14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RJ APELAÇÃO CÍVEL PROCESSO Nº

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1 14ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RJ APELAÇÃO CÍVEL PROCESSO Nº APELANTE: BANCO ITAUCARD S/A APELADO: DEBORAH SILVA FERREIRA RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES APELAÇÃO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CON- TAS. CARTÃO DE CRÉDITO. INTERESSE DE AGIR. 1. A ação de prestação de contas encontra-se disciplinada no Código de Processo Civil, artigos 914 a 919. Trata-se de um procedimento bifásico. O caso em tela abrange a primeira etapa, na qual será aferida se as contas são devidas, tendo seu termo final com a prolação de uma sentença condenatória que impõe a obrigação de prestar as exigidas contas. 2. Presente o interesse de agir daquele que tem o direito de exigir as contas, na forma do artigo 914, I, do CPC. Omissão do recorrente quanto à evolução do débito imputado à autora. Precedentes do STJ. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte é no sentido de que nas relações existentes entre o titular do cartão de crédito e a instituição financeira é cabível a ação de prestação de contas, mesmo diante da remessa de extratos, que servem apenas para simples conferência. 4. Apelo que não segue. Trata-se de ação de prestação de contas movida por DEBORAH SILVA FERREIRA contra BANCO ITAUCARD S/A, sob o argumento de ser titular do cartão Itaucard Universitário nº , administrado pela ré. Aduziu que em meados do ano de 2008 efetuou o pagamento no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) referente à fatura que lhe fora enviada, mas, ao receber a fatura do mês seguinte, percebeu que o valor pago foi absorvido para a quitação de encargos, sendo que a dívida foi abatida em valor ínfimo.

2 2 Afirmou que embora tenha solicitado esclarecimentos acerca do ocorrido, o banco réu ateve-se a lhe enviar proposta de quitação. Antecipação dos efeitos da tutela a fls. 55, determinando a exclusão do nome da autora dos cadastros de restrição ao crédito. O Juízo a quo, em sentença de folhas 92-95, confirmou os efeitos da tutela antecipada e condenou o réu a prestar contas concernentes à evolução do débito decorrente da utilização do cartão de crédito nº , durante todo o período de relação contratual, sob forma mercantil, no prazo de 48 horas, na forma do artigo 915, 2º, do CPC. Condenou, ainda, a demandada ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais). Irresignado, e réu apelou, às folhas , e pediu a reforma da sentença, ao argumento de ausência de interesse de agir, uma vez que remeteu à autora, mensalmente, todas as faturas para sua conferência. Arguiu, ainda, que a autora não indica os pontos de divergência sobre a contabilidade do cartão de crédito de sua titularidade, não sendo a ação de prestação de contas a via adequada. a sentença. Contrarrazões ofertadas às folhas , prestigiando RELATADOS. DECIDE-SE. Conhece-se o recurso, pois tempestivo, com custas recolhidas a folhas 105, presentes os demais requisitos de admissibilidade. Ab initio, necessário que se teça alguns comentários sobre a espécie de demanda em apreço. A ação de prestação de contas encontra-se disciplinada no Código de Processo Civil, artigos 914 a 919. Transcreve-se o conceito de prestação de contas formulado por Adroaldo Furtado Fabrício:

3 3 prestação de contas significa fazer alguém a outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes de débito e crédito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração aritmética do saldo credor ou devedor, ou de sua inexistência 1 Nos moldes do CPC, o procedimento é bifásico e o caso em tela abrange a primeira etapa, na qual será aferida se as contas são devidas, tendo seu termo final com a prolação de uma sentença condenatória que impõe a obrigação de prestar as contas exigidas. Sustentou a apelante carência da ação pela ausência de um dos requisitos para o regular exercício do direito de ação, na vertente interesse de agir. Argumentou, para tanto, que enviou os extratos e documentos solicitados nesta demanda. Ora, não se olvide que o interesse de agir se consubstancia na necessidade de o autor vir a juízo e na utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar. 2 Presente, in casu, o interesse de agir daquele que tem o direito de exigir as contas, na forma do artigo 914, I, do CPC, tendo o recorrente se omitido quanto à evolução do débito imputado à autora. E, neste diapasão, colhe-se do voto do Ministro Relator do REsp / MS, acima colacionado que, ao citar Humberto Theodoro Júnior, assim esclarece quanto ao interesse de agir na a- ção de prestação de contas, veja-se: Inclusive é direito do mandante, ainda que tenha noção do saldo das contas, em não havendo a correspondente prestação, em compelir o mandatário a apresentá-las. A respeito, a lição de Humberto Theodoro Júnior: "Na estrutura de nosso direito positivo, a iniciativa do procedimento de prestação de contas, como já restou demonstrado, compete indiferentemente tanto ao que tem a obrigação 1 Fabrício, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. 6ª edição. Vol. III, tomo III. Rio de Janeiro: Forense, NERY, Nelson; Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 10ª edição revista, atualizada e ampliada até 1º de outubro de São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p 167.

4 de dá-las como ao que tem o direito de exigi-las (CPC, art. 914). O autor, por isso, pode vir a juízo, seja para exibir as contas e pedir sua aprovação por sentença, seja para compelir o réu a apresentá-las e sujeitá-las à deliberação judicial. Esse caráter dúplice da ação faz com que não seja importante a distinção entre a legitimação ativa e passiva, desde que qualquer dos sujeitos da relação jurídica material, geradora da obrigação de prestar contas, pode indistintamente ocupar o pólo ativo ou passivo da relação processual tendente ao acertamento delas. O importante é, na espécie, a indagação, no que concerne aos termos da relação material, da existência efetiva do poder daquele que se diz credor das contas de sujeitar o demandado a prestá-los. Há, é bom lembrar, vários casos em que o contrato ou a lei dispõe sobre o destinatário das contas, limitando-o a certos órgãos de representação coletiva, como se dá nas sociedades e nos condomínios. Nessa situação, o sócio ou condômino, embora titular do interesse gerido por outrem, não tem legitimidade para, individualmente reclamar contas do administrador social ou do síndico (ver, infra, n s e 1.275). Quanto ao interesse que justifica o procedimento judicial, na espécie, é bom lembrar que não decorre pura e simplesmente de uma relação jurídica material de gestão de bens ou interesses alheios. Aqui, como diante de qualquer ação, torna-se necessário apurar se há necessidade da intervenção judicial para compor um litígio real entre as partes. Quem, de fato, administra bens de outrem fica obrigado a prestar contas de sua administração, o que, entretanto, não quer dizer que essa prestação tenha que ser invariavelmente feita em juízo. Se a parte se dispõe ao acerto direto ou extrajudicial, não pode a outra, por puro capricho, impor o acerto de contas em juízo. Falta-lhe interesse legítimo para tanto, porque o mesmo resultado seria facilmente atingível sem a intervenção do Judiciário e sem os incômodos e ônus da sucumbência processual. O caso é, portanto, de carência de ação, por desrespeito ao art. 2 do CPC, que condiciona a p restação jurisdicional tanto à legitimidade como ao interesse. Interesse, na hipótese de ação de prestação de contas, e- xiste quando haja recusa na dação ou aceitação das contas particulares ou quando ocorra controvérsia quanto à composição das verbas que hajam de integrar o acerto de contas. Não importa a posição da parte em relação ao saldo das contas. Para que se considere presente a condição de interesse é preciso apenas que ocorra a sujeição de alguém ao ônus de um acertamento de gestão de bens 4

5 5 alheios, sem o qual não consegue o interessado nem cobrar nem pagar o respectivo saldo. Há, é certo, casos em que, pela própria lei, a prestação de contas só pode ser feita em juízo, como se passa com o inventariante, o tutor ou o curador. Mas tais prestações não provocam, via de regra, um procedimento contencioso, e costumam resolver-se através de expedientes de natureza de jurisdição voluntária ou graciosa." (In Curso de Direito Processual Civil, 30ª Edição, Editora Forense, 2003, vol. 3, p. 89, sem grifos no original.) Na esteira do acima explicitado, observe-se, ainda que a credora da prestação de contas as tenha obtido na via amigável, mantém-se o interesse de agir se houver discordância, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se os arestos: Previdência privada. Ação de prestação de contas. Necessidade e utilidade do provimento jurisdicional em razão do fornecimento extrajudicial dos dados pleiteados. Interesse dos recorridos na utilização da via judicial para obtenção de dados mais precisos. Pretensão de prestação de contas também quanto às parcelas vertidas ao fundo de pensão pelo empregador. Impossibilidade. - Não há que se reconhecer violação ao art. 535 do CPC quando ausentes omissão, contradição ou obscuridade no acórdão recorrido. - O acórdão reconheceu que as contas prestadas extrajudicialmente tinham caráter genérico, o que sustenta o interesse dos autores para a propositura de ação de prestação de contas relativa às parcelas por eles vertidas ao fundo de pensão. Precedentes. - Os precedentes do STJ são unânimes, contudo, em afirmar a impossibilidade de devolução das contribuições patronais aos empregados. Desse modo, não há legitimidade ativa para o pedido de prestação de contas especificamente quanto a esses valores. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. 3 AGRAVO DE INSTRUMENTO - AGRAVO REGIMENTAL - FUNDAMENTAÇÃO QUE NÃO LOGRA INFIRMAR AS RA- ZÕES DA DECISÃO AGRAVADA - AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS - MANDANTE QUE DISCORDA DOS CÁL- CULOS EFETUADOS PELO MANDATÁRIO EM PRESTA- ÇÃO DE CONTAS EXTRAJUDICIAL - INTERESSE DE A- GIR - CONFIGURAÇÃO - ACÓRDÃO QUE SE HARMONI- 3 BRASIL. STJ. REsp / DF. RECURSO ESPECIAL 2004/ Ministra NANCY ANDRIGHI. TERCEIRA TURMA. Julgamento: 16/06/2005. Data da publicação: 01/07/2005.

6 6 ZA COM A ORIENTAÇÃO DA CORTE - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. I - Improsperável o regimental que não logra infirmar as razões da decisão agravada, quanto à deficiência na instrução do agravo, por não conter a fotocópia da procuração outorgada à advogada da agravada, peça de traslado obrigatório, de que trata o art. 544, 1º, do CPC. II - Igualmente sem possibilidade de êxito o Agravo em que se pretende a subida de recurso especial voltado contra a- córdão que se harmoniza com a jurisprudência desta Corte, na medida em que reconhece ter o mandante que discorda da prestação de contas extrajudicial, legitimidade e interesse para ajuizar ação de prestação de contas, visando obter pronunciamento judicial acerca da incorreção que teve por existente. III - Firme a jurisprudência no sentido de que, em casos tais, o interesse de agir decorre do fato de que "o obrigado a contas se presume devedor enquanto não prestá-las e forem havidas por boas". Precedentes do STF e desta Corte. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. 4 Destarte, a mera juntada das faturas não supre a exigência legal, na medida em que não explicitam as razões dos lançamentos efetuados, principalmente no que concerne à metodologia dos encargos contratuais cobrados. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que nas relações existentes entre o titular do cartão de crédito e a instituição financeira é cabível a ação de prestação de contas, mesmo diante da remessa de extratos, que servem apenas para simples conferência. Confira-se, a propósito, o seguinte aresto: PROCESSUAL CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. INTERESSE. CONDIÇÕES FINANCEIRAS DO CONTRATO. DÚVIDAS. FORNECI- MENTO DE EXTRATOS. PRESCINDIBILIDADE. I. Independentemente do fornecimento de extratos de movimentação financeira dos recursos vinculados a contrato de cartão de crédito, remanesce o interesse processual do mandante para a ação de prestação de 4 BRASIL. STJ. AgRg no Ag / PR. Ministro WALDEMAR ZVEITER. TERCEIRA TURMA. Julgamento: 17/11/1998. Data da publicação: 01/03/1999.

7 7 contas em havendo dúvida sobre os critérios adotados. Precedentes. II. Recurso especial conhecido e provido. 5 Justiça: No mesmo sentido, seguem precedentes desta Corte de APELAÇÃO CÍVEL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEVER DE PRESTÁ-LAS POR ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. O EXTRATO BANCÁRIO NÃO A SUPRE, POR NÃO CONTER FORMA MERCANTIL. SE A AUTORA MANIFESTA SUA PERPLEXIDADE QUANTO AOS LAN- ÇAMENTOS CONSTANTES DOS EXTRATOS, NÃO HÁ COMO LHE EXIGIR QUE APONTE AS DIVERGÊNCIAS. HIPÓTESE QUE SE CIRCUNSCREVE NO ÂMBITO DA INCIDÊNCIA DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PRECEDENTES DESTA CORTE. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO DO RÉU, NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT DO CPC. 6 AGRAVO INOMINADO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CON- TAS. O TITULAR DO CARTÃO DE CRÉDITO TEM LEGI- TIMIDADE E INTERESSE PARA AJUIZAR A AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, SENDO A INSTITUIÇÃO FI- NANCEIRA OBRIGADA A PRESTÁ-LAS, INDEPENDEN- TEMENTE DO ENVIO REGULAR DOS EXTRATOS BAN- CÁRIOS. 1. O escopo da lide na prestação de contas é obter a descrição minuciosa da memória de cálculo da evolução da dívida, principalmente quanto aos percentuais dos encargos financeiros. 2. Os extratos fornecidos à parte autora, cujas cópias constam dos autos, não possibilitam a constatação, de forma clara e completa, da forma como se deu a evolução de sua dívida, o que lhe é garantido pelo Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.AGRAVO INOMINADO A QUE SE NEGA PROVI- MENTO. 7 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. OBRIGAÇÃO DO BANCO DE PRESTAR AS CONTAS DEVIDAS MESMO COM O ENVIO DA FATURA MEN- SAL.Requer o Autor a prestação de contas relativas a cartão de crédito, tendo sido seu pedido julgado procedente. Apela o Réu argumentando que envia mensalmente as faturas para conferência não sendo necessária a prestação de 5 BRASIL. STJ. REsp /RS. Ministro CESAR ASFOR ROCHA. DATA DO JULGAMENTO 08/10/2003. DJ 23/08/2004 p BRASIL. TJ/RJ. APELAÇÃO CÍVEL. Processo Des. CLAUDIA PIRES. DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL Julgamento: 19/01/ BRASIL. TJ/RJ. APELAÇÃO CÍVEL. Processo Des. FERNANDO FERNANDY FERNANDES. DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL Julgamento: 17/11/2010.

8 8 contas. A jurisprudência deste Tribunal é pacífica quanto ao dever do Banco de prestar as contas ao demandante, mesmo que este receba extratos mensais de seu cartão de crédito. Aplicação da Súmula nº 259 do STJ.Honorários corretamente fixados.negado SEGUI- MENTO AO RECURSO. 8 Ação ordinária objetivando prestação de contas na forma mercantil (art. 917 do CPC). Cartão de crédito. Sentença julgando procedente o pedido. Recurso de Apelação. M A N U T E N Ç Ã O, pois é dever do banco a prestação de contas mesmo fornecendo os extratos bancários. Aplicação do art. 668 do Código Civil e Súmula 259 do STJ. D E S P R O V I M E N T O D O R E C U R S O. 9 Desta feita, não merece reprimenda a sentença que determinou a prestação de contas concernentes à evolução do débito decorrente da utilização do cartão de crédito de titularidade da apelada. Por tais fundamentos, conhece-se o recurso e nega-se seguimento na forma do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 07 de fevereiro de DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS PAES RELATOR 8 BRASIL. TJ/RJ. APELAÇÃO CÍVEL. Processo Des. LEILA AL- BUQUERQUE. DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL Julgamento: 08/11/ BRASIL. TJ/RJ. APELAÇÃO CÍVEL. Processo Des. OTAVIO RODRIGUES. DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Julgamento: 27/10/2010. Certificado por DES. JOSE CARLOS PAES A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço Data: 07/02/ :52:22Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: Tot. Pag.: 8