A construção dos números

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1 Universidade Federal de São Carlos Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia Departamento de Matemática A construção dos números Autora: Gabriela Maria Machado Orientador: Luiz Hartmann Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso Curso: Licenciatura em Matemática Professores Responsáveis: Karina Schiabel Silva Sadao Massago Vera Lúcia Carbone São Carlos, 13 de Março de 2014.

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3 A construção dos números Autora: Gabriela Maria Machado Orientador: Luiz Hartmann Disciplina: Trabalho de Conclusão do Curso Curso: Licenciatura em Matemática Professores Responsáveis: Karina Schiabel Silva Sadao Massago Vera Lúcia Carbone Instituição: Universidade Federal de São Carlos Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia Departamento de Matemática São Carlos, 13 de Março de Gabriela Maria Machado (aluna) Luiz Hartmann (orientador)

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5 À vida e ao amor.

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7 Agradecimentos Agradeço, À minha família (minha mãe Maria José, meu pai Geraldo, meus irmãos, Cristina, Ricardo e Arenildo e meu alhado Arthur), pela devoção e suporte desde sempre. À XDani, por toda dedicação, companheirismo, paciência e estímulo que tornaram possível esta realização. Aos meus amados amigos, pela partilha de toda e qualquer emoção. À todos os professores, pela contribuição à minha formação. Em especial, ao Professor Hartmann, pela conança, oportunidade de aprendizado e excelente forma de ndar meu curso e à Professora Liane, que muito contribuiu e ajudou durante todo o trabalho.

8 Conteúdo 1 Considerações Iniciais Relações de Equivalência Números Naturais Axiomas de Peano Adição de elementos de A Multiplicação dos Números Naturais Relação de ordem em N Números Inteiros Relação de Equivalência em N N Adição de números inteiros Multiplicação dos inteiros Relação de Ordem em Z Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo Números Racionais Construção dos números racionais Operações em Q Relação de Ordem em Q Números Reais Cortes de Dedekind Relação de ordem em C Operações em C Representação decimal dos números reais R não é enumerável Números Complexos Construção dos complexos C não é ordenável

9 Resumo Apresentamos a construção dos conjuntos numéricos, com o enfoque voltado para o ensino e formação de um educador com todo o rigor matemáco necessário. Foram desenvolvidas as construções dos números inteiros, dos racionais, dos reais e dos complexos a partir do conjunto dos números naturais, este introduzido através dos axiomas de Peano.

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11 Introdução A noção de número e suas generalizações estão intimamente ligadas à história da humanidade. E a própria vida está impregnada de matemática. Grande parte das comparações que o homem formula, assim como gestos e atitudes cotidianas, aludem conscientemente ou não a juízos aritméticos e propriedades geométricas. Sem esquecer que a ciência, a indústria e o comércio nos colocam em permanente contato com o amplo mundo da matemática. Em todas as épocas da evolução humana, mesmo nas mais atrasadas, encontra-se no homem o sentido do número. Esta faculdade lhe permite reconhecer que algo muda em uma pequena coleção (por exemplo, seus lhos, ou suas ovelhas) quando, sem seu conhecimento direto, um objeto tenha sido retirado ou acrescentado. O primeiro estudo esquemático dos números como abstração é comumente atribuído aos lósofos gregos Pitágoras e Arquimedes. Entretanto, estudos independentes também ocorreram por volta do mesmo período na Índia, China, e Mesoamérica. Os números naturais e as frações têm sua origem das atividades de contagem e medida, o que talvez tenha levado os membros da escola pitagórica a postularem que na natureza tudo é número devido acreditarem que tudo podia ser contado, logo atribuído um número, e que a qualquer medida também se poderia atribuir um número ou uma razão entre números. Iniciamos o trabalho fazendo uma abordagem ao conceito de relação de equivalência, dado que foi bastante usado no decorrer dos estudos. Para isto, introduzimos os conceitos de partes de um conjunto, denição de par ordenado, produto cartesiano, denição de operação, assim como conceito de relação. Fizemos a formalização no conjunto dos naturais através dos Axiomas de Peano, considerando o zero como um número natural. Assumimos que existe um conjunto satisfazendo tais axiomas e fomalizamos todas as propriedade, demonstrando-as através dos Axiomas. Após isto, denotamos este conjunto por N e chamamos de Naturais. O que zemos, foi formalizar e demonstrar rigorosamente o que já sabíamos intuitivamente desde o Ensino Básico, seguindo a construção consistente que foi desenvolvida no século XIX por Giuseppe Peano. Richard Dedekind ( ) estabeleceu uma relação de equivalência entre pares ordenados de números naturais e fez referência da subtração como inversa da adição: a b = c d, logo a + d = b + d. Dedekind demonstrou que esta relação é de equivalência, e que o conjunto das classes de equivalência é o conjunto dos números inteiros. Na construção dos inteiros que zemos neste trabalho, utilizamos esta construção, de forma que, denimos um inteiro como uma classe de equivalência e o conjunto dos números inteiros como o conjunto dessas classes de equivalência. A construção dos racionais é feita a partir do mesmo raciocínio que os inteiros, utilizando o 3

12 conceito de relação de equivalência, mas esta construção se da de forma mais rápida do que a dos inteiros, por ter muitas consequências diretas deste. A construção dos números reais feita neste trabalho foi baseada na construção feita por Dedekind, através dos chamados Corte de Dedekind, que considera o conjunto de todos os cortes, denindo a adição e a multiplicação nele e, em seguida, mostrando que ele possui as propriedades aritméticas de Q e mais uma propriedade que Q não possui, a chamada completude dos reais. Por m, mas não menos importante, a construção dos números complexos, que foram denidos como pares ordenados de números reais e, a partir disto, foram provadas todas as propriedades aritméticas, mostrando que o conjunto dos números comeplexos possui uma estrutura de corpo, assim como os reais e racionais, mas possuindo uma grande diferença dos anteriores, pois não possui uma relação de ordem. Estas construções provêm de estudos de matemáticos do século XIX e início do século XX que foram em busca dos fundamentos da matemática acumulados até a época, principalmente a partir de cálculo diferencial e integral de Newton e Leibniz, no século XVII. 4

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14 Capítulo 1 Considerações Iniciais No decorrer deste trabalho lidaremos diretamente com o conceito de relação de equivalência, por isso faremos uma abordagem tratando desta questão. Trabalharemos com conceitos prévios e com a noção intuitiva de conjuntos durante todo o trabalho e, em particular neste capítulo, trabalharemos intuitivamente com os conjunto numéricos e as propriedades básicas de suas operações, lembrando que estudaremos o conceito rigoroso desses conjuntos numéricos nos capítulos seguintes. Utilizaremos, usualmente, N, Z, Q, R e C para representar os conjuntos dos números naturais, inteiros, racionais, reais e complexos, respectivamente. 1.1 Relações de Equivalência Denição Dado um conjunto A qualquer, o conjunto das partes de A, ou conjunto potência de A, denotado por P(A), é o conjunto cujos elementos são todos os subconjuntos de A. Seguem alguns exemplos: Exemplo Se A = {a, b}, então P(A) = {, {a}, {b}, A}; 2. Se A = {1, 2, 3}, então P(A) = {, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}, A}; 3. Se A =, então P(A) = { }, pois o é o único subconjunto de A; 4. Se A = P({1}), então A = {, {1}}, logo, P(A) = {, { }, {{1}}, A}. Denição Seja A um conjunto não vazio com a, b A. Denimos o par ordenado (a, b) como sendo o conjunto {{a}, {a, b}}. Observação: (a, b) P(A). Desde o Ensino Fundamental consideramos um par ordenado como um par de objetos onde a ordem tem importância. A denição acima formaliza matematicamente esta ideia intuitiva. O teorema seguinte mostra que um par ordenado é exatamente o que idealizamos intuitivamente. Teorema Seja A um conjunto onde a, b, c, d A. Temos que: 6

15 (a, b) = (c, d) a = c e b = d Demonstração. ( ) Suponhamos a = c e b = d. Dessa forma, é claro que (a, b) = (c, d). ( ) Seja, agora, (a, b) = (c, d), isto é, {{a}, {a, b}} = {{c}, {c, d}}. Temos assim, dois casos: a = b. Nesta situação (a, b) = (a, a) = {{a}, {a, a}} = {{a}, {a}} = {{a}}. Dessa forma, {{a}} = {{c}, {c, d}}, ou seja, {c} = {a} e {c, d} = {a}. Assim, c = a e d = a. Como a = b, obtemos a = c = b = d. a b. Por hipótese {{a}, {a, b}} = {{c}, {c, d}}. Se {a, b} = {c}, então, a = b = c, contradizendo a hipótese a b. Logo, {a, b} = {c, d}, o que acarreta c d. Disso, concluímos que {a} não pode ser igual a {c, d}, logo, {a} = {c}, ou seja, a = c. Já concluímos que {a, b} = {c, d}, a b, c d, de onde segue que b = d. Denição Seja A um conjunto qualquer. Denimos o produto cartesiano de A por A, denotado por A A, como o conjunto de todos os pares ordenados compostos por elementos de A, isto é, A A = {(x, y) x, y A}. Seguem alguns exemplos: Exemplo Se A = {a, b} então A A = {(a, a), (b, b), (a, b), (b, a)} 2. Se A =, então A A = 3. Se A = {a 1, a 2, a 3,..., a n }, tem n elementos, A A possui n 2 elementos, pois, tem-se n possilidades para o primeiro elemento do par ordenado e n para o segundo. Denição Dados dois conjuntos A e B, se x A e y B, então x, y A B. Denimos o produto cartesiano de A por B como sendo o conjunto A B = {(x, y) x A e y B}. Observação: (x, y) = {{x}, {x, y}} P(A B), pois, como x, y A B, obviamente, {x}, {x, y} P(A B) A seguir temos alguns exemplos: Exemplo Seja A = {x} e B = {y}. Temos que A B = {(x, y)} = {{x}, {x, y}} e B A = {(y, x)} = {{y}, {y, x}}. Para que A B = B A, precisaríamos que {x} = {y} ou {x} = {x, y}, ou seja, x = y. Como x e y são quaisquer, não podemos dizer que A B = B A. 7

16 2. Sejam A = e B um conjunto qualquer. Suponhamos que exista (x, y) A B. Por denição de par ordenado, x A e y B, o que é uma contradição, pois, por hipótese, A =. Portanto, não existe (x, y) pertencente a A B. Denição Dado um conjunto A não vazio, uma operação em A é uma função : A A A. A imagem ((x, y)) de um par ordenado (x, y) pela função é usualmente denotada por x y. Levando em conta o nosso conceito intuitivo de conjuntos numéricos e de suas operações aritméticas, podemos ver que, das quatro operações, apenas a soma e o produto são de fato operações, no sentido da denição acima, no conjunto dos números naturais. Denição Uma relação binária R num conjunto A é qualquer subconjunto do produto cartesiano A A, isto é, R A A. Exemplo Se A = {a, b, c}, então R = {(a, a), (b, a), (c, b), (c, a)} é uma relação binária, dado que é um subconjunto de A A = {(a, a), (a, b), (a, c), (b, a), (b, b), (b, c), (c, a), (c, b), (c, c)}. No contexto deste trabalho, diremos que a está relacionado com b (escreve-se arb) se R é uma relação binária em A e se (a, b) R, isto é, (a, b) R arb. Uma relação binária será chamada apenas de relação. No exemplo , temos bra, mas não arb. Denição Seja dado um conjunto A e uma relação R sobre ele. Diz-se que R é uma relação de equivalência se possuir as seguintes propriedades: 1. Reexiva: ara, para todo a A; 2. Simétrica: se a, b A, e arb, então bra; 3. Transitiva: para a, b, c A, se arb e brc, então arc. A relação R do exemplo não é reexiva, pois, b A e (b, b) / R, nem simétrica, dado que bra, mas não arb. Entretanto, ela é transitiva (basta ver que crb, bra e cra). Como não satisfaz as três propriedades, ela não é uma relação de equivalência. Exemplo Seja A = {1, 2, 3} R = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1)} é uma relação de equivalêcia, pois: 1. Vale a reexiva: 1, 2, 3 A, 1R1, 2R2 e 3R3; 2. Vale a simétrica: 1, 2 A, 1R2 e 2R1; 3. Vale a transitiva: 1, 2 A, 1R2, 2R1 e 1R1. No exemplo seguinte será usada uma noção intuitiva de conjuntos numéricos e suas propriedades aritméticas básicas, mas apenas a título de esclarecimento do conceito de relação de equivalência. A construção dos conjuntos não dependerá deste exemplo. Exemplo Seja a, b Z com a 0. Diremos que a divide b se existir c Z, tal que b = ac. Escrevemos a b para simbolizar que a divide b. Esta relação de divisibilidade em Z não é uma relação de equivalência, pois, apesar de ser reexiva e transitiva, ela não é simétrica: 8

17 1. Vale a reexiva: para todo a Z, a = ac com c = 1 Z, portanto ara. 2. Não vale a simétrica: Se a, b Z e a divide b, temos que, b = ac 1 para algum c 1 Z. Se b dividisse a, teríamos a = bc 2 para algum c 2 Z e assim, a = ac 1 c 2 a = ac c = c 1 c 2 = 1, o que signica que c 1 = c 2 = 1, ou c 1 = c 2 = 1, o que leva a conclusão que só vale a simétrica quando a = b ou a = b, portanto, não vale a simétrica para quaisquer a, b Z onde a divide b. 3. Vale a transitiva: Se a, b, c Z, a divide b e b divide d, temos b = ac 1 e d = bc 2 com c 1, c 2 Z, logo d = ac 1 c 2 d = ac, com c = c 1 c 2 Z, logo, a divide d. Exemplo Seja A um conjunto. Temos que A A = {(x, y) x, y A} é uma relação de equivalência em A. De fato, 1. Vale a reexiva: seja x A, claramente (x, x) A A, portanto, xrx, para todo x A. 2. Vale a simétrica: sejam x, y A e xry, ou seja, (x, y) A A. Como x, y A, é imediato que (y, x) A A, logo, yrx. 3. Vale a transitiva: sejam x, y, z A, xry e yrz, ou seja, (x, y), (y, z) A A, como x, z A, (x, z) A A, ou seja, xrz. Exemplo R = {(x, x) x A} é uma relação de equivalência em A. Esta relação se chama igualdade em A (ou identidade de A), e se denota por =. Logo (x, x) R para todo x A, que escrevemos usalmente como x = x, x A. Mostremos que esta relação, de fato, é de equivalência em A. 1. Reexiva: seja a A qualquer. Claramente (a, a) R, ou seja, a = a. 2. Simétrica: se a, b A e (a, b) R, temos que existe x A tal que (a, b) = (x, x), de onde concluímos que a = b. Como (x, x) = (a, b) R e a = b, então (x, x) = (b, a) R; 3. Transitiva: se a, b, c A, (a, b) R e (b, c) R, procedendo como no item anterior, obtemos que a = b e b = c, portanto, a = c. Logo, (a, c) R. Exemplo Qualquer relação de equivalência em A está compreendida entre os dois exemplos anteriores, ou seja, = R A A. De fato, seja A um conjunto e R uma relação de equivalência qualquer sobre A. Obviamente R A A, por denição de relação. Temos que = = {(x, x) x A}. Tomemenos (x, x) = para um x pertencente a A qualquer. Claramente, (x, x) R (pela propriedade reexiva, que nos garante que, para todo x em A, xrx). Logo, = R. Dessa forma = R A A, como queríamos. Denição Sejam R uma relação de equivalência em A e a A um elemento xado arbitrariamente. O conjunto a = {x A xra} chama-se classe de equivalência de a pela relação R. Ou seja, a é o conjunto constituído dos elementos de A que se relacionam com a. Exemplo As classes de equivalência dadas pela relação R do exemplo são 1 = {1, 2}, 2 = {2, 1} e 3 = {3} Observe, neste exemplo, que 1 = 2, isso se deve ao fato de que 1R2. O seguinte teorema mostra isso de forma generalizada. 9

18 Teorema Seja R uma relação de equivalência em um conjunto A e a, b elementos quaisquer de A, então: 1. a a; 2. a = b arb; 3. a b a b = Demonstração. 1. a = {x A xra}. Como R é uma relação de equivalência, ara (pela propriedade reexiva), logo a a; 2. ( ) Suponhamos a = b, onde a = {x A xra} e b = {y A yrb}. Seja a a, de onde segue que, a b (pois por hipótese a = b). Logo, pela denição de b, arb; ( ) Suponhamos agora arb. Devemos mostrar que a = b, ou seja, a b e b a. Pois bem: Seja a a. Como, por hipótese, arb, temos que a b, logo, a b; Seja b b. Por hipótese, arb e como R é uma relação de equivalência, temos que bra e portanto b a. Logo b a. 3. ( ) Seja a b, com a = {x A xra} e b = {y A yrb}. Suponhamos que exista c a b, ou seja, c a e c b. Sendo assim, cra e crb, que nos garante que arb. Assim, pelo item 2 deste teorema, concluímos que a = b, o que contradiz a nossa hipótese. Portanto, não existe c qualquer na intersecção de a e b. ( ) Seja a b =. Suponhamos a = b, que signica, pelo item 2 deste teorema, que arb, ou seja, a b. Claramente a a, sendo assim, a está em a e em b, o que contradiz a hipótese de que a b =. Portanto, a b. O teorema anterior nos fornece propriedades muito importantes. Ele nos fornece a ideia de que todo elemento de uma classe de equivalência a tem a mesma classe de equivalência que a, ou seja, a pode ser representado por x, para todo x a. Ele nos garante também que duas classes de equivalência distintas são disjuntas. Da mesma forma que já zemos anteriormente nesta sessão, o seguinte exemplo faz referência aos números inteiros, mas ele serve apenas para clarear a ideia de classe de equivalência e não inuenciará nas construções seguintes. Exemplo Sejam A = Z e R a relação dada por: arb quando o resto das divisões de a e b por 2 forem iguais. Por exemplo, (5, 21) R, (6, 14) R, mas (5, 8) R. Vamos vericar se esta relação é de equivalência em Z: 1. Reexiva: seja x Z. A divisão x por 2 tem resto t e obviamente t = t, portanto, xrx, para todo x Z; 2. Simétrica: sejam x, y Z e xry, ou seja, x e y divididos por 2 têm o mesmo resto s, logo yrx; 10

19 3. Transitiva: sejam x, y, z Z, xry e yrz. Dessa forma, x e y divididos por 2 possuem o mesmo resto t, assim como y e z divididos por 2 possuem o mesmo resto s. Como y dividido por 2 possui o resto t e também o resto s, concluímos que r = s e, portanto, o resto da divisão de x e z por 2 é o mesmo, ou seja, xrz. Usando esta relação de equivalência, temos os seguintes exemplos: 1 = {..., 3, 1, 1, 3,...} = 3 = 7 = 5 2 = {..., 4, 2, 0, 2, 4,...} = 0 = 4 = 2 Sabemos ainda que todo número inteiro é classicado como ímpar ou par, onde o par pode ser escrito da forma a = 2n e o ímpar da forma a = 2n + 1. Sendo assim, quando dividimos um número par por 2, obetemos a = 2n+0, ou seja, o resto da divisão é 0. Já quando dividimos um número ímpar por 2, obtemos a = 2n + 1, ou seja, resto 1. Dessa forma, a divisão de qualquer inteiro por 2 nos fornece restos 1 ou 0. Portanto, só existem duas classes de equivalência distintas para esta relação de equivalência. Mais precisamente, tem-se a = 0 para a par e a = 1 para a ímpar. Denição Seja R uma relação de equivalência num conjunto A. O conjunto constituído das classes de equivalência em A pela relação R é denotado por A/R e denominado conjunto quociente de A por R. Assim, A/R = {a a A} Veja os exemplos que seguem: Exemplo Se R é a relação do exemplo anterior, então A/R = {0, 1} 2. Se A = {1, 2, 3}, temos que, A A = {(1, 1), (1, 2), (1, 3), (2, 1), (2, 2), (2, 3), (3, 1), (3, 2), (3, 3)}. Dessa forma, temos as classes de equivalência 1 = {x A xr1} = {1, 2, 3}, 2 = {y A yr2} = {1, 2, 3} e 3 = {z A zr3} = {1, 2, 3}, assim 1 = 2 = 3. Como A/A A = {a a A}, então A/A A = {1, 2, 3}, ou apenas A/A A = {1} = {2} = {3} 3. Consideremos a relação de equivalência denotada por =, isto é, R = {(x, x) x A}. Se A = {1, 2, 3}, então R = {(1, 1), (2, 2), (3, 3)} e, portanto, 1 = {x A xr1} = {1}, 2 = {y A yr2} = {2} e 3 = {z A zr3} = {3}, logo A/R = {a a A} = {1, 2, 3}. Exemplo Seja uma relação em Z, denida como segue: x y quando os restos das divisões de x e y por 3 forem iguais. Esta é uma relação de equivalência. Com efeito, 1. Reexiva: Claramente, para todo x Z, x x; 2. Simétrica: Sejam x, y Z e x y, ou seja, o resto das divisões de x e y por 3 é o mesmo, logo, y x; 11

20 3. Transitiva: Se x, y, z Z, x y e y z, temos que, o resto das divisões de x e y por 3 é o mesmo, digamos t, e o resto das divisões de y e z por 3 é o mesmo, digamos s. Sendo assim, o resto da divisão de y por 3 é dado por s e por t, logo s = t. Portanto, o resto das divisões de x e z por 3 é o mesmo, o que siginica que x z, como queríamos. O resto da divisão de um número x Z por 3, é sempre 0, 1, ou 2, portanto, as classes de equivalência são 0 = {..., 6, 3, 0, 3, 6,...}, 1 = {..., 7, 4, 1, 1, 4, 7,...} e 2 = {..., 8, 5, 2, 2, 5, 8,...}. Sendo assim, temos que o conjunto quociente Z/ = {0, 1, 2}. Exemplo Seja A o conjunto de todas as pessoas e R a relação em A dada por: xry quando x for mãe de y. Esta relação não é de equivalência. De fato, 1. Não vale a reexiva: seja x A qualquer, x não pode ser mãe de x; 2. Não vale a simétrica: sejam x, y A e xry, ou seja, x é mãe de y. Dessa forma, y não é mãe de x; 3. Não vale a transitiva: sejam x, y, z A, xry e yrz. Assim, x é mãe de y e y é mãe de z, isso signica que x é avó de z e não mãe. Exemplo Seja A o conjunto de todas as pessoas e R a relação em A dada por: xry quando x for irmão de y, ou quando x e y forem a mesma pessoa (diremos aqui que x e y são irmãos quando são lhos biológicos dos mesmos pais). Esta é uma relação de equivalência, pois: 1. Vale a reexiva: se x A, xrx pois, x e x são a mesma pessoa; 2. Vale a simétrica: sejam x, y A e xry, ou seja, x é irmão de y, portanto y é irmão de x, logo, yrx; 3. Vale a transitiva: sejam x, y, z A, xry e yrz. Como x é irmão de y e y é irmão de z, claramente os três possuem os mesmo pais biológicos, portanto, x é irmão de z, ou seja, xrz. Observe que, se a relação fosse denida apenas como xry quando x for irmão de y, não teríamos uma relação de equivalência pois não valeria a reexiva (xrx). Exemplo Seja A um conjunto e A = A 1 A 2 A 3... A n uma partição nita de A, isto é, uma decomposição de A como união nita de uma família de subconjuntos de A que são dois a dois disjuntos e não vazios. Para x e y A, denimos a seguinte relação: xry quando x e y pertencem ao mesmo elemento da partição, isto é, xry existe i {1,..., n} tal que x, y A i. Esta é uma relação de equivalência. De fato, 1. Reexiva: se x A, claramente x A i e assim, xrx; 2. Simétrica: se x, y A e xry, temos que x, y A i, portanto, yrx; 3. Transitiva: sejam x, y, z A, xry e yrz. Dessa forma, x, y A i e y, z A j com i, j {1,..., n}. Como y está em A i e em A j, e sabemos que os conjuntos são disjuntos dois a dois, concluímos que i = j e portanto, x e z estão no mesmo conjunto A i=j, logo, xrz. 12

21 Observe que se os conjuntos não fossem disjuntos dois a dois, ou seja, A i A j, poderíamos ter y na intersecção de A i e A j e assim não nos valeria a transitiva e, portanto, esta relação não seria de equivalência. Exemplo Seja A = {1, 2, 3}. Já vimos que A A, assim como = são relações de equivalêcia em A. Vimos também que quaisquer outras relações de equivalência neste conjunto estão entre essas duas. Seguem estas relações: R 1 = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1)}; R 2 = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 3), (3, 1)}; R 3 = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (2, 3), (3, 2)}. Exemplo Sejam A = {x Z 5 x 10} e R a relação sobre A denida por: xry x 2 = y 2. Vamos verifcar que R é uma relação de equivalência: 1. Reexiva: se x A, claramente x 2 = x 2, portanto, xrx; 2. Simétrica: se x, y A e xry, temos que x 2 = y 2, portanto y 2 = x 2, ou seja, yrx; 3. Transitiva: se x, y, z A, xry e yrz, então, x 2 = y 2 e y 2 = z 2, logo, x 2 = z 2 e assim xrz. Exemplo Seja A como no exemplo anterior e S uma relação denida por: xsy existe k N tal que x 2 = y 2 + k. Veriquemos agora a relação S: 1. Reexiva: seja x A. Existe k = 0 N, tal que que x 2 = x 2 + k, portanto xsx; 2. Simétrica: sejam x, y A e xsy, ou seja, existe k 1 N tal que x 2 = y 2 + k 1. Disso temos que x 2 y 2. Consideremos dois casos: Seja x 2 = y 2. Neste caso, existe k 2 = 0 N tal que y 2 = x 2 + k 2, ou seja, yrx. Seja x 2 > y 2. Neste caso, é impossível que exista k 2 N tal que y 2 = x 2 + k 2, pois, se isto acontecesse, teríamos y 2 x 2, que contradiz a hipótese de que x 2 > y 2 Sendo assim, temos que a simétrica só vale quando x 2 = y 2. Como a propriedade deve valer pra quaisquer x, y A, temos que a simétrica não é válida. O par ordenado ( 5, 4) é um exemplo que mostra que essa relação não é simétrica, pois ( 5, 4) satisfaz a condição da relação, ou seja, existe k N tal que ( 5) 2 = ( 4) 2 + k, porém, ( 4, 5) não a satisfaz. 3. Transitiva: se x, y, z A, xsy e ysz, temos que existem k 1, k 2 N, tais que x 2 = y 2 + k 1 e y 2 = z 2 + k 2. Subtituindo a segunda na primeira, obtemos x 2 = z 2 + k 2 + k 1. Como k 1, k 2 N, claramente k 1 + k 2 = k N, assim, x 2 = z 2 + k, logo xsz. Com isso concluímos que apenas a simétrica não é válida, o que é suciente para que a relação S não seja de equivalência. Observemos que se a relação do exemplo anterior nos desse a condição com k Z no lugar de k N, teríamos que a relação seria de equivalência. Com efeito, seja x, y A e xsy, ou seja, existe k 1 Z tal que x 2 = y 2 + k 1, e assim, y 2 = x 2 k 1 y 2 = x 2 + k 2 com k 2 = k 1 Z. Logo, yrx, como queríamos. 13

22 Exemplo Seja A ainda como no exemplo e T denida como segue: xt y existe k Z tal que x y 3k = 0. Vamos vericar se T é uma relação de equivalência. 1. Reexiva: seja x A. Claramente x x 3k = 0 com k = 0 Z, ou seja, xt x; 2. Simétrica: sejam x, y A e xt y, ou seja, existe k 1 Z, tal que x y 3k 1 = 0, o que implica que x + y + 3k 1 = 0 e disso obtemos y x + 3k 1 = 0, que pode ser escrito como y x 3k 2 = 0 com k 1 = k 2 Z e, portanto, yt x; 3. Transitiva: se x, y, z A, xt y e yt z, temos que existem k 1, k 2 Z tais que x y 3k 1 = 0 e y z 3k 2 = 0. Isolando o y na segunda equação e substituindo na primeira obtemos x (z + 3k 2 ) 3k 1 = 0 e assim, x z 3(k 2 + k 1 ) = 0, que signica x z 3k = 0, com k = k 1 + k 2 Z, ou seja, xrz. Portanto, a relação T é de equivalência em A. 14

23 Capítulo 2 Números Naturais Desde os primórdios existe a necessidade de contagem e são exatamente os números naturais que estão envolvidos com esta ideia de quantidade, que é considerada básica nos dias atuais. Os números naturais tiveram suas origens nas palavras utilizadas para a contagem de objetos, começando com o número um. O primeiro grande avanço na abstração foi o uso de numerais para representar os números. Isto permitiu o desenvolvimento de sistemas para o armazenamento de grandes números. Um avanço muito posterior na abstração foi o desenvolvimento da ideia do zero com um número com seu próprio numeral. Um dígito zero tem sido utilizado como notação de posição desde cerca de 700 a.c. pelos babilônicos, porém ele nunca foi utilizado como elemento nal. Os Olmecas e a civilização maia utilizaram o zero com um número separado desde o século I AC, aparentemente desenvolvido independentemente, porém seu uso não se difundiu na Mesoamérica. O conceito da forma que ele é utilizado atualmente se originou com o matemático indiano Brahmagupta em 628. Hoje temos este conceito de zero formalizado, poratanto, nossa construção foi feita incluindo o zero como um número natural, porém, outros matemáticos, preferem seguir a tradição antiga e excluir o zero dos números naturais. Formalizaremos este conceito utilizando uma axiomática, método que, apesar de ser considerado uma construção, na verdade, apenas assume a existência do conjunto dos naturais, satisfazendo axiomas que caracterizam rigorosamente a ideia intuitiva. Em outras palavras, assumiremos a existência do conjunto e mostraremos que ele obedece a tais axiomas. Esta axiomatização foi dada por Giuseppe Peano, no nal do século XIX, e se apresenta aqui de forma adaptada a simbologia matemática atual. 2.1 Axiomas de Peano Durante a formação de um matemático, muito se ouve falar sobre o Princípio da Indução Finita, que é, na verdade, um conceito menos intuitivo e imediato do que a ideia de que o conjunto dos Naturais começa no 0 e prossegue de um em um. Suponhamos que A seja um subconjunto dos números naturais, contendo o 3 e a propriedade de que possui o sucessor natural de qualquer elemento seu, ou seja, se x A, então x + 1 A. Dessa forma, A contém o 4, pois contém o 3 e, claramente, possui o 5, já que contém o 4, e assim segue. Logo A contém {3, 4, 5, 6,...}. Se esse nesse conjunto tivesse como hipótese inicial que o 0 está nele, no lugar do 3, teríamos que A é o conjunto dos naturais. 15

24 Os Axiomas de Peano apresentam a formalização rigorosa destas ideias intuitivas, utilizando conceitos já conhecidos ou admitidos aqui, como segue: Axioma (AXIOMAS DE PEANO). Existe um conjunto A e uma função s : A A vericando: 1. s é injetora; 2. Existe um elemento em A, que denotaremos por 0, e chamaremos de zero, que não está na imagem de s, isto é, 0 / Im(s). 3. Se um subconjunto X de A satiszer os subitens abaixo, então X = A: (a) 0 X; (b) Se k X, então s(k) X. A função s é chamada função sucessor, de modo que, se x A, então s(x) é chamado sucessor de x. Os axiomas anteriores nos dizem que cada x de A possui sucessor diferente e expressam, ainda, o fato de que 0 não é sucessor de nenhum elemento de A. Temos garantido que tal A é diferente de vazio, pelo segundo axioma de Peano. Como 0 / Im(s) e s(0) Im(s), concluímos que 0 s(0), e, portanto, A possui pelo menos dois elementos: 0 e s(0). Da mesma forma, podemos observar que s(s(0)) é diferente de 0, pois 0 / Im(s), e diferente s(0), pois s é injetora, ou seja, s(0) 0 s(s(0)) s(0). Assim, A possui pelo menos três elementos: 0, s(0) e s(s(0)). Prosseguindo desta forma, concluímos que s(s(s(0))) também está em A e é diferente de 0 (pois 0 / Im(s)), diferente de s(0) (0 s(s(0)) s(0) s(s(s(0))), pois s é injetora) e diferente de s(s(0)) (s(0) s(s(0)) s(s(0)) s(s(s(0))), pois s é injetora). Agora temos que A possui pelo menos quatro elementos: 0, s(0), s(s(0)) e s(s(s(0))). Tomando estes sucessores de forma repetida, vemos que cada elemento novo é diferente dos anteriores mencionados. Isto será provado rigorosamente neste capítulo. Prosseguindo assim, consideramos A como um conjunto innito, que vamos denir formalmente a seguir. Denição Dado um conjunto X, dizemos que ele é innito se existir uma função injetora f : A X. Um conjunto é dito nito quando não é innito. Em outras palavras, podemos dizer que X é innito quando possui um subconjunto Y em bijeção com A, ou ainda, dizendo que este Y é equipotente a A. Uma outra denição de conjunto innito, equivalente a esta, que existe devido a Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor ( )(ele rompeu com o paradigma grego de que o todo é sempre maior do que qualquer uma das suas partes próprias), é a seguinte: um conjunto diz-se innito quando existir uma bijeção entre ele e um subconjunto próprio dele. O terceiro axioma de Peano é conhecido como Princípio de Indução Finita e ele é utilizado na demonstração de propriedades que dizem respeito aos números naturais. Veremos muitos exemplos no decorrer deste capítulo. Já o segundo axioma de Peano fala que 0 / Im(s). O teorema a seguir nos diz quem é Im(s). 16

25 Teorema Se s : A A é a função sucessor, então, tem-se: 1. s(n) n, para todo n A, ou seja, nenhum número de A é sucessor de si mesmo; 2. Im(s) = A \ {0}, isto é, 0 é o único elemento de A que não é sucessor de nenhum outro elemento de A. Demonstração. 1. Consideremos um subconjunto B de A, constituído dos n A tais que s(n) n, isto é B = {n A s(n) n}. Vamos, através do princípio de indução nita, mostrar que B = A, isto é, s(n) n, para todo n A (a) Pelo axioma 2 de Peano, temos que 0 / Im(s), sendo assim, 0 s(0), e, portanto, 0 B; (b) Seja k A, ou seja, k s(k). Como, pelo axioma 1, s é injetora, obtemos que s(k) s(s(k)) e, portanto, s(k) B. Assim, pelo princípio de indução nita, B = A. 2. Novamente usaremos indução nita. Seja B A dado por B = {0} Im(s): (a) Claramente, 0 B; (b) Seja k B. Com isso s(k) Im(s) B, daí, s(k) B. Logo, B = A. Como 0 / Im(s), concluímos que Im(s) = A \ {0}. Todo elemento de A\{0} é sucessor de um único elemento de A, que se chama seu antecessor. 2.2 Adição de elementos de A Vamos, agora, formalizar a operação que chamaremos de adição e representaremos por (+), que é, na verdade, a operação que já conhecemos do ensino básico. Denição Dado m A, denimos recursivamente: { m + 0 = m, m + s(n) = s(m + n). Isto é, xado m, se p = 0, m + p = m e se p 0, p = s(n) para algum n A, daí m + p = m + s(n) = s(m + n). Esta denição nos fornece o seguinte: ou ainda, m + s(0) = s(m + 0) = s(m), m + s(s(0)) = s(m + s(0)) = s(s(m)), 17

26 e assim por diante. Esta é a idéia intuitiva que iremos formalizar a seguir utilizando o Princípio da Indução, que mostra que m + n está denido para todos m, n A. Proposição A soma m + n está denida para todo par m, n de A. Demonstração. De fato, vamos denir o conjunto S m = {n A m + n cada m A xado arbitrariamente. está denida}, para 1. m + 0 está denido, portanto, 0 S m. 2. Seja k S m, isto é, m + k está denido. Temos que m + s(k) = s(m + k) está denido, logo s(k) S m. Logo, pelo axioma 3, S m = A. Como m é arbitrário, S m = A para todo m A. Sendo assim, m + n está denida para todo par (m, n) de A A, o que signica que a adição é, de fato, uma operação em A. Introduziremos agora a notação para os números naturais que é conhecida desde o ensino básico. Denição Indica-se por 1 e lê-se um o elemento de A que é sucessor de 0, ou seja, 1 = s(0). Proposição Para todo m A, tem-se s(m) = m + 1 e s(m) = 1 + m. m + 1 = 1 + m. Portanto Demonstração. Provemos as duas igualdades: Temos que m + 1 = m + s(0) = s(m + 0) = s(m), ou seja, m + 1 = s(m); Consideremos agora o conjunto B = {m A s(m) = 1 + m} e provemos por indução que B = A: 1. Claramente = 1 = s(0), sendo assim, s(0) = e portanto, 0 B. 2. Seja, agora, m B, isto é, s(m) = 1+m. Daí s(1+m) = s(s(m)) e como s(1+m) = 1 + s(m), obtemos que s(s(m)) = 1 + s(m) e, portanto, s(m) B. Sendo assim, B = A. Já temos as notações 0 e 1 = s(0). Vamos denir, agora, a continuação: s(1) = 2 (dois), s(2) = 3 (três), s(3) = 4 (quatro), s(4) = 5 (cinco) e assim sucessivamente. Esta é a notação indo-arábica de base dez para os elementos de A. Dessa forma, A contém o seguinte conjunto: {0, s(0), s(s(0)), s(s(s(0))),...} = {0, 1, 2, 3,...}. 18

27 O teorema seguinte mostra que os axiomas de Peano formalizam a ideia intuitiva do conjunto dos números naturais, isto é, A não contém elementos além desses. Teorema A = {0, 1, 2, 3,...} Demonstração. Seja N = {0, 1, 2, 3,...} subconjunto de A. N = A: Veriquemos por indução que 1. Por construção 0 N; 2. Novamente por construção, N contém o sucessor de qualquer elemento contido nele, ou seja, se n N, então s(n) N. Logo, N = A. Denição Chamaremos este conjunto A de Conjunto do Números Naturais e denotaremos, a partir daqui, por N. Utilizando a notação anterior, temos as seguintes adições em N: = s(1) = 2; = s(2) = 3; = s(3) = 4; = 3 + s(1) = s(3 + 1) = s(4) = 5; = 0 + s(1) = s(0 + 1) = s(1 + 0) = s(1) = 2. Denição Seja f : X X e Id X a função identidade no conjunto X. Sendo assim, denimos f 0 = Id X e, para n 1, f n = f (f n 1 ). Chamamos a função f n de n-ésima iterada de f, ou ainda, dizemos que f foi iterada n vezes. Proposição Se m e n são naturais quaisquer, então vale a igualdade m + n = s n (m), isto é, somar n a m é somar 1 a m iteradamente n vezes. Demonstração. Seja S m = {n N m+n = s n (m)} para um m natural xado arbitrariamente. Provemos por indução que S m = N 1. s 0 (m) = m = m + 0, portando 0 S m ; 2. Seja k S m, ou seja, m + k = s k (m). Temos ainda que m + s(k) = s(m + k), daí, pela hipótese, m + s(k) = s(s k (m)) = s s k (m). Por denição, s s k (m) = s k+1 (m) = s s(k) (m), e assim, m + s(k) = s s(k) (m), logo, s(k) S m. Como m foi xado arbitrariamente, temos S m = N para todo m N. Exemplo Segue um exemplo do que acabou de ser demonstrado: = s 3 (5) = s(s 2 (5)) = s(s(s(5))) = s(s(6)) = s(7) = 8 19

28 Vamos enunciar e demonstrar agora uma proposição que será fundamental para a prova do próximo teorema. Proposição Para todo m N, temos que m+0 = m = 0+m, isto é, m é um elemento neutro da adição em N. Demonstração. Por denição m+0 = m. Provemos agora que 0+m = m. De fato, consideremos o conjunto A 0 = {m N 0 + m = m}. 1. Por denição = 0, portanto 0 A 0 ; 2. Suponhamos k A 0, isto é, 0 + k = k e provemos que s(k) A 0. Com efeito, 0 + s(k) = s(0 + k) = s(k), ou seja, s(k) A 0. Logo, por indução, concluímos que A 0 = N. O seguinte teorema mostra as propriedades da adição que são admitidas intuitivamente desde a escola. Teorema Se m, n e p são números naturais arbitrários, temos que as seguintes armações são verdadeiras: 1. Propriedade associativa da adição: m + (n + p) = (m + n) + p. 2. Propriedade comutativa da adição: n + m = m + n. 3. Lei do cancelamento da adição: m + p = n + p m = n. Demonstração. 1. Para esta prova, consideremos o conjunto A (m,n) = {p N m + (n + p) = (m + n) + p} com m e n naturais xados arbitrariamente. Vamos aplicar indução sobre este conjunto. (a) Temos que m + (n + 0) = m + n = (m + n) + 0, logo, 0 A (m,n) ; (b) Suponhamos que k A (m,n), isto é, m + (n + k) = (m + n) + k. Agora, provemos que s(k) A (m,n). De fato, (m + n) + s(k) = s((m + n) + k), e por hipótese, (m + n) + s(k) = s(m + (n + k)), daí, (m + n) + s(k) = m + s(n + k), o que signica, (m + n) + s(k) = m + (n + s(k)), logo, s(k) A (m,n). 2. Para esta prova, consideremos o conjunto A n = {m N n + m = m + n}, com n xado arbitrariamente e provemos que N = A n. (a) Temos, pela proposição , que n + 0 = 0 + n, portanto, 0 A n ; (b) Suponhamos que k A n, ou seja, n + k = k + n, e provemos que s(k) A n. De fato, n + s(k) = s(n + k) = s(k + n) = (k + n) + 1, daí, pelo primeiro item deste teorema, n + s(k) = k + (n + 1), e pela proposição obtemos n + s(k) = k + (1 + n) = (k + 1) + n e assim, n + s(k) = s(k) + n, o que signica que s(k) A n. 20

29 Concluímos assim, por indução, que A n = N. 3. Consideremos o conjunto A (m,n) = {p N m + p = n + p m = n}. Provemos agora que A (m,n) = N. (a) Temos que 0 A (m,n), pois m + 0 = n + 0 m = n, pela proposição ; (b) Suponhamos k A (m,n), isto é, m + k = n + k m = n. Temos que m + s(k) = n + s(k) s(m + k) = s(n + k) (m + k) + 1 = (n + k) + 1 m + (1 + k) = n + (1 + k) pelos itens anteriores (m + 1) + k = (n + 1) + k s(m) + k = s(n) + k s(m) = s(n) por hipótese m + 1 = n + 1 m = n Logo, m + s(k) = n + s(k) m = n, ou seja, s(k) A (m,n). Desta forma, concluímos que A (m,n) = N. O teorema anterior deixa bem claro a importância da Indução Finita nas demonstrações. A seguinte proposição é um complemento da proposição Proposição Suponhamos que exista u N tal que m + u = m (ou u + m = m), para todo m N. Então u = 0. Assim, 0 é o único elemento neutro para a operação de adição. Demonstração. Temos 0 = 0 + u = u para u como na hipótese. 2.3 Multiplicação dos Números Naturais Assim como foi denida a adição, deniremos agora a operação que chamaremos de multiplicação: Denição Dado m A, denimos recursivamente: { m 0 = 0, m (n + 1) = m n + m. Ou seja, xado m, se p = 0, m p = 0 e se p 0, p = n + 1, para algum n N, daí m p = m (n + 1) = m n + m. Para designar m n, usaremos a notação de justaposição mn. Será enunciado e provado, a seguir, um teorema com as propriedades da multiplicação, mas antes disso, enunciaremos duas proposições que serão úteis para a demonstração de tal teorema. Proposição Para todo m N, temos que 0 m = 0. 21

30 Demonstração. Consideremos o conjunto S = {m N 0 m = 0} e utilizemos indução para mostrar que S = N: = 0 por denição, portanto, 0 N; 2. Suponhamos que k está em S, ou seja, 0 k = 0 e provemos que s(k) S. De fato, 0 s(k) = 0(k + 1) = 0k + 0, por denição, e ainda, 0k + 0 = 0k = 0, por hipótese de indução. Logo, 0 s(k) = 0, ou seja, s(k) S Dessa forma, concluímos que S = N. Proposição Sejam m, n N tais que m + n = 0. Então m = n = 0. Demonstração. Suponhamos n 0, isto é, n = s(n 1 ) = n 1 + 1, para algum n 1 N. Sabemos que 0 = m + n = m + (n 1 + 1) = (m + n 1 ) + 1 = s(m + n 1 ), o que é um absurdo pois 0 não é sucessor de nenhum elemento de N. Logo, n = 0, sendo assim, m+n = 0 m+0 = 0 m = 0, como queríamos. Teorema Sejam m, n, p N, então são válidos os itens abaixo: 1. mn N, isto é, a multiplicação é uma operação em N; 2. Existe um elemento neutro multiplicativo: 1 n = n 1 = n; 3. Distributividade: m(n + p) = mn + mp e (m + n)p = mp + np; 4. Associatividade: m(np) = (mn)p; 5. mn = 0 m = 0 ou n = 0; 6. Comutatividade: mn = nm Demonstração. 1. Consideremos o conjunto S m = {n N mn está denido} para m N xado arbitrariamente. (a) m 0 = 0 está denido, logo, 0 S m ; (b) Suponhamos k N e provemos que s(k) N. De fato, m s(k) = m(k +1) = mk +m. Por hipótese de indução mk está denido e, como visto na seção anterior, a soma de quaisquer dois naturais também. Logo, m s(k) = mk + m está denido, o que signica que s(k) S m. Sendo assim, por indução S m = N. Como m foi xado arbitrariamente, a igualdade vale para qualquer m N. 2. Temos que n 1 = n(0+1), e por denição n(0+1) = n 0+n = n, logo, n 1 = n. Agora, para mostrar que 1 n = n para todo n N, consideremos o conjunto S = {n N 1 n = n}, e mostremos que N = S. 22

31 (a) Temos que 1 0 = 0, por denição, logo, 0 S; (b) Suponhamos que k S, ou seja, 1 k = k. Sabemos que 1 (k + 1) = 1 k + 1, daí, por hipótese de indução, 1 (k + 1) = k + 1. Portanto, k + 1 S. Sendo assim, por indução S = N. 3. Sejam m, n naturais xados arbitrariamente e usemos indução sobre p. Seja A m,n = {p N m(n + p) = mn + mp}. (a) De fato, 0 A m,n pois m(n+0) = mn e mn+m 0 = mn, ou seja, m(n+0) = mn+m 0; (b) Mostremos agora que, se k A m,n, isto é, m(n+k) = mn+mk, então (k +1) A m,n. Com efeito, m(n + (k + 1)) = m((n + k) + 1) = m(n + k) + m = (mn + mk) + m = mn + (mk + m) = mn + (m(k + 1)). Todas estas igualdades se justicam com base em propriedades estabelecidas anteriormente. Sendo assim, (k + 1) A m,n. Assim, concluímos, por indução, que A m,n = N. 4. Novamente, consideremos m, n N xados arbitrariamente e apliquemos indução sobre p. Seja S m,n = {p N m(np) = (mn)p}: (a) m(n 0) = m 0 = 0 e (mn) 0 = 0, logo, m(n 0) = (mn) 0. Assim, 0 S m,n ; (b) Suponhamos que k S m,n, isto é, m(nk) = (mn)k. Consideremos as seguintes igualdades: m(n(k + 1)) = m(nk + n) = m(nk) + mn = (mn)k + mn = (mn)(k + 1). Dessa forma, k + 1 S m,n Logo, S m,n = N. 5. Seja mn = 0. Suponhamos n 0. Então n = n para algum n 1 em N. Assim, mn = 0 m(n 1 + 1) = 0 mn 1 + m = 0, daí, pela proposição 2.3.3, mn 1 = m = 0. Da mesma forma, supondo m 0, concluímos que n = 0. Como queríamos. 6. Suponhanhamos S m = {n N mn = nm}, para um m N xados arbitrariamente. Mostremos que S m = N: (a) Por denição, m 0 = 0 e, pela proposição 2.3.2, 0 m = 0, logo, m 0 = 0 m, isto é, 0 S m ; (b) Suponhamos k S m, ou seja, mk = km. Temos que m(k + 1) = mk + m = km + m, por hipótese de indução, e ainda, km + m = (k + 1)m. Sendo assim, m(k + 1) = (k + 1)m, que signica k + 1 S m. Logo, por indução, S m = N. Como m é arbitrário, a igualdade vale para todo m em N. Novamente pudemos perceber o quão é importante a existência do terceiro Axioma de Peano. Completaremos agora esta parte, mostrando que o elemento neutro, visto no segundo item do teorema anterior, é único. Proposição Se p N é tal que np = n (ou pn = n), para todo n N, então p = 1. Demonstração. Para um tal p, 1 = 1p = p, como queríamos. 23

32 2.4 Relação de ordem em N A ideia intuitiva que trazemos desde a escola, de que 0 é menor que 1, que é menor que 2 e assim sucessivamente, vem da relação de ordem que existe nos naturais, que nos permite comparar os números deste conjunto, formalizando a ideia intuitiva. Denição Seja R uma relação binária em um conjunto não vazio A e x, y, z elementos quaisquer de A. Dizemos que R é uma relação de ordem em A quando satisfaz as seguintes condições: 1. Reexividade: xrx; 2. Antissimetria: se xry e yrx, então x = y; 3. Transitividade: se xry e yrz, então xrz. Dizemos ainda que tal A, diferente de vazio e munido de uma relação R, é chamado de conjunto ordenado. Vamos denir agora uma relação de ordem em N através da operação adição, o que o torna um conjunto ordenado. Denição Dados m, n N, dizemos que mrn se existir p N tal que n = m + p Exemplo Temos que 2R7, pois 7 = 2 + 5; 2. 4R4, dado que 4 = Proposição A relação R da denição acima é uma relação de ordem em N Demonstração. De fato, vejamos que valem as propriedades reexiva, antissimétrica e transitiva: 1. Reexiva: dado m N, claramente m = m + p, para p = 0 N, logo, mrm; 2. Antissimétrica: sejam m, n N, mrn e nrm, isto é, existem p, q N, tais que n = m + p e m = n + q. Substituindo a primeira igualdade na segunda, obtemos, m = (m + p) + q m = m + (p + q), o que signica que p + q = 0, assim, pela proposição 2.3.3, p = q = 0, logo, m = n; 3. Transitiva: Sejam l, m, n N, lrm e mrn, ou seja, existem p, q N tais que m = l + p e n = m + q. Substituindo a primeira igualdade na segunda, obtemos, n = (l + p) + q, ou ainda, n = l + (p + q). Temos que p + q = r N, portando, podemos reescrever a última equação como segue: n = l + r. Sendo assim, concluímos que, lrn. Logo, a relação R é de ordem em N, como queríamos. Denição Sejam m, n N e R a relação da denição acima. Se mrn, diremos que m é menor ou igual a n e passaremos a escrever m n no lugar de R, ou seja, m n signicará mrn. 24

33 Seja (A, +) um grupo abeliano e uma relação de ordem em A que satisfaz a b b = a + c para algum c A. Denotamos por A = A \ {0}, B + = {x B x 0} e B = {x B x 0}. Seguem algumas variações desta notação: m n pode ser escrito como n m. Leremos n é maior ou igual a m; Se m n, mas m n, escrevemos m < n e dizemos que m é menor que n; m < n pode ser escrito como n > m e leremos n é maior que m. Proposição Para todo n N, 0 < n. Em particular, 0 < 1. Demonstração. Devemos mostrar que existe p N tal que n = 0 + p (p 0, pois, 0 n, mas n 0). De fato, como n 0, dado que n N, podemos dizer que, n = s(n 1 ) = s(n 1 ) + 0 = 0 + s(n 1 ), para algum n 1 N. Sendo assim, encontramos, n = 0 + p, com p = s(n 1 ) N, como queríamos. Temos ainda que 1 = 0 + 1, portanto, 0 < 1. Proposição Para todo n N, s(n) > n. Demonstração. Novamente, devemos mostrar que s(n) = n + p, com p 0. De fato, temos que s(n) = n + 1, claramente 1 0, logo, s(n) > n. Proposição (Lei da Tricotomia dos Naturais). Para quaisquer m, n N temos que uma, e somente uma, das relações seguintes ocorre: 1. m < n; 2. m = n; 3. m > n. Demonstração. Vamos mostrar primeiro que duas delas não podem ocorrer simultanemante e depois mostrar que obrigatoriamente uma delas deve ocorrer. Claramente, 1 e 2, não podem ocorrer simultanemante, pois, teríamos n = m + p com p N e m = n, daí, subtituindo a segunda igualdade na primeira, obteríamos que, m = m + p e disso, p = 0, o que é uma contradição, pois, p N. Da mesma forma, 2 e 3 não podem ocorrer juntas. Suponhamos agora que 1 e 3 ocorram ao mesmo tempo, isto é, n = m + p e m = n + q, com p, q N. Substituindo a primeira igualdade na segunda, obtemos, m = (m + p) + q ou ainda, m = m + (p + q), que nos remete a 0 = p + q. Pela proposição 2.3.3, concluímos que p = q = 0, o que é uma contradição, pois p, q N. Mostremos esta parte por indução. Seja M = {x N x = m ou x > m ou x < m} com m sendo um natural qualquer. 1. Temos que 0 M, pois 0 = m ou 0 m. Se 0 m, pela proposição 2.4.6, 0 < m. 25

34 2. Suponhamos agora que k M, isto é, k = m ou k > m ou k < m. Analisemos os três casos: (a) k = m k + 1 = m + 1 k + 1 > m k + 1 M; (b) k > m k = m + p para p N k + 1 = (m + p) + 1 k + 1 = m + (p + 1) k + 1 > m k + 1 M; (c) k < m m = k + p para p N. Como p 0, temos que p = p com p 1 N. Logo, m = k + p m = k + (p 1 + 1) m = (k + 1) + p 1. Se p 1 = 0 teremos m = k + 1 e portanto, k + 1 M. Se p 1 0, então, k + 1 < m, logo, k + 1 M. Sendo assim, conluímos que, se k M, então k + 1 M. Logo, por indução, N = M. A Proposição anterior nos fornece o fato de que dois naturais são sempre comparáveis pela relação de ordem acima denida. Chamamos uma relação de ordem que obedece a tricotomia de relação de ordem total. Veja a seguir uma relação de ordem que não obedece a tricotomia. Neste caso diremos que é uma relação de ordem parcial. Exemplo Sejam X um conjunto e R a relação de inclusão entre os elementos de P(X). Esta é uma relação de ordem em, P(X), mas só é de ordem total quando X é vazio ou unitário. De fato, seja X um conjunto qualquer. Vamos vericar primeiramente que esta é uma relação de ordem: 1. Reexiva: seja Y um elemento qualquer de P(X). Como Y = Y, claramente, Y Y ; 2. Antissimétrica: sejam Y e Z elementos de P(X), Y Z e Z Y. Disso já temos que Y = Z; 3. Transitiva: sejam Y, Z e W elementos de P(X), Y Z e Z W. Obviamente, Y W. Concluímos, assim, que esta é uma relação de ordem. Precisamos agora vericar se é de ordem total. Consideremos primeiro X diferente de vazio e não unitário, por exemplo, X = {a, b}. Com isso, P(X) = {, {a}, {b}, {a, b}}. Vemos facilmente que {a} {b} e {b} {a}, portanto, não obedece a tricotomia. Concluímos então que esta é uma relação de ordem parcial em X diferente de vazio e não unitário. Suponhamos agora X = e assim, P(X) = { }. Esta é uma relação de ordem total, pois o único subconjunto de P(X) é o conjunto vazio, e, obviamente, =, além de não está propropriamente contido em. Seja agora X um conjunto unitário qualquer, digamos X = {a}. Sabemos que P(X) = {, {a}}. O vazio é subconjunto de qualquer conjunto, sendo assim, {a} e ainda, {a}, ou seja, satisfaz a tricotomia. Vericamos, assim, que a relação de inclusão é de ordem em todo caso, mas é relação de ordem total apenas quando X é vazio ou unitário. Teorema Sejam a, b, c N. Valem os seguintes itens: 1. a b a + c b + c; 26

35 2. a b ac bc com c 0; Demonstração. 1. ( ) a b existe p N tal que b = a + p. Daí, b + c = (a + p) + c = (a + c) + p, logo b + c a + c. ( ) a+c b+c b+c = (a+c)+p para algum p N. Daí temos, b+c = (a+c)+p b + c = (a + p) + c b = a + p, logo a b. 2. ( ) a b b = a + q para algum q N. Suponhamos que bc < ac, ou seja, ac = bc + p para algum p N. Substituindo a primeira igualdade nesta última obtemos ac = (a + q)c + p ac = ac + qc + p 0 = qc + p, daí, pela proposição 2.3.2, qc = p = 0, o que é uma contradição, pois p N. Logo, ac bc, como queríamos. ( ) ac bc bc = ac + p para algum p N. Suponhamos b < a, ou seja, a = b + q para q N. Substituindo esta igualdade na anterior, obtemos, bc = (b + q)c + p bc = bc + qc + p 0 = qc + p 0 = qc = p, daí, pelo item 5 do teorema 2.3.4, obtemos que q = 0 ou c = 0. Como c 0, nos resta que, q = 0, o que é uma contradição, pois q N. Portanto, pela tricotomia, a b. Note que o teorema anterior é válido com < no lugar de e a demostração segue da mesma forma. Teorema (Lei do cancelamento da multiplicação). Sejam a, b, c N, com c 0, tais que ac = bc, então a = b. Demonstração. Suponhamos que a b. Pela tricotomia devemos ter a < b ou b < a. Se a < b, pelo teorema anterior, temos, ac < bc, contradizendo a hipótese de que ac = bc, da mesma forma, b < a bc < ac, também contradiz a hipótese. Logo, a = b. Teorema Sejam a, b N. Temos que a < b se, e somente se, a + 1 b. Demonstração. ( ) a < b b = a + p, com p N, assim, podemos escrever p = s(p 1 ) = p 1 + 1, com p 1 N. Temos: b = a + p b = a + (p 1 + 1) b = (a + 1) + p 1 b a + 1. ( ) a + 1 b b = (a + 1) + p, p N b = a + (p + 1) b = a + s(p). Obviamente s(p) N, logo, b > a, como queríamos. Concluímos da relação de ordem em N que, se a N, então, a < s(a), pois s(a) = a + 1. Dessa forma 0 < 1 < 2 < 3 <.... Notemos, ainda, que não existem naturais entre a e s(a), para todo a N, pois a < r < a + 1 implicaria, pelo teorema anterior, que a + 1 r < a + 1, ou seja, a + 1 < a + 1, o que não pode acontecer. 27

36 O próximo teorema aborda um conceito intuitivamente claro desde o Ensino Fundamental: todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento. Mas antes dele introduziremos o conceito de menor elemento. Denição Dado um conjunto ordenado A, dizemos que a A é um menor elemento de A se a x para todo x A. Proposição Se A é um conjunto ordenado que admite um menor elemento, então este menor elemento é único e chamado de elemento mínimo de A e denotado por mina. Demonstração. Sejam a 1 e a 2 menores elementos de A. Como a 2 é um menor elemento de A, temos que a 2 A e ainda, como a 1 x, x A, temos que a 1 a 2. Da mesma forma, a 1 A e a 2 x, x A, logo a 2 a 1. Se a 1 a 2 e a 2 a 1, pela antissimetria a 1 = a 2, como queríamos. De modo análogo ao que foi feito no teorema anterior, maxa é o maior elemento ou elemento máximo de um conjunto ordenado. Teorema (Princípio da Boa Ordem). Todo subconjunto não vazio de números naturais possui um menor elemento. Demonstração. Seja S um tal subconjunto de N e consideremos o conjunto M = {n N n x, x S}. Claro que 0 M. Como S, tomemos s S. Então s + 1 / M, pois s + 1 não é menor ou igual a s. Assim, M N. Como 0 M e N M, deve existir k M tal que k + 1 / M, caso contrário, pelo princípio de indução, M = N. Armamos que este k é o menor elemento de S, isto é, k = mins. Como k M, então k x, x S. Só falta mostrar que k S. Suponhamos que k / S. Então k < x, x S. Pelo teorema anterior teríamos k + 1 x, x S, o que signicaria que k + 1 M, contradizendo a escolha de k. Logo k S, como queríamos. Vimos que o Princípio de Indução implica no Princípio da Boa Ordem. Estes dois princípios são equivalentes. Neste caso assumimos o Princípio de Indução e provamos o da Boa Ordem, mas poderíamos ter assumido o da Boa Ordem e demonstrado o outro como teorema, conseguindo os mesmo resultados. Proposição Seja X um subconjunto de N satisfazendo os dois itens abaixo: 1. a X; 2. n X n + 1 X. Então, temos que {a, a + 1, a + 2,...} X. Demonstração. Queremos mostrar que se m N então a + m X, ou seja, queremos mostrar que Y = {m N a + m X} = N. Consideremos Y dessa forma e apliquemos indução sobre ele: 28

37 1. 0 Y pois a + 0 = a X por denição de X; 2. Suponhamos agora k Y e provemos que k + 1 Y. Se k Y, então a + k X, daí, por denição de X, (a + k) + 1 X, ou ainda, a + (k + 1) X, o que signica que k + 1 Y. Logo N = Y. Proposição Seja s : N N a função sucessor. Para cada n 1, tem-se s n (0) s k (0), para todo k < n. Demonstração. Seja X = {n N s n (0) s k (0), k < n}. Vamos mostrar, usando a proposição anterior, que X = N : 1. 1 X, pois s 1 (0) = s(0) = 1 0 = s 0 (0); 2. Seja n X, isto é, s n (0) s k (0), para todo k < n. Apliquemos s a ambos os lados dessa desigualdade, isto é, s n+1 (0) s k+1 (0), para todo k < n. Podemos dizer que s n+1 (0) s l (0) para todo l de 1 até n. Temos ainda que, s n+1 (0) 0 = s 0 (0), daí s n+1 (0) s 1 (0), para todo l < n + 1, o que diz que n + 1 X, como queríamos. Sendo assim, por indução X = N. 29

38 Capítulo 3 Números Inteiros Por conta do rigor matemático, não é adequado seguir a ideia de número inteiro que é introduzida na escola. Faremos aqui uma construção rigorosa com todas as demonstrações precisas deste conjunto numérico, através das noções básicas de Teoria dos Conjuntos e de relações de equivalência. 3.1 Relação de Equivalência em N N Deniremos aqui, um número inteiro como uma classe de equivalência dada por uma relação de equivalência no conjunto N N. Dessa forma, o conjunto Z dos inteiros será o conjunto destas classes de equivalência. Em seguida, iremos denir duas operações em Z e mostrar que Z possui uma cópia algébrica de N. Deniremos a operação subtração em Z e nalizaremos a sua construção. Comecemos então denindo esta relação em N N e provando que é de equivalência: Denição Sejam (a, b), (c, d) N N. Dizemos que (a, b) está relacionado com (c, d) quando a + d = b + c. Denotaremos por (a, b) (c, d). Teorema A relação descrita acima é de equivalência. Demonstração. 1. Reexiva: Se (a, b) N N, então a + b = b + a, por herança da comutativa em N, logo, (a, b) (a, b). 2. Simétrica: Se (a, b), (c, d) N N e (a, b) (c, d), então, a+d = b+c, e disso, c+b = d+a, que signica, (c, d) (a, b). 3. Transitiva: Se (a, b), (c, d), (e, f) N N, (a, b) (c, d) e (c, d) (e, f), temos que, a+d = b+c e c+f = d+e. Assim temos a+d+e = b+c+e e a+c+f = a+d+e, daí, b + c + e = a + c + f b + e = a + f a + f = b + e. Logo, (a, b) (e, f). 30

39 Pensando de forma intuitiva, por um momento, considerando a subtração de inteiros, notamos que a + d = b + c é equivalente a a b = c d, isto é, dois pares ordenados são equivalentes, segundo a denição acima, quando a diferença entre suas coordenadas, na mesma ordem, coincidem. Esta foi a forma encontrada pelos matemáticos do século XIX para iniciar a construção do conjunto Z sem mencionar a subtração, mas trazendo a sua essência, tendo como ponto de partida os naturais e suas operações. Denotaremos por (a, b) a classe de equivalência do par ordenado (a, b) pela relação, isto é, Exemplo (3, 2) = {(2, 1), (3, 2), (4, 3), (5, 4),...}; 2. (1, 7) = {(0, 6), (1, 7), (2, 8), (3, 9),...}; 3. (5, 4) = {(2, 1), (3, 2), (4, 3), (5, 4),...}. Podemos ver que (3, 2) = (5, 4). (a, b) = {(x, y) N N (x, y) (a, b)}. Denição O conjunto quociente N N/ constituído pelas classes de equivalência (a, b) será denota por Z e chamado de conjunto dos números inteiros. Assim, Z = N N/ = {(a, b) (a, b) N N}. 3.2 Adição de números inteiros Deniremos agora a operação (+) em Z que denominaremos por adição. Voltando à nossa intuição, se (a, b) expressa, em essência, a diferença (a b) e (c, d) expressa (c d), a matemática elementar nos dá (a b) + (c d) = (a + c) (b + d). Esta última expressão se traduz em (a + c, b + d). Esta é a motivação para a denição formal de (a, b) + (c, d), que daremos a seguir. Denição Sejam (a, b), (c, d) Z. A soma (a, b) + (c, d) é dada por (a + c, b + d). Vamos mostrar a seguir que esta operação de adição está bem denida. Teorema Se (a, b) = (a, b ) e (c, d) = (c, d ), então, (a, b) + (c, d) = (a, b ) + (c, d ), isto é, a adição de números inteiros está bem denida. Demonstração. Como (a, b) = (a, b ), temos que, (a, b) (a, b ), ou seja, Da mesma forma, a + b = b + a (3.1) c + d = d + c (3.2) 31

40 Temos, por denição, que (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b ) + (c, d ) = (a + c, b + d ). Devemos mostrar que (a + c, b + d) = (a + c, b + d ). De fato, somando os primeiros e segundos membros de (3.1) e (3.2), na ordem dada, obtemos, (a + b ) + (c + d ) = (b + a ) + (d + c ) (a + c) + (b + d ) = (b + d) + (a + c ). Portanto, (a + c, b + d) = (a + c, b + d ), como queríamos. Teorema A adição em Z é comutativa, associativa e tem (0, 0) como elemento neutro. Demonstração. 1. Comutativa: Devemos mostrar que, dados (a, b) e (c, d) em Z, temos (a, b) + (c, d) = (c, d) + (a, b). De fato, (a + b) + (c + d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) + (a, b). 2. Associativa: Queremos mostrar que, dados (a, b), (c, d) e (e, f) em Z, temos (a, b)+((c, d)+ (e, f)) = ((a, b) + (c, d)) + (e, f) (a, b) + ((c, d) + (e, f)) = (a, b) + ((c + e, d + f)) = (a + (c + e), b + (d + f)) = ((a + c) + e, (b + d) + f) = (a + c, b + d) + (e, f) = ((a, b) + (c, d)) + (e, f) 3. Elemento Neutro: Dado (a, b) e (0, 0) em Z. (a, b) + (0, 0) = (a + 0, b + 0) = (0 + a, 0 + b) = (0, 0) + (a, b) = (a, b) Teorema (Cancelamento da Adição). Dados α, β, γ Z e α + β = γ + β, então α = γ. Demonstração. Seja α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f). Assim, (a, b) + (c, d) = (e, f) + (c, d) (a + c, b + d) = (e + c, f + d) (a + c) + (f + d) = (b + d) + (e + c) a + f = b + e (a, b) = (e, f) Teorema Vale a propriedade do elemento oposto: dado (a, b) Z, existe um único (c, d) Z tal que (a, b) + (c, d) = (0, 0). Este (c, d) é o elemento (b, a). 32

41 Demonstração. Provaremos inicialmente a existência deste elemento oposto e, em seguida, a sua unicidade. Seja (a, b) Z. Tomemos (c, d) = (b, a) Z e assim, e (a, b) + (c, d) = (e, f) (a, b) + (b, a) = (e, f) (a + b, b + a) = (e, f) a + b + f = b + a + e f + 0 = e + 0 (f, e) = (0, 0) (a, b) + (c, d) = (0, 0). Sendo assim, existe um elemento (c, d) = (b, a) Z, tal que, (a, b) + (c, d) = (0, 0). Suponhamos que existam dois elementos distintos desta forma, (c, d), (c, d ) Z, isto é, Como ambos são opostos a (a, b), temos: (c, d) (c, d ) c + d d + c. (3.3) (a, b) + (c, d) = (0, 0) (a + c, b + d) = (0, 0) a + c = b + d (3.4) (a, b) + (c, d ) = (0, 0) (a + c, b + d ) = (0, 0) a + c = b + d (3.5) Somando o primeiro membro de (3.4) ao segundo de (3.5) e o primeiro de (3.5) com o segundo de (3.4) obtemos: a + c + b + d = b + d + a + c c + d = d + c, o que contradiz (3.3). Portanto, (c, d) = (c, d ), com queríamos. Denição Dado α Z, o único β Z, tal que, α + β = (0, 0) chama-se simétrico de α (ou oposto de α, ou inverso aditivo de α). Sua unicidade permite que o denotemos por α. Dessa forma, α + ( α) = (0, 0) e, como visto, α = (b, a). A existência e unicidade de oposto de um número inteiro permite que denamos uma terceira operação em Z, denominada subtração. Denição A subtração em Z, denotada por ( ), é a operação denida da seguinte forma: se α, β Z, então α β = α + ( β). Assim, a subtração α β é a soma de α com o oposto de β. Proposição Para α, β, γ Z, vale: 33

42 1. ( α) = α; 2. α + β = β α; 3. α ( β) = α + β; 4. α β = (α + β); 5. α (β + γ) = α β γ; Demonstração. 1. Seja α = (a, b), então, α = (b, a), e assim, ( α) = (b, a) = (a, b) = α. 2. Seja α = (a, b) e β = (c, d). Claramente, α = (b, a). Temos: α + β = (b, a) + (c, d) = (b + c, a + d) = (c + b, d + a) = (c, d) + (b, a) = β α. 3. Seja α = (a, b) e β = (c, d), e assim, α = (b, a) e β = (d, c). α ( β) = (a, b) (d, c) = (a, b) + (c, d) = α + β. 4. Se α = (a, b) e β = (c, d), teremos, α = (b, a) e β = (d, c), e assim: α β = (b, a) (c, d) = (b, a) + (d, c) = (b + d, a + c) = (a + c, b + d) = ((a, b) + (c, d)) = (α + β). 5. Se α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f), então, α = (b, a), β = (d, c) e γ = (f, e) e assim: α (β + γ) = (a, b) ((c, d) + (e, f)) = (a, b) (c + e, d + f) = (a, b) + (d + f, c + e) = (a, b) + (d, c) + (f, e) = α β γ. 3.3 Multiplicação dos inteiros Deniremos a seguir outra operação em Z, a qual denotaremos por ( ) e chamaremos de produto. Pensando intuitivamente, se (a, b) nos expressa (a b), (c, d) expressa (c d) e 34

43 (a b) (c d) = a c + b d (a d + b c), temos a motivação para a seguinte denição. Denição Dados (a, b) e (c, d) em Z, denimos o produto (a, b) (c, d) como sendo (a c + b d, a d + b c). Teorema A multiplicação em Z está bem denida, isto é, se (a, b) = (a, b ) e (c, d) = (c, d ), então, (a, b) (c, d) = (a, b ) (c, d ). Demonstração. Seja (a, b) = (a, b ), isto é, a + b = b + a, que nos fornece: e Somando as equações (3.6) e (3.7) obtemos ca + cb = cb + ca (3.6) da + b d = bd + a d. (3.7) ac + bd + a d + b c = ad + bc + a c + b d (ac + bd, ad + bc) = (a c + b d, a d + b c) (a, b) (c, d) = (a, b ) (c, d). (3.8) Do mesmo modo, (c, d) = (c, d ) c + d = d + c, de onde obtemos: e Novamente somando as equações (3.9) e (3.10) obtemos a c + a d = a d + a c (3.9) b c + b d = b d + b c. (3.10) a c + b d + a d + b c = a d + b c + a c + b d (a c + b d, a d + b c) = (a c + b d, a d + b c ) Dessa maneira, observando (3.8) e (3.11), obtemos que (a, b ) (c, d) = (a, b ) (c, d ). (3.11) (a, b) (c, d) = (a, b ) (c, d ), como queríamos. Teorema A multiplicação em Z é comutativa, associativa, tem (1, 0) como neutro multiplicativo e é distributiva em relação a adição. Além disso, vale a propriedade do cancelamento multiplicativo, isto é, se α, β, γ Z, com γ (0, 0) e αγ = βγ, então α = β. Demonstração. 35

44 1. Comutativa: Sejam α = (a, b) e β = (c, d) em Z. Temos, αβ = (a, b) (c, d) = (ac + bd, ad + bc) (3.12) βα = (c, d) (a, b) = (ca + db, cb + da). (3.13) Podemos ver que (3.12) é igual a (3.13), isto é, (ac + bd, ad + bc) = (ca + db, cb + da), que signica αβ = βα. 2. Associativa: Sejam α = (a, b), β = (c, d), γ = (e, f) Z. α(βγ) = (a, b) ((c, d) (e, f)) = (a, b) (ce + df, cf + de) = (a(ce + df) + b(cf + de), a(cf + de) + b(ce + df)) = (ace + adf + bcf + bde, acf + ade + bce + bdf). (3.14) (αβ)γ = ((a, b) (c, d)) (e, f) = (ac + bd, ad + bc) (e, f) = ((ac + bd)e + (ad + bc)f, (ac + bd)f + (ad + bc)e) = (ace + bde + adf + bcf, acf + bdf + ade + bce). (3.15) Podemos ver que (3.14) é igual a (3.15), logo, α(βγ) = (αβ)γ. 3. Elemento Neutro: Sejam α = (a, b) e β = (1, 0) Z. α β = (a, b) (1, 0) = (a 1 + b 0, a 0 + b 1) = (a, b) = α. (3.16) 4. Distributiva: Sejam α = (a, b), β = (c, d), γ = (e, f) Z. α(β + γ) = (a, b) ((c, d) + (e, f)) = (a, b) ((c + e, d + f)) = (a(c + e) + b(d + f), a(d + f) + b(c + e)) = (ac + ae + bd + bf, ad + af + bc + be) = (ac + bd, ad + bc) + (ae + bf, af + be) = (a, b) (c, d) + (a, b) (e, f) = αβ + αγ. 5. Cancelamento Multiplicativo: sejam α = (a, b), β = (c, d), γ = (e, f) Z, com (e, f) (0, 0) tais que αγ = βγ, isto é, que equivale a (ae + bf, af + be) = (ce + df, cf + de) ae + bf + cf + de = af + be + ce + df 36

45 e disso, e(a + d) + f(b + c) = e(b + c) + f(a + d). Como (e, f) (0, 0), temos que e + 0 f + 0 e f. Suponhamos e > f (ou f > e), ou seja, e = f + p, com p N. Com isso, desenvolvendo os dois membros de cada igualdade teremos: (f + p)(a + d) + f(b + c) = (f + p)(b + c) + f(a + d) fa + fd + pa + pd + fb + fc = fb + fc + pb + pc + fa + fd pa + pd = pb + pc p(a + d) = p(b + c) a + d = b + c (a, b) = (c, d) α = β. Proposição Se α, β Z e αβ = (0, 0), então, α = (0, 0) ou β = (0, 0). Demonstração. Seja α = (a, b) e β = (c, d). αβ = (0, 0) (a, b) (c, d) = (0, 0) (ac + bd, ad + bc) = (0, 0) ac + bd + 0 = ad + bc + 0 ac + bd = ad + bc. (3.17) Suponhamos (a, b) (0, 0), isto é a b. Dessa forma a > b (ou b > a), e assim, a = b + p, com p N. Substituindo esta igualdade em (3.17) obtemos: (b + p)c + bd = (b + p)d + bc bc + pc + bd = bd + pd + bc pc = pd. Como p N, podemos usar a lei do cancelamento, e concluir que c = d, o que signica que (c, d) = (0, 0). Analogamente, se supormos que (c, d) (0, 0), concluiremos que (a, b) = (0, 0). Proposição Se α, β Z, temos: 1. ( α)β = αβ = α( β); 2. ( α)( β) = αβ. Demonstração. 1. Seja α = (a, b) e β = (c, d) e assim, α = (b, a) e β = (d, c). Dessa forma, ( α)β = (b, a) (c, d) = (bc + ad, bd + ac) (3.18) 37

46 αβ = (a, b) (c, d) = (bd + ac, bc + ad) = (bc + ad, bd + ac) (3.19) α( β) = (a, b) (d, c) = (ad + bc, ac + db) (3.20) Claramente, (3.18), (3.19) e (3.20) são iguais, isto é, ( α)β = αβ = α( β). 2. Consideremos os mesmos α e β do item anterior: ( α)( β) = (b, a) (d, c) = (bd + ac, bc + ad) = (a, b) (c, d) = αβ Proposição Dados α, β, γ Z, é válida a propriedade distributiva da multiplicação em relação a subtração, isto é, α(β γ) = αβ αγ. Demonstração. α(β γ) = α(β + ( γ)) = αβ + α( γ). Assim, pelo item 1 da Proposição 3.3.5, α(β γ) = αβ αγ, como queríamos. 3.4 Relação de Ordem em Z Façamos, como em N, uma comparação dos elementos de Z através de uma relação de ordem. Denição Dados os inteiros (a, b) e (c, d), escrevemos (a, b) (c, d), quando a + d b + c. Proposição A relação denida anteriormente está bem denida, isto é, se (a, b) = (a, b ), (c, d) = (c, d ) e (a, b) (c, d), então, (a, b ) (c, d ). Demonstração. (a, b) = (a, b ) a + b = b + a. (3.21) (c, d) = (c, d ) c + d = d + c. (3.22) 38

47 (a, b) (c, d) a + d b + c Subtituindo (3.21) e (3.22) em (3.23), obtemos a + b + d b + b + c a + b + d + d b + b + c + d. (3.23) b + a + d + d b + b + d + c a + d b + c (a, b ) (c, d ). Teorema A relação denida acima é uma relação de ordem em Z, ou seja, é reexiva, antissimétrica e transitiva. Demonstração. 1. Reexiva: Seja α = (a, b) Z. Claramente, (a, b) (a, b), pois, (a, b) = (a, b). 2. Antissimétrica: Sejam α, β Z, α β e β α. Consideremos α = (a, b) e β = (c, d) e assim, e α β (a, b) (c, d) a + d b + c β α (c, d) (a, b) c + b d + a. Pela tricotomia dos naturais, obtemos que, a + d = b + c, isto é, (a, b) = (c, d). 3. Transitiva: Sejam α, β, γ Z, α β e β γ, com α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f). Destas desigualdades obtemos a + d b + c e c + f d + e. Sendo assim, existem p, q N tais que, a + d + p = b + c e c + f + q = d + e. Somando os primeiros e segundos membros das duas igualdades, na ordem dada, obtemos a + d + p + c + f + q = b + c + d + e a + f + p + q = b + e Como p + q N, concluímos que, a + f b + e, ou seja, (a, b) (e, f), como queríamos. 39

48 Teorema A relação é compatível com as operações em Z, isto é, 1. α β α + γ β + γ; 2. α β e γ (0, 0) αγ βγ; 3. Apenas uma das situações seguintes ocorre: α = (0, 0) ou α < (0, 0) ou α > (0, 0). Demonstração. 1. Tomemos α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f) em Z. Assim, Como queríamos. (a, b) (c, d) a + d b + c a + e + d + f b + f + c + e (a + e, b + f) (c + e, d + f) (a, b) + (e, f) (c, d) + (e, f) α + γ β + γ. 2. Sejam α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f). Dessa forma obtemos, a + d b + c e e f. Sendo assim, existem p, q N, tais que, b + c = a + d + p e e = f + q. Temos que, b + c = a + d + p be + ce = ae + de + pe, (3.24) e b + c = a + d + p bf + cf = af + df + pf (3.25) e = f + q pe = pf + pq. (3.26) Somando o segundo membro da igualdade (3.24) com o primeiro da igualdade (3.25) e o primeiro membro de (3.24) com o segundo de (3.25), obtemos, ae + de + pe + bf + cf = be + ce + af + df + pf. Substituindo (3.26) nesta última igualdade, obtemos ae + de + pf + pq + bf + cf = be + ce + af + df + pf ae + de + bf + cf + pq = be + ce + af + df ae + de + bf + cf be + ce + af + df (ae + bf, af + be) (ce + df, cf + de) (a, b) (e, f) (c, d) (e, f) αγ βγ. 40

49 3. Suponhamos α > (0, 0) e α < (0, 0) simultaneamente, com α = (a, b). (a, b) > (0, 0) a > b e (a, b) < (0, 0) a < b, o que é um absurdo pela tricotomia dos naturais. Suponhamos agora α = (0, 0) e α < (0, 0) (ou α > (0, 0)) simultaneamente. (a, b) < (0, 0) a < b e (a, b) = (0, 0) a = b, o que novamente é um absurdo, pela tricotomia dos naturais. Como queríamos. O seguinte teorema mostra que Z é não só ordenado, como também, totalmente ordenado, isto é, a relação é de ordem total em Z. Teorema (Tricotomia dos Inteiros). Para α, β, γ Z, uma e apenas uma das situações seguintes ocorre: α = β ou α < β ou β < α. Demonstração. Suponhamos α < β e β < α simultaneamente: α < β (a, b) < (c, d) a + d < b + c β < α (c, d) < (a, b) c + b < d + a, absurdo pela tricotomia dos naturais. Da mesma forma, suponhamos α < β (ou β < α) e α = β simultaneamente: α < β (a, b) < (c, d) a + d < b + c α = β (a, b) = (c, d) a + d = b + c Absurdo pela tricotomia dos naturais. Além disto, novamente pela tricotomia dos naturais, necessariamente uma das seguintes ocorre: a + d < b + c, b + c < a + d, a + d = b + c. Isto signica que uma das seguintes deve ocorrer (a, b) < (c, d), (c, d) < (a, b), (a, b) = (c, d). Teorema Para α, β Z, α β e γ < (0, 0), temos que αγ βγ. Demonstração. Sejam α = (a, b), β = (c, d) e γ = (e, f). Temos que, (e, f) < (0, 0) e < f (0, 0) < (f, e). 41

50 Daí, como α β, pelo item 2 do Teorema (a, b) (f, e) (c, d) (f, e) (af + be, ae + bf) (cf + de, ce + df) af + be + ce + df ae + bf + cf + de (ce + df, cf + de) (ae + bf, af + be) (c, d) (e, f) (a, b) (c, d) βγ αγ. Denição Dado (a, b) Z, dizemos que: 1. (a, b) é positivo quando (a, b) > (0, 0); 2. (a, b) é não negativo quando (a, b) (0, 0); 3. (a, b) é negativo quando (a, b) < (0, 0); 4. (a, b) é não positivo quando (a, b) (0, 0); Observemos que se (a, b) > (0, 0) então a > b, e assim, existe m N tal que b + m = a, que equivale (a, b) = (m, 0). Analogamente, se (a, b) < (0, 0), existe m N, tal que a + m = b e dessa forma, (a, b) = (0, m). Dessa forma, temos que Z = {(0, m) m N } {(0, 0)} {(m, 0) m N }, onde esta união é disjunta. Além disso, Z = {(0, m) m N }, Z = {(0, m) m N } {(0, 0)} Z + = {(m, 0) m N }, Z + = {(m, 0) m N } {(0, 0)} Observemos que Z + está em bijeção com N, o que mostra que Z + é uma cópia algébrica de N em Z, como o seguinte teorema traduz. Teorema Seja f : N Z dada por f(m) = (m, 0). Então f é injetora e valem as seguintes propriedades: 1. f(m + n) = f(m) + f(n); 2. f(mn) = f(m)f(n); 3. Se m n, então f(m) f(n); Demonstração. Provemos inicialmente que f é injetora. De fato, f(m) = f(n) (m, 0) = (n, 0) m + 0 = 0 + n m = n. Provemos agora os três itens. Sejam m, n N. 1. f(m + n) = (m + n, 0) = (m, 0) + (n, 0) = f(m) + f(n); 2. f(mn, 0) = (mn, 0) = (m, 0) (n, 0) = f(m)f(n); 3. Se m n, temos que, (m, 0) (n, 0), ou seja, f(m) f(n). 42

51 O teorema acima nos garante que f é um homomorsmo injetor, ou seja, um monomorsmo. Dessa forma, o conjunto f(n) = Z +, tem a mesma estrutura algébrica que N. Por exemplo, = 5, corresponde, via f, a (2, 0) + (3, 0) = (5, 0). Do mesmo modo, 2.3 = 6, corresponde, via f, a (2, 0) (3, 0) = (6, 0). A relação 2 3 se preserva, via f, como (2, 0) (3, 0), conrmando a ideia de que a ordem em Z é uma extensão da ordem em N. Dizemos que N é um subconjunto de Z. A função f descrita acima, chama-se imersão de N em Z, o que mostra, pela Denição 2.1.2, que Z é innito, dado que f é injetora. Notemos que, se m N, o simétrico de (m, 0) é (0, m), logo, se identicarmos (m, 0) com m através de f, obtemos m = (m, 0) = (0, m). Dessa forma, identicando N com Z +, via f, obtemos o que será denido a seguir. Denição Denimos o conjunto dos inteiros como Z = { m m N } {0} N = {..., m,..., 2, 1, 0, 1, 2,..., m,...}. Usaremos, a partir de agora, esta identicação e, então, consideraremos N como um subconjunto de Z. Assim podemos obter a b = (a, 0) (b, 0) = (a, 0) + ( (b, 0)) = (a, 0) + (0, b) = (a, b) conforme nossas motivações intuitivas feitas anteriormente. Dessa forma, sendo x um inteiro qualquer, podemos identicar x por ( 1) x, pois, sendo x = (a, b), Teorema Se x, y Z temos: 1. Se x > 0 e y > 0, então xy > 0; 2. Se x < 0 e y < 0, então xy > 0; 3. Se x < 0 e y > 0, então xy < 0. Demonstração. ( 1) x = (0, 1) (a, b) = (b, a) = (a, b) = x 1. Como x e y são elementos positivos de Z, podemos identica-los por x = (x, 0) e y = (y, 0). Dessa forma, xy = (x, 0) (y, 0) = (xy, 0). Sabemos que (xy, 0) > (0, 0), portanto, xy > Pelo Teorema 3.4.6, x < 0 x > 0 e y < 0 y > 0, sendo assim, Temos: x = ( x, 0) x = ( x, 0) = (0, x) e y = ( y, 0) y = ( y, 0) = (0, y). xy = (0, x) (0, y) Sabemos que (( x)( y), 0) > (0, 0), portanto, xy > 0. = (( x)( y), 0) (3.27) 43

52 3. Pelo Teorema 3.4.6, x < 0 x > 0, sendo assim, x = ( x, 0) x = ( x, 0) = (0, x). Temos: xy = (0, x) (y, 0) = (0, ( x)y). (3.28) Sabemos que, (0, ( x)y) < (0, 0), portanto, xy < 0. Denição Seja X um subconjunto não vazio de Z. Dizemos que X é limitado inferiormente se existe α Z tal que α x, para todo x X. Tal α chama-se cota inferior de X. Dizemos que X é limitado superiormente se existir β Z tal que x β para todo x X. Tal β é chamado cota superior de X. Exemplo Claramente 0 x para todo x N Z, logo, 0 é cota inferior de N. Da mesma forma, 1 e qualquer inteiro negativo também o é. Teorema N não admite cota superior em Z. Demonstração. Devemos mostrar que, para todo β Z, existe x N, tal que β < x. Seja β Z: Se β < 0, basta tomar qualquer x N que já obtemos β < x; Se β = 0, basta tomar x = 1 N, daí, β < x; Se β > 0, então, β N, portanto, s(β) N. Sabemos que β < s(β), isto é, β < β + 1. Sendo assim, para todo β > 0 em Z, existe x = β + 1 N, tal que β < x. Teorema (Princípio da Boa Ordem). Seja X Z não vazio e limitado inferiormente. Então X possui elemento mínimo. Demonstração. Seja α uma cota inferior de X, isto é, α x para todo x X. Consideremos X = {x α x X}. Claramente, X N (identicado com Z + ) e, pelo Princípio da Boa Ordem em N, o conjunto X possui elemento mínimo, digamos, m. Assim, m X e m y para todo y X. Como m X, m = m α, para algum m X. Armamos que m = m +α é elemento mínimo de X. Só falta vericar que m x para todo x X, mas isso equivale a m α x α para todo x X, ou ainda, m x α, que é verdade, pela denição de m y. Logo, m é o mínimo de X. Corolário Seja x Z tal que 0 < x 1. Então x = 1. 44

53 Demonstração. Seja A = {y Z 0 < y 1}. Temos que A, dado que 1 A, e A é limitado inferiormente por 0. Pelo Princípio da Boa Ordem, A possui elemento mínimo, digamos, m. Suponhamos m < 1. Sendo assim, 0 < m < 1, logo, 0 < m 2 < m < 1, o que signica que m 2 A e é menor do que m, contradizendo a minimalidade de m. Portanto, m = 1. Como 1 é o máximo e o mínimo de A, temos que, A = {1}. Corolário Sejam n, x Z tais que n < x n + 1. Então x = n + 1. Demonstração. Seja A = {x Z n < x n+1, n Z}. Temos que A (pois n+1 A), e A é limitado inferiormente por n. Pelo Princípio da Boa Ordem, A possui elemento mínimo, digamos, m. Como m A, temos que n < m n + 1, de onde segue que 0 < m n 1. Como m, n Z, m n Z, assim, pelo Corolário , m n = 1, ou seja, m = n + 1. Vamos agora denir o conceito de módulo ou valor absoluto de um número inteiro. Denição Seja x Z. Denimos o valor absoluto de x (ou módulo de x), denotado por x, como sendo: { x, se x 0, x = x, se x < 0. Exemplo = 3 = 3; 2. 0 = 0. Proposição Para todo x Z, temos que: 1. x 0; 2. x = 0 x = 0. Demonstração. 1. Provemos que x 0, para todo x Z. Se x > 0, por denição, x = x, logo, x > 0; Se x < 0, por denição, x = x, e ainda, pelo Teorema 3.4.6, x > 0. Portanto, x > 0; Se x = 0, temos que x = x = 0. Assim, para todo x Z, temos x ( ) Seja x = 0. Se x > 0, então x = x = 0. Contradição pela tricotomia; Se x < 0, então x = x = 0, isto é, x = 0. Novamente, contradição pela tricotomia. 45

54 Portanto, x = 0, como queríamos. ( ) Seja x = 0. Logo, x = x = 0. Proposição Para todo x, y Z, temos que xy = x y. Demonstração. Consideremos em casos. Se x > 0 e y > 0, temos, pelo Teorema , xy > 0, e assim, por denição de módulo, xy = xy. Pela mesma denição, x = x e y = y, logo, x y = xy. Portanto, x y = xy. Se x < 0 e y < 0, pelo Teorema , xy > 0, e assim, xy = xy. Temos que, x < 0 x = x e y < 0 y = y, sendo assim, pelo item 2 da Proposição 3.3.5, x y = ( x)( y) = xy. Logo, xy = x y. Se x < 0 e y > 0 (ou x > 0 e y < 0), pelo Teorema , xy < 0, isto é, xy = xy. Temos que, x < 0 x = x e y > 0 y = y, sendo assim, x y = ( x)(y) = xy. Logo, xy = x y. Se x = 0 e y é qualquer (ou y = 0 e x qualquer), temos xy = 0, logo, xy = 0. Como x = 0, claramente, x y = 0 y = 0. Portanto, xy = x y. Dessa forma, concluímos que, xy = x y, para todos x, y Z. Proposição Para n N, tem-se: Demonstração. ( ) Seja x = n. Se x > 0, x = x. Sendo assim, x = n. x = n x = n ou x = n. Se x < 0, x = x. Logo, x = n, isto é, x = n. ( ) Seja x = n ou x = n. Se x = n, então, x = n. Como n N, obviamente, n > 0, logo, n = n, ou seja, x = n. Se x = n, então x = n. Como n > 0, pelo Teorema 3.4.6, n < 0, sendo assim, por denição de módulo, n = ( n) = n. Logo, x = n. Denição Um elemento x Z diz-se inversível se existe y Z tal que xy = 1. Proposição Os únicos elementos inversíveis de Z são 1 e 1. 46

55 Demonstração. Seja x Z inversível e y Z, tal que, xy = 1. Sendo assim, xy = x y = 1. Como x 0, y 0 e x y = 1, segue que x > 0 e y > 0, que signica, x 1 e y 1. Multiplicando esta última desigualdade por x, em ambos os membros, obtemos, x y x. Sendo assim, 1 = x y x 1, o que nos garante x = 1. Daí, pela Proposição , x = 1 ou x = 1, como queríamos. 3.5 Conjuntos enumeráveis e a Hipótese do Contínuo Vimos que a função f : N Z, dada por f(m) = (m, 0), é injetora. Outro exemplo de função injetora que vai de N em Z, pode ser dada por, f(m) = (0, m), ou ainda, f(m) = (m + 1, 0). Vejamos a seguir, uma função que exibe uma bijeção entre N e Z, apresentando uma outra demonstração de que Z é innito. Exemplo A função σ : Z N é denida como segue: { 2n 1, se n > 0, σ(n) = 2n, se n 0. Esta função é bijetora, como veremos adiante. Denição Seja A um conjunto qualquer. Se existe uma bijeção entre A e N, dizemos que A é enumerável. Dizemos ainda que qualquer bijeção de N em um conjunto enumerável A chama-se uma enumeração para A, segundo a qual o primeiro elemento de A é a imagem do 1, o segundo é a imagem do 2, e assim por diante (a imagem do 0 é o zero-ésimo elemento de A). Dessa forma, o Exemplo nos diz que Z é enumerável e a inversa da bijeção σ é uma enumeração para Z. Exemplo Sendo σ a função do Exemplo 3.5.1, a enumeração σ 1 : N Z é dada por: n + 1, se n for ímpar, σ 1 (n) = 2 n, se n for par. 2 Dessa forma temos: 1. σ 1 (8) = 8 2 = 4, isto é, o oitavo elemento de Z é σ 1 (3) = 4 2 = 2, ou seja, o terceiro elemento de Z é 2. ou Podemos ver que σ 1 σ : Z Z, e ainda, σ 1 (σ(n)) = σ 1 (2n 1) = (2n 1) σ 1 (σ(n)) = σ 1 ( 2n) = ( 2n) 2 = 2n 2 = n = 2n 2 = n. 47

56 ou Do mesmo modo, σ σ 1 : N N, e ainda, ( ) n + 1 σ(σ 1 (n)) = σ = 2 n = n = n 2 2 ( ) n σ(σ 1 (n)) = σ 2 = 2 n 2 = n. Como σ 1 σ = Id e σ σ 1 = Id, ca claro que σ é inversível, e portanto, bijetora. Os estudos de Cantor, além de terem rompido com o paradigma grego de que o todo é sempre maior do que qualquer uma das suas partes próprias, ainda generalizaram para conjuntos innitos o fato conhecido para conjuntos nitos de que o número de elementos de um conjunto é sempre menor do que o número de elementos das partes desse conjunto. Vamos denotar o número de elementos de um conjunto nito X por η(x) Proposição Se η(x) = n, então η(p(x)) = 2 n Demonstração. Seja A = {n N η(x) = n η(p(x)) = 2 n } A, pois, se η(x) = 0, temos que X =, sendo assim, P(X) = { }, isto é, η(p(x)) = 2 0 = Suponhamos que n A e provemos que n + 1 A, isto é, temos η(x) = n η(p(x)) = 2 n. Se temos η(x) = n + 1, por hipótese, η(p(x)) = 2 n+1, como queríamos. Desta forma, por indução, A = N. Portanto, se η(x) = n, então η(p(x)) = 2 n, para todo n N. Cantor generalizou para conjuntos innitos a ideia contida na proposição anterior, como demonstraremos no último teorema deste capítulo. Intuitivamente, o tipo de innito de P(X) é estritamente maior do que o tipo de innito de X. Expressamos este fato dizendo que a cardinalidade de P(X) é maior do que a cardinalidade de X. Continuando com esse raciocínio, obtemos η(p(x)) < η(p(p(x))). Tomando partes de conjuntos das partes sucessivamente, chegamos aos conjuntos innitos de Cantor. Ele tornou estas questões rigorosas matematicamente através da sua aritmética transnita. Consideremos agora a cadeia crescente de cardinalidades η(n) < η(p(n)) < η(p(p(n))) <... Esta cadeia começa com a cardinalidade de N. A Denição 2.1.2, nos diz que um conjunto X é innito quando existe uma função injetora que vai de N em X. Claramente, o conjunto X, com menor cardinalidade, que permite esta injeção é o próprio N, sendo assim, a cardinalidade de N pode ser considerada a menor innita. Mostraremos adiante que η(r) > η(n), além disso, veremos que η(r) = η(p(n)), ou seja, R e P(N) são equipotentes. Esta desigualdade é um caso particular do que vimos no parágrafo anterior. A suposição de que não há cardinalidades intermediárias entre a de N e a de P(N), trata-se da Hipótese do Contínuo. 48

57 Chama-se Hipótese Generalizada do Contínuo a suposição de que não há cardinalidades intermediárias entre duas consecutivas da cadeia acima. O matemático austríaco naturalizado americano Kurt Godel ( ) provou que a Hipótese Generalizada do Contínuo não é contraditória com outros axiomas da Teoria dos Conjuntos, ou seja, não obtemos contradições extras na matemática ao adicionar a Hipótese Generalizada do Contínuo aos demais axiomas da Teoria dos Conjuntos. Dessa forma, assumindo a Hipótese do Contínuo, concluímos que entre R e N não são obtidas cardinalidades distintas das desses dois conjuntos, ou seja, qualquer subconjunto de R, ou é equipotente a N, ou é equipotente a R. Demonstraremos agora a generalização feita por Cantor. Teorema Seja X um conjunto não vazio qualquer. Nenhuma função f : X P(X) pode ser sobrejetora. Demonstração. Para cada x X, f(x) é um subconjunto de X. Seja A = {x X x / f(x)}. Vamos mostrar que A / Im(f). Suponhamos que A Im(f), isto é, que existe a X tal que f(a) = A. Dessa forma, ou a A ou a X \ A. Se a A, pela denição de A, devemos ter a / f(a). Mas f(a) = A, logo, contradição. Se a X \ A, devemos ter a f(a), o que também é contradição, pois f(a) = A. Portanto, A / Im(f), isto é, a Im(f) é diferente do seu contradomínio, ou seja, f não pode ser sobrejetora. 49

58 Capítulo 4 Números Racionais No contexto do Ensino Básico, um número racional é apresentado como a razão entre dois inteiros, onde razão signica divisão. Aqui deniremos razão e divisão a partir do conjunto dos inteiros e suas propriedades já demonstradas. Utilizaremos o conceito de relação de equivalência a partir dos inteiros, do mesmo modo que o utilizamos para denir um número inteiro a partir dos naturais. 4.1 Construção dos números racionais Consideremos o conjunto Z Z = {(a, b) a Z e b Z }. Denição Sejam a Z e b Z. A relação é dada por (a, b) (c, d) quando ad = bc Teorema A relação denida acima é de equivalência. Demonstração. 1. Reexiva: Temos que, se a Z e b Z, ab = ba, portanto (a, b) (a, b). 2. Simétrica: Se a, c Z, b, d Z e (a, b) (c, d), então, ad = bc, ou ainda, cb = da, isto é, (c, d) (a, b). 3. Se a, c, e Z, b, d, f Z, (a, b) (c, d) e (c, d) (e, f), temos: ad = bc adf = bcf cf = de bcf = bde Dessa forma, adf = bde, como d 0, af = be, que signica, (a, b) (e, f). Consideremos, por um momento, nossas noções intuitivas de números racionais. Temos que, ad = bc a b = c, ou seja, se as divisões de a por b e c por d coincidem, podemos dizer que d (a, b) (c, d), Exemplo (3, 6) (1, 2) ( 6, 12); 50

59 2. ( 35, 5) ( 7, 1) (14, 2). Denição Dado (a, b) Z Z, denotamos por a (a sobre b) a classe de equivalência b do par (a, b) pela relação acima. Assim, a b = {(x, y) Z Z (x, y) (a, b)} Exemplo = {(x, y) Z Z (x, y) (3, 6)} = {(x, y) Z Z 6x = 3y}. Com isso, (1, 2) 3 6, ( 6, 12) 3 6 e (1, 3) / 3 6. Teorema (Propriedade Fundamental das Frações). Se (a, b) e (c, d) são elementos de Z Z, então a b = c se, e somente se, ad = bc. d Demonstração. Pelo item 2 do Teorema , temos: a b = c (a, b) (c, d) ad = bc, d como queríamos. Denição Denotamos por Q, e denominamos por conjunto dos números racionais, o conjunto quociente de Z Z pela relação de equivalência, isto é, { a } Q = (Z Z )/ = b a Z e b Z. 4.2 Operações em Q Denição Sejam a b e c números racionais, isto é, elementos de Q. Denimos operações d chamadas de adição e de multiplicação, respectivamente, por: Denotaremos a b c d Exemplo = = = 8 18 = 4 9. a b + c d a c por b d. = = 4 3 ; = ad + bc bd e a b c d = ac bd. Teorema As operações em Q estão bem denidas, isto é, se a b = a e c b d = c d, então, a b + c d = a + c a e b d b c d = a c b d. Demonstração. Por hipótese, ab = ba e cd = dc. Temos: a b + c ad + bc a = e + c = a d + b c. d bd b d b d Queremos provar que as duas somas são iguais, ou seja, que (ad + bc)b d = (a d + b c )bd, isto é, adb d + bcb d = a d bd + b c bd, ou ainda, (ab )(dd ) + (cd )(bb ) = (a b)(dd ) + (bb )(c d), o que é fato, pois, ab = ba e cd = dc. Temos também: 51

60 a b c d = ac bd e a b c d = a c b d. Da mesma forma, queremos provar que ac bd = a c b d, isto é, acb d = bda c, ou, (ab )(cd ) = (dc )(a b), que é verdadeiro, pela hipótese acima. Teorema O conjunto Q, munido das operações acima, adição e multiplicação, tem as propriedades algébricas de Z onde o elemento neutro aditivo é 0 1 e o neutro multiplicativo é 1 1. a Além disso, dado um racional b 0 1, existe c d em Q tal que a b c d = 1, isto é, todo elemento 1 não nulo de Q possui inverso multiplicativo. Demonstração. Sejam r, s, t Q com r = a b, s = c d e t = e f : 1. Comutativa da Adição: r + s = a b + c ad + bc = d bd bc + da = = c db d + a b = s + r. 2. Associativa da Adição: ( a (r + s) + t = b d) + c + e ad + bc = + e f bd f (adf + bcf) + bde adf + (bcf + bde) = = bdf bdf = a cf + de + = a ( c b df b + d + e ) f = r + (s + t). 3. Elemento Neutro da Adição: r = a b = a b b 1 = a b = r. 4. Elemento simétrico (ou oposto): Existe r tal que r + r = 0 1. Seja r = a b, 5. Comutativa da Multiplicação: r + r = a b + a b rs = a b ab + ( ab) = bb = 0 bb = 0 1. c d = ac bd = ca db = c a d b = sr. 52

61 6. Associativa da Multiplicação: ( a c ) e ( ac ) e (rs)t = b d f = bd f = ace bdf = a ( ) ce = a ( ) c e = r(st). b df b d f 7. Elemento Neutro da Multiplicação: 8. Elemento Inverso: r 1 1 = a 1 b 1 = a 1 b 1 = a b = r. Se r 0 1, existe r tal que rr = 1 1. Seja r = b a : rr = a b b a = ab ba = ab ab = a b a b = 1 1 pelo item anterior 1 1 = Distributiva da Multiplicação em relação a Adição: r(s + t) = a ( c b d + e ) = a ( ) cf + de a(cf + de) = f b df b(df) = acf + ade fac + dae = = b fac + dae b(fac + dae) = bdf dbf b dbf b(dbf) = bfac + bdae = ac bdbf bd + ae bf = a c b d + a e = rs + rt. b f Proposição (Cancelamento Aditivo e Multiplicativo). Sejam r, s, t Q. Então, valem os itens abaixo: 1. s + r = t + r s = t; 2. Para r 0, sr = tr s = t. 1 Demonstração. 1. Sejam s = a b, t = c d e r = e f : s + r = t + r a b + e f = c d + e af + be cf + de = f bf df (af + be)(df) = (cf + de)(bf) afdf + bedf = cfbf + debf f(afd + bed) = f(cfb + deb) afd + bed = cfb + deb afd = cfb ad = cb a b = c d s = t. 53

62 2. Sejam s = a b, t = c d e r = e f 0 1 : sr = tr a e b f = c e d f ae bf = ce (ae)(df) = (ce)(bf) df ad = cb a b = c d s = t. Proposição Os elementos r e r são únicos e denotam-se por r e r 1, chamados de simétrico e inverso de r, respectivamente. Demonstração. Suponhamos que u seja também um simétrico de r. Assim, u + r = 0 1 e r + r = 0 1, dessa forma, u + r = r + r, daí, pelo item 1 da Proposição 4.2.5, u = r. Suponhamos agora que u seja também um inverso de r. Assim, u r = 1 1 e r r = 1 1, dessa forma, u r = r r, daí, pelo item 2 da Proposição 4.2.5, u = r (r 0 1 para possuir inverso). Denição A subtração em Q, denotada por ( ), é a operação denida da seguinte forma: se r, s Q, então: s r = s + ( r). Assim, a subtração s r nada mais é do que a soma de s com o simétrico de r. Proposição Se r, s Q, então: 1. ( r)s = rs = r( s); 2. ( r)( s) = rs. Demonstração ( ( r)s = a ) c b d = a c b d = rs rs = c a ( d b d) = c a = ( s)r = r( s). b ( ( r)( s) = a ) ( c ) b d = a ( c ) ( = a ) c pelo item anterior b( d b d = ac ) ( ( ac )) = = ac pelo item 2 da Proposição bd bd bd = a c b d = rs. 54

63 Proposição Vale a distributiva da multiplicação em relação à subtração: r(s t) = rs rt. Demonstração. Sejam r = a b, s = c d e t = e f : r(s t) = a ( c b d e ) = a f b = a c b d + a ( e ) = a b f b = a c b d a e = rs rt. b f ( ( c d + c d + e f ( a b )) ) e f Proposição Para (a, b) Z Z, temos que: a b = a b = a b = a b. Demonstração. Para (a, b) Z Z, herdando as propriedades dos inteiros temos: ( a)( b) = ab = (a)( b) = ( a)(b), que nos dá respectivamente: a b = a b = a b = a b. Segundo esta Proposição , se a Q, então b pode ser tomado positivo. Este fato será b utilizado para denir a relação de ordem em Q a seguir. 4.3 Relação de Ordem em Q Denição Sejam a b e c d número racionais com b, d > 0. Escrevemos a b c d quando ad bc e dizemos que a b é menor ou igual a c d Os símbolos, > e <, denem-se de forma análoga à que que zemos para a relação de ordem em N. Teorema A relação está bem denida e é uma relação de ordem em Q. Demonstração. Vamos mostrar inicialmente que a relação está bem denida. Seja a b = a b, isto é, ab = a b. Temos que a b c d ad bc, e, como b > 0, obtemos ab d bcb, daí, pela igualdade acima, a bd bcb, de onde concluímos que a d cb, ou seja, a b c d. Do mesmo modo, como c d = c d cd = dc, a b c d a d cb a dd cb d a dd c db a d c b a b c d. a Logo, como a b c d a c e c b d b d a c b d, concluímos que a b c d a c b d. Provemos, agora, que esta é uma relação de ordem: 55

64 1. Reexiva: se a b Q, claramente, a b = a b, isto é, a b a b ; 2. Simétrica: se a b, c d Q, a b c d e c d a, temos que ad bc e cb ad, daí, pela tricotomia b dos inteiros, obtemos, ad = bc, isto é a b = c d ; 3. Transitiva: se a b, c d, e f Q, a b c d e c d e, temos ad bc e cf ed. Multiplicando f f na primeira e b na segunda desigualdade (podemos fazer isto, pois, b, d > 0), obtemos adf bcf e bcf bed, daí, pela transitividade dos inteiros, obtemos, adf bed, ou ainda, af be (d > 0), que signica, a b e f. Proposição Se r, s, t Q, são válidos os itens seguintes: 1. r s r + t s + t; 2. Se r s e t 0, então rt st; 1 3. Se r s e t 0, então rt st. 1 Demonstração. Sejam r = a b e s = c d e t = e f : 1. a b c d da bc daf bcf pois f > 0 daf + dbe bcf + dbe por propriedade dos inteiros d(af + be) b(cf + de) df(af + be) bf(cf + de) af + be cf + de a bf df b + e f c d + e f. 2. Como t = e f e t 0 1, temos e f 0 1 e 0. Assim: a b c d ad cb aedf cebf pois e 0 e f > 0 ae bf ce df a e b f c e d f. 3. Como t = e f e t 0 1, temos e f 0 1 e 0. Assim: a b c d ad cb adf cbf pois f > 0 aedf cebf pois e 0 ae bf ce df a e b f c e d f. 56

65 Como em Z, temos aqui: { a } { a Q = b (a, b) Z Z +, Q + = b { a Q = b { a Q + = b (a, b) Z Z + } (a, b) Z + Z + } { a, Q = b { } 0 1 (a, b) Z + Z + } (a, b) Z Z + e Q = Q }, { } 0, 1 { } 0 Q 1 +. Teorema (Tricotomia em Q). Dados r, s Q, uma, e apenas uma, das situações seguintes ocorre: ou r = s, ou r < s, ou s < r. Demonstração. Seja r = a b e s = c com b, d > 0. Pela tricotomia em Z, ou ad = bc, caso em d que ocorre r = s, ou ad < bc, caso em que ocorre r < s, ou bc < ad, caso em que ocorre s < r. Além disso, só uma delas pode ocorrer. Vamos ver agora a função imersão de Z em Q, a mesma que falamos, de N em Z, na contrução dos inteiros. Teorema A função i : Z Q, denida por i(n) = n é injetora. Além disso, ela 1 preserva as operações e a relação de ordem de Z em Q no seguinte sentido: 1. i(m + n) = i(m) + i(n); 2. i(mn) = i(m)i(n); 3. Se m n, então i(m) i(n). Demonstração. Provemos inicialmente que f é injetora. Se i(m) = i(n), temos que m 1 = n 1, isto é, m 1 = n 1, ou ainda, m = n, logo, i(m) = i(n) m = n, portanto, i é injetora. 1. i(m + n) = m + n 1 2. i(mn) = mn 1 = m n 1 1 = m 1 = 1 m + m 1 = m n = i(m) + i(n); 1 n 1 = i(m)i(n); 3. m n m 1 n 1 m 1 n 1 i(m) i(n). { n } Novamente temos um homomorsmo injetor, de modo que, o conjunto i(z) = 1 n Z é uma cópia algébrica de Z em Q. Como existe uma cópia algébrica de N em Z, essa imersão de Z em Q mostra que Q é innito. Faremos agora uma série de demonstrações para conseguirmos chegar ao teorema que garante que Q é enumerável. Antes de enunciar a próxima proposição, devemos lembrar que: e X \ ( n N A n ) = n N (X \ A n ) (4.1) X \ ( n N A n ) = n N (X \ A n ). (4.2) 57

66 Estes resultados estão demonstrados em [9]. Lema Todo subconjunto innito de N é enumerável. Demonstração. Seja X um subconjunto innito de N. Pelo Princípio da Boa Ordem, X possui menor elemento, digamos x 0. Como X é innito, o conjunto Y 0 = X \ {x 0 } é não vazio. Seja agora x 1 o menor elemento de Y 0. Como X é innito, o conjunto Y 1 = X \ {x 0, x 1 } é não vazio. Obtidos x 0, x 1, x 2,..., x n (n N) dessa forma acima, obtemos x n+1 como sendo o menor elemento de Y n = X \ {x 0, x 1, x 2,..., x n }. A existência do menor elemento x n+1 se deve novamente ao Princípio da Boa Ordem, dado que Y n é não vazio para todo natural n (pois X é innito). Temos de (4.3) que X \ ( n N A n ) = n N (X \ A n ) = n N Y n, onde, neste caso, A n = {x 0, x 1, x 2,..., x n }. Se existisse x X \ ( n N A n ), esse x também seria elemento de n N Y n e, como tal, deveria ser maior do que x 0, por estar em Y 0, deveria ser maior do que x 1 por estar em Y 1 e, assim sucessivamente, x deveria ser maior do que x n para todo n N. Dessa forma, o conjunto innito n N A n = {x 0, x 1, x 2,..., x n,...} estaria contido no conjunto nito {1, 2, 3,..., x}, o que é um absurdo. Portanto, não existe x X \ ( n N A n ), isto é, X \ ( n N A n ) =, ou ainda, X = n N A n = {x 0 } {x 0, x 1 } {x 0, x 1, x 2 }... = {x 0, x 1, x 2,..., x n,...}, o que signica que X é enumerável. Enunciaremos um resultado bastante interessante que pode ser demonstrado com as propriedades de Z, prova esta que pode ser encontrada em [7], ele é chamado Teorema Fundamental da Aritmética: todo número natural maior que 1 pode ser expresso como produto de números primos. Além disso, essa fatoração é única, a menos da ordem dos fatores. Lema Todo número racional positivo a (a, b > 0), pode ser escrito, de modo único, b como uma fração irredutível, isto é, na forma m, onde m e n são primos entre si, ou seja, não n possuem fatores primos em comum. Demonstração. Seja km uma decomposição de a e kn uma decomposição de b, onde k é o produto de todos os fatores primos comuns a a e a b. Sendo assim, a b = km kn, daí, a b = m n, onde m e n são primos entre si, portanto, irredutível igual a m n : m n é uma fração irredutível. Seja m n m n = m n m n = mn. uma fração Pela unicidade da decomposição em fatores primos, m deve conter os fatores primos de m e vice-versa e n deve conter os fatores primos de n e vice-versa ((pois m e n são primos entre si, assim como m e n), logo, m = m e n = n. Proposição Q + é enumerável. 58

67 Demonstração. Consideremos os números racionais escritos na forma irredutível, como no lema ( m ) ( m ) ( ) m anterior. Seja f : Q + N dada por f = 2 m 3 n. Se f = f, então, 2 m 3 n = n n 2 m 3 n, daí, pelo Teorema Fundamental da Aritmética e pela a unicidade da representação de frações na forma irredutível, dada pela proposição acima, 2 m = 2 m e 3 n = 3 n, ou seja, m = m e n = n m, que nos garante que, n = m. Logo, f é injetora e tem como imagem n um subconjunto innito de N, que é, pelo Lema 4.3.6, enumerável. Daí segue o que queríamos provar. Proposição A união de dois conjuntos enumeráveis é enumerável. Além disso, a união de uma família nita de conjuntos enumeráveis é enumerável. Demonstração. Sejam A e B dois conjuntos enumeráveis. Claramente, ou A B = ou A B. Suponhamos primeiro que A B = : Como A é enumerável, existe f 1 : A N bijetora. Temos que existe também uma função g 1 : N N p (onde N p são os números naturais pares), dada por g 1 (n) = 2n para todo n N. Como para todo 2n existe n, tal que g(n) = 2n e 2n = 2m n = m, esta função é bijetora, sendo assim, podemos ter h 1 = g 1 f 1 : A N p, dada por h 1 (x) = 2f(x), bijetora. Do mesmo modo, como B é enumerável, existe f 2 : B N bijetora e também g 2 : N N i (onde N i são os números naturais ímpares), dada por g 2 (n) = 2n + 1 para todo n N, que é claramente bijetora. Desta forma, obtemos h 2 = g 2 f 2 : B N i, dada por h 2 (x) = 2f 2 (x) + 1, bijetora. Sendo assim, f : (A B) (N p N i ), dada por { h 1 (x) se x A, f(x) = h 2 (x) se x B. é bijetora. Como A B =, f está bem denida e, como N p N i = N, A B é enumerável. Seja agora, A B : Seja C = A \ B, um conjunto tal que A B = C B. Temos B C = por construção, portanto, pelo que já foi demonstrado acima, C B é enumerável, logo, A B também o é. Sejam agora A 1, A 2,..., A n conjuntos enumeráveis. Precisamos provar que k {1,2,...,n} A k é enumerável. Provemos por indução nita. Já sabemos que se n = 2 isto é verdade, então suponhamos que k {1,2,...,n 1} A k é enumerável e provemos que k {1,2,...,n} A k também é. De fato, como k {1,2,...,n 1} A k é enumerável e A n também, obviamente, k {1,2,...,n 1} A k A n é enumerável, como queríamos. Proposição A união de um conjunto nito com um conjunto enumerável é enumerável. Demonstração. Seja X um conjunto enumerável, isto é, existe g : N X, bijetora. Seja também Y = {y 1, y 2,..., y n } com n N um conjunto nito qualquer. Temos que, ou X Y = ou X Y. Suponhamos primeiro que X Y = : Assim, podemos ter f : N X Y dada como segue: n 59

68 f(k) = { y k se 1 k n, g(k n) se (n + 1) k. Esta função está bem denida, pois X Y = e, claramente, é bijetora, portanto, X Y é enumerável. Seja agora, X Y : Seja C = X \ Y, um conjunto tal que X Y = C Y. Temos Y C = por construção, portanto, pelo que já foi demonstrado acima, C Y é enumerável, logo, X Y tmabém é. Teorema Q é enumerável. Demonstração. Se escrevermos Q como Q {0} Q +, pelas Proposições e concluímos diretamente que Q é enumerável. O conjunto dos números racionais está munido das duas operações, adição e multiplicação, estudadas no decorrer deste capítulo, além da subtração e divisão, que são denidas a partir das duas primeira e simbolizadas por ( ) e :, respectivamente. A subtração já foi denida anteriormente como: se r, s Q, r s = r + ( s). Já a divisão, é dada da seguinte forma: Denição Sejam r, s Q com s 0. Dizemos que r dividido por s é dado por r : s = r s 1. Olhando a denição exatada de operação, podemos ver que, a divisão não é uma operação em Q, dado que o seu domínio é Q Q e não Q Q. Proposição Se a, b Z, com b 0, então a 1 : b 1 = a b. Demonstração. Pela Denição , a 1 : b 1 = a 1 1 b = a 1 1 b = a b. Dessa forma, identicando Z com sua cópia algébrica i(z) em Q, a igualdade da proposição acima se escreve a : b = a b. Proposição Se a b, c d Q, com c d 0 1, então a b : c d = ad bc. Demonstração. a b : c d = a b d c = ad bc. É usual, nos textos elementares de matemática, adotar-se a notação para a b : c d, extendendo a notação da proposição anterior. a b c d Proposição Admitindo a identicação de Z com i(z), para r, s racionais arbitrários, valem: 1. Se rs = 0, então s = 0 ou r = 0; 60

69 2. Se r > 0 e s > 0, então rs > 0; 3. Se r > 0 e s < 0, então rs < 0; 4. Se r < 0 e s < 0, então rs > 0; 5. Se r > 0, então r 1 > 0; 6. Se r < s, então r < (r + s) 2 1 < s; Demonstração. Sejam r = a b e s = c d. 1. Suponhamos c d 0, ou seja, c 0: a portanto, b = 0. queríamos; 2. a b > 0 a > 0 e c d 3. a b > 0 a > 0 e c d 4. a b < 0 a < 0 e c d 5. a c b d = ac bd = 0 ac = 0 a = 0, Da mesma forma, supondo a b 0, concluímos que c d > 0 c > 0, sendo assim, ac > 0, logo ac bd > 0; < 0 c < 0, sendo assim, ac < 0, logo ac bd < 0; < 0 c < 0, sendo assim, ac > 0, logo ac bd > 0; = 0, como a b > 0 a > 0. Temos que b > 0, por convenção, sendo assim, b a > 0, isto é, r 1 > 0; 6. Se r < s, temos que, 2r < r + s e r + s < 2s, daí, 2r < r + s < 2s e assim, isto é, r < 2 1 (r + s) < s. Teorema Q não é bem ordenado. 2 a b < a b + c d < 2 c d a ( a b < 2 1 b + c ) < c d d, Demonstração. Devemos provar que existem subconjuntos de Q não{ vazios, limitados inferiormente, mas que não possuem elemento mínimo. De fato, seja X = a b Q 2 1 < a }. b Temos que X é limitado inferiormente por 2 1 e X, dado que 1 X. Suponhamos que X possua um elemento mínimo, digamos c d. Sendo assim c d a b para todo a X. Como 2 1 b é limitante inferior de X, 2 1 < c, daí, pelo item 6 da Proposição : d 2 1 < c ( d 2 1 < c ) 2 1 < c d d, assim, ( c ) 2 1 X e d ( c d ) 2 1 < c, o que é uma contradição com a minima- d lidade de c. Logo, X não possui elemento mínimo. d 61

70 Acabamos de ver que Q não é um conjunto bem ordenado como Z, porém, ele possui, além de todas as propriedades aritméticas de Z, a propriedade de que todo elemento não nulo possui inverso. Denição Sejam (K, +, ) um conjunto munido de duas operações. Dizemos que K é um corpo, se: 1. + e são associativas; 2. + e possuem elementos neutros distintos; 3. + possui elemento simétrico e elemento inverso, para todo elemento distinto do neutro da adição; 4. + e são comutativas; 5. é distributiva em relação a +. E ainda, se este corpo tiver uma relação de ordem compatível com suas operações, ele é chamado de corpo ordenado. Um exemplo de tal corpo ordenado é Q. ordenados em geral. Vejamos a seguir uma propriedade de corpos Proposição Seja K um corpo ordenado, cujo elemento neutro de + é representado por 0 e a relação de ordem é denotada por. Então 0 x 2 para todo x K. Demonstração. Se x < 0, temos que x 2 > 0, se x = 0, então x 2 = 0 e, se x > 0, temos que x 2 > 0, logo, para todo x K, x 2 0. Teorema Q não possui elemento máximo e nem mínimo. Demonstração. Suponhamos que exista um elemento máximo em Q, digamos, m x = m, isto é, n a b m n para todo a b Q. Claramente, m n + 1 = m + n Q, além disso, m n n < m + n n, o que contradiz a maximalidade de m x, portanto Q não possui um elemento máximo. Procedendo da mesma forma, obtemos que Q não possui um elemento mínimo. Já vimos que um conjunto X Q diz-se limitado superiormente quando existe algum b Q tal que x b para todo x X. Neste caso, diz-se que b é uma cota superior de X. Vejamos, partir disso a seguinte denição: Denição Seja X Q limitado superiormente e não vazio. Um número b Q, chamase o supremo do conjunto X quando é a menor das cotas superiores de X, isto é, quando é a cota superior mínima de X. Em outras palavras, b é o supremo de X quando cumpre as seguintes condições: 1. Para todo x X, tem-se x b; 2. Se c Q é tal que x c para todo x X então b c; 62

71 Escrevemos b = sup X para indicar que b é o supremo do conjunto X. O ínmo de um conjunto é dado analogamente, sendo a maior das cotas inferiores (cota inferior máxima de X) e, escreve-se a = inf X, quando a é o ínmo do conjunto X. Temos que, se existe o supremo b de X, então este supremo é único. De fato, suponhamos que existam dois supremos b 1 e b 2. Dessa forma, x b 1 para todo x X e, se c Q tal que x c para todo x X, então b 1 c. Analogamente x b 2 para todo x X e, se c Q tal que x c para todo x X, então b 2 c. Daí, como b 1, b 2 Q, então b 1 b 2 e b 2 b 1, logo b 1 = b 2. Denição Seja K um corpo ordenado. a, b K, existe n N tal que n a > b; Dizemos que K é arquimediano se, dados Teorema O conjunto N Q não é limitado superiormente; { } 1 2. O ínmo do conjunto X = n n N é igual a 0; 3. Q é um corpo arquimediano. Demonstração. 1. Suponhamos que exista a b Q tal que a n para todo n N. Como, por convenção, b b > 0, temos que a, b Z +, isto é, a, b N. Dessa forma, b 1 e, assim, a a b. Se a > a b, como a N, encontramos uma contradição com o fato de que a é um limitante b superior de N em Q. Se a = a b, então a + 1 > a = a e, como a N a + 1 N, encontramos uma b contradição com o fato de que a é um limitante superior de N em Q. Logo, N não é b limitado superiormente em Q; 2. Claramente, 0 é uma cota inferior de X. Basta então provar que nenhum c > 0 é cota inferior de X. Dado c > 0, existe, pelo item 1, um número natural n > 1 c, daí, 1 n < c, como queríamos; 3. Dados a, b Q, usamos 1 para obter n N tal que n > b. Então, n a > b. a As três propriedade acima são equivalentes. Vale ressaltar que estas propriedades são válidas desta mesma forma, não só para Q, mas também para todo corpo ordenado. 63

72 Capítulo 5 Números Reais Os números reais foram construídos de duas formas diferentes, a partir dos racionais. Uma delas foi por Classes de Equivalência de Sequência de Cauchy e foi dada por Cantor. A outra foi através dos Cortes de Dedekind. Faremos aqui, esta última, que foi apresentada por Julius Wilhelm Richard Dedekind, inspirado na Teoria das Proporções de Eudoxo. Quando se fala deste conjunto no contexto escolar, diz-se que nem todos os pontos da reta correspodem a números racionais, sendo que a esses pontos correspondem a números chamados irracionais. Geralmente isto é introduzido exemplicando a diagonal do quadrado de lado 1. Neste mesmo contexto, admite-se que a representação decimal dos números racionais é sempre periódica e toda representação decimal periódica representa um número racional. Sendo assim, deni-se número irracional como sendo aqueles que possuem representação decimal não periódica. Dessa forma, chama-se conjunto dos números reais aquele constituído pelos racionais e irracionais. Estas são formas nas quais os números reais são abordados na matemática escolar, entretanto, faremos aqui uma construção rigorosa deste conjunto a partir dos números racionais com suas propriedades, assim como foi feito nos conjuntos anteriores. Vamos, inicialmente, denir a noção de corte de Dedekind, considerar o conjunto de todos os cortes, denir a adição e multiplicação nele e, em seguida, mostrar que ele possui as propriedades aritméticas de Q e mais uma propriedade que Q não possui. Chamaremos este conjunto de cortes de conjunto dos números reais, que será denotador por R. 5.1 Cortes de Dedekind Denição Um conjunto α de números racionais diz-se um corte se satiszer as seguintes condições: 1. α e α Q; 2. Se r α e s < r (s racional) então s α; 3. Em α não existe elemento máximo. { Exemplo O conjunto A = x Q x < 3 } 5 é um corte: 1. A, pois 0 A e A Q, pois 1 Q e 1 / A; 64

73 2. Seja r A e s < r, assim, s < r < 3 5, logo s < 3, isto é, s A; 5 3. Suponhamos que exista uma máximo em A, digamos m. Sendo assim, r m para todo r A. Sabemos que m < 3 ( 5, portanto, pela Proposição , m < m + 3 ) 2 1 < 3 5 5, o que contradiz a maximalidade de m. Logo, A não possui máximo. Portanto, A é um corte. Exemplo O conjunto B = { x Q x > 3 } não é um corte: 5 1. B, pois 1 B e B Q, pois 0 Q e 0 / B; 2. Seja r B e s < r. Tomemos r = 1 e s = 0, assim, s < r, entretanto, s / B. Logo, B não é um corte. Exemplo O conjunto C = { x Q x 3 } não é um corte: 5 1. C, pois, 0 C e C Q pois 1 Q e 1 / C; 2. Seja r C e s < r, assim, s < r 3 5, logo s < 3, isto é, s C; 5 3. Temos que x 3 5 para todo x C. Sendo assim, podemos ver que m = 3 5, é o máximo deste conjunto, por denição de máximo. Portanto, C não é um corte. Exemplo O conjunto D = 1. D, pois, 0 D e D Q pois 2 Q e 2 / D; { x Q 3 < x < 8 } não é um corte: 5 2. Seja 3 < r < 8 5 e s < r. Tomemos s = 4 e r = 0. Assim, s < r, entretanto, s / D. Logo, D não é um corte. Exemplo E = Q \ {0} não é um corte. 1. E, pois, 1 E e E Q pois 0 Q e 0 / E; 2. Seja r E e s < r. Tomemos s = 0 e r = 1. Assim, s < r, entretanto, s / E. Sendo assim, E não é um corte. { Exemplo F = 1, 4, 3 } 5 1. F, pois, 1 F e F Q pois 0 Q e 0 / F ; 2. Seja r F e s < r. Tomemos s = 0 e r = 1. Assim, s < r, entretanto, s / F. Portanto, F não é um corte. 65

74 Proposição Sejam α um corte e r Q. Então, r é cota superior de α se, e somente se, r Q \ α. Demonstração. ( ) Se r é uma cota superior de α, então x r, para todo x α, entretanto, pelo item 3 da denição de corte, α não possui elemento máximo, portanto r não está em α, isto é, r Q \ α. ( ) Seja r Q \ α e s α. Temos que, ou r s, ou r < s. Se o segundo caso ocorre, pelo item 2 da denição de corte, r α, o que é uma contradição com a hipótese, logo, r s, isto é, r é uma cota superior de α. Proposição Se r Q e α = {x Q x < r} então α é um corte e r é a menor cota superior de α. Demonstração. 1. α, pois x = r 1 α e α Q pois r Q e r / α; 2. Sejam s α e t < s. Assim, t < s < r, logo t < r, ou seja, t α; 3. Suponhamos que exista s α tal que x s para todo x α. Como s α, então s < r, daí, s < (s + r)2 1 < r. Como (s + r)2 1 Q e (s + r)2 1 < r, então (s + r)2 1 α, o que contradiz a maximalidade de s, portanto, α não possui um elemento máximo. Seja s Q uma cota superior de α. Suponhamos que s < r, o que implica que s α, assim s é um elemento máximo de α, contradizendo o fato de α ser corte. Logo, r s para toda cota superior s de α, ou seja, r é a menor cota superior de α. Denição Os cortes do tipo da proposição anterior são chamados cortes racionais e se representam por r. Proposição Todo corte que possui cota superior mínima é racional. Demonstração. Seja α um corte com cota superior mínima r, isto é, x r para todo x α. Temos que r / α pois, caso contrário, r seria máximo de α, o que não pode acontecer, por denição de corte, sendo assim x < r para todo x α. Como r é a mínima das cotas superiores de α, temos que, qualquer s Q, tal que s < r, não é cota superior de α, isto é, pertence a α. Logo, se r Q é cota superior mínima de α, então α = {x Q x < r}, ou seja, α é racional. Faremos a seguir um exemplo importante para concluir a próxima demonstração. Exemplo A equação x 2 = 2 não tem solução em Q. De fato, só precisamos mostrar que o número x o qual é solução desta equação não é um número racional. Suponhamos por absurdo que seja. Se tal x é racional então ele tem forma a b com a Z, b Z e b 0, isto é, x = a b, a Z, b Z e ainda podemos admitir, sem perda de generalidade, que m.d.c : (a, b) = 1. Elevando ao quadrado ambos os membros da equação x = a a2, obtemos 2 = b b, ou seja, 2 a2 = 2b 2. Isto 66

75 implica que a 2 é par, daí, podemos armar que a também é par (quadrado de um número par é um número par e o quadrado de um núumero ímpar é um número ímpar). Vamos indicar a por a = 2m. Agora, a 2 = 2b 2 (2m) 2 = 2b 2 2m 2 = b 2. Isto signca que b 2 é par, novamente, podemos armar que b também é par. Concluímos que a é par e b é par, logo, o m.d.c(a, b) = 2, o que é uma contradição, uma vez que o m.d.c(a, b) = 1. Portanto, x / Q. Teorema Seja α = {x Q x 0} {x Q x 2 < 2}. Então α é um corte que não é racional. Demonstração. 1. α pois 0 α e α Q pois 2 Q e 2 / α. 2. Sejam r α e s Q, s < r. Se s 0 então s α; Se s > 0 e s < r, então s 2 < r 2 < 2, isto é, s α; 3. Para cada r α é possível encontrar um racional s α tal que r < s. De fato, suponhamos que r α, logo r 2 < 2. Se r 0, então s = 1 α e r < s; Se r > 0 e r 2 < 2, tomemos h Q, 0 < h < 1 e h < 2 r2 (existe h nessas condições, 2r + 1 pois Q é arquimediano). Seja s = r + h, logo s Q, s > r. Temos s 2 = r 2 + h 2 + 2rh = r 2 + (h + 2r)h. Como 0 < h < 1, s 2 < r 2 + (1 + 2r)h, daí, como h < 2 r2 2r + 1, s2 < r 2 + (2 r 2 ) = 2. Portanto, s α e r < s. Sendo assim, α não possui um elemento máximo. Disto temos que α é um corte. Veriquemos agora que α não possui cota superior mínima. Os racionais que não pertencem a α são os positivos que têm quadrado maior ou igual a 2, e sabemos que não existe racional cujo quadrado é igual a 2, pelo Exemplo Sendo assim, q é uma cota superior de α se q > 0 e q Q tal que q 2 > 2. Mostraremos que, para cada cota superior p, encontraremos outra cota superior q tal que q < p. De fato, seja p uma cota superior, isto é p Q e p 2 > 2. Seja q = p p2 2. Dessa forma, 0 < q < p e 2p ( ) ( ) p q 2 = p p 2 2 ( ) 2 p p + = 2 + > 2. 2p 2p 2p Portanto, q < p e q 2 > 2, como queríamos. Teorema Seja α um corte. Se p α e q / α, então p < q. 67

76 Demonstração. Uma vez que p e q são números racionais e a relação de ordem usual em Q é uma ordem total podemos armar que p = q ou p < q ou p > q. Se p = q, então q α, o que contradiz a hipótese. Se p α e q < p segue da condição 2 da denição de corte que q α, mas isto contradiz, novamente, nossa hipótese. Portanto, nos resta que q > p. Desta forma, os elementos de um corte α serão, daqui por diante, chamados números inferiores de α, enquanto que os racionais que não estão em α serão chamados números superiores de α. Denotaremos, a partir daqui, por C o conjunto de todos os cortes. 5.2 Relação de ordem em C Inicialmente, deniremos em C uma relação de ordem. Denição Sejam α, β C. Dizemos que α é menor do que β e escrevemos α < β quando β \ α. Em outras palavras, α < β se existe um racional p tal que p β e p / α. Exemplo ( ) >, pois 1 5 \ > 0 pois \ 0 ; ( ) 4 ; 5 3. ( 1) < 0, pois \ ( 1) ; 4. Se α = {x Q + x 2 < 2} Q, então α < 2, pois \ α. Denição Se α C e α > 0, α chama-se corte positivo. Se α < 0, é chamado de corte negativo. Se α 0, α é não negativo e se α 0, ele chama-se corte não positivo. Proposição Para α, β C, valem as equivalências: 1. α < β α β e α β; 2. α β α β. Demonstração. 1. ( ) α < β existe p β tal que p / α. Claramente α β. Suponhamos que α β, isto é, existe p α tal que p / β, o que é uma contradição, pois por denição, se isto ocorre, então β < α. Logo α β. ( ) Se α β e α β, então existe p em β tal que p não está em α, ou seja, α < β; 2. ( ) α β α < β ou α = β. Se α < β, pelo item anterior α β. Se α = β, obviamente α β. ( ) α β implica, pelo item anterior, que α < β, ou seja, α β. 68

77 Teorema (Tricotomia). Sejam α, β C, então uma e somente uma das possibilidades a seguir ocorre: α = β ou α < β ou β < α. Demonstração. Se α = β, temos por denição de igualdade de conjuntos que, α β, daí pelo item 2 da Proposição 5.2.4, α β. Se α < β, obteríamos uma contradição, pois, pelo item 1 desta mesma proposição teríamos, α β. Portanto, a igualdade α = β, exclui as outras duas possibilidades. Temos ainda que, α < β ou β < α excluem α = β, pelo item 1 da Proposição Veriquemos agora que as posibilidades α < β e β < α se excluem mutuamente. Para isto, suponhamos que α < β e β < α ocorrem ao mesmo tempo. { α < β α β e α β, β < α β α e β α. Dessa forma temos α β, β α e α β, o que é um absurdo, por denição de igualdade de conjunto. Devemos mostrar ainda que uma das três deve ocorrer. Temos que α = β ou α β. Se α = β não há o que provar. Se α β, então α \ β ou β \ α. No primeiro caso, β < α e, no segundo caso, α < β, por denição. Teorema A relação é uma relação de ordem em C. Demonstração. 1. Reexiva: Seja α C. Obviamente α = α, portanto, α α; 2. Antissimétrica: Sejam α, β C, α β e β α. Pela tricotomia, α = β; 3. Transitiva: Sejam α, β, γ C, α β e β γ. { α β α β, β γ β γ. Temos que a inclusão de conjuntos é transitiva, portanto, α β e β γ implicam que α γ, daí α γ. 5.3 Operações em C Iniciaremos esta seção enunciando um teorema fundamental para a denição da operação de soma nos cortes. Teorema Sejam α, β C. Se γ = {r + s r α e s β}, então γ C. Demonstração. Devemos mostrar que γ C, isto é, provar que satisfaz as três considições para ser um corte: 69

78 1. Como α e β, claramente γ. Sejam t Q \ α e u Q \ β. Sendo assim, t > r para todo r α e u > s para todo s β, daí, t + u > r + s, para todo r α e para todo s β. Sendo assim, t + u / γ, logo γ Q. 2. Sejam r γ e s Q com s < r. Como r γ, temos que r = p + q com p α e q β, daí, s < p + q. Sendo assim, podemos tomar q < q (como β é corte, q β) tal que s = p + q, portanto, s γ. 3. Devemos mostrar que γ não possui elemento máximo, isto é, para todo r γ, existe s γ tal que r < s. De fato, temos que r = p + q com p α e q β. Como existe p α tal que p < p, o racional s = p + q γ e é maior do que r. Denição Denotamos por α + β e chamamos soma de α e β, o corte γ do teorema anterior, isto é, α + β = {r + s r α e s β}. Teorema A adição em C é comutativa, associativa e tem 0 como elemento neutro. Demonstração. 1. Comutativa: sejam α, β C. Devemos mostrar que α + β = β + α. De fato, tomemos r + s α + β tal que r α e s β. Já vimos que a comutativa é válida em Q, portanto, r+s = s+r. Sabemos que s+r β+α com s β e r α, sendo assim, r+s β+α. Daí, α+β β +α. Da mesma forma podemos concluir que β +α α+β, logo, α+β = β +α. 2. Associativa: sejam α, β, γ C. Devemos mostrar que α + (β + γ) = (α + β) + γ. De fato, tomemos r +(s+t) α+(β +γ) tal que r α, s β e t γ. Já vimos que a associativa é válida em Q, portanto, r + (s + t) = (r + s) + t. Sabemos que (r + s) + t (α + β) + γ com r α, s β e t γ, sendo assim, r+(s+t) (α+β)+γ. Daí, α+(β+γ) (α+β)+γ. Da mesma forma, podemos concluir que, (α+β)+γ α+(β+γ), logo, α+(β+γ) = (α+β)+γ. 3. Elemento Neutro da Adição: devemos mostrar que α + 0 = α. Seja r = p + q α + 0 com p α e q 0, isto é, q < 0. Assim, r < p, portanto, r α. Logo, α + 0 α. Tomemos agora r α e s α, tal que r < s. Podemos expressar r como r = s + (r s), onde r s < 0 e, portanto, (r s) 0. Logo, r α + 0 e assim, α α + 0, de onde segue que, α = α + 0. Lema Sejam α C e r Q +. Então existem números racionais p e q tais que p α, q / α, q não é cota superior mínima de α e q p = r. Demonstração. Tomemos s arbitrário em α e consideremos a sequência s n n = 0, 1, 2,.... Seja A = {n N s n α}. Temos que: = s + nr para A N, por denição de A; A, pois 0 A; 70

79 A é nito, por consequência das condições 2 e 3 para α ser corte. Portanto podemos armar que o conjunto A assume um máximo m. Isto acarreta que s m α e s m+1 / α. Se s + (m + 1)r não for cota superior mínima de α, devemos tomar p = s + mr e q = s + (m + 1)r, daí, q p = r. Se s + (m + 1)r for cota superior mínima de α, devemos tomar p = s + mr + r 2 e q = s + (m + 1)r + r, daí, q p = r. 2 Teorema Dado α um corte, existe um único corte β tal que α + β = 0. Como nos casos dos inteiros e racionais, tal β denota-se por α e se chama simétrico (ou oposto) de α. Demonstração. Provemos inicialmente a unicidade. Suponhamos que α + β = α + β = 0 : β = β + 0 = β + (α + β) = (β + α) + β = 0 + β = β. Provemos agora a existência e um corte β que satisfaça α + β = 0. O primeiro passo é tomar um β e mostrar que é corte. Seja β = {p Q p / α e p não é cota superior mínima de α}. 1. (a) Para mostrar que β, consideremos dois casos: α não possui cota superior mínima: Como α é um corte, então α Q e potanto, existe q Q tal que q / α. Assim, basta tomar p = q Q e p = q / α. Logo p β e portanto β. α possui cota superior mínima m: Como m é cota superior mínima de α, m / α (se m α, m seria máximo de α, o que contradiz a denição de corte) e com isso, m + 1 / α. Seja p = m 1 Q e p = m + 1 / α e, além disso, p = m + 1 m. Portanto p β e β. (b) Para mostrar que β Q, consideremos novamente dois casos: α não possui cota superior mínima: Como α é corte, então α e portanto existe r α (daí r Q). Tomemos p = r Q e, portanto, p = r α. Logo p / β e p Q, isto é, β Q. α possui cota superior mínima m: Como m é cota superior mínima de α, então m 1 α (caso contra io, m 1 seria uma cota superior de α menor do que m, contradizendo a minimalidade de m). Seja p = m + 1 Q e p = m 1 α. Portanto, p / β e p Q, isto é, β Q. 2. seja p β e q Q tal que q < p. Queremos mostrar que q β. Como p β, temos que p / α e p não é cota superior mínima de α. Como q < p, então p < q (5.1) daí, q / α (visto que p / α). Temos também que q não é cota superior mínima de α (pois caso contrário, sabendo que p / α, ou seja, é uma cota superior de α, teríamos 71

80 q p, contradizendo (5.1)). Como q Q, q / α e q não é cota superior mínima de α, concluímos que q β. 3. Seja p β, queremos mostrar que existe q β tal que p < q. Dividiremos em dois casos. α não possui cota superior mínima: Como p / α e α não possui cota superior mínima, então existe uma cota superior q de α (isto é, q / α), tal que q < p. Assim, q β e p < q, logo β não possui máximo. α possui cota superior mínima m: Seja r = m + p Q. Como p β, temos que p / α, ou seja, é uma cota superior 2 de α, mas não é cota superior mínima de α, portanto, m < p, daí, p < m. Sendo assim, r = m + p = m p 2 > p 2 + p 2 = p. Por outro lado, r = m p 2 = m 2 p 2 > m 2 + m 2 = m, portanto, r m. Como r > m, então r / α. Finalmente, como r Q, r / α e r não é cota superior mínima de α, temos que r β e p < r, logo, β não possui máximo. Para nalizar, basta mostra que α + β = 0. Para isso, mostremos que α + β 0 e 0 α + β. Seja q + r α + β com q α e r β (r Q, r / α e r não é cota superior mínima de α). Como q α e r / α, então, q < r, daí, q + r < 0, isto é, q + r 0. p 0 p Q e p < 0 ( p > 0). Sejam r α e r / α (r não sendo cota superior mínima de α), tais que r r = p (Lema 5.3.4). Segue que p = r + ( r ), com r α e r β, ou seja, p α + β. Portanto, α + β = 0, como queríamos. Denição Denimos a subtração em C por α β = α + ( β), para todo α, β C. Proposição Se α C, então α = ( α). Demonstração. Já vimos que oposto de α é α, portanto, α + ( α) = α α = α + α = 0. Por outro lado, sabemos que o oposto de ( α) é ( α), logo ( α) + ( ( α)) = α + ( ( α)) = 0. Sabemos também que o oposto de um corte é único, sendo assim, α = ( α). 72

81 Teorema (Compatibilidade da relação de ordem com a adição). Sejam α, β, γ C tais que α β. Então α + γ β + γ. Demonstração. α β α β. Seja t α + γ, isto é, t = r + s com r α e s γ. Como α β, então r β, e t = r + s β + γ, ou seja, α + γ β + γ. Portanto, α + γ β + γ. Teorema Sejam α e β cortes tais que α 0, β 0. Seja γ = {p Q p < 0} {q Q q = rs, onde r α, s β, r 0, s 0}. Então γ é um corte. Demonstração. 1. p = 1 γ, portanto γ. Temos ainda que, { α Q p 0 Q tal que p 0 / α, β Q q 0 Q tal que q 0 / β. Logo, p 0 q 0 Q. Mostremos que p 0 q 0 / γ. Suponhamos que p 0 q 0 γ, isto é, existem p α, q β, p 0 e q 0 tal que p 0 q 0 = pq. Não podemos ter p 0 p (pois teríamos p 0 α), nem q 0 q (pois teríamos q 0 β). Assim, p < p 0 e q < q 0, daí, pq < p 0 q 0, o que é uma contradição com p 0 q 0 = pq. Portanto, p 0 q 0 / γ e, assim, γ Q. 2. Sejam r γ e s < r. Devemos mostrar que s γ. De fato, se s < 0, s γ. Suponhamos s 0 e, portanto r > 0. Como r γ, existem p α e q β, tais que r = pq, com p 0 e q 0. Como r > 0, segue que p > 0 e q > 0. Seja t = s (s 0, p > 0 t 0). Se q t, p teríamos pq pt, isto é, r s, o que é um absurdo, pois, s < r. Logo, devemos ter t < q e, como q β, então t β. Assim, como s = pt, p α, t β, p > 0 e t 0, então s γ. 3. Seja r γ e mostremos que existe s γ tal que r < s. De fato, se r < 0, basta tomar s = r < 0, daí s > r. Suponhamos r 0. Neste caso, r γ signica que r = pq, com 2 p α, q β, p 0 e q 0. Existem t α e u β tais que p < t e q < u (pois α e β não possuem máximo). Logo, r = pq < tu. Tomando s = tu, temos s γ (pois s = tu com t α, u β, t > 0 e u > 0) e s > r. Portanto, γ não tem máximo. Denição Denotamos por αβ e chamamos produto de α e β o corte γ do teorema anterior, isto é, αβ = {p Q p < 0} {q Q q = rs, onde r α, s β, r 0, s 0}. Para denir produto de cortes que contêm fatores negativos, começamos com noção de valor absoluto de um corte. Denição A cada corte α associamos um corte α que chamamos valor absoluto de α, denido por { α se α 0, α = α se α < 0. 73

82 Proposição Se α < 0, então α > 0. Demonstração. Sabemos que α < 0 se, e somente se, existe q 0 tal que q / α, e podemos admitir, sem perda de generalidade que q não é cota superior mínima de α. Como q 0, então q < 0. Tomemos r = q, que nos fornece r > 0. Nesta condições, vemos que r α (por denição de corte oposto, pois r = q, q / α e q não é cota superior mínima de α) e r > 0, isto é, r / 0, o que nos garante que α > 0. Proposição Para qualquer α C, tem-se: 1. α 0 ; 2. α = 0 α = 0. Demonstração. 1. Se α 0, então α = α 0, daí, α 0. Se α < 0, então α = α e ainda, α > 0 (pela Proposição ), assim, α > ( ) Seja α = 0. Se α > 0 então α = α > 0, contradição, pois, por hipótese, α = 0. Se α < 0, pela Proposição , α > 0 e, por denição, α = α > 0, novamente contradição. Logo, pela tricotomia, α = 0. ( ) Seja α = 0. α = 0 α = α = 0. Podemos agora completar a denição de multiplicação. Denição Sejam α, β cortes. Denimos: ( α β ) se α < 0 e β 0, αβ = ( α β ) se α 0 e β < 0, α β se α < 0 e β < 0. Teorema Sejam α, β, γ C. Valem: 1. Comutativa: αβ = βα; 2. Associativa: (αβ)γ = α(βγ); 3. Elemento Neutro 1 : α 1 = α. Demonstração. Suponhamos que α, β, γ 0. 74

83 1. Seja r αβ. Se r < 0, então r βα, por denição de produto. Suponhamos r 0. Então r = pq, p α, q β, p 0 e q 0. Portanto r = pq = qp, q β, p α, q 0 e p 0, isto é, r βα. Logo αβ βα. Desse modo, analogamente r βα r αβ, isto é, βα αβ, o que nos garante que αβ = βα. 2. Esta propriedade tem demonstração análoga a anterior, se dando imediatamente pela associativa dos racionais, isto é, (αβ)γ = {p Q p < 0} {q Q q = (rs)t, r α, s β, t γ, r 0, s 0, t 0} = {p Q p < 0} {q Q q = r(st), r α, s β, t γ, r 0, s 0, t 0} = α(βγ) 3. Seja r α 1 e r < 0. Se α = 0, r < 0, então r 0 = α, portanto r α. Se α > 0, temos que existe p α tal que p / 0, daí p 0. Dessa forma, r < 0 p, logo r α. Suponhamos agora r 0 e r α 1, assim, r = pq com p α, q 1, p 0 e q 0. Como q 1, temos que, q < 1, daí pq < p 1, isto é, r = pq < p. Como p α, r = pq < p e α é corte, então r α, logo, α 1 α. Por outro lado, seja r α. Se r < 0 então r α, por denição de produto. Suponhamos r 0. Tomemos p α tal que 0 r p (pois α não tem máximo). Se q = r p então 0 q < 1 e portanto q 1. Concluímos que, como r = pq, p α, q 1, p > 0, q 0, então r α 1. Portanto α α 1. Logo α = α 1 Os outros casos (α < 0 e β 0, α 0 e β < 0, α < 0 e β < 0 ) são consequências da parte já demonstrada, por exemplo, a comutativa, quando α < 0 e β 0 : αβ = ( α β ) = ( β α ) = βα, por denição de módulo, pelo que foi demonstrado anteriormente ( α 0 e β 0) e por denição de produto. Teorema Seja α C com α > 0. O conjunto β = {p Q p 0 ou p 1 / α e existe q / α tal que q < p 1 } é corte. Demonstração β, portanto β. Seja p α tal que p > 0 (este p existe pois, como α > 0 existe q Q, q α e q / 0, isto é, q 0. Devemos provar agora que p 1 / β. De fato, se p 1 β, então teríamos que (p 1 ) 1 = p / α, isto é, p / α, o que é contradição, pois p α. Logo, p 1 / β, ou seja, β Q; 2. Seja p β e q Q com q < p. Devemos mostrar que q β. Se q 0, então q β, pela denição de β. Suponhamos então q > 0. Assim, temos 0 < q < p. Daí, como p, q Q + e q < p, pelas propriedades dos racionais, p 1 < q 1. Como p 1 / α, segue que q 1 / α. Assim, p 1 / α, q 1 / α, p 1 < q 1, o que signica que q 1 não é cota superior mínima de α, logo q β. 3. Seja p β. Mostraremos que existe q β tal que p < q. Sem perda de generalidade, vamos supor p > 0. Como p β e p > 0, então p 1 / α e existe r / α tal que r < p 1. Tomemos s = r + p 1. Assim temos r < s < p 1. Tomando 2 75

84 q = s 1 temos q = s 1 > p > 0, portanto, q > 0. De fato, q 1 = s / α (pois s > r e r / α), q 1 = s > r e r / α, logo q β, isto é, β não possui máximo. Denição Seja α um corte tal que α 0. Se α > 0, então o corte β do teorema anterior é denotado por α 1 e chamado de inverso de α. Se α < 0, então denimos o inverso de α como α 1 = α 1. Teorema Seja α um corte tal que α 0. Então αα 1 = 1. Além disso, o inverso de α é único. Demonstração. Consideremos dois casos, α > 0 e α < 0. α > 0 : Seja r αα 1. Se r 0, então r 1. Suponhamos r > 0. Como r αα 1 existem s α, p α 1 tal que r = sp, s 0, p 0. Como r > 0, devemos ter s > 0 e p > 0. Como p α 1 e p > 0, existe q / α tal que q < p 1. Como s α e q / α, então s < q. De q < p 1, temos p < q 1, daí, sp < sq 1. Portanto, como s < q, temos que sq 1 < 1, e assim, r = sp < sq 1 < 1, daí r 1. Reciprocamente, seja r 1, isto é, r < 1. Se r < 0, então r αα 1, por denição de produto. Se r = 0, temos r = p 0, ponde p α, 0 α 1 e p > 0, logo r αα 1. Suponhamos agora, 0 < r < 1. Seja s α com s > 0. Seja n o maior natural que satisfaz s (r 1 ) n / α (este n existe, pois, r 1 > 1 e se s (r 1 ) n α para todo n N, teríamos α = Q, o que é uma contradição, pois α é corte). Tomemos p 1 = s (r 1 ) n 1 α e t = s (r 1 ) n / α. Seja p α tal que p 1 < p (α não possui máximo). Tomemos q = t 1 p 1 p 1, isto é, q 1 = tpp 1 1. Assim, podemos ter p 1 < p p 1 p 1 1 < pp < pp 1 1 t < tpp 1 1 t < q 1. Assim, como t / α, q 1 / α e q 1 não é a menor cota superior de α. Temos ainda, q = t 1 p 1 p 1 pq = pt 1 p 1 p 1 pq = t 1 p 1 pq = ( s ( r 1) n) 1 ( ) s r 1 n 1 pq = s 1 r n sr n+1 pq = r. Desta forma, p α e, como q 1 / α e existe t / α tal que t < q 1, então, q α 1. Portanto r αα 1. Assim, concluímos que, se α > 0, então αα 1 = 1. α < 0 : Se α < 0, por denição, α 1 = α 1. Sabemos que α 1 > 0 (pelo item 1 da Proposição ), e disso, α 1 < 0 (pela Proposição ), isto é, α 1 < 0. Daí, por denição de produto, αα 1 = α α 1 = α α 1 = = α α 1 = 1. 76

85 Provemos agora a unicidade de α 1. Suponhamos que existam α1 1 e α2 1, tais que αα1 1 = 1 e αα2 1 = 1. Assim, α1 1 = α1 1 1 = α1 1 ( ) ( αα 1 2 = α 1 1 α ) α2 1 = 1 α2 1 = α2 1. Teorema (Distributividade). Se α, β, γ C, então α(β + γ) = αβ + αγ. Demonstração. Demonstraremos apenas o caso em que α > 0, β > 0 e γ > 0. Mostremos inicialmente que α(β + γ) αβ + αγ. De fato, α(β + γ) = {q Q q < 0} {p Q p = rs onde r α, s (β + γ), r 0, s 0}. Dessa forma, se x α(β + γ), então, ou x 0 ou x = rs com r α, s (β + γ), r 0 e s 0. Se x 0, então x 2 0 e x 2 + x = x, que signica que x αβ + αγ. 2 Se x = rs com r α, s (β + γ), r 0 e s 0, então s = q + p onde q β, p γ, q 0 e p 0. Portanto, x = rs = r(q + p) = rq + rp, logo x αβ + αγ. Assim, concluímos que α(β + γ) αβ + αγ. Mostremos agora que αβ + αγ α(β + γ). Com efeito, αβ + αγ = {t Q t = ps + pq onde ps αβ, pq αγ}. Seja u αβ + αγ, isto é, u = ps + pq, com ps αβ, pq αγ. ps αβ ps < 0 ou p α e s β com p 0 e s 0; pq αγ pq < 0 ou p α e q γ com p 0 e q 0. Desta forma, temos quatro casos: 1. Suponhamos ps < 0 e pq < 0. Claramente, u α(β + γ) pois u = ps + pq < 0; 2. Suponhamos ps < 0 e p α e q γ com p 0 e q 0. Como ps < 0 e p 0, então s < 0, daí, se s > q, então s + q < 0 e, portanto, u = ps + pq = p(s + q) < 0. Se s q, então s + q 0 e, como p 0, temos u = p(s + q) α(β + γ), pois p α e s + q β + γ com p 0 e s + q 0; 3. Supondo p α e s β com p 0 e s 0 e pq < 0, podemos obter, analogamente ao caso anterior que u = ps + pq α(β + γ); 4. Suponhamos que p α, s β e q γ, com p 0, s 0 e q 0. Dessa forma, u = ps + pq = p(s + q), onde p α e s + q β + γ, com p 0 e s + q 0, logo u α(β + γ). Provamos, então, que existe a dupla inclusão entre αβ + αγ e α(β + γ), isto é, αβ + αγ = α(β + γ). Teorema Para α, β C, temos ( α)β = α( β) = (αβ) e ( α)( β) = αβ. 77

86 Demonstração. De fato, temos, ( α)β + αβ = ( α + α)β = 0 β = 0. (5.2) Isso signica que ( α)β = (αβ), pois, como já foi provado, o oposto de um corte é único. Temos também, α( β) + αβ = α( β + β) = α 0 = 0. (5.3) Do mesmo modo, α( β) = (αβ). Temos ainda, ( α)( β) = (α( β)) por (5.2) = ( (αβ)) por (5.3) = αβ pela Proposição Teorema (Compatibilidade da relação de ordem com a multiplicação). Se α β e γ 0, então, αγ βγ. Demonstração. Como α β, pelo Teorema 5.3.8, 0 = α + ( α) β + ( α), portanto, β + ( α) 0. Além disso, como γ 0, temos (β + ( α))γ 0, por denição de produdo de cortes. Daí, βγ + ( α)γ 0 e, novamente pelo Teorema 5.3.8, βγ αγ, isto é, αγ βγ. Proposição Seja α um corte qualquer, então α 0 = 0. Demonstração. Temos, α 0 = α(0 +0 ) = α 0 +α 0, daí, α 0 α 0 = α 0 +α 0 α 0, portanto, 0 = α 0, como queríamos. Proposição Sejam α e β cortes. Nesta condição, αβ = 0 se e somente se α = 0 ou β = 0. Demonstração. Se α = 0 ou β = 0, temos que αβ = 0, pelo resultado anterior. Seja, agora, αβ = 0. Suponhamos α 0, isto é, existe γ C, tal que αγ = 1. Dessa forma, β = β 1 = β(αγ) = (αβ)γ = 0 γ = 0. Reciprocamente, se supormos que β 0, concluiremos que α = 0. Temos, então, C munido de duas operações e uma relação de ordem, de forma que C é um corpo ordenado. Em particular, dene-se também a divisão em C e adota-se a notação de fração α, como nos racionais. Vejamos a seguir, uma aplicação injetora de Q em C, assim β como foi feito em Z e em Q. 78

87 Teorema A aplicação j : Q C, dada por j(r) = r é injetora e preserva adição, multiplicação e ordem, isto é, os seguintes itens são válidos: 1. j(p) + j(q) = j(p + q), ou seja, p + q = (p + q) ; 2. j(p)j(q) = j(pq), isto é, p q = (pq) ; 3. j(p) < j(q) se e somente se p < q, ou ainda, p < q se, e somente se p < q; 4. j(p) = j(q) se e somente se p = q, ou seja, p = q se, e somente se, p = q. Demonstração. 1. Seja t p + q, isto é, t = r + s com r p e s q, ou ainda, r < p e s < q. Dessa forma, t = r + s < p + q, ou seja, t = r + s (p + q). Seja, agora, u (p + q), isto é, u < p + q. Sejam h = p + q u, s = p h 2 e t = q h 2. Dessa forma, s < p e t < q, ou seja, s p e t q. Logo u = s + t p + q. 2. Provaremos apenas para o caso p > 0 e q > 0, os outros casos podem ser provados de forma análoga. Se r p q, então, ou r < 0 ou r = st, com p > s 0 e q > t 0, de modo que, ou r < 0 ou r = st < pq e assim, r (pq). Seja r (pq), então podemos armar que ou r < 0 ou 0 r < pq. Se r < 0, claramente r p q, pela denição de corte positivos. Se 0 r < pq então existem p 1 Q e q 1 Q tais que 0 < p 1 < p, 0 < q 1 < q e, ainda, r < p 1 q 1 < pq. É evidente que p 1 p, q 1 q, p 1 q 1 p q e assim, r p q. 3. Se p < q, então p q. Como p / p, concluímos que p < q. Analogamente, se p < q, existe um racional r tal que r q e r / p, isto é, r < q e r p. Logo p r < q, ou seja, p < q. 4. Se p = q, obviamente p = q. Suponhamos p = q. Como p / p, segue que p / q, logo p q. Por outro lado, como q / q, segue que q / p, então p q. Com isso, pela tricotomia, p = q. Mais uma vez obtivemos uma cópia algébrica de um conjunto em outro, isto é, um homomorsmo injetor. Desta vez, j(q) é uma cópia de Q em C, sendo j(q) precisamente o conjunto dos cortes racionais. O Teorema mostra que existem cortes não racionais em C. Assim, C \ j(q). Notemos ainda que o corpo ordenado dos números racionais é isomorfo (bijetor, preserva a soma, o produto e a ordem) ao corpo ordenado de todos os cortes racionais (C ) o que nos permite identicar o corte racional r como o número racional r. Naturalmente r não é, de modo algum, o mesmo número racional, mas as propriedades que interessam (aritméticas e ordem) são as mesmas nos dois corpos ordenados. Proposição Se α C, temos que r α se, e somente se, r < α. 79

88 Demonstração. Se r α, como r / r, então r < α. Reciprocamente, se r < α, existe s α, tal que s / r. Temos então, s r e s α, logo, r α. Teorema Se α, β C e α < β, então existe um corte racional r tal que α < r < β. Demonstração. Do fato que α < β, podemos armar que existe um número racional s β, tal que s / α. Uma vez que s β, segue da defnição de corte que existe um racional r tal que s < r e ainda r β, o que implica r < β, pelo resultado anterior. Segue do item 3 do Teorema que, s < r, portanto, α s < r (como s / α, pela Proposição anterior, s α) e assim, chegamos a conclusão que, α < r < β. Denição O conjunto C dos cortes será, a partir de agora, denominado de conjunto dos números reais e denotado por R. Os cortes racionais serão identicados, via injeção j, com os números racionais. Todo corte que não for racional será denominado número irracional. A identicação j(q) com Q nos permite escrever Q R. O conjunto R \ Q representa o conjunto dos números irracionais. A seguir vamos enunciar e demonstrar a principal propriedade que difere o conjunto dos números racionais do conjunto dos números reais. Essa propriedade é conhecida como Teorema de Dedekind. Teorema (Dedekind). Sejam A e B subconjuntos de R tais que: 1. R = A B; 2. A B = ; 3. A e B ; 4. se α A e β B, então α < β. Nestas condições, existe um, e apenas um, número real γ tal que α γ β, para todo α A e para todo β B. Demonstração. Provemos inicialmente a unicidade: Suponhamos que existam dois números distintos γ 1 e γ 2, com γ 1 < γ 2 (ou γ 2 < γ 1, sem perda de generalidade) nas condições do enunciado. Consideremos γ 3 tal que γ 1 < γ 3 < γ 2, que existe, como foi provado no Teorema Temos que γ 2 β, para todo β B, dessa forma, se γ 3 B, teríamos γ 2 γ 3, o que não pode acontecer, pois γ 1 < γ 3 < γ 2, portanto, como R = A B, temos que γ 3 A. Analogamente, de γ 1 < γ 3, obtemos γ 3 B. Resulta então γ 3 A B, uma contradição. Portanto não podemos ter γ 1 e γ 2 distintos nas condições do enunciado. Provemos agora a existência: Seja γ = {r Q r α, para algum α A}. Devemos mostrar que γ é um corte. 1. Como A, obviamente γ. Para mostra que γ Q, tomemos β B. Seja s β um racional. Como α β, para todo α A, então, s / α, para todo α A, de onde resulta s / γ; 80

89 2. Seja r γ e s < r. Temos que r α para algum α A e, como s < r, então s α, de onde segue que s γ; 3. Temos que r α para algum α A e, como α é um corte, existe s > r em α, logo s γ; Dessa forma, γ é um número real e temos que α γ para todo α A, pois, pela denição de γ, sabemos que α γ, para todo α A. Falta mostrar apenas que γ β para todo β B. Suponhamos que exista β B com β < γ. Com isso, existe um racional r γ, tal que r / β. Como r γ, então r pertence a algum α A e, não sendo elemento de β, obtemos β < α, contradizendo a última hipótese do teorema. Logo, γ β para todo β B. Exemplo Consideremos os seguintes subconjuntos de Q: A = { x Q + x 2 < 2 } Q e B = { x Q + x 2 > 2 }. Podemos ver que A e B satisfazem as hipóteses do teorema anterior, com Q em lugar de R, mas que não existe r Q satisfazendo s r para todo s A e r t para todo t B. Notemos que, este exemplo nos diz, informalmente, que em R não há lacunas, mas em Q, há. Por esta razão, dizemos que R possui a propriedade da completude ou que R é completo. Corolário Nas condições do Teorema , ou existe em A um número máximo, ou, em B, um número mínimo. Demonstração. Seja γ como no teorema anterior. Então, pela primeira hipótese, γ está em A ou γ está em B e, em apenas um desses conjuntos, pela segunda hipótese. Se γ A, então ele é elemento máximo de A. Se γ B, então, ele é elemento mínimo de B. Observemos que, se o conjunto A do Teorema não contiver γ, então ele é um corte em R, no sentido da denição de corte em Q apresentada. A diferença entre ambas a situações é que em Q não se tem necessariamente, como no Teorema para os números reais, um elemento como γ. Essas lacunas é que geram os cortes irracionais. Como tais lacunas não ocorrem em R, então cortes em R não geram elementos novos. Antes de apresentar o próximo resultado, devemos retomar o conceito de supremo. As denições de supremo e ínmo, dadas para o conjunto dos racionais, são equivalentes no conjunto dos reais. Por exemplo, se A é um subconjunto de R, limitado superiormente, e existe um cota superior de A, digamos s, que seja mínima, então, s diz-se supremo de A. O ínmo é dado analogamente. Teorema Se X R é um conjunto não vazio e limitado superiormente, então existe sup X. Demonstração. Sejam A = {α R α < x, para algum x X} e B = R \ A, isto é, A é o conjunto constituído precisamente pelos números reais que não são cotas superiores de X e B é o conjunto constituído pelas cotas superiores de X. Vamos vericar que A e B satisfazem as condições do Teorema

90 As duas primerias condições são obviamente válidas. Veriquemos a terceira. Temos que, como X, existe x X, e assim, qualquer α < x pertence a A, ou seja, A. Como X é limitado superiormente, B. Para vericar a útima condição do teorema, sejam, α A e β B. Assim, existe x X tal que α < x. Como x β, obtemos α < β. Dessa forma, vericamos que A e B satisfazem as codições do Teorema , logo, pelo Corolário , ou A possui máximo, ou B possui mínimo. Devemos mostrar que A não possui máximo. De fato, tomemos α arbitrário em A. Existe x X tal que α < x. Consideremos α tal que α < α < x. Como α < x, então α A e é maior do que α, ou seja, nenhum elemento de A é maior do que os demais, ou seja, A não possui máximo. Sendo assim, obrigatoriamente B possui mínimo, isto é, X possui supremo. Essa propriedade válida para R não se verica em Q, isto é, não é verdade que todo subconjunto de números racionais não vazio e limitado superiormente em Q sempre admita supremo em Q. Por exemplo, o conjunto A = {x Q + x 2 < 2} não possui supremo racional, mas tem supremo, se considerado como subconjunto de R. O resultado seguinte mostra que R, assim como Q, é um corpo arquimediano. Teorema O conjunto N dos naturais é ilimitado em R. Demonstração. Se N R fosse limitado superiormente, existiria α = sup N, pelo Teorema Dessa forma, α n, para todo n N. Como n + 1 N, para todo n N, então n + 1 α para todo n N, de onde obtemos n α 1 para todo n N, daí, concluímos que α 1 é uma cota superior para n N, o que é uma contradição, pois α 1 < α e α é a cota superior mínima. Vamos, a seguir, denir potência de base real e expoente inteiro. Denição Seja a R e n N. Denimos a potência a n, recursivamente, como sendo: { a n 1, se n = 0, = a a n 1, se n > 1. Finalmente, se a 0, denimos: a n = ( a 1) n. Proposição Se a e b são reais e n, m inteiros positivos, então são válidos: 1. (ab) n = a n b n ; 2. a n a m = a n+m ; 3. (a n ) m = a mn. 82

91 Demonstração. Faremos a prova apenas do primeiro item, dado que as outras se dão do mesmo modo. Provemos por indução nita: Se n = 0, por denição (ab) 0 = 1 e a 0 b 0 = 1 1 = 1, logo (ab) 0 = a 0 b 0. Suponhamos, agora, que a igualdade seja válida para n = k e provemos que é verdadeira para n = k + 1. Hipótese de Indução: (ab) k = a k b k. Por denição, (ab) k+1 = (ab)(ab) k+1 1 = (ab)(ab) k, daí, por hipótese de indução, (ab) k+1 = (ab)a k b k. (5.4) Novamente por denição, a k+1 b k+1 = aa k+1 1 bb k+1 1 = aa k bb k = (ab)a k b k. (5.5) Assim, por (5.4) e (5.5), concluímos que (ab) k+1 = a k+1 b k+1. Logo, por indução a igualdade é válida. Estas propriedades são válidas, ainda, para m, n Z, e a prova é simples, basta notarmos que, se m < 0, então m = n para algum n em N, daí, a m = a n = (a 1 ) n e, assim, voltamos aos itens do teorema anterior. Vale ressaltar que, para expontes negativos, a base deve ser não nula. Teorema Seja a um real positivo e n > 0 natural. Existe um único número real positivo que é solução da equação x n = a. Demonstração. A prova deste teorema depende fundamentalmente da completude de R. Ela está feita com bastante rigor em [3] e não será feita aqui. Denição Dado um número real positivo a, o único número real positivo que é solução da equação x n = a, estabelecido pelo teorema anterior, chama-se raiz n-ésima de a e é denotado por n a, ou por a 1 n. A raiz n-ésima de a permite ( ) que se dena expoente racional do seguinte m modo: se m e n são inteiros positivos, a m n = a 1 n e, como para expoentes inteiros, a m n = (a 1 ) m n. Proposição Se a e b são reais positivos, n inteiro positivo e r, s racionais positivos, temos que: 1. (ab) 1 n = a 1 n b 1 n ; 2. a r a s = a r+s ; 3. (a r ) s = a rs ; 4. (ab) r = a r b r. 83

92 Demonstração. Novamente provaremos o primeiro item, os seguintes decorrem do mesmo modo, através de manipulações algébricas com o uso das propriedades já demonstradas. Sejam a e b reais positivos e n N. Se temos α n = a e β n = b, então, por denição, existem as seguintes soluções reais: α = a 1 n e β = b 1 n. Dessa forma, ab = α n β n = (αβ) n, assim, por denição, αβ = (ab) 1 n, daí, a 1 n b 1 n = αβ = (ab) 1 n, como queríamos. Mostramos anteriormente que qualquer subconjunto de R limitado superiormente possui supremo, o seguinte teorema mostra um resultado análogo se tratando de ínmo. Teorema Todo subconjunto não vazio de números reais, limitado inferiormente, possui ínmo. Demonstração. Seja X R limitado inferiormente e consideremos o conjunto X = { x R x X}. Claramente X R. Como X é limitado inferiormente, dizemos que existe M tal que M x para todo x X. Disso temos que M x para todo x X, isto é, X é limitado superiomente, logo, X possui supremo, digamos c = sup ( X). Vamos mostrar que c = inf X. De fato, c x para todo x X, ou ainda, c x para todo x X. Dessa forma c é uma cota inferior de X. Suponhamos que exista d tal que c < d x para todo x X. De d x para todo x X, temos d x para todo x X, isto é, d é cota superior de X, porém, temos que c < d c > d, o que é uma contradição, pois c é supremo de X. Logo, c é a maior das cotas inferiores de X, isto é, c = inf X, como queríamos. 5.4 Representação decimal dos números reais Sendo conhecida a representação dos inteiros na base dez, faremos o estudo da representação decimal dos números reais. Para isto, demonstraremos um resultado a respeito da representação decimal dos números reais não negativos menores do que 1, a partir do qual a representação decimal dos demais números reais será automática, com auxílio de um resultado anterior. Proposição Dado um número real não negativo α, existe um número natural máximo que é menor ou igual a α. Além disso 0 α n 0 < 1. Demonstração. Seja dado α R +. Consideremos o conjuntos A = {n N n α}. Devemos mostrar que A possui um elemento máximo. De fato, seja B = {p N p > α}. Claramente B N e, ainda, B, pois, como vimos no Teorema , N é ilimitado em R. Com isso, pelo Princípio da Boa Ordem, B possui um elemento mínimo, digamos p 0. Dessa forma, p 0 p para todo p B. Sendo assim, α < p 0 p para todo p B. Desse modo, p 0 1 / B, isto é, p 0 1 α, logo, p 0 1 A. Armamos que p 0 1 é o máximo de A, ou seja, p 0 1 n para todo n A. Com efeito, suponhamos p 0 1 < n para algum n A, daí, p 0 1 < n α, ou ainda, p 0 n α, o que é uma contradição, pois p 0 > α. 84

93 Tendo que n 0 é o máximo de A, claramente n 0 α < n 0 + 1, donde 0 α n 0 < 1. Teorema (Representação decimal dos números reais). 1. A cada número real α, não negativo e menor do que 1, corresponde uma única sequência de dígitos (n k ) k N, satisfazendo : (a) 0 n k 9, para todo k N ; (b) (n k ) k N não possui innitos dígitos consecutivos iguais a 9; (c) denindo, para cada k N, S k como a soma n n n k, α será supremo 2 10k do conjunto S = {S k k N }. 2. Reciprocamente, a cada sequência de dígitos (n k ) k N, satisfazendo 1a e 1b acima, e denindo S k como em 1c, corresponde um único número real α, não negativo e menor do que 1, que é o supremo do conjunto limitado superiormente S = {S k k N }. Demonstração. A demonstração deste resultado é um tanto trabalhosa, mas decorre de resultados já demonstrados aqui e está feita em [3]. Denição Dado um número real α, com 0 α < 1, seja (n k ) k N a sequência de dígitos correspondentes a α, sem innitos noves consecutivos, construída na primeira parte do teorema acima. A representação decimal de α se dene como sendo a expressão 0, n 1 n 2 n 3 n Se n k 0 e n l = 0, para todo l > k, convenciona-se representar 0, n 1 n 2 n 3 n 4... por 0, n 1 n 2 n 3 n 4... n k, que será dita representação decimal nita de α. 2. Se α 1, seja n 0 o maior natural que é menor ou igual a α, dado na Proposição Seja 0, n 1 n 2 n 3 n 4... n k... a representção decimal de α n 0 denida em 1. Denimos a representação decimal de α como sendo a expressão n 0, n 1 n 2 n 3 n 4... n k Se α < 0, denimos sua representação decimal como sendo r, onde r é a representação decimal de α. Já sabemos que as representações decimais não consideram, então, expressões com innitos noves consecutivos, entretanto, podemos atribuir a elas um signicado similar ao das expressões sem innitos noves consecutivos. Consideremos a expressão 0, Estendendo o que vimos para representações sem innitos noves sucessivos, o número real α a ela associado deve ser o supremo do conjunto S = {S k k N }, onde S k = ,..., que converge 2 10k para 1 (fato que está bem demonstrado em [4]). Por outro lado, a representação decimal de 1 é, pela denição acima, 1, , que convencionamos representar pelo próprio 1. Dessa forma, considerando expressões com innitos noves consecutivos como representações decimais, tem-se como resultado que elas representam também números reais com representação decimal nita e, reciprocamente, qualquer representação decimal nita, diferente do 0, tem uma representação decimal innita com innitos noves consecutivos nos termos acima. 85

94 Exemplo A representação decimal 2, também representa o número 2, 8. De fato, neste caso, n 0 = 2 e o número real α n 0 deve ser o supremo do conjunto S = {S k k N }, onde S k = ,.... Analogamente ao que foi visto acima, k ,... k converge para 0, 1, daí, S k converge para 0, 8, ou seja, a representação deste α, segundo a denição anterior é 2, 8. Do mesmo modo, a representação decimal com innitos noves de 0, 47 é representada por 0, Deste modo, estamos apontando para o fato de que representações decimais nitas ou periódicas correspondem a números racionais. De fato, seja α = 0, a 1 a 2... a n um número real com representação decimal nita. Multiplicando por 10 n em ambos os lados da igualdade obtemos, 10 n α = a 1 a 2... a n α = a 1a 2... a n 10 n, o que nos garante que α é um número racional. Do mesmo modo, seja α = 0, a 1 a 2... a n a 1 a 2... a n... um número real com representação decimal periódica (n 1). Multiplicando por 10 n em ambos os lados desta igualdade obtemos 10 n α = a 1 a 2... a n, a 1 a 2... a n... a 1 a 2... a n.... Subtraindo os lados destas duas igualdades, na ordem dada, obtemos 10 n α α = a 1 a 2... a n (10 n 1)α = a 1 a 2... a n α = a 1a 2... a n 10 n 1, o que nos garante que α é um racional. Reciprocamete, pode-se provar que todo número racional possui representação decimal nita ou periódica ([3] é uma referência para uma demonstração rigorosa deste fato). 5.5 R não é enumerável A representação decimal dos números reais feita acima, permite que mostremos que R não é enumerável. Mas, antes disso, precisamos de dois resultados. Proposição Todo subconjunto innito de um conjunto enumerável é enumerável. Demonstração. Seja X um conjunto enumerável e Y um subconjunto innito de X. Como X é enumerável, existe f : X N bijetora. Dessa forma, tomemos f Y : Y N, com isso, f(y ) N, daí, pelo Lema 4.3.6, f(y ) é enumerável, isto é, existe g : f(y ) N bijetora. Sabendo que g e f Y são bijetoras, obtemos que g f Y : Y N é bijetora, portanto Y é enumerável, como queríamos. Lema O intervalo I = ]0, 1[ não é enumerável. Demonstração. Devemos mostrar que, qualquer que seja a enumeração estabelecida para elementos de I, sempre existirá um elemento de I não considerado na dada enumeração, isto é, qualquer subconjunto enumerável de I é diferente de I, de onde obteremos que I não pode ser enumerável. De fato, seja I um conjunto enumerável constituído de elementos de I que, portanto, pode ser escrito na forma I = {x 0, x 1, x 2,...}, onde, para cada n N, x n representa a imagem de n 86

95 por um certa bijeção de N em I. Vamos representar cada elemento de I pela sua representção decimal dada acima, sem innitos noves consecutivos: x 0 = 0, x 00 x 01 x x 1 = 0, x 10 x 11 x x 2 = 0, x 20 x 21 x x k = 0, x k0 x k1 x k2.... Vamos construir um número real x I, diferente de todos os elementos de I através da seguinte representação decimal: 0, a 0 a 1 a 2..., onde, para cada n N, o dígito decimal a n dessa representação é diferente de 9, de 0 e do dígito decimal x nn da representação de x n. Pela bijeção estabelecida acima, a representação decimal 0, a 0 a 1 a 2 a 3... corresponde a um único número real de I que é diferente de todos os elementos de I, como queríamos. Este argumento se deve a Cantor e se chama método diagonal de Cantor, por conta da disposição de matriz innita em que foram coloados os elementos de I acima. Teorema O conjunto dos números reais é não enumerável. Demonstração. Pelo Lema 5.5.2, o subconjunto I de R é não enumerável, logo, pela Proposição 5.5.1, R não pode ser numerável. O importante Teorema de Schroder-Bernstein pode ser encontrado com mais detalhes em [9] e diz que: Teorema (Schroder-Bernstein). Se A e B são conjuntos e existem sobrejeções f : A B e g : B A, então A e B são equipotentes, isto é, existe uma bijeção entre esses conjuntos. Pode-se obter a mesma conclusão se considerarmos f e g funções injetoras em vez de sobrejetoras. Este resultado é bastante importante e será usado na prova da proposição que segue. Proposição Os conjuntos R e P(N) são equipotentes. Demonstração. Vamos mostrar que existem duas funções injetoras ϕ : R P(Q) e f : P(N) R. Como Q é enumerável, temos que existe uma bijeção entre N e Q, isto é, eles são equipotentes e, assim, os conjuntos P(Q) e P(N) também são, isto é, existe uma bijeção ψ : P(Q) P(N). A função g = ψ ϕ : R P(N) será, portanto, injetora. Das injetividades de f e g, concluímos, pelo Teorema de Schroder-Bernstein, que R e P(N) são equipotentes. Precisamos, então, apenas denir ϕ e f e mostrar que são injetora. Denimos ϕ : R P(Q) como segue: cada a R, ϕ(a) = {x Q x < a}. Para mostrar que ϕ é injetora, sejam a e b reais distintos, digamos a < b, sem perda de generalidade. Pelo , existe a < r < b com r racional. Como r < b, então r ϕ(b) e, ainda, como a < r, temos que r / ϕ(a), logo ϕ(a) ϕ(b). Concluímos assim que ϕ é injetora. Para denirmos f : P(N) R, seja A P(N) e consideremos a função X A : N {0, 1}, dada por 87

96 X A (n) = { 1, se n A, 0, se n N \ A. Com o auxílio dessa função, denimos f(a) como sendo o número real cuja representação decimal será 0, X A (0)X A (1)X A (2)X A (3).... Para mostrar que f é injetora, seja A B, isto é, existe n 0 A tal que n 0 / B (ou n 0 B tal que n 0 / A). Dessa forma X A (n 0 ) = 1 e X B (n 0 ) = 0, daí, podemos ver que f(a) = 0, X A (0)X A (1)... X A (n 0 )... = 0, X A (0)X A (1) e f(b) = 0, X B (0)X B (1)... X B (n 0 )... = 0, X B (0)X B (1) o que signica que f(a) f(b). Logo, f é injetora. 88

97 Capítulo 6 Números Complexos Os números complexos são ensinados no Ensino Médio como expressões do tipo a + bi, onde a, b R e i é a unidade imaginária, com a propriedade de que i 2 = 1. Dessa forma, pode-se manipular tais expressões como expressões algébricas reais, sob a condição de que i 2 = 1. O que faremos agora é justicar a origem desta unidade imaginária com rigor matemático. 6.1 Construção dos complexos Relembremos, por um momento, como lidávamos com números complexos no ensino básico: Dois números, a + bi e c + di, são iguais apenas quando a = c e b = d, o que nos lembra a igualdade entre os pares coordenados (a, b) e (c, d). Temos também, que, (a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i e que, (a + bi) (c + di) = (ac bd) + (ad + bc)i. Admitindo um número complexo como um par ordenado, podemos denir formalmente as operações de adição e multiplicação como segue. Denição Consideremos o conjunto R R = R 2. Se (a, b), (c, d) R 2, denimos a adição e a multiplicação da seguinte forma, respectivamente: (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b) (c, d) = (ac bd, ad + bc). O conjunto R 2, munido dessas operações, será chamado conjunto dos números complexos e denotado por C, onde cada par ordenado é chamado de número complexo. Teorema As operações em C têm as seguintes propriedades: a adição e a multiplicação são comutativas, associativas e têm elemento neutro: (0, 0) para a adição e (1, 0) para a multiplicação. Além disso, dado (a, b) C, seu ( simétrico existe, ) (a, b), que é ( a, b) e, se a (a, b) (0, 0), seu inverso existe, (a, b) 1, que é a 2 + b, b. Finalmente, a multiplicação é distributiva em relação à 2 a 2 + b 2 adição. Demonstração. Sejam (a, b), (c, d), (e, f) C. 89

98 1. Comutatividade da adição: (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) + (a, b); 2. Associatividade da adição: (a, b) + ((c, d) + (e, f)) = (a, b) + ((c + e, d + f)) = (a + (c + e), b + (d + f)) = ((a + c) + e, (b + d) + f) = ((a + c, b + d)) + (e, f) = ((a, b) + (c, d)) + (e, f); 3. Elemento Neutro da adição: (0, 0) C. (a, b) + (0, 0) = (a + 0, b + 0) = (a, b); 4. Comutatividade da multiplicação: (a, b) (c, d) = (ac bd, ad + bc) = (ca db, cb + da) = (c, d) (a, b); 5. Associatividade da multiplicação: (a, b) ((c, d) (e, f)) = (a, b) ((ce df, cf + de)) = (a(ce df) b(cf + de), a(cf + de) + b(ce df)) = (ace adf bcf bde, acf + ade + bce bdf) = ((ac bd)e (ad + bc)f, (ac bd)f + (ad + bc)e) = (ac bd, ad + bc) (e, f) = ((a, b)(c, d)) (e, f). 6. Elemento Neutro da multiplicação (1, 0) C: (a, b) (1, 0) = (a 1 b 0, a 0 + b 1) = (a, b); 7. Simétrico de (a, b): ( a, b) C. (a, b) + ( a, b) = (a + ( a), b + ( b)) = (0, 0). O simétrico de (a, b) será denotado por (a, b); 8. Inverso de (a, b) (0, 0): (a, b) ( a a 2 + b 2, ( ) a a 2 + b, b C. 2 a 2 + b 2 ) ( b a 2 = a 2 + b 2 a 2 + b + 2 b2 a 2 + b 2, O inverso de (a, b) (0, 0) será denotado por (a, b) 1 ; ab a 2 + b 2 + ab ) = (1, 0). a 2 + b 2 90

99 9. Distributividade da multiplicação em relação a adição: (a, b) ((c, d) + (e, f)) = (a, b) (c + e, d + f) = (a(c + e) b(d + f), a(d + f) + b(c + e)) = (ac + ae bd bf, ad + af + bc + be) = (ac bd + ae bf, ad + bc + af + be) = (ac bd, ad + bc) + (ae bf, af + be) = (a, b) (c, d) + (a, b) (e, f). Assim como zemos em todos os conjuntos anteriores, vamos imergir R em C através de uma função injetora que preserva as operações de adição de multiplicação, mostrando que existe uma cópia algébrica de R em C. Observemos inicialmente que um número complexo arbitrário (a, b) pode ser escrito como (a, b) = (a, 0) + (b, 0)(0, 1). Teorema Seja k : R C, dada por k(x) = (x, 0). Temos que, k é injetora e preserva as operações de adição e multiplicação, isto é, k(x + y) = k(x) + k(y) e k(xy) = k(x)k(y). Demonstração. Provemos que k é injetora. De fato, se k(x) = k(y), então, (x, 0) = (y, 0), que signica, x = y, logo k é injetora. Temos ainda que, k(x + y) = (x + y, 0) = (x, 0) + (y, 0) = k(x) + k(y) e k(xy) = (xy, 0) = (x, 0) (y, 0) = k(x)k(y). Desta forma, k(r) é uma cópia algébrica de R em C, o que nos permite identicar R com k(r) e considerar R C. Admitindo esta identicação e adotando o símbolo i para o número complexo (0, 1), a expressão mensionada acima, (a, b) = (a, 0) + (b, 0)(0, 1), pode ser escrita como a + bi, como é ensinada no Ensino Médio. Notemos que i 2 = (0, 1) 2 = ( 1, 0), que pode ser identicado por 1. Temos que, os números complexos escritos da forma a + bi, com b 0, chamam-se números imaginários, e, se além disso, a = 0, obtemos os imaginários puros. Tal denominação provém do fato que os complexos demoraram a ser aceitos como números, dessa forma, o termo imaginários tem sentido contraposto a reais. Teorema C não é enumerável. Demonstração. Vimos que R C. Pela Proposição 5.5.1, se C fosse enumerável, R também deveria ser, o que contradiz o que já mostramos. Portanto C não é enumerável. 91

100 6.2 C não é ordenável Vistas as propriedades aritméticas de C (Teorema 6.1.2), verica-se que são as mesmas que as de R e Q, sendo assim, podemos dizer que C é um corpo. Entretanto, vimos que os elementos, tanto de R quanto de Q mantêm uma relação de ordem, o que não ocorre em C, isto é, intuitivamente falando, não temos como dizer se 3 é maior ou menor do que 3i, por exemplo. Dessa forma, como R e Q são dotados de uma relação de ordem compatível com as suas operações, eles são ambos ordenados. Vamos provar a seguir que C é um corpo não ordenável, isto é, mostraremos que é impossível dotar C de uma relação de ordem compatível com as suas operações aritméticas. No entanto, C possui uma propriedade algébrica que R e Q não têm, o Teorema Fundamental da Álgebra, cuja demonstração foi a tese de doutorado de Johann Carl Friedrich Gauss ( ). Tal teorema arma que todo polinômio não constante com coecientes complexos admite uma raiz em C (argumentos elementares da prova deste teorema podem ser encontrados em [8]). Teorema C não é um corpo ordenável. Demonstração. Como C é um corpo, se C fosse ordenado, teríamos que x 2 0 para todo x C (pela Proposição ), entretanto, como i C e sabendo que i 2 = 1 < 0, encontramos uma contradição, o que mostra que C não é um corpo ordenável. Podemos notar que Z não é um corpo, pois seus únicos elementos inversíveis são 1 e 1. No entanto, Z possui todas as outras propriedades de corpo, além de uma relação que satisfaz o Princípio da Boa Ordem, sendo assim, Z diz-se um domínio de integridade bem ordenado, enquanto N não possui nem a propriedade do elemento simétrico. Diante de todas estas construções, o gráco abaixo representa as imersões próprias de N em Z, de Z em Q, de Q em R e de R em C. 2 (2,0) (0,2) 2/1-2/1 2/5 (2/1)* (-2/1)* (2/5)* 2 (2,0) (-2,0) (2/5,0) ( 2,0) i Figura 6.1: Diagrama de Imersões Próprias Após todas estas contruções, podemos nos perguntar se os conjuntos numéricos param por aí, isto é, se existem conjuntos nos quais C pode ser imerso propriamente. Na verdade, fazendo R 2 R 2 como foi feito na contrução dos complexos, podemos obter o anel dos quatérnios de 92

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