora respirar em novas paisagens e mundos, revigorando-se discursivamente. E existe um campo ou universo temático que se constitui em solo fértil para o movimento transmidiático: é o universo plástico e líquido do trinômio HQ-Cinema-Games (Santaella, 2001) Por que os super-heróis? Se o salto transmidiático é um fenômeno da cultura, também o é o super-herói. Como vimos no capítulo anterior, essa categoria de personagem alcançou uma condição de ícone representativo e evocativo dos desejos e anseios do homem no mundo atual, que se realiza metaforicamente nos feitos extraordinários desses seres fantásticos. Assim, o salto transmidiático, enquanto fenômeno nascido da premência da natureza expansiva da cultura, da necessidade humana de se expressar em tantos meios quanto for possível (Murray, 2003), é caminho natural para essas personagens, que logo que nascem já se espalham pelos meios de comunicação de massa nascentes - como vimos no início deste capítulo. Mas quais elementos propiciam ou, ainda melhor, favorecem, esse salto dos super-heróis? O primeiro deles é a chamada comunidade de fãs, a qual gera a cultura de fãs. Trata-se de uma reunião de pessoas com interesses semelhantes e que dá fôlego mercadológico aos produtos culturais. Para os fãs, seu foco de adoração tem algo de sagrado, visto que o mito (do qual bebe da fonte) possibilita ao sujeito a passagem para um estado superior de consciência (Campbell, 1997). Os super-heróis e as mídias nas quais eles aparecem representam uma espécie de totem, uma identidade coletiva de sua tribo. Os super-heróis, para seus fãs, representam o que Murray (2003) apresentou da teoria de Winnicott, os chamados objetos transicionais, os quais fazem a ponte entre o mundo infantil (fantasia) e o adulto (real). Trata-se de uma representação de segurança a partir de algo externo a eles fãs (pois foram criados por outras pessoas) no qual é possível projetar seus sentimentos. Ao mesmo tempo, funcionam também como os objetos evocativos de Turkle (2005), pois são, como apontado por essa autora, acompanhantes de emoções e estímulo ao pensamento. Imprescindível dizer que, como vimos no Capítulo 2, os super-heróis são projeções de 36 No documentário With Great Power The Stan Lee Story (2010), o principal criador da Marvel e responsável pela gênese de Homem-Aranha, Hulk, Homem de Ferro, entre outros, diz que aspectos seus estão em todas essas personagens. Sua esposa complementa: Stan é o Homem-Aranha. Com Grandes Poderes vêm Grandes Responsabilidades é a sua moral. 66

57 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói necessidades de seus próprios criadores 36 e, portanto, objetos transicionais para eles também. Especialmente Jerry Siegel, escritor do Superman, era alguém que queria conquistar seu espaço no mercado, na vida e na sociedade, a partir de seu objeto de adoração. Quando o Superman começa a fazer sucesso e ele ganha dinheiro com isso, faz, finalmente, a transição para o mundo adulto ainda que por meio da fantasia. Se para quem está ao seu redor (família e comunidade) ele não passa de um estranho solitário, por debaixo de seu aspecto tipo como exótico pelos demais, vive alguém capaz de instilar a fantasia em milhões de corações e mentes, primeiro nos EUA, depois no mundo todo (Jones, 2004). Por meio de seu objeto transicional e evocativo, Jerry se transmutou em seu próprio herói. 37 Inventor do termo Ficção Científica, cuja primeira publicação foi justamente Amazing Stories, dá nome ao maior prêmio desse gênero, o Hugo Award. Esses autores das primeiras HQs de superheróis eram, também, a primeira comunidade de fãs: os aficionados pela Ficção Científica. Na década de 1930, leitores da revista Amazing Stories começam a se comunicar uns com os outros, pois o editor daquela publicação, Hugo Gernsback 37, publicava as cartas enviadas à redação com o endereço completo do remetente. Aquele era um espaço de convivência em que ser diferente era algo valorizado. Os membros daquela comunidade eram diferentes dos outros no restante do mundo, mas iguais entre si. Eram, quase todos eles, párias, segregados, isolados socialmente: os tão falados nerds, ainda que o termo não existisse naqueles tempos (Jones, 2004). O espaço de convivência nasce nas cartas (publicadas nas páginas das revistas de Ficção Científica e trocadas entre os fãs) e avança para encontros presenciais, com clubes, convenções e pontos de venda, como as comic shops lojas especializadas em quadrinhos, já citadas no Capítulo 1. No caso dos super-heróis, mesmo quando na década de 1950 toda a sociedade dos Estados Unidos vai contra as revistas em quadrinhos, os fãs não deixam sua paixão morrer. As HQs eram sim um produto, mas para aqueles fãs representava muito mais: eram seus totens manufaturados (Jones, 2004). Jenkins (2009), diz que um dos elementos constituintes da Narrativa Transmídia é a participação dos fãs e que suas comunidades são as primeiras a adotar e usar criativamente as mídias emergentes. Mas não são somente as novas mídias que possibilitam essa participação. Jones (2004) conta que Jerry Siegel foi o criador não apenas do Superman, mas do primeiro fanzine: publicação cuja denominação advém da reunião das palavras fan (fã) e magazine (revista) uma revista de fãs e para fãs. As fanfics 38, produções originais dos fãs, já nas- 38 A partir da visão de Jenkins (2009) é possível definir fanfic como qualquer produção feita por fãs a partir dos universos ficcionais originais e que, pelo menos em princípio, não são consideradas para a cronologia (continuidade) das narrativas nas quais se inspira. Entre os universos mais utilizados em fanfics, além dos super-heróis, estão Harry Potter, Star Wars, Star Trek e Babylon 5. 67

58 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói cem ali. Ou seja, é próprio daqueles envolvidos com os super-heróis fazer a transição entre ser consumidor e produtor. Acontece no nascedouro da Ficção Científica, quando os fãs a somam aos gêneros de Aventura, Terror e Policial para o nascimento dos super-heróis, e acontece novamente, aproximadamente 30 anos depois, quando na década de 1960 os primeiros fãs das HQs de super-heróis tornam-se, eles mesmos, geradores de conteúdo (Jones, 2004). Essa condição de fãs que os criadores de HQs de super-heróis possuem retroalimenta um sistema de valorização do conhecimento intrínseco dessas produções. As histórias desse gênero têm, como vimos no primeiro capítulo, a continuidade entre seus itens definidores. Ou seja, o fluxo narrativo é continuado indefinidamente, em um encadeamento de situações correlacionadas. O fã é aquele que quer saber tudo. Portanto, conhecer cada condição passada pelas personagens dá a ele uma sensação maior de poder sobre aquele objeto cultural. São os nerds os primeiros a conhecer o prazer de organizar a cultura inútil (Jones, 2004). Eles são iniciados, pessoas que possuem um conhecimento diferenciado em comparação com o que sabe a massa. Essa satisfação é o que permite aos fãs, aceitar melhor as adaptações consideradas por sua comunidade como acertadas e, também, lhe confere certa autoridade para repudiar aquilo que não o agrada. Como Jenkins (2009) coloca, filmes e televisão provavelmente têm os públicos mais diversificados; quadrinhos e games, os mais restritos. Porém, esse público restrito possui mais acesso às produtoras de conteúdo e influenciam em maior medida a condução das narrativas criadas. Não são poucos os super-heróis que, por pressão do público (e às vezes, convenhamos, por 39 Batman morre na série Crise Final (2008) escrita por Grant Morrison. Superman morreu em 1992 em sua revista mensal. Ambos foram substituídos por outras personagens e retornaram posteriormente. 40 O Capitão Marvel da Marvel Comics morreu na primeira graphic novel da editora, A Morte do Capitão Marvel, em A Fênix morre na chamada Saga da Fênix Negra, publicada originalmente na revista The X-Men, em mera estratégia comercial), foram mortos por seus criadores, para depois retornarem triunfantes do além, numa ação correlata ao que vai ocorrer com essas mesmas personagens quando estiverem no ambiente do game digital. Batman e Superman 39 na DC Comics, Capitão Marvel e Fênix 40 na Marvel estão entre os melhores entre muitos exemplos. Esse conhecimento e influência do fã de quadrinhos de super-herói possibilita observar esse gênero a partir das características citadas por Jenkins (2009), a partir do que colocou Eco (1984): trata-se de um universo completamente guarnecido, para que os fãs possam citar personagens e episódios como se fossem aspectos do sectário universo particular. Na visão dos autores, essa definição aplica-se a filmes cult. Porém, a longevidade, o estilo e forma dos quadrinhos de super-heróis os aproximam notadamente dessa condição. Outro elemento dos quadrinhos de superherói que é fortemente ligado às condições 68

59 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói Figura 20 - Imagem final de Superman #75 (1992), com a morte do Superman, desenhada por Dan Jurgens transmídias é a serialização que, como foi visto anteriormente, é chamada de continuidade nas HQs. O modelo de atuação desse gênero é muito similar ao da novela televisiva: contínuo, com sucessão de dramas moldáveis à decisão do público. Por isso, é muito fácil aplicar sua estrutura em outras plataformas, sejam elas a própria TV, o cinema ou os games. Porém, é preciso ressaltar: a aceitação pela comunidade de fãs se dará de forma mais positiva quanto mais a transposição para outra mídia for fiel ao cânone o objeto de consulta original. 37 Inventor do termo Ficção Científica, cuja primeira publicação foi justamente Amazing Stories, dá nome ao maior prêmio desse gênero, o Hugo Award. Uma adaptação de quadrinhos, como são chamados os filmes e séries de TV com atores, em contraponto a desenhos animados e games, que são 69

60 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói considerados extensões de mídia, deve manter o personagem central e suas características básicas. Por exemplo, Batman sempre será um órfão que viu os pais serem assassinados e, a partir daquele momento, jurou defender os oprimidos e combater o crime. Essa essência do personagem não é modificada. Na visão das comunidades de fãs, é até mais do que isso. Ela não pode ser alterada. Ao mesmo tempo, os quadrinhos de superheróis possuem uma grande maleabilidade, pois esse gênero permite às personagens serem colocadas em diversos cenários e situações. Assim, acabam por experimentar uma espécie de narrativa multiforme (Murray, 2003), que é também elemento característico do fenômeno transmídia. São inúmeras as possibilidades de releitura dessas personagens, desde histórias que não se passam na cronologia (ou continuidade) convencionada como principal (as revistas publicadas mensalmente), até mesmo universos paralelos nos quais os heróis podem ser mais jovens, ter identidades diferentes, etc., mas que se conectam de alguma forma ao universo-mãe. Como o universo Ultimate na Marvel ou a Terra 2 da DC Comics 41. Para Murray (2003), essas experiências supõem uma sofisticação por parte da audiência, uma ânsia para transpor e reagrupar os elementos de uma história, bem como a habilidade para ter em mente múltiplas versões alternativas de um mesmo universo ficcional. As HQs de super-heróis, dessa forma, preparam o espectador para o salto transmidiático, pois a multiplicidade está conectada indissociavelmente 41 A DC Comics publica atualmente a revista Earth 2, que apresenta um universo em que Batman, Superman e Mulher Maravilha morreram e uma nova geração de heróis deve defender o planeta. Este universo se conecta ao universo regular na revista World s Finest, que mostra a filha do Batman (Caçadora) e a prima do Superman (Poderosa) vivendo entre dois mundos. A Marvel Comics, por sua vez, publica revista do universo Ultimate, no qual o Homem-Aranha agora é um menino negro chamado Miles Morales e que também já atravessou para o universo regular (chamado na Marvel de 616) e encontrou-se com o nosso Peter Parker. Em ambas as editoras há também a tradição de publicar histórias colocando os heróis em tempos ou situações diferentes. Na Marvel chamada de What If.. (O que aconteceria se...) e na DC de Elseworlds (Túnel do Tempo). a esse gênero. Por outro lado, é a universalidade mítica das personagens que propiciam este realinhamento ambiental. A essência é mantida, mas todo o restante cenário, temporalidade pode ser reimaginado. Como vimos nos capítulos anteriores, as HQs lidam com imagens que já existem na mente dos espectadores. Esse é o elemento de conexão necessário para a apreciação dessa forma de arte. Os quadrinhos têm também uma linguagem própria, com regras intrínsecas e que, para continuar funcionando, investe na repetição de formas, criando uma gramática própria (Ramos, 2010). O fã não só é versado no conteúdo da narrativa, mas também é especialista nesses códigos e acaba atuando como tradutor dessa língua mágica aos não iniciados. Por outro lado, atua também como censor, ao identificar uma tradução que não considere fiel o suficiente. O fã torna-se, dessa maneira, decisivo para o sucesso comercial dos objetos culturais que fazem o salto transmidiático. Se 70

61 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói Figura 21 - O filme do Lanterna Verde foi considerado ruim pela maior parte dos fãs de quadrinhos e isso auxiliou no mal desempenho da produção nas bilheterias ele aprovar, se conseguir se enxergar ali, será um divulgador entusiasmado. É ele que vai à frente, levantando a bandeira e validando para o público em geral que determinada produção vale a pena ser vista nos cinemas ou jogada no videogame. Exemplos positivos, em que esse processo ocorreu expansivamente, estão nos jogos do Batman, Arkham Asylum (2009) e Arkham City (2011), no filme Os Vingadores (2012) e no desenho animado Justiça Jovem (2011). Por outro lado, como exemplos negativos estão os filmes The Spirit (2008), Lanterna Verde (2011) e Superman Returns (2006), os dois últimos acompanhados de seus respectivos games. Os quadrinhos abrem as portas para o transmídia por possuir, em sua essência, elementos múltiplos: texto e imagem interligados e indissociáveis. As HQs exigem processamento de informações verbais e visuais de seus espectadores, e ainda mais um elemento: a imaginação que dá movimento às personagens, que estabelece ideias sobre seus comportamentos, a respeito de suas posturas e linguagens corporais. E que cria mentalmente os sons de vozes e ações diversas. Ao ensinar ao espectador a saltar de imagem a imagem, que são colocadas de maneira justaposta com a clara intencionalidade de criar sentido e contar histórias (McCloud, 1993), as HQs preparam o espectador para o salto transmidiático primeiro dos filmes (imagens justapostas movimentadas em grande velocidade ao ponto de simular movimento), e depois dos games nos quais os cenários e a própria narrativa avançam com mudanças sequenciais nas imagens. Mas quando do salto transmidiático dos quadrinhos para outras mídias, para o objeto continuar sendo relevante (para fãs ou não), ele precisa evoluir para aquilo que seus criadores imaginaram ser a completude entre o papel e a mente dos espectadores. Vozes, linguagem corporal, cores... Como seria a tradução de algo 71

62 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói estático (mas que indica movimento) e mudo (ainda que demonstre o som nos balões) para meios em que todas essas possibilidades estão dadas? Quebra-se aí a relação íntima entre obra e espectador (Eisner, 2008), pois é entregue ao sujeito o pacote completo, sem que lhe seja pedida a ação de conclusão (o completar das cenas entre quadros) de maneira mais efetiva. O salto transmidiático faz o papel da imaginação do espectador, que antes possuía apenas a visão para acompanhar seus heróis brilhantes. No cinema e TV, as personagens ganham voz e movimento. Nos games, o processo é mais ativo e intenso, pois o sujeito ganha controle e participação efetiva, completa interação com o objeto. Ele se torna mais do que espectador, agora é usuário O Poder do Mito Se antes as personagens e seus universos viviam presos às páginas das HQs, o salto transmidiático abre novas possibilidades, levando o foco da adoração dos fãs a novas paisagens, novas plataformas, liberando-os para interagir mais profunda e completamente com aquele objeto, que inicialmente estava disponível apenas em baixa resolução, no papel (ou mesmo no tablet, como é possível hoje). Porém, além das características já vistas que facilitam esse fluxo de conteúdo de uma mídia para outra, há um elemento fundamental para que o salto transmidiático dos super-heróis ocorra: a estrutura mítica dessas personagens. Mais do que boas histórias, as personagens precisam ser fortes o suficiente para suportar uma expansão por diversas plataformas midiáticas. A força está na essência das personagens. E personagens fortes são aqueles que bebem da fonte mitológica, que conversam com a essência humana do espectador/usuário, o qual consegue se sentir representado, independente da mídia utilizada. Como vimos no Capítulo 2, o super-herói possui essas características. Para o fã, não importa seguir uma mesma narrativa (a tal Narrativa Transmídia), mas sim seguir a personagem de sua adoração. Já para o público em geral, não iniciado, é a força mito- Figura 22 - Batman - Arkham Asylum : o espectador ganha o poder da interatividade. 72

63 CAPÍTULO 3 Transmídia e a plenitude do super-herói lógica que torna o personagem relevante, pois há um lugar para o herói no mundo contemporâneo, como coloca Campbell (1998): o mistério crucial, em nossos dias, é o próprio homem. O público está sempre interessado nas experiências de alguém com quem é possível se identificar. Os sentimentos internos do protagonista de uma narrativa são entendíveis para o espectador na medida em que este sujeito imagina ter emoções similares sob as mesmas circunstâncias (Eisner, 2008). Assim, pode-se colocar que, conforme o esquema: Se, como coloca Campbell (1998), o mito possibilita ao sujeito o salto para um estado superior de consciência, o salto transmidiático possibilita ao homem contemporâneo a conexão com a essência de seu tempo, de experiências múltiplas e fragmentadas. Os deuses são personificações simbólicas das leis que governam o fluxo de força e energia vindo da fonte universal. O mito está, o mito é. Sua característica principal é a ubiquidade e, assim sendo, suas manifestações são as mais diversas possíveis. Na cultura de massa, esse processo se dá pela apropriação e utilização. O artista/criador se conecta às situações do mundo e ao Universo e coloca o sonho para fora. Na contemporaneidade, os super-heróis são um perfeito exemplo dessa manifestação. Dessa maneira, na cultura da convergência atual, a qual Jenkins (2009) diz ocorrer na mente dos espectadores, é a combinação de elementos, de plataformas midiáticas, que dá sentido às diferentes narrativas. Portanto, é na multiplicidade que nasce o mito da cultura de massa, consolidado na figura multimídia do super-herói, que sai dos quadrinhos para ganhar o cinema e os games. Como coloca Bairon (1998), é preciso entender o jogo e a interatividade reticular como essências do ser. A reticularidade é sintoma da não-linearidade, que é peça indissociável do fenômeno transmídia aqui descrito. É nessa pluralidade que o gênero superherói, nascido na mídia HQ (apresentada no Capítulo 1) torna-se culturalmente relevante (como visto no Capítulo 2) e elemento catalisador multimídia e transmídia, como visto neste capítulo, que se realiza ao saltar de uma plataforma midiática para outra e fecha o ciclo plenamente com a interação oferecida pelos games, que será apresentada a seguir. 73

64 CAPÍTULO 4 INFINITAS TERRAS:HQ FILME GAME 75

65 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game "Superman: In this world, there is right and there is wrong...and that distinction is not difficult to make. The powers we have...the things we do...they're meant to inspire ordinary citizens... Not intimidate them... Not terrify them." Mark Waid, Kingdom Come O s super-heróis já nascem transmídia. Sua trajetória mostra isso: os romances pulp com temática aventuresca vão para o rádio. É na mídia radiofônica a primeira aparição do Sombra, primeira personagem a receber a alcunha de superherói. A pressão do público que ouvia aquelas narrativas por algo a mais daquela experiência leva seus criadores a criarem a versão escrita levando as histórias do misterioso combatente do crime para o meio que o inspirou, os pulps. Tamanho é o sucesso que a editora que publica esses livros começa a procurar outras personagens com as mesmas características: aparência extravagante e capacidades extraordinárias. Ao mesmo tempo, os quadrinhos, que ainda estavam apresentando essencialmente narrativas do gênero Humor, recebem essa influência artística e pressão mercadológica e o gênero Aventura se torna proeminente, preparando o terreno para o nascimento do Superman, considerado o primeiro super-herói, ainda que o Sombra tenha sido chamado assim anteriormente (Jones, 2004). Conforme aponta Gubern (1979), citado por Viana (2004): O período que se abre em 1929 e termina com o início da Segunda Guerra Mundial constitui uma idade de ouro para o novo meio de expressão devido em parte à considerável ampliação temática produzida pela introdução da mitologia aventureira, que implicou em uma notável ampliação da esfera dos seus leitores. No cinema, outra influência decisiva nesse processo, o filme A Marca do Zorro, assistido por Jerry Siegel aos seis anos de idade, fica impresso nas retinas do menino que anos depois vai criar um herói justiceiro de capa esvoaçante. Não sombrio e vestido em negro como o mascarado alterego de Don Diego de La Veja, mas tão desafiador do status quo quanto a criação de Johnston McCulley 42 interpretada naquela versão cinematográfica por Douglas Fairbanks 43. O interessante é que, numa função dialética, na qual Zorro indiretamente inspira a criação do Superman, no universo ficcional do Batman ficou estabelecido (por diferentes criadores) que foi ao sair de uma sessão justamente desse filme que os pais do pequeno Bruce Wayne foram assassinados. Imaginemos o impacto na mente de um jovem menino ao assistir Zorro e fixar na memória o cartaz de sua sessão e utilizá-lo anos 42 - A criação mais famosa de McCulley é, sem dúvida nenhuma, o Zorro, mas este autor escreveu centenas de histórias, roteiros e criou vários personagens de pulps, que se tornaram referências nessas publicações. Sua carreira se iniciou como repórter policial e McCulley foi também relações públicas do Exército dos EUA na I Guerra Mundial. wiki/johnston_mcculley 43 - Douglas Fairbanks é considerado o primeiro herói de ação do cinema. Estrelou diversas produções mudas do gênero de Aventura, tais como Robin Hood (1922), Os Três Mosqueteiros (1921) e, claro, A Marca do Zorro (1920). Configurou-se como o ideal masculino de beleza da época. douglasfairbanks.org/ 77

66 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game depois na criação de uma das mais representativas personagens do imaginário Ocidental. A capa preta e o estilo furtivo talvez fizesse com que outras histórias lidas se mesclassem àquela do filme. Assim, Zorro tem algo de Dumas 44 e Dickens 45, que faz emergir o outro lado do sujeito humano no Século XIX, oprimido pelas autoridades e sempre na luta pela sobrevivência. A questão que se poderia perguntar é como Zorro se liga a Batman? Qual o elemento que vincula ambos em uma estrutura imaginária tão rica e forte em sentidos? Ambos vivem na clandestinidade, no escuro da impossibilidade de se revelarem; mas enquanto que Zorro luta contra a autoridade secular, Batman a protege e reforça naqueles elementos que ela é frágil Da sua obra O Conde de Monte Cristo (1844) De sua obra Oliver Twist (1838). Enquanto Zorro é um revolucionário, Batman é um reforço da ordem estabelecida. Como diz Reynolds (1992), o super-herói tem a missão de preservar a Figura 23 - Douglas Fairbanks interpreta o intrépido herói mascarado Zorro, ainda no cinema mudo. sociedade, não de reinventá-la. No filme Batman O Cavaleiro das Trevas (2008), o Coringa diz que pretende trazer o Caos - em uma versão ensandecida de busca de liberdade social. Ambos parecem representar aspectos da revolta do homem ordinário para com a figura de controle (paterno). Nada testa e comprova com tanta precisão a fluidez das narrativas e personagens no corpo da cultura quanto os super-heróis (Jones, 2004). Exemplo disso é o personagem Escapista. Em 2001, o escritor Michael Chabon lançou um romance chamado As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay. Nele, de forma ficcional, Chabon conta a história da Era de Ouro dos quadrinhos, com o Escapista fazendo às vezes de Superman e Kavalier e Clay como Siegel e Shuster. A obra rece- 78

67 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game beu o prêmio Pulitzer de ficção naquele ano e, algum tempo depois, o Escapista realmente ganhava as páginas de uma HQ. Em um fluxo contínuo, o mundo dos super-heróis digere e é digerido pela cultura de massas do século XX e avança pelo XXI, mantendo sua relevância (Jones, 2004) No escurinho do cinema As representações dos super-heróis em outras mídias além dos quadrinhos ajudaram a angariar mais fãs e a tornar essas personagens melhor entendidas pelo público. Como visto anteriormente, logo após sua criação o Superman teve um programa de rádio e também desenhos animados e o Capitão América e o Capitão Marvel estavam nos cinemas, puxando uma extensa lista de produções que, mesmo quando os super -heróis estavam em baixa (como da década de 1950 até o final da década de 1960), sempre apareciam - se não no cinema, ao menos na TV. Figura 24 - O Escapista nasce na literatura e ganha os quadrinhos. Os saltos transmidiáticos podem ocorrer para qualquer direção Superman o filme (1978) com seus cartazes nas portas dos cinemas que diziam: Você vai acreditar que um homem pode voar deu a partida no uso dos super-heróis na moderna indústria do entretenimento, em um processo que ainda está vivendo seu apogeu na segunda década do século XXI. O filme Os Vingadores (2012), demonstra isso com seus números impressionantes 46 : maior arrecadação em um final de semana de estreia nos EUA; maior arrecadação de um final de semana de estreia no México, Argentina, Equador, Peru, Bolívia, Hong Kong, Malásia, Nova Zelândia, Filipinas e Brasil. A arrecadação total com ingressos desse filme foi de mais de US$ 1,4 bilhão. O mundo, definitivamente, se tornou nerd. Os normais são a minoria Os fãs de super-heróis, ainda que se assemelhem, possuem diferenças entre si. Notadamente, dividem-se entre os que preferem Marvel Comics a DC Comics e vice-versa. No cinema, a grande disputa de 2012 foi para verificar quem teria mais bilheteria: Batman ou Vingadores? A disputa continua. Dados sobre a bilheteria disponíveis em Resenha de Os Vingadores (2012) consta nos Anexos desta dissertação. 79

68 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game Os quadrinhos, com sua estrutura que utiliza imagens e texto ao mesmo tempo, suscitam a linguagem cinematográfica. Especialmente quando se trata do gênero super-heróis, buscase do espectador a montagem de cenas, a atitude de completar a ação da narrativa. Quando é feito o salto transmidiático para o cinema, a diferença é que os filmes se propõem a oferecer uma experiência real, enquanto as HQs mostram e descrevem a experiência (Eisner, 2008). Murray (2003) nos mostra que a experiência cinematográfica passa por uma criação ativa de crença por parte do espectador, em que a mente dele completa as cenas. Exatamente como na leitura dos quadrinhos. Usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência, explica a pesquisadora. De uma ponta à outra a experiência constrói seu caminho produtivo, quase como que se tornando algo independe, como que um vírus que migra de um sujeito para outro, do realizador ao fã e nestes todos juntos produz os seus efeitos de sentidos. De fato, como a pesquisadora da narrativa no ciberespaço nos indica, a experiência cinematográfica une em uma mente comum realizador e fã em uma comunidade de imaginação ativa. Apesar de compartilharem características, como a transparência, apresentada por Murray (2003) como a possibilidade do sujeito espectador deixar de ter consciência do meio em que está a narrativa, não mais enxergando a impressão ou o filme, fixando-se apenas no poder da própria história, HQs e filmes possuem diferenças marcantes. Quem assiste a um filme está aprisionado àquela narrativa até que ela se finde, enquanto o leitor de quadrinhos é livre para caminhar pela história, olhando o final ou mesmo divagando enquanto fixase em apenas uma imagem. O espectador nos gibis tem a capacidade singular de considerar várias imagens ao mesmo tempo ou em diferentes direções (Eisner, 2008). Além disso, ao comparar cinema e HQ, é preciso notar que o filme é uma forma de arte bastante cara de se realizar, enquanto que não há restrição alguma (a não ser a imaginação dos artistas) para as narrativas dos quadrinhos (Reynolds, 1992). Não custa nada a mais para a DC Comics pedir ao escritor Grant Morrison 48 que mande Batman para a Irlanda e de lá para a Argentina nas páginas de Batman Incorporated 49. O desenhista que irá ilustrar esse roteiro não precisa estar (ou ter estado) fisicamente em nenhum desses lugares. Mas a mesma ação poderia ser inviável em teremos de orçamento nos filmes da mais recente trilogia cinematográfica do Homem-Morcego dirigida por Christopher Nolan 50. É a partir desse ponto, da forma de produção, que se pode fazer a primeira análise do 48 - Grant Morrison é um dos mais populares e aclamados escritores contemporâneos de quadrinhos, ainda que sua produção não se restrinja a esse meio. Entre suas obras, destacam-se passagens por títulos como JLA (1997), New X- Men (2001), Patrulha do Destino (1988), Homem Animal (1988), All-Star Superman (2005) e a graphic novel mais vendida de todos os tempos: Batman: Asilo Arkham (1989). 80

69 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game 49 - Batman Incorporated é uma revista publicada pela DC Comics que tem como um de seus principais temas a personagem Batman viajando pelo mundo para utilizar o poder simbólico que ele próprio possui no combate ao crime, agora numa escala global, utilizando-se de uma rede de aliados. Na Argentina, quem o ajuda é o vigilante conhecido como O Gaúcho Diretor e roterista, Nolan tornou-se a referência da DC Comics no cinema após realizar com extremo sucesso a trilogia Batman. Com isso, tornou-se também consultor criativo e produtor executivo do novo filme do Superman, projetado para estrear em 2013, The Man of Steel. Além dos super-heróis, Nolan foi responsável por filmes tidos como cerebrais, como Amnésia (2004) e A Origem (2010). salto transmidiático dos super-heróis entre HQ, cinema e games Um jogo de você Ao tratar da forma de produzir um game de super-heróis, é possível dizer que nos jogos digitais há uma mistura entre a maneira de criar um filme e uma HQ. Em todos os casos, a ideia nasce de um roteiro, que pode ter sido escrito por uma ou mais pessoas. Depois disso, equipes de arte entram em ação para, nas HQs, ilustrar o roteiro e prepará-lo para publicação e consumo. No cinema, são feitos storyboards, roteiros visuais (uma espécie de HQ) para a criação de cenários e referência da direção. Escalam-se os atores, definem-se as locações e toda a máquina de marketing cinematográfico é colocada em movimento. No game, a equipe de arte também é acionada, em combinação com os programadores, modeladores e inicia-se um longo processo de desenvolvimento que, avançando no tempo, contará ainda com jogadores-teste, que vão avaliar a jogabilidade daquela produção. E, assim como no filme ou, às vezes, integrado a ele, no caso das franquias transmídia exemplificadas por Jenkins (2009), a máquina de marketing passa a se movimentar. No caso do game, obviamente é preciso uma equipe maior do que nas revistas em quadrinhos, e o jogo digital é muito mais caro para ser produzido do que uma HQ. Mas, ainda assim, é menor em orçamento do que um filme. Os cenários e personagens do game, por serem gerados computadorizadamente, impõem menores restrições financeiras para sua realização. Dessa forma, é possível afirmar que escritor e desenhista nas HQs, game designer e roteirista nos jogos digitais, gozam de maior liberdade artística e criativa do que suas contrapartes, diretor e roteirista, no cinema. É dessa potência criadora que vão nascer as melhores iniciativas transmidiáticas. Afora isso, as imagens dos games estão muito mais próximas dos quadrinhos do que as do cinema, quando este é feito por atores reais. O caractere do jogo digital, criado a partir de desenhos à mão livre ou digitalmente, é claramente um simulacro do real, enquanto que o cinema precisa se ater à própria estética do ser humano. Ainda que o cinema atual, em especial nas produções relacionadas a super-heróis, usem muito CGI (Computer Generated Imagery), há um fator indissociável de realidade colocado nos filmes. Existe um ator vestido com o uniforme do Capitão América atuando em Vingadores, da mesma forma que outro ator encarna Batman em seu filme. Nesse sentido, o esforço do cinema em fazer o salto transmidiático é muito maior do 81

70 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game que o dos games. Um desenho em outro meio, mesmo utilizando outras tecnologias e estilos, ainda é um desenho. Um homem com uma armadura e capa será sempre um homem. É a narrativa e a competência na execução artística dela que quebrarão a barreira da descrença e farão com que o sujeito tenha vontade de reforçar a fantasia (Murray, 2003). É assim, então, que os games surgem como a transição ideal que foi preparada por décadas pelos quadrinhos de super-heróis. Eles alcançam este feito justamente pelas características narrativas que lhe são próprias. Murray (2003) observa como o conteúdo narrativo dos games costumava ser escasso. O maravilhoso Tetris (1984) de Alexey Pajitnov, Dmitry Pavlovsky e Vadim Gerasimov 51, não possuía uma narrativa intrínseca em si mesmo, ocupava-se com o exercício do jogo lógico que o game propiciava. Com a introdução da perspectiva narratológica no universo dos games, 51 - Pajitnov e Pavlovsky eram engenheiros informáticos no Centro de Computadores da Academia Russa das Ciências e Vadim era aluno dessa instituição. Tetris é considerado, ainda hoje, um dos jogos mais influentes de todos os tempos. Figuras 25, 26 e 27 - O Homem-Morcego em três momentos: HQ - Filme e Game. esse mesmo universo se abre para os efeitos do movimento transmídia. Os games se iniciam com uma fase na qual é possível tomar emprestado temas e estruturas de outros meios, a fim de adquirir mais consistência e organizar-se como uma história aberta, uma aventura capaz de suscitar plena imersão e interação. É nesta direção que Murray nos diz: O desejo ancestral de viver uma fantasia originada num universo ficcional foi intensificado por um meio participativo e 82

71 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game imersivo, que promete satisfazê-lo de um modo mais completo do que jamais foi possível. A atuação do sujeito é item determinante no salto transmidiático HQ cinema game. O jogo digital é interativo, assim como a revista em quadrinhos, e diferente do filme. Ao apreciar uma HQ, o espectador possui uma atuação limitada, porém, decisiva: sem sua ação não há evolução alguma, a narrativa trava e nada acontece. O mesmo se dá no game. Sem o usuário, a tela fica parada, sem atividade alguma. O jogo do super-herói torna-se atrativo e cativante na medida em que dá a potência plena de sentir como a personagem. O compartilhamento torna-se simbiose, um é o outro e todas as ideias e sentimentos estocados no repertório do antes espectador, agora usuário, ganham possibilidade de se realizar no ambiente do jogo. Tudo que ficou guardado a partir da geração imaginativa que completava a ação entre quadros agora pode vir à tona e ser colocado em movimento no jogo. A ação deixa a tela mental e vai para a tela do game. O prazer do espectador é multiplicado quando ele se torna usuário. Acrescenta-se mais uma camada à sua experiência, numa sequência que inicia com a leitura da HQ, vai para a imersão na narrativa, a conexão com as personagens, e se consolidada com o ver, agir, pensar e ser como elas, no game. Murray (2003) explica que a possibilidade de ser transportado para um ambiente virtual desperta o desejo de autonomia no espectador. O interesse no filme e, especialmente, no game do superherói reside aí: essa personagem carregada de significado e simbolismo é representação do Eu, é projeção interna, que no jogo ganha a possibilidade mágica de deixar ser apenas projeção e se tornar ação real. O ambiente digital oferece ao jogador o prazer da transformação. Se, como diz Campbell (1998), a Jornada do Herói é interna e representação do subconsciente lutando para libertar o homem de suas agruras, o jogo do super-herói inverte essa polaridade e dá a possibilidade de encarar os desafios internos porém dentro de um ambiente controlado, no qual derrota e reinício estão à distância de um apertar de botão. O cinema, com sua cada vez maior capacidade técnica de representação do fantástico, também se encaixa a esse processo, contudo, com menor intensidade, por possuir menor grau de intensidade. Já o jogo do super-herói é tão forte que muda inclusive a mídia na qual se originou. Em entrevista para o site Wired 52, o escritor Grant Morrison afirma que quando jogou o game Batman Arkham Asylum (2009) foi a primeira vez em sua vida em que realmente sentiu o que era ser como o Batman. Era muito envolvente. A forma que o jogo e a história de Paul Dini (roteirista do game) foram criados, desen Matéria intitulada Grant Morrison s Batman, Inc. Births Comics First Zen Billionaire disponível em pid=1398&pageid=49214&viewall=true 83

72 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game volvidos e realizados o fazem sentir como se realmente fosse o Batman. Morrison complementa sua visão sobre o game e como isso alterou sua escrita das HQ s da seguinte forma: Online (2011) 53. Nesse jogo, o usuário é As pessoas não querem pagar para assistir um cara qualquer se fazendo passar por qualquer outro quando elas convidado a criar mesmas poderiam estar fazendo isso. Nos games, qualquer um pode ser um super-herói ou um soldado, e a expegem, que pode ser uma nova personariência de jogar não segue regras narrativas estritas. Você herói ou vilão, que segue um esquema pode fazer coisas por sua própria conta e se mover na direção que quiser. Então eu quero seguir esse conceito [em de missões indicando uma narrativa. minha escrita]: nós agora somos heróis e podemos enxergar por seus olhos. não precisa neces- Porém, o jogador sariamente seguir nenhum roteiro que não a sua própria vontade. O que Morrison diz é confirmado nos games do tipo MMORPG (Massive Multiplayer Online Role-Playing Game), jogos de interpretação de personagens para múltiplos usuários online. O próprio universo ficcional do Batman possui um game desse tipo, o DC Universe Grant Morrison Murray (2003) conceitua o que Morrison pontua em sua experiência como o sentido de agência. Trata-se da capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver resultados de nossas decisões e escolhas. A agência é diretamente conectada à navegação no ambiente 53 - Desenvolvido e publicado por Sony Online Entertainment Austin. É interessante que, em uma ação transmídia, o roteiro do jogo gerou uma HQ que durou 26 edições chamada DC Universe Online: Legends. 84

73 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game digital, pois navegar é ter prazer na orientação por pontos de referência, mapear mentalmente um espaço que corresponda à experiência e admirar as justaposições e mudanças de perspectivas resultantes de movimentação por um ambiente complexo. Esse modelo prazeroso de entendimento do jogo é análogo ao de leitura da HQ, um objeto que é, como vimos no Capítulo 1 na definição de McCloud, feito de imagens pictóricas e de outros tipos justapostas em sequência deliberada, com intenção de transmitir informação e/ou produzir uma resposta estética em seu espectador. Os games oferecem um cenário específico para os lugares que o sujeito sonha em visitar (Murray, 2003). Aí reside a base do salto transmidiático: o desejo de continuar a imersão, a vontade de querer vivenciar mais plenamente aqueles universos, algo que é proporcionado pelos games. Esse modelo se encaixa perfeitamente aos jogos digitais de super-heróis, pois essas personagens têm a vantagem de nascer da necessidade do subconsciente, emergem do poço de Figura 28 - Batman e o usuário que o controla preparam-se para o ataque em Batman - Arkham Asylum. 85

74 CAPÍTULO 4 Infinitas Terras: HQ - Filme - Game desejos coletivo da humanidade, em uma releitura dos mitos para a contemporaneidade. A Jornada do Herói de Campbell (1998) encontra ressonância nos padrões de jogo, como indica Murray (2003): Os jogos são ações rituais que nos permitem encenar simbolicamente os padrões que dão sentido às nossas vidas. Assim, configuram-se também como um problema cognitivo (encontrar um caminho no labirinto digital) e um padrão emocional simbólico (enfrentar o que é assustador e desconhecido, enfrentar a si próprio). Quando o espectador migra das páginas da revista para o ambiente do jogo digital é liberado na forma do usuário do jogo que tem a responsabilidade e, certamente também o prazer, de conduzir o super-herói em uma estrutura psicológica de identificação dentro de uma narrativa aberta (Turkle, 1997). Batman - Arkham Asylum (2009) e sua continuação Batman Arkham City (2011) são exemplos perfeitos dessa situação. Esses jogos proporcionam uma sensação de grande poder, de agir significativamente. A isso se soma a projeção mitológica. Somos todos o herói. Jogar o jogo do herói, portanto, possui maior relevância, pois confere ao sujeito o prazer da sensação de agência, que se soma ao significado psicológico de realizar, real e metaforicamente, a busca pelo Eu real o herói dentro de si. A leitura apaixonada conduz ao jogar de forma séria e compenetrada na condução da ampliação da narrativa em limites nunca dantes experimentados. O jogo do super-herói permite a reconciliação do abandonado homem ordinário moderno com os seus deuses do passado. Ao fazer o salto transmidiático, os super-heróis realizam-se plenamente. Nascem nos quadrinhos, mídia com características próprias e que ensina ao sujeito como dominar o fluxo de conteúdo, a ser atuante no processo de aquisição de informação ao controlar o ritmo da narrativa. Saltam para o cinema, onde ganham a força da verossimilhança, da imersão na sala escura com excitação controlada (Murray, 2003). Chegam então aos games, espaço em que o sentido de agência retoma a ação da leitura de quadrinhos (o sujeito atuante), acrescentando a necessidade de tomar decisões que vão gerar reações posteriores. O caminho completo: HQ, filme e game, transforma o sujeito. Ele abre a camisa, desamarra a gravata e se lança ao universo, objetiva e subjetivamente conectado com o maior superherói de todos os tempos: ele mesmo. Figura 29 - De asas abertas para o infinito real e digital, em Batman - Arkham City. 86

75 Considerações finais 87

76 Considerações finais E ste trabalho se dispôs a analisar a relação sempre íntima entre as histórias em quadrinhos e as outras mídias, notadamente o cinema e os jogos digitais, a partir de um gênero narrativo e categoria de personagem: os super-heróis. O caminho metodológico utilizado foi o de separar os diferentes objetos para, posteriormente, encontrar os traços que os conectam. Dessa forma, o início se deu pela busca do conhecimento e análise dos quadrinhos enquanto elemento base do processo. Nesse sentido, foi possível entender que os gibis são uma mídia com linguagem, estética e gramática próprias. No Capítulo 1 foi apresentada a definição de McCloud (1993) que definiu HQs como imagens pictóricas e de outros tipos justapostas em sequência deliberada, com intenção de transmitir informação e/ou produzir uma resposta estética em seu espectador. Dessa definição surge um primeiro ponto de interesse. Chamar quem é comumente denominado leitor de espectador é um avanço no sentido da valorização do sujeito e um primeiro passo na construção da interação dele com o objeto a qual resultará no sentido de agência dos games (Murray, 2003). Além disso, como oportunamente coloca o grande mestre dos gibis, Will Eisner (2008), há nos quadrinhos uma força na direção dos sentimentos mais básicos do espectador, em razão dessa arte devotar-se à representação da realidade por meio de imagens que emulam a experiência do real. A leitura (ou apreciação) dessas imagens exige do espectador o domínio daquela gramática, das regras daquele universo pois não são somente desenhos, mas imagens e palavras colocadas lado a lado em busca de sentido. As HQs unem texto e imagem, separados pelos hemisférios cerebrais e provocam, ainda que sutil e despretensiosamente, o casamento entre razão e emoção. A possibilidade de o espectador enxergar-se naquilo que os quadrinhos apresentam é fundamental para que essa produção mantenha-se relevante e, também, que gere interesse em ter suas narrativas transpostas para outros meios. Essa capacidade das histórias em quadrinhos os torna completamente apaixonantes e imersivos, no sentido em que o espectador mergulha facilmente na narrativa e, em sua mente, entende as HQs como gestalt, algo singular e que vai além de texto e imagem simplesmente juntados. Nos textos que não acompanham imagens, o autor conduz seu leitor, buscando suscitar o imaginário dele na criação de conteúdo imagético. Nos quadrinhos, por outro lado, o desenho está dado e para o espectador fica a tarefa de criar ritmo e imaginar como seriam os maneirismos, as vozes e a linguagem corporal em movimento das personagens. Utilizando-se da síntese, processo em que a mente finaliza algo que lhe foi sugerido, o espectador das HQs atua decisivamente na aquisição das narrativas. 89

77 Considerações finais Além disso, o espectador de gibis tem o poder de avançar, retroceder ou esperar mais tempo em uma cena, ou seja, esse sujeito tem um poder muito maior de ação junto ao objeto incomparavelmente maior do que o espectador de um filme. Porém, em consonância com a capacidade do jogador dos games, que também controla as atividades de seu caractere na tela. Essas são as características estruturais que possibilitam aos quadrinhos ter suas narrativas transpostas tão frequentemente para outros meios. E mesmo o game sendo o destino mais propenso a receber uma narrativa surgida nos gibis (em razão da semelhança entre a ação do sujeito em ambos), o cinema e a TV também se beneficiam, pois o espectador dos quadrinhos já sabe como interpretar imagens sequenciais e sintetizar as narrativas, facilitando seu entendimento. Definida a questão das HQs e sua conexão com as outras mídias, passou-se à busca pelo entendimento dos super-heróis, enquanto gênero de quadrinhos e, principalmente, como tipologia de personagem. Enquanto gênero, algumas regras definem essas narrativas, sendo os principais o Maniqueísmo (Bem e o Mal sempre definidos claramente); o Universo compartilhado (as diferentes personagens convivem em um mesmo continuum espaçotemporal ficional); a Continuidade (acontecimentos de vários anos de narrativa continuam válidos, lembrando uma novela televisiva e seus capítulos), a Cor (desde a primeira revista de super-heróis a colorização existe); o Conflito (há sempre um embate, que pode ser interno ou externo, ocorrendo com as personagens); os Uniformes (os super-heróis utilizam roupas e adereços extravagantes); e o Fantástico (a possibilidade de realizar atos impossíveis na vida real). Evidente que existem narrativas de super-herói sem essas características, mas esses elementos são os definidores desse universo. Já enquanto personagens, os super-heróis nascem da dificuldade vivida por jovens judeus que vivem nos Estados Unidos da década de 1930, os quais se tornam aficionados pela literatura rápida dos pulps de Aventura e da nascente Ficção Científica. Aqueles meninos eram, em sua grande maioria, apartados socialmente, pois não se encaixavam física e intelectualmente aos padrões da época. Resta a eles sonhar com seres maiores do que a vida para buscar sua liberdade. Como visto no Capítulo 2, Joseph Campbell (1998) enxerga que é do sonho que insurge o mito. E assim, os super-heróis configuram-se como mitos modernos, novos deuses prontos para liderar o sujeito rumo a um futuro de completude pessoal e social. As narrativas de super-heróis retomam os mitos clássicos, atuando no que Campbell (1998) classifica como Monomito, uma estrutura primordial que ressoa junto ao homem perdido entre guerras e que garante o interesse do público por esse tipo de história ainda hoje. O herói morre como homem moderno e renasce como homem eterno, para trazer ao nosso meio 90

78 Considerações finais a lição de vida que aprendeu, explica Campbell. As histórias de super-heróis nos quadrinhos somam as características das personagens com as do meio e assim tornam-se bases significativas para a expansão midiática desde seu início. Produções com super-heróis são encontradas no rádio, cinema e, posteriormente, na TV, desde a década de Criados já na cultura de massa, os super -heróis por serem tão fortemente conectados ao mito, transitam no inconsciente coletivo e essa facilidade de reconhecimento assegura o interesse do espectador, tanto o fã quanto aquele que só busca esse conteúdo eventualmente. O fã, aliás, é peça indispensável nesse processo, pois uma vez entendida a linguagem dos quadrinhos e as características dos superheróis, a pesquisa se volta para o transmídia e suas possíveis definições. E a primeira peça desse conjunto é o fã, visto que é ele quem, na moderna indústria do entretenimento, dita as regras do jogo mercadológico. A questão do transmídia é avaliada revisitando o conceito de Narrativa Transmídia, apresentando por Jenkins (2009). Para ele essa transmídia somente ocorre quando há narrativa: uma mesma história sendo contada, de forma fragmentada, em diferentes plataformas midiáticas, em que o espectador (na maioria das vezes, um fã) é instado a buscar os conteúdos a partir do interesse que lhe foi gerado. A proposta aqui apresentada visa avançar nessa visão, demonstrando que independente de haver ou não uma narrativa, o deslocamento dos temas e, principalmente, das personagens, é o que interessa ao fã e que, pela força estrutural (da base vinda das HQs) e mitológica (no caso dos superheróis) vai interessar a massa. Então, é a transposição de uma criação cultural entre as diferentes mídias o foco, seja isso feito narratologicamente ou não. Este é o fenômeno identificado, ao qual se deu o nome de salto transmidiático. Esse salto se mostra como sintoma da Cultura da Convergência dos tempos atuais, ainda que também seja identificado com a necessidade mercadológica dos conglomerados de mídia em expandir suas atividades. Murray (2003) explica, como visto, que existe na contemporaneidade uma crescente necessidade de estimulação e [essa ação] também pode ser percebida como a expressão de uma curiosidade mais ativa ou de um anseio de olhar ao redor por si mesmo e fazer as próprias descobertas. É na união do posicionamento de Murray (2003) com o de Campbell (1998) que reside o entendimento do salto transmidiático enquanto fenômeno da cultura. A primeira diz que Precisamos de todas as formas de expressão disponíveis, para que nos ajudem a compreender quem somos e o que estamos fazendo aqui. E o segundo explica que o mito é fruto do subconsciente que busca se estabelecer no 91

79 Considerações finais mundo. O salto transmidiático é, portanto, uma demonstração desses conceitos em que as forças e estruturas da própria natureza humana se mostram capazes de se deslocar dentro de inúmeras áreas de representação da própria cultura. A importância desse fenômeno recai, entre outras funções, na possibilidade de verificar, em tempo real, o movimento do inconsciente cultural em ação. E, a partir dessas definições, foi possível analisar o ambiente em que o salto transmidiático encontra mais força, o universo plástico e líquido do trinômio HQ-Cinema- Games (Santaella, 2001). A pesquisa aqui apresentada aponta tanto o salto transmidiático quanto o superherói como fenômenos da cultura e, por isso, o primeiro é evolução perfeita para o segundo. O salto transmidiático ressignifica a síntese das HQs, pois se anteriormente o espectador contava somente com a visão para acompanhar as personagens e imaginava como seriam suas vo- zes e movimentos, no cinema e na TV essas condições são trazidas para o primeiro plano. E, nos jogos digitais, sua ação enquanto sujeito é aprofundada ainda mais: se antes era diretor, determinando o ritmo das cenas, nos games torna-se usuário e pode tomar decisões que vão além, e ele não só define os rumos da personagem, mas pode sentir-se como ela. Essa potência é tão grande que faz o salto transmidiático ocorrer não só a partir da HQ na direção do filme e do game. Ao jogar o jogo do Batman, o escritor Grant Morrison relata que teve sua percepção em relação ao personagem alterada, pois se sentiu como o Homem-Morcego. E isso alterou suas produções futuras nos quadrinhos, por ter gerado um entendimento diferente. Esse é o poder do salto transmidiático. Não se trata de, como na narrativa transmídia de Jenkins (2009), dividir uma história em várias plataformas, mas sim de observar a força influenciadora das personagens ao utilizar plenamente as diferentes mídias. O salto transmidiático dos super-heróis, dos gibis para o cinema e então para os games é o exemplo mais bem acabado desse fenômeno, pois contempla todos os elementos necessários para o funcionamento dessa complexa estrutura: uma base sólida e singular (as HQs); personagens relevantes (os super-heróis, que bebem na fonte mitológica e se configuram como deuses modernos) que, por sua vez, geram paixão em parte do público (os fãs). Esses elementos trazem mais interessados nessas produções (a parte comercial do processo) e todos os espectadores ganham a possibilidade de se tornarem usuários nos games, liberando seus heróis pessoais, o Eu real que quer emergir, finalizando e reiniciando o ciclo pois cresce a vontade de vivenciar mais e mais daqueles universos, nas HQs, no cinema, nos bonecos, camisetas, desenhos animados, livros e tudo mais. O salto transmidiático é representação do cerne do homem contemporâneo, pois como coloca Bairon (1998), a interatividade reticular é 92

80 Considerações finais essência do ser. Por isso mesmo, não há a menor pretensão de finalizar sua investigação aqui. Especialmente os aspectos psicológicos da relação entre o sujeito e os diferentes objetos midiáticos se mostram ainda bastantes nebulosos para o pesquisador. Parafraseando a primeira personagem a receber a alcunha de super-herói, o Sombra: quem sabe o que se esconde no coração dos homens? Só nos resta continuar a procurar. 93

81 Bibliografia ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, ANDEREGG, David. Nerds: Who are They and why We Need More of Them. New York, EUA: Penguin, BAIRON, Sérgio. A Rede e o Jogo. In Casi Nada [Web Magazine], 25-26, Julho e Agosto, BAIRON, Sérgio & PETRY, Luís Carlos. Hipermídia: psicanálise e história da cultura. Caxias do Sul: UCS, BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica". In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, DEMO, Pedro. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, ECO, Humberto. Casablanca": Cult Movies and Intertextual Collage. In: SubStance, Vol. 14, No. 2, Issue 47: In Search of Eco's Roses, pp EUA: University of Wisconsin Press, EISNER, Will. Comics & sequential art. New York, EUA: W.W Norton & Company, EISNER, Will. Graphic storytelling & visual narrative. T New York, EUA: W.W Norton & Company, GREENBERG, Robert. The Essential Batman Encyclopedia. New York, EUA: Del Rey Books, GONÇALO Júnior. A Guerra dos Gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, São Paulo: Companhia das Letras, JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, JONES, Gerrard. Men of Tomorrow: geeks, gangsters and the birth of comic book. Cambridge, EUA: Basic Books, 2004 LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. Rio 122

82 de Janeiro: Ed. 34, 1993 MANOVICH, Lev. The Language of New Media. London: MIT Press, MARSHALL, P. David. The New Intertextual Commodity, in Dan Harries (ed.) The New Media Book. Londres: British Film Institute, MENEZES, Lúcia Helena de Paula. Ser adolescente: entrelaçando afetividade, diálogo e grupo cultural de pertencimento. In: Olhares e Trilhas, Revista de ensino da escola de educação básica da universidade federal de Uberlândia, v.4 n.4, McCLOUD, Scott. Making comics: storytelling secrets of comics, manga and graphic novels. New York, EUA: Harper, MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos. Nov. Ed Ampliada. São Paulo: Brasiliense, MORRISON, Grant. Supergods: What masked vigilantes, miraculous mutants, and a Sun God from Smallville can teach us about being human. New York, EUA: Spiegal & Grau, MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, PROPP, Vladmir. Morfologia do Conto Maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, REYNOLDS, Richard. Super Heroes: a modern mythology. Jackson, EUA: University Press of Mississipi, SANTAELLA, Lucia. NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, SANTAELLA, Lucia. Matrizes da Linguagem e Pensamento Sonora, Visual e Verbal. Aplicações na Hípermídia. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, SCOLARI, Carlos Alberto. Transmedia Storytelling: Implicit Consumers, Narrative Worlds, and Branding in Contemporary Media Production. In: International Journal of Communication / ojs/index.php/ijoc/article/%20viewfile/477/336 TRINDADE, Levy. DC e a Era de Ouro. In Coleção DC 75 Anos, n. 1 A Era de Ouro. São Paulo: Panini, TURKLE, Sherry. Life on the Screen: identity in the age of Internet. New York: Simon & Schuster, VIANA, Nildo. Super-Heróis e Inconsciente Coletivo. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM, m VIANA, Nildo. A Era da Aventura no Mundo dos Quadrinhos. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM, Disponível em XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência, 3ª edição. São Paulo: Paz e Terra, WOLK, Douglas. Reading Comics: how graphic novels work and what they mean. Cambridge, EUA: Da Capo Press,

83 Sobre o Pesquisador: Thiago Sanches Costa é graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela PUC-SP, Especialista em Marketing pela FAAP, instituição em que é professor titular dos cursos de especialização em Marketing, lecionando as disciplinas: Gestão da Comunicação de Marketing, Novas Mídias, Ambiente de Negócios e Criatividade e Inovação. Atua ainda como orientador de trabalhos de conclusão de curso. É também sócio fundador da EVCOM - agência de comunicação que trabalha com Assessoria de Imprensa, Geração de Conteúdo, Consultoria de Comunicação e Marketing, Treinamentos e Mídias Sociais. Pode ser encontrado pelo thiago@evcom.com.br 125

84 anexos 95

85 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale SUPER-HERÓIS: QUADRINHOS, TRANSMIDI- ATISMO E GAMES Thiago Sanches Costa ¹ e Luís Carlos Petry ² Resumo Surgidas ao final do século XIX, as Histórias em Quadrinhos (HQs) se consolidaram como uma das expressões artísticas, culturais e midiáticas mais marcantes da metade final do século XX e assim continuam no século XXI. Dentro desse suporte, um gênero se destaca em relação aos outros no sentido de exposição e contato com o público: o de Super-Heróis. Partindo desta situação, analisamos o avanço desta produção cultural que, com o advento do digital, torna -se, em cada vez mais casos, base para as narrativas transmídia e, em especial, sua recepção 1 - Mestrando no TIDD-PUC-SP, Especialista em Administração de Marketing pela FAAP, Bacharel em Jornalismo pela PUC-SP. Docente dos cursos de pós-graduação Lato Sensu em Marketing da FAAP. E- mail: thicosta@gmail.com. Lattes: Pesquisador e professor no TIDD-PUCSP (MD). Criador do Curso Superior de Tecnologia em Jogos Digitais da PUCSP. Filósofo e artista digital. petry@pucsp.br. Site de Pesquisa: nos games. Defendemos uma necessária retomada metodológica do tema a partir de uma racionalidade, que mescla elementos da tradicional pesquisa bibliográfica com o recurso a fontes que se constituem em produtos acabados, os quais expressam a linguagem hipermídia dos games. Ainda que a pesquisa se encontre em desenvolvimento, alguns resultados são mostrados aqui, tais como a incidência de uma estrutura transmídia que percorre, desde o fenômeno das HQs até o universo interativo dos games, na recuperação da tradição mitológica. Nesse sentido, é mister considerar que o fenômeno estudado mostra uma recuperação da tradição histórica, aliada aos estudos das mentalidades, da fenomenologia e da atual pesquisa em games e metaversos. Palavras-chave: games, quadrinhos, super-heróis, transmídia, digital, cultura de massa Introdução As décadas finais do século XX e o início do século XXI foram palco para o desenvolvimento de novas formas de entretenimento, que partem do uso de tecnologias digitais para sua realização. Os games são o exemplo melhor acabado dessa situação e seu avanço constante os transformaram não apenas em mera forma de diversão, mas em elemento de cultura de massa mutante e, ainda mais profundamente, em um poderoso gerador de significados e questionamentos de ordem psicológica e até mesmo filosófica. De outro lado, como elemento de produção cultural de massa, que surge em uma época na qual o digital ainda não era nem mesmo incipiente, estão as Histórias em Quadrinhos (HQs)¹. No modelo pelo qual como são conhecidas atualmente, as HQs têm seu nascimento oficial no ano de 1895, com a publicação de The Yellow Kid, no jornal World, de Nova Iorque, nos Estados Unidos (Moya, 1996, p.18). Nossa visada situa-se na perspectiva do fenômeno da transposição de personagens do universo dos quadrinhos para o universo dos games, no contexto do transmidiatismo, conforme definido por Jenkins (2009) e, especificamente, dentro do gênero de HQs de Super- Heróis. Dessa maneira, serão apresentados os elementos que aproximam e diferenciam os games dos quadrinhos, também chamados carinhosamente de gibis². 97

86 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale Quadrinhos como expressão cultural Essencialmente, o primeiro momento dos quadrinhos, ainda no século XIX, transita pelo humor, pincelado por críticas políticas e sociais, visto que já havia uma tradição anterior de charges, cartuns satíricos e álbuns nos quais eram representadas novelas de costumes sob a forma de desenhos, como na França e na Suíça, por exemplo, com os trabalhos de Rodolphe Töpffer em Porém, o passar do tempo demonstrou que aquele modelo narrativo se prestava não apenas à sátira e humor em geral, mas igualmente era possível a sua expansão para outros gêneros, indicando que este novo meio apresentava, inclusive, características poéticoreflexivas. Já no final da década de 1920 e início de 1930, o gênero Aventura se torna proeminente, preparando o terreno para o nascimento dos super-heróis. Conforme aponta Gubern, citado por Viana (2004): O período que se abre em 1929 e termina com o início da Segunda Guerra Mundial constitui uma idade de ouro para o novo meio de expressão devido em parte à considerável ampliação temática produzida pela introdução da mitologia aventureira, que implicou em uma notável ampliação da esfera dos seus leitores. (Gubern, 1979, p. 96). O transmidiatismo³ (que será explanado mais a frente) começava a dar as caras nessa época, já bebendo da fonte quadrinística 4, auxiliando assim, de maneira dialética, a consolidar os gibis como poderosa produção cultural de massa. Personagens aventurescos, como Tarzan, Dick Tracy e Buck Rogers saltavam das páginas impressas para séries de rádio e cinema, entusiasmando os fãs 5. Somado à este fenômeno, que transpassa os meios, produzindo transformações que levam ao estabelecimento de uma cultura dos quadrinhos, é construída uma história que não pode ser dissociada da própria história da evolução da cultura do século XX, aderindo-se inclusive, aos fenômenos que plasmam a própria decadência do Ocidente (Spengler, 1999). Os Super-Heróis como os Novos Deuses Já em junho de 1938 uma janela espetacular se abre com a publicação da primeira edição da revista Action Comics, que trazia em suas páginas a história de uma criança enviada de um planeta distante e, que possuindo força extraordinária dentre outras capacidades fantásticas, dedica -se a usar seus poderes em favor da humanidade: surgia o primeiro super-herói, o Superman. Com o advento de Superman, um novo gênero nasce os Super-Heróis e com ele todas as possibilidades de expansão transmidiática se multiplicam, em especial pela aceitação diferenciada do público àqueles personagens e sua replicação nas mais diversas estruturas de suas vidas 6. As tiragens das revistas, na época, fornecem o indicativo: a antologia Superman Quartely Magazine iniciou sua publicação em maio de 1939 e em um ano já circulava com ,00 exemplares 7. Nos jornais, a tira diária com o personagem chegava, em 1941, a quarenta países e uma estimativa de 20 milhões de leitores (Moya, 1996, p.133). O mesmo fenômeno de massiva difusão que se sucedeu com os comics nesta época mostra indícios de estar se reproduzindo atualmente com os games. Os Super-Heróis, muito rapidamente, tornam-se quase sinônimos de história em quadrinhos, sensação que se perpetua até hoje. Muito disso se deve às características dos persona- 98

87 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale gens, que reproduzem em grande medida as narrativas folclóricas e mitológicas consolidadas no imaginário popular por meio do continuado exercício da literatura oral e escrita. Conforme aponta Viana (2003), existem elementos que indicam claramente a representação de mitos e estruturas narrativas já consagradas, além de desejos já participantes do inconsciente coletivo, ou seja, inclusivos e acessíveis ao grande público, tais como: O desejo reprimido de liberdade, de ser livre e superar os limites impostos pela sociedade repressiva, encontram no mundo dos super-heróis uma de suas formas de manifestação mais espetaculares. Estes rompem com os limites impostos, combatem a injustiça (embora a idéia de justiça que se passa é mais a ditada pela consciência do que pelo inconsciente), defendem os fracos e oprimidos que são aqueles que continuam submetidos à opressão, etc. Voar, por exemplo, é um símbolo de liberdade, de superação de limites, e muitos super-heróis possuem este poder. Como nos ensina Campbell (1991), é sobre o herói que se vale a pena escrever, pois trata-se de alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo (p.137). Quando o prefixo super é acrescentado à essa definição, certamente encontramos a indicação de que as características de força e super-ação serão ampliadas a termos antes não presenciados. É o fantástico que se apresenta, multiplicando capacidades e possibilidades. O herói possui assim o sentido do super, pela qualidade do sobre, ou seja, a sua superação para além dos limites humanos 8. Ora, é justamente nesse sentido que o superherói consagra o conceito de heroísmo e o amplifica tornando-se, pela via da cultura de massa emergente, o ícone da modernidade, na qual o tempo imaginário que compreende tanto o tempo histórico como o dos quadrinhos e as experiências decorridas dentro deles ganham uma amplitude global. A nosso ver, reside aí a razão para um conceito criado no entre-guerras manter-se de forma indelével no cerne, não só da cultura ocidental (como comprovado pela existência desse tipo de elemento nos mangás, as HQs japonesas, etc.), mas sim de toda cultura de massa do século XX e, ainda continuar depois, no século XXI. Diante dessa conjuntura, o super-herói, o qual possui a força amplificada do herói mítico, pode ser pensado como a representação da busca pela explicação do mundo moderno, da ética exacerbada e da moral ilibada, distante da realidade natural. Sua tarefa consiste em ser a representação do ideal humano pleno e inacabado. Nas palavras de Campbell (1997), tornar o mundo moderno espiritualmente significativo ou (enunciando esse mesmo princípio de forma inversa) o de possibilitar que homens e mulheres alcancem a plena maturidade humana por intermédio das condições da vida contemporânea (p.187). Assim, o novo fenômeno recupera a força da tradição histórica reinventado em estruturas materiais e narrativas que são potencializadas por meio dos recursos técnicos de uma sociedade pós-industrial. O antigo subjaz no coração do novo. Este movimento prepara a estrutura de um novo fenômeno que ultrapassa as fronteiras da comunicação, singrando o interior da tecnologia da cultura como um todo, levando até os seus limites a perspectiva da convergência. Tratase do fenômeno do transmidiatismo. 99

88 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale O fenômeno do transmidiatismo na passagem das estruturas dos quadrinhos-games Uma das formas de se compreender o fenômeno do transmidiatismo é entendê-lo como o fenômeno da ação da transposição de elementos conceituais e estruturais de uma plataforma midiática, seja ela qual for para outra diferente da original 9. Derivado do conceito de convergência, de acordo como Jenkins (2009), o transmidiatismo se mostra como um fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam (p. 29). O transmidiatismo em si se desdobra na relação com as suas narrativas que, nesse caso, recebem a denominação de narrativas transmídia. Ou seja, as diferentes histórias são contadas em mais de um meio, expandindo suas possibilidades e seu público, influenciando e sendo influenciadas pelo ambiente midiático pelo qual transitam. E, registre-se, dentro deste conceito temos a presença de um nomadismo ativo. É importante ressaltar que o transmidiatismo, ainda que seja fenômeno característico da Era Digital da comunicação de massa, não nasce com ela. Uma história que surge em uma mídia e avança sobre outra é algo que remonta à passagem da tradição oral para a escrita, da escrita para a musical, da musical ou da escrita para a imagética e assim por diante. Nesse sentido, são os conteúdos, os temas que se deslocam e que, como forças vivas, produzem efeitos e novas e diversificadas formas de significação nos novos campos (mídias) 10. É deste modo que lemos o trabalho de pesquisa de Jenkins (2009), quando este define a narrativa transmídia como a arte da criação de um universo. Cabe a este universo ficcional ter forças para se desdobrar em diferentes meios e os leitores/ usuários buscarem suas partes únicas pelos meios diversificados e difusos para, assim, alcançar completamente a experiência completa da obra (Manovicth, 2001). A criação desse modelo de comercialização de diferentes pontos de contato recebe a denominação de franquias transmídia. Se um conceito abre um novo campo de investigação, desvelando novas possibilidades para a cultura, alguns conceitos estendem seu domínio e se tornam operacionais, permitindo que outros conceitos sejam articulados e reproduzidos graças a ele. Trata-se aqui do caso do conceito de transmidia que, pela sua existência permite a uma miríade de conceitos e fenômenos antes deixados restritos a meios enclausurados, possam agora respirar em novas paisagens e mundos, revigorando-se discursivamente. Existe um campo ou universo temático que se constitui em um solo fértil para o movimento transmidiático: é o universo plástico e líquido do binômio quadrinhos-games (Santaella, 2001). Quadrinhos e Transmidiatismo: um fenômeno preparatório aos games Uma das mais fortes características transmidiáticas é a de um universo ficcional que se expande continuamente e passa a ser o cenário da ação em diferentes mídias. Este é também um dos elementos mais fortes na constituição das histórias em quadrinhos do gênero superherói. Mais do que um universo, os super-heróis existem em um universo ficcional compartilhado e pertencente às editoras. Assim, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, o veloz Flash e o rei dos mares Aquaman coexistem na DC Comics. Enquanto Homem-Aranha, Capitão América, o selvagem Wolverine e o Incrível Hulk convivem na 100

89 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale dos) os personagens ativos de uma mesma Editora se reúnem inevitavelmente contra um vilão que representa uma ameaça maior do que apenas um deles poderia enfrentar sozinho. Essas reuniões de personagens em uma narrativa compartilhada entre histórias oferecem, não somente uma integração entre os personagens de um mesmo universo, mas também dois outros elementos fundamentais. O primeiro deles é o transito dentre os fãs de diferentes personagens, muitas vezes antes isolados vindo a compor uma realidade de fantasia mais ampliada. O segundo mostra que este movimento transmidiático constrói a estrutura plástica e líquida que será necessária para uma indústria e grupo de produtores independentes que somente virão a existir no final da década de 1990, o grupo dos games 13. Os quadrinhos de super-heróis possuem as características citadas por Jenkins (2009), a partir de conceitos de Eco (1984), de serem um universo completamente guarnecido, para que os fãs possam citar personagens e episódios como se fossem aspectos do sectário universo particular. Na visão dos autores, essa definição aplica-se a filmes ditos Cult. Porém, a longevidade, o estilo e forma dos quadrinhos de super-heróis os aproximam notada- Marvel Comics 11. Mesmo dentro do próprio suporte revista, a expansão apresenta-se de forma contínua. Por exemplo: uma história da personagem Batman começa na revista Batman, continua em Red Robin, estende-se por Detective Comics e Batgirl, tudo no seu mesmo sub-universo. Mas, como se trata de um mesmo universo compartilhado, nada impede que a mesma história continue, por exemplo, em Action Comics revista do sub-universo de Superman. A ação deste movimento de continuidade da narrativa referente à uma personagem é derivada da ação do movimento transmidiático que impulsiona as estruturas e conteúdos da narrativa ligada ao superherói em direção e em diálogo com as narrativas dos demais membros da franquia. Os fãs não somente caminham junto com este movimento, mas interagem com ele produzindo transformações, seja por meio dos fóruns ou do contato direto com os produtores nas seções de correspondência, recentemente reincorporadas às Revistas 12. Além disso, esse mercado de quadrinhos é conhecido pela realização dos chamados crossovers, eventos nos quais todos (ou quase tomente dessa condição. Os quadrinhos surgem como base de franquias transmídia, mesmo sem terem sido pensados, em seu início na década de 1930 dessa forma. São as suas características narrativas que conferem ao meio esse poder transmidiático. As estruturas da fantasia, do escapismo, do jogo de criar empatia com os personagens ao mesmo tempo em que os mesmos possuem uma posição externa e distante - se o Superman pode ser visto como o estranho visitante superpoderoso de outro planeta, nos suscitando os sentimentos de sobre-humano, já Batman, como o órfão milionário, mas sofredor pela perda dos pais nos despertando a empatia e, com físico e intelecto superior, alcançados com o esforço e disciplina, nos servem como modelo para as adversidades -, geram reações no público que os fazem acompanhar de uma forma fiel e constante aquelas histórias, inclusive singrando por outros meios, novos mundos, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum outro fã jamais esteve. 101

90 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale A hora dos Games na perspectiva dos Super- Heróis Os Games surgem como a transição ideal que foi preparada por décadas pelos Quadrinhos de Super-Heróis. Eles alcançam este feito justamente pelas características narrativas que lhe são intrínsecas. Murray (2003) observa como o conteúdo narrativo dos games costumava ser escasso. O maravilhoso Tetris (1984) de Alexey Pajitnov, Dmitry Pavlovsky e Vadim Gerasimov, não possuía uma narrativa intrínseca em si mesmo, ocupava-se com o exercício do jogo lógico que o game propiciava. Com a introdução da perspectiva narratológica no universo dos games, o mesmo universo se abre para os efeitos do movimento transmídia. Os games iniciam uma fase na qual é possível tomar-se emprestado temas e estruturas de outros meios, a fim de adquirir mais consistência e organizar-se como uma história aberta, uma aventura capaz de suscitar plena imersão e interação. É nesta direção que Murray nos diz: O desejo ancestral de viver uma fantasia originada num universo ficcional foi intensificado por um meio participativo e imersivo, que promete satisfazê-lo de um modo mais completo do que jamais foi possível. Aliando essa proposição ao que vimos das características das personagens de histórias em quadrinhos do gênero super-heróis, é possível enxergarmos claramente o caminho que tornam os games que bebem dessa fonte por meio do transmidiatismo interessantes, tanto do ponto de vista acadêmico, bem como do sucesso comercial que alcançam e da estrutura de aprofundamento cultural que propiciam. O préstimo que as histórias em quadrinhos realizavam para a tradição histórica, recuperando os mitos e a cultura Ocidental, hoje é continuado pelos games. Neste sentido, cumpre observar que um fã em geral apresenta-se sempre como um excelente pesquisador e um promissor analista. Resta-lhe a tarefa de fazer o caminho da formação histórica 14. Será no interior dessas questões que encontraremos os conceitos do herói mítico, exacerbados e potencializados na manifestação do super-herói nos quadrinhos. Ele se constitui em uma força motriz que encanta aos fãs, permitindo que estes se projetem vivamente nas personagens, situações e vontades que não podem ser contempladas na vida real. Quando o leitor-fã migra das páginas da Revista para o ambiente do jogo digital, é liberado na forma do usuário do jogo que tem a responsabilidade e, certamente também o prazer, de conduzir o super-herói em uma estrutura psicológica de identificação dentro de uma narrativa aberta (Turkle, 1997). Com esta passagem não se diminui a força dos quadrinhos, mas se a potencializa, isto na medida em que a história em quadrinhos se converte em um aliado e é um elemento complementar ao game. Ao fornecer ao leitor-fã a condição de ser usuário-fã e assumir o controle da personagem que deseja ser dentro de um ambiente fantástico (mesmo quando ainda controlado), a relação se expande potencialmente. Mais do que querer ser o Batman, é possível, efetivamente, ter a vivência de sê-lo durante a vigência do jogo. Para fãs que já possuem uma relação diferenciada com seu objeto de adoração, essa condição é quase mágica, no sentido de dar a eles uma condição fora de seu mundo e situação ditos normais 15. Nesse sentido, os quadrinhos de superheróis estão inseridos no que Wolk (2007) cha- 102

91 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale ma de cultura do colecionador, ou seja, leitores que se satisfazem ao reunir e agrupar ordenadamente as revistas publicadas periodicamente. Estes leitores, quando se convertem em usuários-fãs alcançam construir novas formas de significação para seu universo anterior, resituando-o em novos contextos e sendo permeado pela ação do movimento transmídia. Jenkins (2009) explica que as culturas dos fãs são uma revitalização do processo tradicional, em resposta aos conteúdos da cultura de massas. A fidelidade dos fãs, que buscam tudo que diz respeito aos seus objetos de adoração é o que atrai os grandes conglomerados de mídia para os quadrinhos de super-heróis ou, mais especificamente, aos seus personagens. Ela é uma das portas de entrada para o universo dos games, independentemente da ação e intencionalidade do mercado 16. o ponto de vista do fã, a apropriação das obras disponibilizada pela máquina midiática oferece a ele uma condição superior na comparação com os outros consumidores do mesmo e determinado produto cultural. Esta estrutura funciona da mesma forma para o leitor-fã dos quadrinhos e o usuário-fã dos games. O fã, em geral é um iniciado, alguém que possui um conhecimento diferenciado da massa acerca do objeto de seu desejo. Essa condição é o que lhe permite aceitar melhor as transposições transmidiáticas consideradas por sua comunidade como acertadas e, também, lhe confere certa autoridade para repudiar aquilo que não o convence como coerente com a estrutura dentro da qual ele é um dos especialistas. Esta é a chave e o rito de passagem que permite que ele seja um sujeito de dois mundos: um leitor-fã no mundo dos quadrinhos e, ao mesmo tempo, um usuário-fã no universo dos games. A leitura apaixonada conduz ao jogar de forma séria e compenetrada na condução da ampliação da narrativa em limites nunca dantes experimentados. O jogo do super-herói permite a reconciliação do abandonado homem ordinário moderno com os seus deuses do passado. Se o super-herói se constitui no mito moderno, jogar o jogo do super -herói é o rito da pós-modernidade: jogar, então, é ser com os deuses. Notas 1 - Histórias em Quadrinhos no Brasil, Banda Desenhada em Portugal, Comics em Inglês, Comic em Alemão e Bande dessinée em Francês, são algumas das formas diversificadas de se vernacularizar o mesmo objeto. 2 - Gibi é o modo popular de designação das HQs no Brasil, que foi popularizada pela revista homônima. Tratouse de uma importante referência editorial na área, e que formou uma cultura nacional e a mentalidade de milhares de fãs. Sua divulgação se deu como suplemento do jornal O Globo, lançado em 1939 (Gonçalo Júnior, 2004). 3 - O fenômeno do transmidiatismo pode ser definido como a transposição de elementos de uma plataforma midiática, seja ela qual for, para outra diversa. Como será explicado mais adiante no texto, o transmidiatismo é derivado do conceito de Convergência (Jenkins, 2009), no qual um determinado fluxo de conteúdos atravessa os mais diferentes meios comunicacionais, produzindo efeitos, sentidos e experiências das mais diversas. 4 - Quadrinístico: neologismo não dicionarizado ainda, oriundo da cultura de fãs que designa elementos de uma linguagem própria dos quadrinhos e que afeta outros meios de comunicação, modos de expressão de sujeitos, promovendo estilos de ser e parecer. 5 - Por exemplo: quando o Homem-Aranha é levando às telas de Cinema, o homem ordinário ocidental finalmente 103

92 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale encontra-se reconhecido e contemplado em suas projeções mais íntimas. 6 - O fenômeno se constitui imediatamente em uma estrutura transmidiática em função da ação dos sujeitosfãs. As crianças, adolescentes e adultos, reproduziam suas histórias nas mais diversas formas: desenhos em cadernos, guardanapos, discussões acaloradas e brincadeiras. O Super-Herói em estado nascente substitui os heróis capa-e-espada da noite para o dia. 7 - Atualizando o contexto da distribuição da produção cultural, é necessário apontar que os personagens do gênero Super-Heróis mais conhecidos da massa são controlados por duas editoras que, por sua vez, fazem elas mesmas parte de grandes grupos midiáticos. São elas Marvel Comics (com Capitão América, Homem-Aranha, X- Men, Homem de Ferro, Thor, entre outros), que pertence atualmente à Disney; e DC Comics (proprietária dos direitos autorais sobre Superman, Batman, Mulher Maravilha, Lanterna Verde, Aquaman, entre outros), cuja propriedade é da Warner. O próprio termo Super-Herói, nos EUA, é uma marca registrada compartilhada por ambas editoras. 8 - O conceito de Super-Herói abriga um parentesco com o conceito nietzchiano de Übermench. Do ponto de vista hermenêutico, os americanos em geral optam pela tradução Super-Homem (Superman), entretanto a complexidade da língua portuguesa mostra que o termo filosófico a partir de uma discussão especializada recebeu a tradução de além-do-homem, isto em função de suas propriedades ontológicas que jogam o homem ordinário para além de si mesmo em sua condição extemporânea. Entretanto, devemos ter claro em nossa mente que o homem da massa sempre irá optar por razões óbvias e mundanas pelo termo consagrado dos quadrinhos. Ou seja, o Super-Homem é um super homem. Um exemplo retirado diretamente de uma fonte transmídia pode ser aqui interessante. No primeiro episódio da série Smallville, quando somos apresentados aos personagens, encontramos Clark dirigindo-se para a escola carregando uma pilha de livro e ele, subitamente, esbarra em Lana. Um livro cai de suas mãos. A jovem o recolhe, lê seu título Thus Spoke Zarathustra e diz: Nietzsche? Não sabia que você possuía um lado sombrio, Clark. Ao que ele responde: Não temos todos? Ela replica: E então o que é você: homem ou super homem? Clark responde: Ainda não consegui saber. 9 - Vide nossa nota 03 anterior Um exemplo deste movimento fenomênico pode ser dado pela trajetória da Ilíada. Da tradição oral dos poetas da Grécia antiga, ele se converte em um texto na pena de Homero. Mais recentemente, não referindo os seus passos intermediários, temos o texto de Homero transformado em um roteiro para cinema, um filme realizado, a produção de um álbum em quadrinhos e inúmeros games Vide nossa nota 07 anterior É o caso da contribuição produtiva, já realizada por Geoff Johns, atualmente Chief Creative Officer da DC Comics que, quando criança, enviava cartas para Seção do Leitor com valiosas contribuições Um dos primeiros crossovers que pode ser citado ocorre em 1963, quando a DC Comics lança as duas historias Crisis on Earth-One e Crisis on Earth-Two, as quais reúnem as equipes da Liga da Justiça e da Sociedade da Justiça O conceito de formação histórica é apresentado e discutido por Hans-Georg Gadamer em seu livro Verdade e Método e compreende o conjunto histórico do diálogo que realizou o Ocidente dos gregos até nós Toda uma psicanálise dos games aqui poderia ser estruturada, mostrando que os mesmos podem ser compreendidos como elementos promotores da cultura como assim o foi a literatura. Ainda que tal discussão escape do escopo do presente artigo, faz-se mister indicar que uma leitura colaborativa entre os trabalhos de Turkle, Freud e Lacan, em muito colaborariam neste sentido. É o caso do trabalho de pesquisa de Arlete dos Santos Petry com parte de sua tese de Doutorado O jogo como condição da autoria e da produção do conhecimento: análise e produção em linguagem hipermídia (2010), a qual pode ser acessada pelo link do projeto de pesquisa Ilha Cabu: Interessam aos grandes conglomerados o fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, a cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam (Jenkins, p. 29). 104

93 Artigo publicado GamePad Vol. IV, 2011, Novo Hamburgo - Feevale Bibliografia Bairon, Sérgio & Petry, Luís Carlos. Hipermídia: psicanálise e história da cultura. Caxias do Sul: UCS, Campbell, Joseph. O Herói de mil Faces. 10ª Ed. São Paulo: Pensamento, Campbell, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, Jenkins, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, Gonçalo Júnior. A Guerra dos Gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, São Paulo: Companhia das Letras, Gadamer, Hans-Georg. Verdade e Método, Vol 1 e 2. 10ª Ed. São Paulo: Vozes, Hansen, Marc. New Philosophy for New Media. Massachutsets, EUA: MIT Press, Manovich. Lev. El lenguage de los nuevos medios de comunicaón: la imagen en la era digital. Argentina: Paidós, Moya, Álvaro de. História das Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, Murray, Janet. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: UNESP, Petry. Arlete dos Santos. O jogo como condição da autoria e da produção de conhecimento: análise e produção em linguagem hipermídia. Tese de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Orientação de Lucia Santaella. Old Time Radio html. Recuperado em 17 de Janeiro de Santaella, Lucia. Matrizes da Linguagem e Pensamento Sonora, Visual, Verbal. São Paulo: Iluminuras: Fapesp, Spangler, Oswald. La Decadencia de Occidente 2 vol. Espanha: Espasa Calpe, Trindade, Levy. DC e a Era de Ouro. In Coleção DC 75 Anos, n. 1 A Era de Ouro. São Paulo: Panini, Viana, Nildo. Super-Heróis e Inconsciente Coletivo. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM, Disponível em: Recuperado em 10 de Janeiro de Viana, Nildo. A Era da Aventura no Mundo dos Quadrinhos. Revista Espaço Acadêmico. Maringá: UEM, Disponível em m. Recuperado em 10 de Janeiro de Wolk, Douglas. Reading Comics: how graphic novels work and what they mean. Cambrige, EUA: Da Capo Press,

94 mas nunca vai ser hippie. Nem liberal, em qualquer sentido. Mas enfim, voltemos ao tema nórdico. O ponto crucial na transposição de Thor ao cinema está no fato de que sim, ele é um deus. Como explicar isso para o pessoal puritano dos States? Ainda mais agora que a Marvel é da Disney... xiii... vai complicar. Mas o filme dirigido por Kenneth Branagh resolve isso rapidamente, colocando Thor, Odin, Loki e todos mais como seres de outra dimensão, adorados pelo povo primitivo do passado dos países nórdicos como deuses. Dito isso, caminho aberto para seguir em frente e contar uma ótima história. Atuações ótimas "Thor" teve um budget que pode ser considerado médio, US$ 150 milhões. Comparando, o primeiro "Homem de Ferro" que abriu as portas das telas grandes para a Marvel custou R$ 140 milhões. Já o segundo "Homem de Ferro" teve orçamento de US$ 200 milhões. Qual o imresenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: Um deus de carne e osso Publicada em 04/05/2011 Demonstrando todo seu poderio criativo, a Marvel Studios apresenta ao cinema e por consequência ao público geral, fora da comunidade de fãs o personagem que, teoricamente, seria o mais difícil de fazer essa transição transmidiática: Thor, o Deus do Trovão. Quais os motivos dessa dificuldade? Bem, Thor é um personagem ou, melhor dizendo, um mito (daqueles antigos, clássicos) nórdico. Que é retomado na década de 60 pelo mago dos quadrinhos Stan Lee para ser o Superman da Marvel. Mas o velho e bom Lee não é bobo e nem nada e o faz loiro, cabelos compridos ao vento, com um estilo de fala que soa estranha aos ouvidos da maioria. Ou seja, Thor não é nada mais nada menos do que um hippie (Estamos na década de 60, não se esqueça). Superman hippie. Nada menos do que genial. Porque Superman pode ser qualquer coisa, 106

95 com seu nefasto Loki, interpretado com interessante capacidade. Seus olhares e expressão corporal personificam o Deus da Trapaça em toda sua glória maligna e, quando em cena ao lado do Thor interpretado por Hemsworth, chegam a eclipsá-lo. Porém, um olhar mais delicado sobre o filme demonstra uma intenção do diretor nisso. Thor representa a força da juventude, o poder imenso sem inteligência e tomado pela ingenuidade típica daqueles que não viveram ainda o suficiente para identificarem o que está além do que pode ser visto. Ele é um rei em formação, um processo em anresenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: pacto desses números? Bem, em "Thor" o resultado está em efeitos especiais apenas razoáveis. Fica bem evidente que o dinheiro foi focado nos atores. Anthony Hopkins faz Odin, deus supremo da mitológica Asgard. Natalie Portman faz a mocinha da fita, a Dra. Jane Foster (aliás, cabe aqui uma ressalva interessante. Nos gibis, Jane Foster era uma prosaica enfermeira. Aqui, foi alçada a Doutora em Astrofísica. Sinal dos tempos). O ótimo ator inglês Tom Hiddleston surpreende como Loki e sobra espaço até para a bela veterana Rene Russo, como a rainha e esposa de Odin, Frigga. O interessante é que o papel-título ficou com o jovem e relativamente desconhecido australiano Chris Hemsworth, que oferece a medida certa ao papel. Todos os atores se encaixam bem aos personagens, destaque evidente para Hopkins, que dá o peso necessário ao All-Father Odin, mas sem, no entanto, ofuscar os demais atores e nem sobressair sobre o protagonista. Desse mal se aproxima Tom Hiddleston damento, uma pedra sem lapidação. Já Loki representa o cinismo e o conhecimento distorcido, a inteligência e a sagacidade aplicadas de maneira egoísta e mesquinha. Aqui não há ingenuidade, apenas a esperteza comum aos golpistas e um amadurecimento precoce, advindo da necessidade de subverter a ordem estabelecida. Nesse sentido, a escolha dos atores acaba sendo ainda mais acertada. Hemsworth transparece essa vitalidade de jogador de futebol americano, enquanto Middleston se encaixa mais no perfil de frio e calculista jogador de pôquer. Roteiro simples, mas bem amarrado A premissa de "Thor" é bastante simples. O jovem e arrogante príncipe de Asgard, Thor, iludido por seu irmão invejoso, Loki, toma decisões erradas que complicam a vida de todo o reino. Seu pai, Odin, para ensinar um pouco de humildade ao futuro rei, tira seus poderes e o 107

96 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: manda para Midgard, ou a popular Terra, como a chamamos. Aqui ele conhece a bela Jane e descobre o valor de se doar pelas pessoas. Bem, as nuances shakespereanas não estão aí por acaso (pai, irmão traidor, etc.), senão a direção não seria de Branagh. O tom épico, grandiloquente, fez por outra dá as caras, mas isso ocorre de maneira natural, o que admira, pois a possibilidade de virar uma coleção de canastrices era enorme. Ponto para a escolha acertada dos atores. A simplicidade do roteiro é um bom caminho para apresentar Thor à massa. Fugiu-se as- sim de tentar encaixar alguma aventura das HQs na película e foi possível alcançar um dos grandes méritos do filme: o de gerar empatia no público, por meio da humanização dos personagens. Nos quadrinhos, as melhores aventuras de Thor sempre envolvem outros deuses, passeios pelos reinos dominados por Hela ou Surtur (equivalentes a algum tipo de inferno) e combates de grandeza extrema que são totalmente plausíveis nas HQs, mas cuja transposição de forma mais completa para o cinema exigiria tempo, dinheiro e roteiro que não se enquadram no meio. Para a comunidade de fãs, fica o prazer de ver retratado de forma bastante fiel os Warriors Three (Hogun, Fandral e Volstagg), Heimdall e Lady Sif, apesar de o comportamento politicamente correto dominante em Hollywood ter transformado Hogun em oriental e Heimdall em negro. Pois, lembremos, eles eram mitos nórdicos... todo mundo era loiro de olho azul ali. São detalhes que costumam incomodar os fãs, mas a estrutura da narrativa foi tão cuidadosa, que não soou como desrespeito ou descaso o que mais incomoda aos aficionados. No geral, "Thor" pode ser considerada uma boa adaptação de quadrinhos. Não é ótima como o primeiro "Homem de Ferro" e nem espetacular como os dois "Batman" recentes. Mas é bastante precisa, honesta tanto com o público geral quanto com os fãs, e se integra de uma forma natural e nem um pouco forçada com o universo criado pela Marvel no cinema. Mesmo com os efeitos especiais um tanto quanto simples, "Thor" é uma daquelas aventuras divertidas e que agradam todas as idades, como todo bom blockbuster deve ser. E, mais ainda, como deve ser um filme vindo dos quadrinhos de super-heróis (esses mitos modernos). Maniqueísmo, grandiosidade, ensinamentos morais, amor (claro que esse elemento também estaria presente) e uma dose de humor. Tudo misturado e embrulhado num belo pacote de ação, capas, espadas e, claro, martelo. 108

97 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: cial. É o piloto destemido que recebe dos céus a nasceu num mundo em que o Muro de Berlim missão de ser o protetor do modo de vida tido co- não passa de uma alegoria num livro de Histó- mo correto, justo e ordeiro. Policial pleno daquela ria? A resposta estava mais perto do que po- Lanterna Verde, primeira iniciativa da War- realidade. Qualquer semelhança com o posiciona- ner para combater o sucesso do universo inte- deria se imaginar: dentro do coração do homem mento dos EUA na Guerra Fria não é mera coinci- grado Marvel nos cinemas, foi alvejado cruel- dência. contemporâneo, refém de sua condição fragili- Fazendo o dia ficar mais claro Publicado em 05/09/2011 mente pela crítica tanto a da massa, quanto a dos fãs. Mas será que o filme tem tantos problemas assim? zada e amedrontada face ao novo mundo de O que então faria um personagem como aque- novidades constantes e igualdade plena dos le se tornar relevante para a audiência de hoje, que sexos, continentes, mercados e tudo mais. Um Em primeiro lugar é preciso contextualizar o personagem. O Lanterna Verde como um policial intergalático nasce na década de Ele é um dos primeiros super -heróis a iniciar a chamada Era de Prata dos quadrinhos, ao lado do veloz Flash. Naquele momento, como bem conta Grant Morrison em Supergods (2011), o piloto de teste Hal Jordan, identidade secreta do herói, representa o ideal norte-americano da corrida espa- 109

98 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: mundo pós 11 de setembro, no qual o medo é presença constante. Pelas hábeis mãos do hoje Chief Creative Officer (algo como chefe criativo ) do Universo DC, o então apenas escritor Geoff Johns, os Lanternas Verdes se configuraram como a representação da Força de Vontade, acompanhados agora por uma miríade de cores, cada uma indicando um sentimento ou condição humana. No filme, temos apenas o encontro com o Amarelo do Medo e o próprio Verde. Mas os quadrinhos nos apresentam ainda o Vermelho da Ira, o Azul da Esperança, o Índigo da Compaixão, o Laranja da Ganância, o Violeta do Amor, além do Negro da Morte e o Branco da Vida. Se todas essas cores serão vistas nos próximos filmes, só tempo dirá. Fato é que Hal Jordan passa a ser o homem destemido, que consegue moldar a realidade a partir de sua vontade. Desejo interno de qualquer um. As críticas mais pesadas acusaram o filme de ter vilões fracos, a saber: o telepata Hector Hammond e a entidade do medo, Parallax. Mas haveria algo maior para ser enfrentado do que o medo em si? Talvez a representação imagética de Parallax não tenha sido a melhor possível. Ele, basicamente, é uma nuvem com rosto e tentáculos. Nos quadrinhos é um ser de aspecto reptiliano. Talvez funcionasse melhor na tela do que a tal nuvem, mas o que estava em jogo era o conceito, o ideal de superar o medo. Ou, como o filme bem coloca, de aceitar que ele existe para então ser capaz de suplantá-lo. Em termos cinematográficos, os efeitos oscilam demais. A arte conceitual do planeta-sede da Tropa dos Lanternas Verdes, Oa, é magnífica. E funciona ainda melhor em 3D. Os personagens criados por computador para fazer parte da Tropa também são bons. Mas algumas cenas de batalha espacial deixaram a desejar. O maior problema, no entanto, não é esse. A questão é que o roteiro de Lanterna Verde fica no meio do caminho entre ser uma ópera galáctica, nos moldes de Star Wars e uma fita de superherói mais tradicional, como o recente (e excelente) X-Men First Class. Entre tentar aproximar o público com cenas passadas na Terra ao invés de investir mais em aprofundar os conflitos internos de Hal Jordan, um homem atormentado pela lembrança da morte de seu pai e pela vontade de realizar aquilo que ele deixou por fazer, o filme perde a oportunidade de gerar ainda mais empatia junto à audiência. Mas isso não faz com que seja um filme ruim. Longe disso. É divertido e interessante, com atuações bastante equilibradas. Ryan Reynolds, que faz o papel-título era um dos grandes temores da comunidade de fãs. Conhecido por papéis engraçadinhos, na pele de Hal consegue transparecer a impetuosidade característica do personagem, conferindo ainda uma certa graça a todo o processo. Evidente que 110

99 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: não se trata de um ator da categoria de Robert Downey Jr e seu Homem de Ferro. Mas é superior ao Thor de Chris Hemsworth e ao Capitão América de Chris Evans. Já a mocinha vivida por Blake Lively, adorada pelas adolescentes por sua Serena de Gossip Girl, convence como a forte Carol Ferris, dublê de piloto e executiva. Mas o grande destaque do elenco vai para os antagonistas. O Sinestro de Mark Strong é duro, viceral, um representante da ordem pronto para buscar o domínio completo. A todo momento já se vê o futuro líder da tropa que leva seu nome e que espalhará o medo pela galáxia. Já o Hector Hammond de Peter Sasgaard tem um olhar triste, sofrido. Um outcast completo, que busca na ciência a chance de sobressair de alguma maneira. Se a medida de um herói é dada pelo tamanho de seus opositores, o Lanterna Verde já consegue se posicionar bem. Mas, pelo que indica o filme, ficará ainda melhor quando tiver Sinestro como seu principal opositor. Lanterna Verde é melhor do que a maioria das críticas pintou. Para os fãs, não há muito que reclamar, pois a fidelidade ao material original é enorme. Mas se a DC (e a Warner, sua proprietária) querem criar um universo capaz de rivalizar com a Marvel e seus Vingadores vindouros, é preciso trabalhar um pouco melhor. Independente disso, a grande virtude do filme é ser puramente divertido. Sem a densidade de Batman - The Dark Knight. Lanterna Verde é aquele filme que faz as crianças quererem colocar anéis nos dedos e enfrentar o escuro de seus quartos. Num mundo como o nosso, isso já faz o dia brilhar muito mais claro. 111

100 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: Homens de Honra: a máfia ataca os quadrinhos Publicada em 16/11/2011 Que as HQs são meios capazes de contar qualquer tipo de história já não é novidade alguma. Mas seria possível alcançar o nível de envolvimento e profundidade que alguns gêneros - como o policial, por exemplo, pedem? Homens de Honra, lançamento da Panda Books (em sua primeira empreitada no mundo dos Quadrinhos) demonstra que sim e com a qualidade mantida em alto nível. É interessante ver como o mercado nacional de HQs está cada vez se abrindo mais e permitindo a publicação de uma obra como essa. Os autores brasileiros dificilmente se aventuram pelos thrillers. Parece haver uma preferência geral por dramas, psicodelias sensíveis e comédias. Vez ou outra alguma aventura e os super-heróis de sempre produzidos pelos brazu- cas, mas publicados pelas grandes editoras lá de fora. A pergunta do primeiro parágrafo deste texto é uma provocação barata. É claro que uma boa narrativa policial pode ser escrita nos quadrinhos. Ed Brubaker, acompanhado de Greg Rucka, demonstrou isso na excepcional série Gotham Central, em que fazia os policiais da cidade quiróptera se transformarem em estrelas dignas de um CSI ou de um Law & Order, às vezes até melhor do que nos acostumamos a ver na TV. Ele ainda fez os ótimos trabalhos autorais no gênero, com Criminal e Incognito. O já transmidiático Sin City nada mais é do que uma grande - e excelente - história policial, com todas as nuances e clichês que o gênero pede. A arte de Frank Miller dá o ritmo certo para o leitor acompanhar as desventuras de desajustados na mais desajustada ainda Basin City. É justamente Sin City a inspiração maior para este Homens de Honra (para ficarmos nas HQs, pois as referências à trilogia cinematográfica d' O Poderoso Chefão são absolutamente constantes). A graphic novel conta a história de Lo- 112

101 mode o desenrolar da ação, mas é algo a ser trabalhado em obras futuras. Homens de Honra tem a dose certa de ódio, poder, vingança, corrupção, traição e morte. E ainda presenteia o leitor com um final inesperado e impactante. A obra tem um imenso potencial transmidático, ao passar por suas páginas - que têm um intenso ritmo cinematográfico - é quase possível ver movimento nas imagens e ouvir uma trilha de Nino Rota interligando toda a ação. Com toda essa qualidade, cabe ainda ressaltar o desenvolvimento do projeto, como ele veio a ser o livro que hoje está à disposição nas livrarias. O autor Wagner Patti dedicou-se a colocar o livro de pé. Escreveu o roteiro, pediu opiniões, pesquisou, enfim, trabalhou. Encontrou em Edson Leal alguém disposto a levar a ideia a frente e, com o trabalho pronto, puseram-se a fazer contatos, buscar possibilidades e foram premiados com a publicação pela Panda Books. A lição que eles ensinam é de que quando há qualidade e trabalho, o mercado tem toresenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: renzo Galantuomo, um homem atormentado por guardar um antigo segredo que poderá mudar para sempre o destino da máfia italiana mais famosa do mundo, a Cosa Nostra. Colocando o cenário dessa forma, pode parecer que teremos uma ação vertiginosa pelas paisagens da Sicília, mas a escrita hábil do autor Wagner Patti consegue costurar o Brasil nesse processo de uma maneira inteligente e que cria uma interessante conexão com os leitores. O parceiro de Patti no crime é Edson Leal, que chama atenção pelo layout esperto, uma montagem de páginas de grande sensibilidade e um uso da "câmera" muitas vezes surpreendente. Closes e super closes são feitos para gerar impactos na medida certa. Também chama atenção seu trabalho com as expressões faciais dos personagens. Talvez por se dedicar tanto a esses aspectos, seus backgrounds não sejam os mais desenvolvidos possíveis. Nada que incotal possibilidade de absorver as produções nacionais. E se as editoras investem, é porque existem leitores. Leitores que agora podem conhecer, em vermelho pleno, o interior sangrento de uma tradicional famiglia mafiosa. Livro: Homem de honra Autores: Wagner Patti e Edson Leal Formato: 21 x 28cm Páginas:

102 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: O jogo de emoções dos Novos Titãs Publicado em 08/01/2012 Eu leio gibis há mais tempo do que seria saudável. Aliás, se euleio, é porque leio gibis. Foi por meio deles e por causa deles que aprendi a ler, lá bem atrás, quando tinha apenas três anos. A fascinação que os heróis brilhantes do papel me causavam (e ainda causam) era tamanha que me impelia ferozmente àqueles caderninhos de papel... Desde aquele começo tenho um personagem favorito, que continua sendo meu favorito até hoje (a ponto de eu trazê-lo marcado no meu corpo), que é o Superman. Mas no meu coração sempre houve e continua havendo um local todo especial para os Novos Titãs. Aquele grupo de heróis jovens, liderados por um Robin crescido, que havia aprendido tudo com o Batman e ido além... Havia algo de muito especial neles. Os Titãs eram diferentes de qualquer outro agrupamento de heróis. A Liga da Justiça era como um organizado time de funcionários numa empresa. Adultos que tinham uma tarefa a cumprir e a cumpriam muito bem. Os Vingadores, na sempre evoluída Marvel, tinham um certo lance familiar, afinal de contas o Visão (um robô!) era casado com a Feiticeira Escarlate. Mas ainda assim eles eram adultos, comandados fortemente por um soldado ideal, o Capitão América. Mas os Titãs... ah, os Titãs. Eles eram como os Goonies ou os garotos de Conta Comigo. Eram jovens quase reais. Se o Superman representava o modo correto de fazer as coisas, um pai que ensina pelo exemplo e sempre acerta, os Titãs erravam, se perdiam, se divertiam. Eram os amigos que todo garoto queria ter. E, melhor de tudo: que todos os leitores efetivamente tinham. Cena de Games (2011), com Asa Noturna em primeiro plano. 114

103 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: Nas histórias extraordinariamente ilustradas por George Pérez e escritas com rara inspiração por Marv Wolfman era possível sentir as dores do crescimento de um Robin que não queria mais seguir o que seu pai morcego dizia. De um Kid Flash disposto a por de lado a vida de herói, seu sonho de criança, para entrar na faculdade e tentar ser normal. Depois, um promissor atleta que perde partes do corpo num acidente e se torna algo diferente, um Cyborg pleno. Além de um menino órfão de pele verde, uma princesa ex-escrava espacial e uma feiticeira filha de um demônio. Metáforas, metáforas e mais metáforas. Eram as vidas dos leitores que estavam ali, transfiguradas pela fantasia, que de forma alguma minimizava aqueles sentimentos. Era, por outro lado, algo que apenas servia para ressaltar a verossimilhança, tornando a conexão com os leitores ainda mais forte. As histórias daquela época dos Titãs, nos anos 1980, eram muito envolventes, diferentes de tudo que havia na DC (e até na Marvel, apesar dos X-Men de Claremont e Byrne) da época. Ainda me lembro muito bem do medo que senti do vampiro Irmão Sangue e seus acólitos; da traição doída que Logan, conhecido como Mutano, sofreu da menina chamada Terra, que enganou os Titãs e os entregou ao pior inimigo deles, o Exterminador, no Contrato de Judas. Ou do terror da possessão demoníaca de Trigon, o pai de Ravena. Havia todo o esquema heroico, mas também vários outros elementos, que enriqueciam ainda mais a narrativa. Havia uma tensão sexual no ar. Wally West, o Kid Flash, era apaixonado pela problemática Ravena. Robin (que logo se tornou Asa Noturna) era namorado de Estelar e não passavam duas edições em que não houvesse pelo menos um quadrinho dos dois saindo da cama juntos. Mas sem forçar nada. Era algo simples, natural como a vida aqui fora. Mas, além disso, as relações entre os membros do grupo eram muito bem elaboradas. Mesmo sendo um líder nato, um futuro Batman, Dick Grayson era sempre questionado, especialmente por Donna Troy, a Moça-Maravilha, com toda sua sabedoria clássica. Os Novos Titãs marcaram época e deixaram saudade. Aquela fase maravilhosa foi se perdendo ao longo da terrível (para os quadrinhos de super-heróis) década de Somente nos anos 2000, quando um leitor daquelas histórias se tornou ele próprio escritor, Geoff Johns, que uma poeira daquele tempo se espalhou levemente, com os mesmos Cyborg, Estelar e Ravena acompanhados agora de novos Robin, Moça-Maravilha e Kid Flash, além de Superboy. Mas não era a mesma coisa. O mundo mudou, em vários sentidos ficou mais chato e careta, e sexo e possessão demoníaca não aparecem mais tão livremente num gibi como antes. A pegada se perdeu. Games Porém, uma boa surpresa surgiu em Uma história perdida, uma última aventura 115

104 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: dos Titãs de Wolfman e Pérez: a lendária gra- dele ainda mais precisa e bela. Para esta edição, entes queridos dos Titãs, obrigando-os a par- phic novel Games. o desenhista e Wolfman repensaram as cenas, ticipar de um jogo perigoso e mortal, em que atualizaram os conceitos e, livres das travas da estão na mesa incontáveis vidas. Desde mais ou menos 1988 que os fãs ouviam falar de Games. Vez ou outra a saudosa revista especializada Wizard trazia al- continuidade, puderam avançar e criar uma narrativa densa, de forte carga emocional. Diferente do que habitualmente vemos em histórias de super-heróis, as consequên- guma arte. Depois, a internet foi povoada de Na história, um vilão novo e desconhecido cias em Games são graves, intensas. Há teorias conspiratórias sobre os motivos que ameaça a cidade de Nova Iorque, e também os mortes e outras perdas para os personagens, impediam a publicação da revista. Diziam as que se veem colocados em situações nunca lendas que Games era muito pesada, som- vistas antes. bria, mexia demais com os personagens e causaria polêmica caso fosse publicada. Não há como saber se a publicação original, lá em 1988, teria o mesmo impacto, visto Mas a verdade era mais simples. Agora que havia sido pensada para se encaixar na que foi publicada, Marv Wolfman conta na in- continuidade da revista mensal. O que se vê trodução que sofreu um bloqueio criativo logo na publicação atual é algo que muda o status no meio do processo, que foi retomado anos quo do grupo de jovens heróis de maneira de- mais tarde, mas aí decisões editoriais acaba- cisiva. ram travando o andamento, que somente em 2011 foi retomado. E ao ver a obra pronta só é possível dizer que valeu a pena esperar. Games é o canto do cisne da inspirada dupla Wolfman e Pérez nos Titãs. É uma homenagem perfeita ao trabalho dos dois e um Games foi desenhada por Pérez em painéis maiores, o que deixou a arte detalhada Ravena e Cyborg conversam em Games (2011) 116

105 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: presente aos fãs, que por tanto tempo acom- Ali temos um dos aspectos mais sensíveis os personagens naquele estado clássico e panharam as aventuras daquela turma de ga- da magia das HQs atuando plenamente: o tempo que consegue, com isso, despertando a me- rotos vivendo suas vidas de maneira tão pare- congelado, que mesmo 20 anos depois, conserva mória dos leitores, transportando-os pelo cida com as nossas, ao tempo no folhear das páginas e resga- mesmo tempo em que sal- tando sentimentos de outrora. vam o mundo de terríveis Mas acima de toda a carga senti- ameaças. mental, Games é um senhor trabalho Ler Games é como em forma de quadrinhos. Uma lição pa- encontrar um álbum de ra os criadores de hoje: estrutura nar- fotografias de rativa, construção de personagens, alguma viagem da época arte espetacular, tudo. Completados de colégio, relembrando o pela cereja do bolo, a lembrança de que passou e ao mesmo tempos em que tudo que um garoto tempo conhecendo algo leitor de gibis precisava era de amigos novo. Uma obra de quali- como ele. Como aqueles Novos Titãs. perdido dade inquestionável e que ganhou um acabamento digno, com cores especiais e capa dura, além de ex- Arte completa da capa de Games (2011) tras como a proposta inicial da história para os editores. 117

106 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: "Os Vingadores": uma declaração de amor nerd Publicada em 29/04/2012 O ano era 1978 e os cartazes nas portas dos cinemas diziam: Você vai acreditar que um homem pode voar. Chegava às telas Superman O Filme, um clássico que dá a partida no uso dos super-heróis na moderna indústria do entretenimento. Essa utilização, esse salto transmidiático, chega ao seu ápice 34 anos depois, com a estreia de The Avengers Os Vingadores. Se antes era possível acreditar que um homem voava, agora se tem a certeza de que os heróis estão entre nós. Vingadores é a culminação de anos de expectativa, criada desde a cena pós-créditos de Homem de Ferro, onde o Nick Fury de Samuel L. Jackson fala sobre uma Iniciativa Vingadores. Ali os fãs já se descontrolaram, esperando o que seria feito. Vieram então O Incrível Hulk, Homem de Ferro 2, Thor e Capitão América, formando de maneira inédita na história cinematográfica um universo ficcional compartilhado que se consolida plena e absolutamente no filme escrito e dirigido por Joss Whedon. Whedon é um velho conhecido do mundo nerd. Responsável pela série Buffy, além de Firefly e Serenity, este novaiorquino de 47 anos já escreveu uma das revistas dos X-Men e ganhou o Oscar pelo roteiro do primeiro Toy Story. E foi a junção de todos esses trabalhos anteriores que o credenciou para prestar a maior homenagem aos fãs (como ele próprio) jamais imaginada. Capa de primeira edição da revista Avengers (1963) Ninguém que não fosse um fã verdadeiro, realmente apaixonado pelos super-heróis, conseguiria fazer um filme tão respeitoso às dezenas de anos de histórias em quadrinhos dos Vingadores, mas que é, ao mesmo tempo, interessante e divertido para quem não é fã. Sem se prender às minúcias que fazem a glória dos fanáticos, Whedon constrói um filme que, acima de tudo, funciona. E o mais interessante é que, para isso, o diretor e roterista bebe da fonte original. Seu filme é, sem medo de parecer exagerado, a melhor transposição de uma narrativa já apresentada nos quadrinhos para o cinema. Assim como na história original de Stan Lee e Jack The King Kirby, no filme os heróis se unem para combater Loki, o irmão de Thor. Porém, na versão cinematográfica, o Deus da Trapaça está em conluio com uma raça de conquistadores intergaláticos, o que aumenta significantemente o tamanho de sua ameaça. Uma das grandes vitórias de Vingadores (e são tantas...), é conseguir atualizar uma história de 1963, época em que a Marvel estava surgindo com uma nova visão so- 118

107 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: bre os super-heróis, mas que ainda apresentava roteiros simplistas, nos quais as motivações eram básicas: machucar o inimigo e fazê-lo sofrer para depois, claro, dominar o mundo. Por quê?, pode perguntar o espectador mais incauto. Ora, porque sim! Heróis são bons, vilões são maus e eles brigam entre si. É tudo que se precisa saber. No filme, a narrativa segue mais ou menos essa estrutura. As resoluções de problemas são rápidas, diretas, não há grandes mistérios e nem grandes descobertas. Mas os diálogos são tão bem amarrados e bem-humorados, que conduzem o espectador naturalmente pela trama. Falando em cinema de maneira mais ampla e comparando com outra produção com superherói, Batman O Cavaleiro das Trevas ainda é um filme muito superior. Mas ali, o foco é diferente. Christopher Nolan almeja mais da sua produção, ele quer examinar a essência da alma humana, o quão fundo pode cair um homem e Mark Ruffalo e Robert Downey Jr. Hulk e Homem de Ferro no filme dos Vingadores. como ele reagirá durante esse processo. Joss Whedon deseja apenas nos dar a diversão honesta e espetacular que recebemos dos clássicos de aventura oitentistas como Indiana Jones e Goonies. Outra virtude de Vingadores que merece destaque é que todos os heróis têm seu tempo de tela, sua importância. Depois da atuação espetacular dos dois Homem de Ferro, era fácil pensar que Robert Downey Jr. roubaria todas as cenas de que participasse. É evidente que ele se destaca, mas não a ponto de ofuscar os demais. Chama atenção especialmente a interação com o Bruce Banner/Hulk de Mark Ruffalo e com o Steve Rogers/Capitão América de Chris Evans. Ruffalo é o novato nesse processo, pois no filme O Incrível Hulk, o personagem título era interpretado por Edward Norton. Sobre isso, ao assistir Vingadores, ficam duas certezas: Mark Ruffalo foi um upgrade e o próximo filme de Joss Whedon deveria ser um solo do Hulk. O grande monstro verde tem as cenas mais divertidas, as melhores sacadas do filme. E Mark Rufallo constrói um Bruce Banner denso, a todo o momento seu olhar demonstra que há algo pronto a explodir e esmagar, ainda que disposto a ajudar. Chris Evans, por sua vez, surpreende. Ator conhecido por comédias adolescentes (e também pelos sofríveis filmes do Quarteto Fantástico) compõe com sobriedade o mais difícil dos personagens do filme, o Capitão América. Entre 119

108 resenhas Resenhas publicadas no blog do pesquisador: Clark Gregg como o Agente Coulson os heróis Marvel, o bandeiroso é o mais DC deles. Isso quer dizer que se trata de um herói reto, certinho, altruísta e, de certa forma, antiquado. Em um mundo cético e complexo como o atual, interpretar alguém que acredita nas pessoas e que é bom e honesto simplesmente porque pensa que isso é o certo, sem nenhuma outra motivação, pode ser difícil. Evans, porém, consegue encarnar o aspecto inspiracional do Capitão América, o lado deste herói que faz com ele seja a referência, o comandante desses Vingadores e coloca-se quase em igualdade com o grande Downey Jr. Além de Homem de Ferro, Capitão América e Hulk, os Vingadores contam ainda com Thor mais uma vez feito de maneira competente por Chris Hensworth, com o Gavião Arqueiro, interpretado por Jeremy Renner, e com a Viúva Negra da bela Scarlett Johansson. Todos acompanhados pelo Nick Fury de Samuel L. Jackson, sua assistente Maria Hill (trazida à vida pela beldade Cobie Smulders) e, principalmente, pelo Agente Coulson de Clark Gregg. Coulson é o catalisador do processo, é dele o plot point do segundo ato, que leva ao clímax da parte do final do filme. Mas, acima de tudo, o Agente Coulson, como bem mostra o filme, é um nerd. E assim, ele torna-se metáfora de todos os fãs nerds que acompanham os super-heróis desde o advento desta categoria de personagem, no final dos anos Se os Vingadores de fato vingam alguém, são os fãs esse povo que por anos foi marginalizado e tido como apreciador de uma cultura mais baixa e menor, mas que hoje se confirma como o maior gerador de receita da indústria cinematográfica. Algopop, no melhor sentido do termo. Como bem comprova The Big Bang Theory, ser nerd está na moda. E o Agente Coulson certamente teria muito a conversar com Sheldon Cooper. Com Os Vingadores, os nerds consolidam seu reinado na contemporaneidade, pois são eles a vanguarda do movimento que eleva os super-heróis à condição mitológica, demonstrada pela relevância desses seres fantásticos no cotidiano do homem comum, como representação do desejo de liberdade das amarras da vida mundana e da busca humana constante por salvadores. Os Vingadores é o cinema de ação, a sessão da tarde, a alegria e o prazer da experiência audiovisual que transforma todos em crianças. É diversão cristalizada em pouco mais de duas horas de absoluta orgia visual. Para quem não cresceu envolvido com o gênero dos Super-Heróis, é um ótimo filme. Para quem é fã, é uma declaração de amor. 120

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