CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES: NEXOS ENTRE O CIRCUITO SUPERIOR E INFERIOR
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- Luiz Felipe Alencar Casado
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1 Revista Geográfica de América Central Número Especial EGAL, Costa Rica II Semestre 2011 pp CIRCUITO ESPACIAL DE PRODUÇÃO DE CONFECÇÕES: NEXOS ENTRE O CIRCUITO SUPERIOR E INFERIOR 1 Resumo Objetivo Objetivamos mostrar o funcionamento do circuito espacial de produção de confecções na cidade de São Paulo, destacando as conexões e complementaridades entre o circuito superior (grandes empresas varejistas) e o circuito inferior (pequenas oficinas de costura). Métodos Utilizamos os conceitos de circuito espacial de produção e a teoria dos dois circuitos da economia urbana - circuito superior e inferior - para a análise da dinâmica territorial da metrópole de São Paulo. Os circuitos espaciais da produção configuram-se em circuitos da acumulação e estruturam-se a partir de uma atividade produtiva inicial e compreendem uma série de etapas do processo de transformação pelas quais um produto passa até chegar ao consumo final (concepção, produção, distribuição e comércio).33 Aportes geográficos A etapa da produção de confecção ainda está altamente concentrada na cidade de São Paulo, especialmente em alguns bairros como Brás e Bom Retiro, havendo uma forte complementaridade entre as grandes empresas do circuito superior dedicadas às etapas da concepção, marketing, distribuição e comércio e das pequenas oficinas de costuras do circuito inferior dedicadas basicamente à costura. Palavras-chave: circuito espacial de produção; circuito inferior; circuito superior; metrópole de São Paulo. 1 Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Geografia UNICAMP. Silvana.silva@ige.unicamp.br Presentado en el XIII Encuentro de Geógrafos de América Latina, 25 al 29 de Julio del 2011 Universidad de Costa Rica - Universidad Nacional, Costa Rica
2 Introdução O circuito espacial de produção e seu respectivo círculo de cooperação revelam o papel relativo dos lugares no contexto regional, nacional e mundial. O circuito espacial da produção, analiticamente, divide-se em circuito superior e inferior, embora cada um destes apresente características próprias com relação ao uso das variáveis tecnologia, capital e trabalho, ambos funcionam de maneira complementar, concorrente e interdependente. A metrópole de São Paulo acolhe atualmente áreas de especialização na etapa da produção de confecções como ocorre nos bairros do Brás e Bom Retiro, que fornecem artigos de vestuário para uma extensa área no território brasileiro. Além disso, a metrópole também abriga elementos da distribuição, comércio e consumo. Há uma especialização dentro do circuito espacial de produção de funções, cujas atividades podem ser mais características do circuito inferior ou do circuito superior Assim, objetivamos mostrar o funcionamento do circuito espacial de produção de confecções na cidade de São Paulo, destacando as conexões e complementaridades entre o circuito superior (grandes empresas varejistas) e o circuito inferior (pequenas oficinas de costura). Utilizamos os conceitos de circuito espacial de produção e a teoria dos dois circuitos da economia urbana - circuito superior e inferior (SANTOS, 2004) - para a análise da dinâmica territorial da metrópole de São Paulo. Segundo Santos (2004) o circuito superior envolve as grandes empresas de atuação continental e mundial. Para o autor o circuito superior da economia refere-se às atividades modernas, ligadas às grandes empresas, ao sistema financeiro e à pesquisa científica de alta tecnologia. Em geral, os consumidores dos produtos vinculados a esse circuito são as pessoas das classes sociais mais elevadas. No circuito inferior da economia encontramos os objetos produzidos com grande volume de mão-de-obra, com pouca ou nenhuma qualificação, com reduzidos salários e sem carteira de trabalho assinada (em geral). Grosso modo, os consumidores do circuito inferior são os pobres das cidades, que cada vez menos podem consumir tudo de que necessitam no circuito superior. Dessa forma, os pobres das cidades encontram no circuito inferior uma maneira de sobrevivência, pois ele oferece trabalho, ainda que precariamente, bem como a possibilidade de consumo de produtos com baixos preços. 2
3 Os circuitos da produção configuram-se em circuitos da acumulação e estruturam-se a partir de uma atividade produtiva inicial e compreendem uma série de etapas do processo de transformação pelas quais um produto passa até chegar ao consumo final (BARRIOS, 1978 apud Santos, 1986). Estas etapas são: produção, distribuição, comércio e consumo. Santos (1986) assevera que a abordagem do espaço pelos circuitos produtivos revela a situação relativa dos lugares, isto é, define, num dado momento, a função de uma respectiva fração do espaço na divisão do trabalho. Além disso, o autor enfatiza a necessidade de associar a análise do circuito com o todo, pois ele em si não revela o espaço social, é mister incluir outras dinâmicas das instâncias sociais. A globalização trouxe para análise geográfica a necessidade de levar em conta as variáveis exógenas, uma vez que estas reorganizam a vida de relações dos lugares. Como assinala Moraes (1991), a relação entre o espaço e a distribuição das atividades econômicas é uma temática tradicional na geografia, entretanto, com a globalização há um contraditório processo de singularização e homogeneização dos lugares. Isso ocorre em função do desenvolvimento geograficamente desigual dos territórios. Há a constituição da repartição do trabalho e esta repartição gera a divisão territorial do trabalho, que é a distribuição do trabalho morto (sistemas de objetos), esse sistema de objetos é animado por ações, que por sua vez são condicionadas pelos elementos territoriais pré-existentes, isto é, pela divisão territorial pretérita. Essa interconexão das unidades produtivas torna o uso do conceito circuito espacial de produção pertinente. Os conceitos de circuitos espaciais de produção e círculo de cooperação têm a influência de Marx, especialmente com o texto Introdução à crítica da economia política (MARX, 1983) como assinalou Moraes (1991). O encadeamento desses momentos da produção cria a necessidade da circulação, ou seja, o sentido de circuito, circularidade (MORAES, 1991), unindo a etapa da produção e consumo. A produção é a intermediária do consumo, a quem fornece os elementos materiais e que, sem ela, não teria qualquer objetivo. Por seu lado, o consumo é também intermediário da produção, dando aos produtos o motivo que os justifica como produtos (MARX, 1983). O fato do produtor em sociedade não produzir para si, indica que a produção é exterior a ele, logo, é necessário entregar a produção à sociedade, isso ocorre por meio 3
4 da distribuição, daí Marx (1983) afirmar que a distribuição é o verdadeiro assunto da economia política moderna. A distribuição estrutura-se pela repartição dos bens de produção e dos membros da sociedade. Nestes elementos trazidos por Marx, agregamos a perspectiva espacial, uma vez que a produção, a distribuição, o comércio e o consumo têm como condicionantes a repartição dos fixos. Esses determinam os fluxos. Além disso, o Estado Nacional e as subdivisões territoriais (elemento político jurídico), juntamente com gênese regional dos lugares, condicionam as atividades produtivas, ou seja, condicionam a acomodação das diversas etapas do circuito espacial de produção e os círculos de cooperação. Daí o circuito espacial de produção ser um tratamento conceitual à divisão territorial do trabalho em uma perspectiva multiescalar. Assim, [...] discutir los circuitos espaciales de la producción, es discutir la espacialidad de la producción-distribución-cambioconsumo como movimiento circular constante. Captar sus elementos determinantes es dar cuenta de la esencia de tal movimiento (MORAES, 1991 p. 156), que no atual período está carregado de novas formas de cooperação entre os momentos da produção, conseqüentemente rompem com os circuitos tradicionais de cooperação no espaço. A distribuição das atividades produtivas e os circuitos de cooperação dependem das disponibilidades materiais dos territórios, regiões e lugares. Tais disponibilidades não são apenas condicionadas pelos atributos naturais, mas sobretudo, pelos sistemas técnicos acoplados ao território, juntamente com a política (que produz normas) e as densidades culturais. Por isso os lugares expressam-se de forma hierárquica na distribuição das atividades produtivas, dessa maneira, cada momento do circuito espacial de produção e seu respectivo círculo de cooperação pode abrigar-se em distintos lugares, respeitando as necessidades de cada etapa da realização do circuito. Os países subdesenvolvidos apresentam características de urbanização distintas dos países centrais. Por isso a análise das cidades nos países periféricos necessita de uma teoria adequada. Santos (1977, 2004) traz a teoria dos dois subsistemas de fluxos da economia urbana: sistema superior e inferior. Essa teoria conduz à possibilidade de um novo paradigma da Geografia Urbana. A distinção desses dois subsistemas, que ele iria convencionar a chamar de circuitos da economia urbana, ocorre, sobretudo, quanto ao uso de capital e trabalho. Para Santos (1977), existe de um lado uma massa de população com salários baixos e, muitas vezes, com trabalho ocasional e; por outro lado, uma reduzida parcela 4
5 da sociedade urbana com elevados salários e condições trabalhistas adequadas e perenes. Ambos têm as mesmas necessidades de bens e serviços, no entanto, somente o segundo grupo terá tais demandas atendidas de forma permanente. Isto cria ao mesmo tempo diferenças qualitativas e quantitativas de consumo. Essas diferenças são ao mesmo tempo causa e efeito da existência dos dois circuitos, isto é, essa desigualdade motiva a criação ou manutenção nas cidades dos países subdesenvolvidos de dois subsistemas de fluxos que afetam a fabricação, a distribuição e o consumo de bens e serviços (SANTOS, 1977). A gênese desses dois subsistemas destaca o autor, é uma só: as modernizações tecnológicas. Os países do centro detêm o poder de criar, difundir e impor suas técnicas modernas aos países dependentes. Esses países por sua vez, assimilam essas modernizações de acordo com suas especificidades, sendo uma delas a divisão territorial do trabalho fruto de longos períodos de dependência econômica, social e cultural. As modernizações não são abstratas, pelo contrário, elas se concretizam nos lugares na forma de objetos técnicos. Além disso, as modernizações são resultado da atuação de agentes: as firmas multinacionais são as verdadeiras responsáveis pela difusão das modernizações porque ao longo de sua história assumiram a capacidade produzir tecnologia, mas, sobretudo de gerar e organizar informação (SANTOS, 1977). O Estado e os grandes organismos internacionais passam a orientar suas políticas em função do poder dessas corporações, sendo em grande medida essas instituições os representantes das grandes empresas. As empresas do circuito superior são as que mais ampliam os círculos de cooperação, pois tem condição de apropriação dos sistemas de circulação e transporte, além do acesso ao sistema financeiro que lhe permite expansão de suas atividades. Dessa forma, Santos (1980 apud MORAES,1991, p. 172) assevera que é necessário captar a interferência entre os circuitos em termos técnicos econômico-sociais e político-econômicos, entre o capital fixo e circulante e entre firmas e os ramos de atividade. O autor sugere algumas indicações metodológicas para a operacionalização dessa análise propondo o estudo dos circuitos por ramos de atividade, o que permitiria a visualização das relações técnicas que os regulam e das relações sociais correspondentes, além de indicar a localização das atividades e os aspectos relevantes que caracterizam a tipicidade dos lugares. Além disso, Santos (1980 apud MORAES, 1991) destaca que o circuito de firmas nos permite reconhecer relações econômicas a 5
6 vários níveis e escalas, assim como as relações sociais que as provocam ou as controlam, dando os circuitos espaciais a situação relativa dos lugares. As cidades são as grandes concentradoras dos momentos do circuito espacial de produção e dos círculos de cooperação. Em grande medida, são elas que determinam as localizações das atividades e ao mesmo tempo são condicionadas pelas mesmas. As metrópoles abrigam um complexo emaranhado de circuitos produtivos dos mais diversos ramos. Assim, analisamos alguns processos na cidade de São Paulo a partir do circuito espacial de produção de confecções. Essa abordagem metodológica permite captar o movimento do território, uma vez que os circuitos espaciais da produção são definidos pela circulação de bens e produtos e, por isso, oferecem uma visão dinâmica, apontando como os fluxos perpassam o território (SANTOS ESILVEIRA, 2001). O caso dos circuitos espaciais da produção das confecções evidencia o papel de alguns lugares para a existência dos circuitos superior e inferior. A informação hegemônica, imposta pelas grandes empresas da indústria da moda, coexiste com a informação usada como resistência nos micro-circuitos das confecções, que abriga um grande volume de mão-de-obra. A cidade de São Paulo torna-se um centro informacional, dada sua capacidade de produção, organização, distribuição da informação hegemônica e, ao mesmo tempo, torna-se centro do uso da informação nãohegemônica, assim como amplia seu papel via circuito inferior na América do Sul. O crescimento do número de peruanos, paraguaios e, destacadamente, bolivianos trabalhando nas atividades de confecções, comércio e artesanato do circuito inferior em São Paulo revela que esta cidade, além de centro da informação moderna, vem se constituindo em um centro polarizador do uso da informação como sobrevivência/resistência não apenas local, mas regional, sendo o circuito inferior responsável por acolher as necessidades de trabalho e de consumo dessa população. Silveira (2004) aponta a existência de áreas de diversidade e especialização do circuito inferior na cidade. Nas áreas de diversidade encontramos as mais variadas atividades de fabricação, comércio e serviços, funcionando como parte dos diversos circuitos espaciais de produção, seja superior, superior marginal e inferior. Já as áreas de especialização, Silveira (2004) aponta que o trabalho se especializa e se divide dentro de um mesmo circuito espacial de produção, formando um emaranhado complexo de atores e ações. A autora ainda destaque as relações das áreas especializadas não se 6
7 restringem ao bairro ou a cidade, mas podem envolver a região e até o país. No caso da atividade de confecções, visualiza-se claramente a formação de uma área de especialização histórica nos bairros do Brás e Bom Retiro, que concentram etapas da produção e comércio. O circuito de confecções é bastante segmentado. A dinâmica da produção de confecções apresenta especializações regionais, ampla quantidade de micro e pequenas empresas e caracteriza-se pelo uso de trabalho intensivo e pela precarização do trabalho, sendo o trabalho doméstico uma prática relevante na compreensão desse setor. Tanto o circuito têxtil e de confecções vem revelando que a propalada reestruturação produtiva tem significado na verdade o aprofundamento da subordinação entre os dois circuitos da economia urbana, enquanto o sistema superior moderniza seus equipamentos e a gestão, o inferior recebe mais trabalhadores (em decorrência da modernização), em condições cada vez mais precárias que também depende desse circuito para atender suas necessidades de consumo. Dentro do circuito espacial da produção de confecções, a divisão social e territorial do trabalho ocorre, de um lado por atividades de concepção, designer e comercialização dominada por grandes corporações, maisons e griffes, domínio dos sistemas logísticos e da publicidade. Essas atividades são características do circuito espacial produtivo superior. Por outro lado, há as empresas de confecções de execução, isto é, responsáveis pela parte fabril das confecções. A reorganização do setor ocorre pelo aprofundamento dessa divisão do trabalho: [...] a estratégia focada na fragmentação ou moda prioriza o design do produto, a marca e a comercialização, sendo o restante do processo produtivo feito no esquema de facção. Estas empresas mantêm apenas um pequeno aparato produtivo responsável pela confecção de peças piloto. A comercialização é feita em lojas de griffes, sendo muito utilizado o franchising. Estas empresas, ditas de vanguarda, são responsáveis pela rápida introdução de inovações de produto, buscando estar em sintonia com os centros geradores de moda. (CARVALHO e SERRA, 1998, p. 5). No entanto, há forte interação entre esses dois grandes subsistemas de produção de confecções. A cidade de São Paulo, dada sua capacidade de criar, organizar, 7
8 distribuir e comandar informações no território brasileiro tem a competência de concentrar atividades que envolvem o circuito superior das confecções, onde são requisitados profissionais do quaternário. Ao mesmo tempo, por sua densidade material consegue criar áreas de especialização na produção propriamente dita e comércio de vestuário. Assim, podemos compreender o papel da cidade de São Paulo como relé entre os circuitos da indústria da moda (nacional e mundial), ainda que esta cidade não seja centro produtor de tendências, e o circuito superior marginal e inferior de produção de vestuário. Diante da avaliação do funcionamento do circuito espacial da produção de confecções, podemos, destarte, visualizar a divisão evidente entre a concepção, marketing e gerenciamento da produção em alguns centros mundiais, sendo São Paulo um subcentro de difusão e, por outro lado, podemos vislumbrar a atividade produtiva, fabril, presente também na cidade de São Paulo. No entanto, a atividade fabril (de oficina) nada tem de sofisticado em suas relações de produção. O exame do circuito espacial da produção de confecções em São Paulo permite a distinção desses dois processos, que, apesar de complementares, orientam diferentemente a vida de relações na cidade de São Paulo. Entre as grandes empresas controladoras das tendências das confecções e as pequenas e micro empresas de fabricação de confecções há uma gama imensa de situações diferenciadas. No entanto, há uma forte especialização técnica do trabalho entre as empresas que pensam a moda e as que executam a produção, estas subcontratadas pelas primeiras. As subcontratadas podem pertencer ao circuito superior, mas em sua maioria pertencem ao superior marginal 2 e ao circuito inferior. Há também a existência de grandes redes de venda de confecções detentoras da concepção e do poder de comercialização e que se tornaram grandes empresas do circuito superior do comércio de confecções, embora parte delas use o sistema de facções para a obtenção de seus produtos. Este é o caso das Lojas Marisa, que subcontrata fornecedores para executar a produção, detendo o controle do design, marketing e logística. Com a reorganização da produção das confecções no mundo, especialmente no Brasil, nos anos 1990, houve a ampliação do número de micro e pequenas empresas de 2 O circuito superior marginal (SANTOS, 2004) representa um circuito superior em decadência, isto é, com características residuais do subsistema superior ou um circuito inferior ascendente, que começa a agregar as formas de organização e de capital do circuito superior. 8
9 confecções. Isto porque as grandes empresas adotaram a estratégia de desvinculação do processo fabril, que exige maior quantidade de trabalhadores, e adotaram estratégias de atuação nas fases de agregação de valor aos produtos. Daí o demasiado valor dado às fases de concepção, distribuição e, principalmente, de propaganda e marketing das grandes empresas do setor. O uso intensivo das empresas facçionistas faz com que atualmente o setor de confecções seja um dos que mais precarizam as relações de trabalho. É neste ponto que encontramos a explicação para a ampliação do circuito inferior da economia neste setor. A segmentação da produção em muitas funções e a subcontratação de serviços entre uma função e outra barateou o processo produtivo das confecções, pari passo, caminhou a precarização das relações de trabalho, pois, os profissionais, em grande parte, perderam o direito à seguridade social (aqueles que um dia tiveram), com a perda do direito da assinatura da carteira. Além disso, com o fracionamento do processo produtivo há o incremento de mais agentes, ao mesmo tempo, há queda da renda para todos os envolvidos na produção na etapa da costura. A especialização territorial produtiva, a concentração de pessoas e meios de circulação e a formação de uma massa de população com baixa renda permitiram que alguns bairros da cidade de São Paulo se tornassem centros de referência com relação à produção e a comercialização de confecções do território nacional. Bom Retiro, Brás e Sé (com menor intensidade em relação à produção e o comércio de confecções com relação aos outros dois bairros) concentram uma parte significativa do circuito inferior da economia urbana de São Paulo, sendo as atividades de confecções centrais na formação desse circuito. A terceirização da fase da costura pelas lojas vem tornando mais precário ainda a condição do oficineiro (dono da oficina de costura) e do trabalhador (costureiro), pois com esse processo o comerciante fica com a maior parte dos lucros, sem arcar com o ônus da produção, ou seja, os encargos trabalhistas e fiscais, além de reduzir as perdas decorrentes das oscilações do mercado. Assim a precarização é instituída. Mesmo as grandes varejistas de confecções como as Lojas Marisas e a C&A já foram autuadas pelo uso da subcontratação e de mão-de-obra análoga a escrava, sobretudo de indocumentados bolivianos em São Paulo. Segundo reportagem da ONG Repórter Brasil (HASHIZUME, 2010), a Rede Marisa de Confecções seria beneficiária em uma rede de subcontratação. A 2ª. 9
10 Superintendência Regional do Trabalho encontrou indícios de que a Loja Marisa possuía total controle da produção de algumas oficinas, caracterizando que ela tem responsabilidade sobre a fabricação, bem como, sobre a mão-de-obra usada. Nessa situação o nexo que une as pequenas oficinas e as grandes varejistas ocorre pela imposição de uma solidariedade organizacional (SANTOS, 2002). Há uma enorme quantidade de regras e ordens superiores, provenientes da varejista que encomenda as peças à oficina. Há varejistas que fornecem o croqui (desenho da peça), a cor, as medidas, o modelo e a amostra do tecido e dos botões. A oficina, caso não obedeça ao que foi instituído no contrato de prestação de serviços (em geral, trata-se de um contrato de prestação de serviços, mas na verdade trata-se da fabricação de produtos para a empresa contratante), não recebe o pagamento. Também encontramos os nexos entre o circuito inferior e circuito superior pelo crédito, pois muitas vezes as máquinas de costura são financiadas por crédito pessoal (cartões de créditos ou pequenos empréstimos bancários ou mesmo por parcelamento oferecido pelas lojas especializadas). Outra conexão entre o circuito superior e inferior ocorre pelas fabricantes das máquinas de costura, estas originam-se das grandes empresas. Dentre as principais marcas utilizadas pelas oficinas podemos citar: a Siruba (com sede em Taiwan e filiais em Hong Kong, China, Estados Unidos, Índia e Vietnã), a SunStar (sede na Coréia do Sul e filiais nos Estados Unidos, China, Europa, Singapura, Vietnã, Índia, Bangladesh e Brasil),além da Singer (sede nos Estados Unidos e com atuação mundial). Cabe indicar que, segundo Garcia e Moreira (2005, p. 295 apud Montenegro, 2006, p. 141), as empresas de confecções do centro de São Paulo têm a capacidade de reinterpretar as tendências lançadas pelas grandes marcas, adaptando-as ao gosto e ao bolso popular. O surgimento do Bom Retiro Business em 2005 mostra mais uma característica desse circuito, que é a sua base imitativa (MONTENEGRO, 2006). A análise do circuito espacial da produção de confecções em São Paulo permite a distinção de dois processos que, apesar de complementares, orientam de forma diferente a vida de relações na cidade de São Paulo. De um lado, observa-se a relevância da cidade de São Paulo ao circuito espacial superior da produção de confecções em função de sua centralidade informacional, o que a torna um centro receptor e difusor de tendências e, eventualmente, produtor dessas tendências. Por outro lado, a concentração de pessoas, a formação de áreas de grande circulação e de um 10
11 imenso mercado de necessidades forja a ampliação do mercado de confecções vinculado ao circuito inferior, e esse, no entanto, possui existência associada às densidades comunicacionais. Conclusões A etapa da produção de confecção ainda está altamente concentrada na cidade de São Paulo, especialmente em alguns bairros como Brás e Bom Retiro, havendo uma forte complementaridade entre as grandes empresas do circuito superior dedicadas às etapas da concepção, marketing, distribuição e comércio e das pequenas oficinas de costuras do circuito inferior dedicadas basicamente à costura. Assim, apesar de algumas mudanças na constituição dos circuitos econômicos das cidades, os circuitos funcionam de maneira complementar e não dicotômica. O domínio das grandes empresas, circuito moderno nas etapas de concepção (pesquisa e desenvolvimento), distribuição e comércio, e a restrição do circuito inferior à etapa da produção propriamente dita, costura, expressam os nexos do circuito espacial da produção na atualidade. A economia política da cidade é desenhada pelo entrecruzamento dos diversos circuitos de produção. As atividades do circuito inferior sobrevivem nos interstícios da economia do circuito das empresas modernas. Os bairros do Brás e Bom Retiro apresentam-se como meios construídos obsoletos para a produção das grandes empresas da moda, no entanto, abrigam um circuito de produção que atende as demandas daquelas empresas e também abrigam uma enorme quantidade de empresas do circuito superior marginal e do circuito inferior, mostrando que o funcionamento da cidade é único. Daí a necessidade de considerar todos os fluxos, fixos, agentes e ações quando se pensa o planejamento urbano. Pensar a cidade somente a partir da modernização técnica, viável apenas aos agentes do circuito superior, é tornar a vida quotidiana mais precária para a maior parte da população que encontra trabalho no circuito inferior. 11
12 Referências CARVALHO, Marly Monteiro de e SERRA, Neusa. Estratégias competitivas da cadeia têxtil e vestuário paulista. São Paulo: IPT, Disponível em < em 15/10/2008. HASHIZUME, Maurício. Escravidão de imigrantes é flagrada em oficina ligada à Marisa. In: Repórter Brasil. Disponível em < 17/03/2010. MARX, Karl. Introdução à crítica da economia política. In: Marx, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins fontes, 2 a. edição, MONTENEGRO, Marina Regitz. O circuito inferior da economia urbana na cidade de São Paulo no período da globalização. Dissertação de mestrado do Depto. de Geografia, FFLCH-USP MORAES, Antonio Carlos Robert de. Los circuitos espaciales de la producción y los círculos de cooperación en el espacio. In: Aportes para el estudio del espacio socio-economico III. Yanes, L. e Liberali, A. M., (orgs.). Buenos Aires, El Coloquio, pp SANTOS, Milton. Desenvolvimento econômico e urbanização em países subdesenvolvidos: os dois subsistemas de fluxo da economia urbana e suas implicações espaciais. In: Boletim Paulista de Geografia, 53: fevereiro de pp O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2004 [1979]. SANTOS, Milton. Circuitos espaciais da produção: um comentário. In:SOUZA, Maria Adélia de; SANTOS, Milton (Org.). A construção do espaço. São Paulo: Nobel, pp A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Edusp, 2002 [1996]. SANTOS, Milton; SILVEIRA Maria Laura. O Brasil Território e Sociedade no Início do Século XXI. Rio de Janeiro: Record, SILVEIRA, María Laura. Globalización y circuitos de la economia urbana em ciudades brasileñas. In Cuaderno del CENDES, ano 21, n. 57,
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