Terapêutica e Seguimento do Carcinoma da Próstata Director Editor Editores Adjuntos
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- Maria das Neves Cruz Weber
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1 Associação Portuguesa de Urologia Separata Volume 23 Número Acta Urológica Urologia e Medicina Familiar Terapêutica e Seguimento do Carcinoma da Próstata Pedro Gomes Monteiro Director Editor Editores Adjuntos Francisco Rolo Tomé Lopes Branco Palma, Carlos Silva, Francisco Martins, Jorge Ribeiro, José Dias
2 Acta Urológica 2006, 23; 3: Separata 1 Medicina Familiar Terapêutica e Seguimento do Carcinoma da Próstata Pedro Gomes Monteiro Assistente Hospitalar Hospital Egas Moniz, Lisboa Introdução O cancro da próstata é hoje quase universalmente reconhecido como um dos maiores problemas de saúde a afectar a população masculina. Dois milhões e meio de novos casos diagnosticados na Europa a cada ano, resultando em 9% dos óbitos por patologia oncológica entre os homens, obrigam ao desenvolvimento de estratégias terapêuticas eficazes. Vários factores devem ser considerados para a selecção da opção terapêutica mais adequada a cada caso: a idade e o estado geral do doente e o estadiamento clínico da doença são os mais importantes. O estadiamento clínico é feito com base em elementos de ordem clínica (toque rectal), bioquímica (PSA) e histológica (biópsia grau Gleason, permeação capsular, invasão perineural), podendo ser complementado com exames imagiológicos em determinados casos (cintigrafia óssea, TAC pélvico, RMN pélvica). O sistema de estadiamento recomendado actualmente é o TNM. O primeiro patamar éodoestadiamento local, precisamente o que tem mais impacto na decisão terapêutica: doença localizada (T1-2) ou doença localmente avançada (T3-4). No entanto, as técnicas imagiológicas actualmente disponíveis são imprecisas no limiar desta distinção. Existem alguns nomogramas que permitem prever, a partir dos dados já referidos, as probabilidades de doença localizada, de envolvimento ganglionar e de metastização. Em populações não submetidas a rastreios sistemáticos, tal como em Portugal, apenas 55% dos casos se apresentam sob a forma de doença localizada à data do diagnóstico. O patamar do estadiamento sistémico depende da suspeita clinico-laboratorial de disseminação à distância (gânglios linfáticos, osso, pulmão, fígado, cérebro), justificando-se nessas circunstâncias a realização de cintigrafia óssea ou outros exames imagiológicos adequados. Doença localizada Quando aplicados criteriosamente, vários dos métodos actualmente disponíveis permitem alcançar uma sobrevida comparável à esperada para a população geral. Perante este facto e a evidência de que a maioria dos 1 casos diagnosticados em programas de rastreio representam doença clinicamente significativa, todos estes doentes devem ser informados sobre todas as opções terapêuticas aplicáveis ao seu caso, suas vantagens e desvantagens e potenciais complicações. A prostatectomia radical, popularizada na Urologia moderna por Walsh, é uma das opções mais frequentemente adoptadas para o tratamento do adenocarcinoma prostático localizado. Demonstrado o seu benefício na sobrevida livre de doença, é actualmente considerada o gold standard das opções terapêuticas. Esta técnica complexa de remoção cirúrgica da próstata por inteiro pode ser realizada através de abordagens convencionais, por via retropúbica ou por via perineal, ou através de abordagem laparoscópica. As indicações para cirurgia incluem todos os doentes com adenocarcinoma confinado à próstata, com esperança de vida superior a 10A, e sem comorbilidades que constituam contraindicações cirúrgicas; nestas circunstâncias é considerada uma opção com intuito curativo, com até 70% de 2 sobrevida livre de doença aos 10A. Os doentes devem estar informados acerca das eventuais complicações associadas, das quais se destacam a incontinência uriná-
3 2 Pedro Gomes Monteiro Acta Urológica 2006, 23; 3: Separata ria (severa <10%) e a disfunção eréctil (30-90%). Em até um terço dos doentes operados verifica-se um upstaging da doença, que é afinal localmente avançada e associada a muito maior probabilidade de progressão. Duas modalidades de radioterapia podem ser aplicadas: irradiação externa e braquiterapia. A mais convencional, irradiação externa, pode ser considerada uma alternativa à prostatectomia radical, com resultados comparáveis em termos de sobrevida como em 3 qualidade de vida. A morbilidade habitualmente associada à irradiação de tecidos vizinhos do órgão-alvo (dermatite, proctite, cistite) tem vindo a reduzir fruto do emprego de melhoramentos técnicos como a radioterapia conformacional 3D. A combinação com bloqueio androgénico permite melhorar os resultados obtidos em casos de alto risco. A colocação transperineal de pequenos implantes radioactivos intraprostáticos, guiada por técnicas imagiológicas, permite a administração de doses maiores de radiação com menor morbilidade associada. É uma técnica segura e eficiente. Têm sido adoptados consensualmente alguns critérios de eligibilidade: próstata de pequeno volume, doença localizada de pequeno volume, baixo grau de atipía histológica (Gleason <7), baixo nível sérico de PSA (<10ng/ml) e reduzida sintomatologia do baixo aparelho urinário. Uma complicação 4 frequente são as queixas urinárias de natureza irritativa, que podem ser difíceis de controlar. Outras técnicas minimamente invasivas têm sido aplicadas no tratamento do adenocarcinoma prostático localizado, como a crio-ablação e o HIFU ( high intensity focused ultrasound). Ambas as técnicas aguardam ainda pela apresentação de resultados a longo prazo, embora a primeira esteja já reconhecida como verdadeira alternativa terapêutica para casos de risco baixo- -intermédio e próstata pequena. O efeito favorável da supressão androgénica no adenocarcinoma prostático é conhecido há mais de 5 meio século, mas a aplicação das diversas estratégias disponíveis em casos de doença localizada não conseguiu tornar-se uma opção de primeira escolha. Em alguns casos, no entanto, é aceite o recurso a uma opção activa de vigilância da doença e adiamento da intervenção terapêutica até que esta se torne necessária. As possíveis indicações para esta opção incluem apenas doentes sem qualquer sintomatologia, com tumores de pequeno volume e de baixo grau e com uma esperança de vida até 10A. Esta opção também pode ser sugerida a doentes que recusem qualquer opção de tratamento activo depois de convenientemente informados. Aquando da progressão sintomática da doença, várias opções existem para o tratamento, sendo referidas adiante. A relação custo-benefício de todas estas opções também deve ser levada em conta, mas os dados disponíveis são escassos. Nos EUA, por exemplo, a muito popular prostatectomia radical ( cirurgias anuais) pode chegar a custar o dobro da radioterapia 6 externa. Em suma, dada a incapacidade de prever com exactidão o comportamento biológico de cada tumor, verifica-se uma tendência que privilegia a cirurgia radical em doentes com idade inferior a 75A, esperança de vida de pelo menos 10A e doença confinada ao órgão. Outras opções menos agressivas têm sido consideradas mais adequadas para subgrupos seleccionados de doentes, especialmente aqueles com esperança de vida reduzida. Doença localmente avançada Se perante doença localizada se podem propôr opções terapêuticas com intuito curativo, em doentes com extensão extraprostática directa o balanço entre o benefício e as morbilidades associadas difere significativamente. A cirurgia ocupa um lugar de muito menor relevo, estando indicada quase exclusivamente em casos de doença pouco extensa. A significativa probabilidade de doença micrometastática ganglionar ou óssea condiciona o sucesso desta opção com morbilidade mais marcada que em casos de doença localizada. A radioterapia oferece a possibilidade de controle local da doença à custa de menor morbilidade; conseguem-se melhores resultados quando em combinação com bloqueio androgénico. Esta opção tem sido o esteio da terapêutica do adenocarcinoma prostático localmente avançado, podendo também ser usada como complemento da cirurgia em casos de margens positivas ou upstaging cirúrgico. Em casos de mau prognóstico, o bloqueio androgénico permite atrasar a progressão da doença. Doença metastizada O advento do PSA revolucionou não só a Urologia mas também toda a Ciência Médica. O mais útil marcador tumoral desenvolvido até aos nossos dias permitiu uma radical modificação do panorama do adenocarcinoma prostático. Até então, a maioria dos casos era diagnosticada em estadios localmente avançados ou me-
4 Acta Urológica 2006, 23; 3: Separata Terapêutica e Seguimento do Carcinoma da Próstata 3 tastizados; com a utilização do PSA, conseguiu-se uma significativa migração de estadio no sentido da maioria ser hoje diagnosticada enquanto doença localizada. O bloqueio androgénico tem sido a principal arma terapêutica para o cancro metastizado, induzindo a apoptose das células prostáticas e permitindo atrasar a progressão da doença. A supressão do eixo hipotálamohipófise-testículo a qualquer nível pode ser feita através de intervenções farmacológicas ou cirúrgicas. A admnistração de estrogénios reduz os níveis de testosterona tanto inibindo directamente a produção desta como activando o retrocontrole hipotalâmico. O estrogénio classicamente mais usado é o dietilestilbestrol, um fármaco com significativa toxicidade cardiovascular devido à metabolização hepática em catabolitos trombogénicos. Hoje, apesar de demonstradamente eficaz, não é considerado um fármaco de primeira linha. 7 8 As propriedades terapêuticas dos agonistas LHRH resultam da downregulation do receptor hipofisário da LHRH após uma primeira fase de estimulação deste. Essa primeira fase pode resultar num recrudescimento temporário da sintomatologia. Depois desta primeira semana, consegue-se um nível baixo de testosterona. Estes fármacos (goserelina, leuprorelina, triptorelina) são hoje o padrão mais comum no tratamento da doença avançada, com eficácia comparável à da castração 7 cirúrgicaeàdodietilestilbestrol. A bloqueio directo dos receptores de testosterona e dihidrotestosterona é o mecanismo básico dos fármacos designados antiandrogénios. Estes podem ser de natureza esteróide (ciproterona, medroxiprogesterona, megestrol) ou não-esteróide (bicalutamida, flutamida). A eficácia destes fármacos está bem estabelecida, embora inferior à castração quando administrados 9 10 isoladamente ; são mais frequentemente usados como complemento dos agonistas LHRH. A castração cirúrgica (orquidectomia bilateral) é a mais antiga opção para a supressão androgénica, mantendo ainda o seu lugar como gold standard para efeitos comparativos e apresentando qualidades como eficácia, simplicidade e baixo custo. O declínio do número de procedimentos realizados traduz não só a migração de estadio ao diagnóstico mas também a introdução de alternativas farmacológicas eficazes. Todas as opções acima referidas apresentam graus variáveis de efeitos acessórios resultantes da manipulação do eixo hormonal, tais como libido reduzida, disfunção eréctil, ginecomastia, atrofia muscular ou osteoporose. Em suma, se a hormonoterapia consegue atrasar e paliar os sintomas da doença avançada, não há evidência conclusiva de que permita prolongar a sobrevivência. A combinação de agonistas LHRH com antiandrogénios (bloqueio androgénico máximo), apesar de reduzir a probabilidade de progressão, é a opção terapêutica mais dispendiosa. Ganhos em qualidade de vida e redução dos custos da terapêutica têm sido verificados quando a hormonoterapia apenas é iniciada aquando da ocorrência de sintomatologia clínica. 11 O uso de bifosfonatos (ácido zoledrónico), inibidores da função osteoclástica, tem granjeado atenção nos últimos anos devido à redução da dor óssea associada às metástases e mesmo à prevenção de fracturas patológicas. A indicação mais consensual será o caso de adenocarcinoma hormono-resistente com metastização óssea. Acompanhamento A probabilidade de recidiva após terapêutica com intuito curativo para doença localizada varia entre os 15% aos 5A e os 35% aos 15A; existe uma segunda linha de terapêutica com intuito curativo; a hormonoterapia após insucesso terapêutico é uma opção válida. Estes três factos formam a base do seguimento dos doentes após prostatectomia radical ou radioterapia. A avaliação periódica rotineira consiste apenas em despiste de sintomalogia local ou secundária, toque rectal e PSA, sem necessidade ou utilidade para exames imagiológicos. A chamada recidiva bioquímica, ou subida do PSA, quase invariavelmente precede o desenvolvimento de sintomas. Os patamares considerados anómalos diferem entre as duas opções: após prostatectomia radical, os níveis de PSA devem tornar-se indetectáveis dentro de 3 semanas após a cirurgia, sendo que duas medições consecutivas de valores superiores a 0,2ng/ml são consensualmente consideradas indicativas de recidiva ; após 12 radioterapia, o PSA desce lentamente (até 3A) até oscilar em torno de um valor idealmente abaixo de 1ng/ml, sendo que se define insucesso ou recidiva quando se detectam três medições consecutivas com valores crescentes. Como fazer este acompanhamento? Mais 13 intensamente durante os primeiros anos, em que é mais provável a recidiva; o calendário recomendado pela Associação Europeia de Urologia consiste em visitas aos 3, 6e12meses, depois semestralmente durante três anos e depois anualmente (ver tabela). O seguimento dos doentes após hormonoterapia para doença avançada é justificado pela necessidade de monitorização da terapêutica, uma vez que após o insucesso bioquímico segue-se habitualmente uma rápida
5 4 Pedro Gomes Monteiro Acta Urológica 2006, 23; 3: Separata progressão. A avaliação periódica é semelhante ao referido no ponto anterior, devendo ainda tomar nota de efeitos acessórios da terapêutica. O calendário recomendado inclui visitas aos3e6meses e depois semestralmente (ver tabela); um intervalo mais curto pode ser necessário em doentes com metástases e PSA estabilizado acima de 4ng/ml. Calendário de follow-up incluindo limiares de recidiva ou insucesso doença localizada doença avançada prostatectomia radical radioterapia hormonoterapia 3M 3M 6M 6M 12M semestralmente semestralmente (3A) anualmente (PSA>0,2ng/ml) (3 subidas consecutivas) Hormonorresistência Provavelmente como resultado de processos de selecção clonal, o bloqueio androgénico suprime o crescimento do tumor de forma inevitavelmente limitada (média 24 meses), e então ocorre um recrudescimento da doença com crescimento independente do estímulo androgénico. Uma definição clínica dos estados de androgénio-independência e de hormono-resistência é importante, porquanto no primeiro caso se conseguem respostas positivas com a suspensão dos antiandrogénios ou com a administração de estrogénios, corticosteróides ou cetoconazol, no segundo qualquer manipulação hormonal se revela infrutífera. A última linha de acção consiste na administração de citotóxicos, tradicionalmente considerados pouco eficazes mas com resultados recentes favoráveis com docetaxel ou mitoxantrona. Conclusão O tratamento do adenocarcinoma prostático deve ser planeado de acordo com as probabilidades de cura e de progressão de cada caso, com várias possibilidades e vários problemas a ser discutidos entre o doente e o médico. O seguimento dos doentes prolonga-se habitualmente por toda a vida do doente ou até que a idade avançada o torne supérfluo, através de PSA, toque rectal e anamnese específica. Bibliografia 1. Catalona WJ. Management of cancer of the prostate. N Engl J Med. 1994; 331: Savage P, Bates C, Abel P et al. British urological surgery practice prostate cancer. Br J Urol. 1997; 79: NIH Consensus Development Panel. Consensus statement management of prostate cancer. NCI Monogr. 1988; 7: Ash D, Flynn A, Batterman J et al. ESTRO/EAU/EORTC recommendations on permanent seed implantation for localized prostate cancer. Radiother Oncol. 2000; 57: Huggins C, Stevens REJ, Hodges CV. Studies on prostatic cancer the effect of castration on advanced carcinoma of the prostate gland. Arch Surg. 1941; 43: Sperduto P, Rose M, Jolitz G et al. The cost-effectiveness of alternative treatment in prostate cancer. J Radiat Oncol Biol Phys. 1994; 30: Seidenfeld J, Samson DJ, Hasselblad V et al. Single-therapy androgen suppression in men with advanced prostate cancer: a systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2000; 132: Aus G, Abbou CC, Bolla M et al. EAU guidelines on prostate cancer. Eur Urol. 2005; 48: Kolvenbag GJ, Nash A. Bicalutamide dosages used in the treatment of prostate cancer. Prostate. 1999; 39: Moffat LE. Comparison of Zoladex, diethylestilboestrol and cyproterone acetate treatment in advanced prostate cancer. Eur Urol. 1990; 18(3): Bayourni AM, Brown AD, Garber AM. Cost-effectiveness
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