Nota Jurídica 3289/2016-BCB/PGBC São Paulo, 12 de setembro de PE 90203

Transcrição

1 São Paulo, 12 de setembro de PE Ementa: Consultoria jurídica administrativa. Pregão Eletrônico. Prestação de serviços continuados de transporte com fornecimento de veículos e disponibilização de motoristas devidamente habilitados para a condução de veículos da Contratada e de propriedade do Banco Central do Brasil em São Paulo. Constatação de erro na estimativa de custos (pesquisa de preços). Proposta da área técnica para revogação do certame. Exame. Situação que melhor se amolda à de anulação. Necessidade de contraditório e ampla defesa, previamente à decisão. Senhor Pregoeiro, Cuida-se de consulta formulada no âmbito do pregão eletrônico cujo objeto é a prestação de serviços de transporte com fornecimento de veículos e disponibilização de motoristas devidamente habilitados para a condução de veículos da Contratada e de propriedade do Banco Central do Brasil em São Paulo, conforme Especificações Básicas constantes do Anexo Conforme relatado nas Informações e Despacho-17121/2016 (doc. 59), o valor estimado para a licitação foi de R$ ,13. Aberto o certame em , participaram 12 (doze) licitantes, com a primeira colocada oferecendo lance de R$ ,00, com diferença de R$1,00 para a segunda colocada. 3. No entanto, ao examinar a proposta e a planilha ajustadas da licitante classificada em primeiro lugar, somada a diligências complementares, a Equipe Técnica de Apoio ao Pregoeiro informou o seguinte (item 5): a) O serviço objeto da licitação em comento é praticamente o mesmo do serviço prestado hoje ao Banco Central do Brasil (Bacen), tanto em escopo, como também em número de motoristas e veículos; b) O contrato vigente para prestação deste serviço tem como prazo final a data de 09/07/2017 (com cláusula de rescisão antecipada com aviso prévio de 30 dias). O prestador do referido serviço, por uma coincidência, é a mesma empresa melhor classificada neste certame (GMC); c) Os salários da proposta da licitante GMC são praticamente os dos pisos salariais da categoria (já com o reajuste aprovado, mas ainda não registrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE). Os salários da estimativa de custos elaborada pelo Bacen, foram calculados pela média, considerando os dos pisos da categoria e pesquisas de mercado. Como resultado há uma

2 2 grande variação entre eles, sendo os da proposta da GMC muito inferiores aos da estimativa do Bacen; d) Os valores de locação de veículos da proposta da GMC estão superiores aos da estimativa do Bacen; e) O valor global do contrato vigente para prestação do mesmo serviço objeto desta licitação é de R$ ,72, enquanto que a estimativa de custo do Bacen é de R$ ,13; f) De acordo com os itens 6.3, 6.4, 6.5 e 7 do doc. 58, a Equipe Técnica de Apoio (com membros do setor requisitante pelo serviço) estudou a estimativa de custos elaborada e verificou terem ocorridos erros na sua elaboração. In verbis: 6.3. A Memória de Cálculo para custos de locação dos veículos foi anexada ao presente processo além de outros documentos pertinentes (Docs.2/4 e Docs.54/57) Quanto ao item 6.3 acima, foi esclarecido pelo servidor que efetuou a pesquisa, que estimativas foram obtidas junto aos sites de pesquisa de locadoras de veículos (Avis, Movida, Unidas, Hertz e Charmrent). Para o cálculo dos veículos mensais, obteve-se a diária durante o período de 1 ao último dia de um determinado mês, e multiplicou-se esse valor pelo número de dias desse mês (exemplo: 31 dias). Esclarecemos que o ideal seria calcular a diária para o período de um ano, ou período maior de 3 ou 6 meses por exemplo, e fazer devidas adaptações. Todavia, o site não permite fazer consulta para período tão longo. Já em relação aos valores dos adicionais, as pesquisas foram realizadas para o período de um dia (p. ex: retirando as 10:00 do dia 1 e devolvendo as 10:00 do dia seguinte). O valor geralmente é maior do que o valor da diária de um período mensal. (tabela) 6.5. Baseado na explicação dada no item anterior, podemos concluir que houve uma interpretação equivocada no grupo de veículos a ser considerado para a pesquisa de preço, pois para as empresas Movida e Unidas, na linha de veículos executivos, foi utilizado um grupo de veículos mais luxuoso. Esse fato também contribuiu para uma estimativa acima do mercado. 7. EM CONCLUSÃO, ao reavaliarmos a estimativa de custos, em especial de locação de veículos, conforme exposto nos itens 6.3, 6.4 e 6.5 acima, considerando o que fora evidenciado e nos chamou a

3 3 atenção, conforme descrito resumidamente no parágrafo 4º deste, notamos falha na estimativa apurada pela pesquisa de preços para locação de veículos, o que induz a um erro que configura uma situação não conveniente aos interesses da Administração Pública e deste Bacen. [Destacou-se] 4. Em seguida, ressalvado o entendimento exarado de que seria o caso de revogação da licitação, o assunto foi trazido a esta Procuradoria, nos termos seguintes: 12. Em face das considerações feitas, solicita-se a manifestação dessa Procuradoria no sentido de esclarecer se é possível a revogação desta licitação, pelas razões apresentadas, por motivo de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado (verificação de erros na estimativa de custos), pertinente e suficiente para justificar tal conduta. 13. Em caso de resposta negativa ao questionamento do item 12, qual seria o instrumento jurídico adequado ao desfazimento do certame? Haveria outra maneira de proceder ao cancelamento deste processo licitatório? Em caso de resposta positiva ao questionamento do item 12, qual seria o embasamento jurídico da decisão? Haveria necessidade do estabelecimento do contraditório e ampla defesa tendo em vista o acordão do TCU a seguir? 5. Assim relatados os fatos, passo ao exame do caso. 6. Não obstante no referido despacho ser preponderante o entendimento pela revogação da licitação, por motivo de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado (verificação de erros na estimativa de custos), entendo que a situação fática melhor se amolda à anulação do procedimento, de acordo com os fundamentos a seguir. 7. Inicialmente, nos termos da Lei nº 8.666, de : Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. [Destacou-se] 1 o A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. 3 o No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa. [Destacou-se]

4 4 8. Também o Decreto nº 5.450, de , ao regulamentar o pregão na forma eletrônica, dispôs no mesmo sentido: Art. 29. A autoridade competente para aprovação do procedimento licitatório somente poderá revogá-lo em face de razões de interesse público, por motivo de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-lo por ilegalidade, de ofício ou por provocação de qualquer pessoa, mediante ato escrito e fundamentado. 2º Os licitantes não terão direito à indenização em decorrência da anulação do procedimento licitatório, ressalvado o direito do contratado de boa-fé de ser ressarcido pelos encargos que tiver suportado no cumprimento do contrato. [Destacou-se] 9. Vale lembrar também duas Súmulas do Supremo Tribunal Federal: a) Súmula nº 346: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. b) Súmula nº 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. 10. Tais dispositivos devem ser combinados com outros da legislação de regência, os quais estabelecem a absoluta necessidade de um adequado orçamento como parte do planejamento do certame. Assim: a) Lei nº 8.666, de 1993: Art. 7º 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: II- existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários; Art. 40 2º Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: II- orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

5 5 IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; b) Lei nº , de 2002: Art. 3º. A fase preparatória do pregão observará o seguinte: III- dos autos do procedimento constarão a justificativa das definições referidas no inciso I deste artigo e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidade promotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados; e 11. Conforme já decidido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a pesquisa de preços é considerada imprescindível para o certame, sendo parte integrante do conceito de legalidade, em especial no tocante ao princípio da economicidade; consequentemente, é caso de anulação. Veja-se, por exemplo, no âmbito do Acórdão nº 2183/2008-Plenário: Quanto à pesquisa de preços, trata-se de instrumento fundamental para a demonstração da legalidade da licitação, na medida em que evidencia a adequação dos preços contratados com os de mercado. Encontra seu embasamento legal em diversos dispositivos da Lei das Licitações, entre os quais o inc. IV, do art fixar, com fundamento no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, e no art. 45 da Lei nº 8.443/92 c/c o art. 251 do RITCU, o prazo de 15 (quinze) dias para que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Incra, adote as providências necessárias com vistas à anulação do Pregão Eletrônico para Registro de Preço nº 12/2007, em face da constatação de irregularidades na condução do certame; [Grifou-se] 12. No mesmo sentido, destacando a inadequação da pesquisa de preços e a consequente anulação: Acórdãos nºs 1375/2007-Plenário; 2014/2007-Plenário. Em relação à adequada pesquisa de preços para o cálculo da estimativa da contratação: Acórdãos nºs 1785/2013-Plenário; 1884/2014-Plenário, citando 2843/2008-Plenário. 13. Ao comentar o art. 3º da Lei de Licitações, Marçal Justen Filho 1 trabalha o conceito de economicidade nos termos seguintes: 1 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16ª ed., rev.,atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 72.

6 6 O Estado tem o dever de realizar a melhor contratação sob o ponto de vista da economicidade. Isso significa que a contratação comporta avaliação como modalidade de relação custo-benefício. A economicidade é o resultado da comparação entre encargos assumidos pelo Estado e diretos a ele atribuídos, em virtude da contratação administrativa. Quanto mais desproporcional em favor do Estado o resultado dessa relação, tanto melhor atendido estará o princípio da economicidade. A economicidade exige que o Estado desembolse o mínimo e obtenha o máximo e o melhor. Em princípio, a economicidade se retrata no menor preço pago pelo Estado ou no maior lance por ele recebido, conforme a natureza da contratação. 14. A Procuradoria-Geral já teve a oportunidade de se manifestar pela anulação em caso de vício na estimativa de custo, na Nota Jurídica 1923/2014-BCB/PGBC, de No caso analisado, verificou-se expressamente, no despacho da área técnica reproduzido no texto, que a falha na estimativa de custos pode ter influenciado, mesmo que remotamente, na elaboração das propostas (item 8). É exatamente o caso tratado aqui, pois o orçamento da licitação foi divulgado no edital. 15. Cito ainda o Parecer nº 00783/2014/PF/UFU/PGF/AGU, referente ao processo nº / , que, embora cuidar de situação em que já existe contrato, conclui pela necessidade de anulação. A ementa é a seguinte: Administrativo. Contrato. Concessão onerosa de uso de espaço público. Licitação cujo critério de julgamento foi o maior valor mensal ofertado. Pedido de redução do valor mensal baseado no não alcance da demanda estimada no Projeto Básico. Inviabilidade jurídica, sob pena de se considerar frustrada a competitividade do certame. Valores estabelecidos a título de estimativa, cuja variação é usual, para mais ou para menos. Eventual erro na estimativa, reconhecido pela Administração, deve gerar a anulação do contrato por vício na licitação. [Destacou-se] 16. Finalmente, citando Jessé Torres Pereira Junior, em que o autor menciona decisão no âmbito do Processo Administrativo TJRJ nº /98 2 : Nessas circunstâncias, a presença de erros no projeto básico apontados pelo órgão competente, seja quanto à quantidade ou ao valor não convive com solução diversa da anulação por vício 17. Portanto, no caso analisado a melhor solução é a anulação do procedimento licitatório, com fundamento no art. 49 da Lei nº 8.666, de 1993, aplicável subsidiariamente para a modalidade de pregão (art. 9º da Lei nº , de 2002), e art. 29 do Decreto nº 5.450, de 2005, por ilegalidade decorrente, em especial, da inobservância do princípio da 2 Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 8ª ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 590/591.

7 7 economicidade, do art. 3º da Lei nº , de 2002, combinados com os artigos 7º, 2º, II; 40, 2º, II; e 43, IV, da Lei nº 8.666, de Em consequência, nos termos do supracitado parágrafo terceiro do art. 49 da Lei nº 8.666, de 1993, é necessário que a Administração observe o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, Marçal Justen Filho 3 cita em sua obra a jurisprudência: a) Do Superior Tribunal de Justiça, Resp /SP: III- A desconstituição da licitação pressupõe a instauração de contraditório, em que se assegure ampla defesa aos interessados. Esta é a regra proclamada pelo art. 49, 3º, da Lei 8.666/1993. b) Do TCU, Acórdão 2211/2010-Plenário: Com relação ao tema, a jurisprudência desta Corte de Contas é segura no sentido de que, na hipótese de desfazimento do processo licitatório, por revogação ou anulação, assegura-se ao licitante vista dos autos e direito ao contraditório e à ampla defesa. 19. Na Nota Jurídica 2083/2015-BCB/PGBC, de , estipulou-se: 16. Ocorre que, de acordo com o 3º do dispositivo legal acima transcrito, tendo a Administração a intenção de anular o certame licitatório, como no presente caso, se lhe impõe a obrigação de assegurar aos interessados o contraditório e a ampla defesa 4. Vale dizer, faz-se mister que os motivos que fundamentam a intenção de anular a licitação sejam previamente levados ao conhecimento dos interessados, a fim de que eles, assim querendo, formulem as razões que possam influenciar na decisão da Administração. 17. Diante da inexistência da definição de prazo específico para manifestação dos interessados, seja na Lei de Licitações, seja no edital do Pregão em tela, penso que deve ser aplicado, in casu, o prazo geral previsto no art. 24 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, qual seja, cinco dias. Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior. Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação. [Destacou-se; grifou-se] 3 Ob.cit., p Nesse sentido, vale conferir o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: ROMS nº /RJ, Relator Ministro Francisco Falcão.

8 8 20. Assim, ao pretender a anulação do certame, o Sr. Pregoeiro deverá, previamente, comunicar tal intenção da Administração aos interessados, indicando os motivos e abrindo prazo de 5 (cinco) dias para eventuais alegações. Somente após proferirá a decisão final, também motivada, a respeito da eventual anulação. À ADSPA, em devolução. EDUARDO CARLOS DE MAGALHÃES BETITO Procurador do Banco Central Procuradoria-Regional do Banco Central em São Paulo (PRESP) OAB/SP