A filosofia de Espinosa
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- Rayssa Vieira de Sintra
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1 A filosofia de Espinosa Para tratar de qualquer âmbito da filosofia de Espinosa, é necessário de antemão compreender a imagem de Deus feita pelo filósofo, bem como a importância d Ele para sua filosofia. Começaremos, então, com isso. Como dito em sala de aula, substância é um termo que designa, na tradição filosófica, como algo que subsiste por si mesmo, ou seja, que é causa de sua própria existência, bem como por se manter existindo. Ora, para Espinosa, a única coisa que pode ser causa de si mesmo é Deus. Porém, é importante destacar que o filósofo possui uma concepção de Deus diferente da tradição judaico-cristã. Para tal tradição, Deus é entendido (...) como pessoa transcendente (isto é, separada do mundo), dotada de vontade onipotente e entendimento onisciente, eterna (a eternidade imaginada como tempo sem começo e sem fim), criadora de todas as coisas a partir do nada (confundindo Deus e a ação dos artífices e artesãos), legisladora e monarca do universo, que pode, à maneira de um príncipe que governa segundo seu bel-prazer, suspender as leis naturais por atos extraordinários de sua vontade (os milagres) e que pune ou recompensa o homem, criado por Ele à Sua imagem e semelhança, dotado de livre-arbítrio e destinatário preferencial de toda a obra divina da criação (CHAUÍ, 2006, p. 116). Espinosa é contrário a essa tradição. Para ele, Deus sive Natura, ou seja Deus e Natureza são a mesma coisa: Deus, demonstra Espinosa, não é causa eficiente transitiva de todas as coisas ou de todos os seus modos, isto é, não é uma causa que se separa dos efeitos após havê-los produzido, mas é causa eficiente imanente de seus modos, não se separa deles, e sim exprime-se neles e eles O exprimem (CHAUÍ, 2006, p. 117). Armandinho por Alexandre Beck
2 As leis da natureza são as leis divinas e ambas expressam uma série de conexões necessárias de causas e efeitos. Percebam, se tudo o que ocorre é uma série de conexões necessárias, logo, tudo está, de certo modo, determinado. Não há escolha na filosofia espinosista, não há livre-arbítrio. Como podemos, pois, ser livres? Espinosa diz que necessidade e liberdade não são ideias opostas, mas concordantes e complementares, pois a liberdade não é a indeterminação que precede uma escolha contingente nem é a indeterminação dessa escolha. A liberdade é a manifestação espontânea e necessária da força ou potência interna da essência da substância (no caso de Deus) e da potência interna da essência dos modos finitos (no caso dos humanos). Dizemos que um ser é livre quando, pela necessidade interna de sua essência e de sua potência, nele se identifica sua maneira de existir, de ser e de agir. A liberdade não é, pois, escolha voluntária nem ausência de causa (ou uma ação sem causa), e a necessidade não é mandamento, lei ou decreto externos que forçariam um ser a existir e agir de maneira contrária à sua essência (CHAUÍ, 2006, pp ). Em outras palavras, há liberdade na filosofia de Espinosa, pois o filósofo não a define como livre-arbítrio. Ao contrário, para ele, liberdade é manifestação da potência interna da essência, ou seja, é exprimir sua própria existência, é mostrar sua potência de vida. Há, assim, uma conexão entre ser livre e expressar a vida. Nesse contexto, o homem pode ser livre e expressar sua liberdade, mas apenas quando conhece maneiras de manifestar a potência interna da substância. Avistamos ao menos dois casos em que tal liberdade parece estar sendo expressa, i) ao conhecer o processo de criar algo novo, pois dessa forma estaríamos exprimindo vida; ou ii) quando conhecemos formas de aumentar nosso conatus, nossa potência de vida. Liberdade como conhecimento i) Para Espinosa existem três gêneros do conhecimento: 1) Gênero da experiência vaga ou Gênero da consciência 2) Gênero da razão ou Gênero da noção comum 3) Ciência intuitiva O primeiro desses gêneros, o da consciência, caracteriza o encontro de corpos com corpos, ou de corpos com a Natureza; aqui se trata apenas dessa relação de encontro. O
3 segundo gênero, da razão, trata do que chamamos cotidianamente de conhecimento, ou seja, a partir da experiência vaga eu começo a usar minha razão para compreender a Natureza, bem como seu funcionamento; aqui se trata apenas do conhecimento de coisas que já existem na Natureza. Por último temos a Ciência intuitiva, a qual caracteriza a produção do novo; aqui temos a manifestação da potência da substância, ou seja, de certa forma nos aproximamos da Natureza, na medida em que também conhecemos o processo de criar vida. Assim, ao entrarmos no âmbito da ciência intuitiva, estamos exercendo nossa liberdade. ii) Espinosa acredita que temos um nós uma certa potência de vida, a qual pode variar em número, essa potência de vida, o filósofo chama de conatus. Podemos compreender melhor esse conceito com um exemplo: ao acordar nosso maior desejo é voltar para a cama e continuar dormindo, porém, eu tomo banho e com isso aumento um pouco meu conatus; depois disso eu tomo café e como algo, o que aumenta um pouco mais o meu conatus e assim sucessivamente, até que meu conatus esteja alto o suficiente para que eu consiga suportar seguir aquele dia. Consideremos também que somos parte da Natureza e somos afetados por causas externas a nós (como a chuva que cai no exato dia que escolhemos ir ao parque) e se somos ainda um grau da potência da Natureza como um todo, podemos nos esforçar para aumentar este grau de potência! Quanto mais conhecemos as causas daquilo que nos afeta e quanto melhor conhecermos nossa relação com estas, melhor poderemos lidar com o mundo. Assim, nos conhecer e conhecer melhor as causas é uma maneira de aumentar nosso conatus, pois através deste conhecimento podemos tentar evitar aquilo que nos faz mal e buscar o que nos fortalece e, quando não pudermos evitar algo que não desejamos (como quando a internet cai no meio do download) podemos nos esforçar para que esta causa negativa nos afete o menos possível. Nesse âmbito a ligação da liberdade com o conhecimento é de extrema importância: pois na medida em que conheço aquilo que aumenta meu conatus, posso agir de tal forma a mantê-lo sempre bem. Assim, estou exercendo minha liberdade.
4 Mafalda por Quino Liberdade é, pois, criar, na medida em que conhecemos os processos para tal criação. Em suma, liberdade é o conhecimento de formas de criar vida. Proposta de resolução exercícios 1) Tanto o autorretrato de Yves Klein quanto o poema de Drummond tratam do tema liberdade, porém, cada um possui uma compreensão distinta de tal conceito. Enquanto que no autorretrato o artista mostra um dos maiores sonhos de liberdade do homem, voar, se concretizando, o poema de Drummond trata das limitações impostas pelo ar e pelo corpo para a nossa liberdade. Nesse sentido, a concepção de liberdade presente no poema de Drummond parece se aproximar mais da concepção de liberdade para Espinosa, posto que para o filósofo a ideia de livre-arbítrio não passa de uma ilusão, uma vez que tudo é determinado, e o poeta passa essa ideia ao considerar o ar como uma prisão para o pássaro e o corpo uma prisão para o espírito. 2) Paul Valéry considera que a liberdade é detestável justamente pelo fato de tal conceito ter mais valor do que sentido, ou seja, o autor considera que a liberdade é muito prezada pelos homens, apesar do fato de parecer não haver liberdade de fato. Por isso, a liberdade é valorada, mas ela não possui sentido, pois não passa de uma enganação acreditar que podemos fazer o que quisermos, ou acreditar que não existem limites nem sanções para nossos atos.
5 3) Para Espinosa o único antídoto contra a falta de liberdade seria o conhecimento de nós mesmos e daquilo que nos certa, pois, é apenas conhecendo tais coisas que podemos agir de modo a manifestar a potência interna da substância (Deus/Natureza). Nesse sentido, somos livres ao agir de modo a criar [vida; algo novo], e só podemos agir de tal modo ao conhecer os processos de tal criação. Tarefa complementar 1) [Resposta pessoal] 2) A pintura de Michelangelo parece expressar um Deus imanente, na medida em que este Deus, além de estar próximo do homem, quase encostando em seu dedo, ele também está quase no mesmo plano que este. Já a pintura de Blake parece caracterizar um Deus transcendente, na medida em que Ele está acima de toda Sua criação [fato que pode ser comprovado quando consideramos que Ele está abrindo Sua mão para abençoar toda a criação].
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