PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E O SEGURO DE GARANTIA
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- Salvador Botelho Pinto
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1 PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E O SEGURO DE GARANTIA Os países democráticos mantêm legislações destinadas a tutelar os direitos dos cidadãos e, na medida do possível, garantir que as leis, os direitos e o exercício destes se desenvolvam senão simultaneamente ao menos não muito distanciados, embora se saiba o quão difícil é acompanhar a complexidade própria do mundo em que vivemos. Como exemplo da impossibilidade de acompanhar as transformações citam-se as relações no âmbito das pessoas e da família. Estas já quase não cabem em nosso Código Civil que foi promulgado há menos de uma década. As relações empresariais, mesmo preservando as características específicas de mercancia, prestação de serviços, fornecimento, apresentam variada ampliação no leque de dificuldades e questões, potencializadas pelas economias globalizadas, em ambientes de comunicação rápida, em situações de mudanças vertiginosas. O Direito, nesse contexto de internacionalização das relações comerciais, mais do que nunca se preocupa com as regras e procedimentos que mesmo não sendo homogêneos em todos os países, ao menos se aproximem para evitar flagrantes injustiças. Intento de extrema dificuldade, perseguido, no entanto, por todos os grandes blocos comerciais: União Européia, Mercosul, Nafta. Essa tutela não implica na automática satisfação dos interesses. Por óbvio, estes dependem em boa dose das medidas adotadas pelo titular, cuja atitude irá variar desde a inação, passando pela tentativa de solução amigável, eventualmente uso ilegítimo das próprias razões, até o recurso aos processos judiciais.
2 Qualquer que seja o país, o ordenamento jurídico imporá limites temporais à atuação do prejudicado, por institutos consagrados nas legislações de tradição romano-germânica: a decadência ou a prescrição. Na primeira, a partir da lesão ou de um prazo inicial demarcado, há um tempo previamente definido na legislação para que a vítima pleiteie a reparação. Exemplos clássicos estão previstos em nossa codificação civil, observando-se que a indicação é apenas ilustrativa da questão i. O exercício da reclamação não necessariamente será feita em juízo: uma notificação extrajudicial do reclamante será instrumento hábil a demonstrar o seu interesse em sanar a ameaça contra o direito, assim como outras medidas inequívocas serão também capazes de preservar o ii autor contra os efeitos do prazo decadencial. Diferente é a figura da prescrição. Essa regula os prazos para que o autor venha a agir judicialmente. Ou seja, o prazo para implementar, por via judicial, as medidas convenientes à tutela e proteção do direito lesado. Nosso Código Civil concentra a regulação desses prazos nos seus Artigos 205 e 206, estabelecendo como regra geral ao início da contagem a data em que ocorreu a lesão do direito, tal como consta no Artigo 189 1, salvo quando esse mesmo artigo elege em seus incisos uma data diferente ao início da contagem. 2 1 Art Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo; V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade. 2 o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem. 3 o Em três anos: VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição; VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação; 4 o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas. 5 o Em cinco anos:
3 Uma das exceções pertinentes à data inicial, à medição do tempo definido à prescrição consta do inciso II, do Artigo 206: Art Prescreve: 1 o Em um ano: (...) II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão; Enquanto a regra geral, repita-se, é a data da violação, o legislador houve por bem estabelecer para as relações entre segurado e segurador à utilização de 4 (quatro) prazos distintos: a) Seguro de Responsabilidade Civil a.1 data da citação para responder uma ação proposta por terceiro; a.2 data em que indeniza com a anuência do segurador. b) Nos demais seguros: quando toma ciência do fato gerador da pretensão. c) Nos seguros de responsabilidade civil obrigatórios: data da violação do direito. Interessa-nos neste texto, o seguro de Garantia de Obrigações Contratuais, e, portanto, a avaliação da regra estabelecida no Inciso II, alínea b, do Artigo 206 do Código Civil que fixa o prazo prescricional de
4 um ano, a contar da data em que o reclamante toma ciência do fato gerador da pretensão. O fato gerador vem a ser exatamente a violação do direito. Sem essa lesão não há que se falar em pretensão. Verificando-se a mora em um contrato por inadimplemento de obrigações contratuais, nasce para o contratante fiel, a possibilidade de pleitear perdas e danos advindos do fato. Poderá direcionar essa reclamação contra a parte inadimplente e, simultaneamente, notificar o seu fiador ou o segurador que o tem como garantido, observados os prazos estabelecidos na legislação civil. Não há qualquer referência à vigência do seguro ou do contrato firmado entre as partes, mas tão somente ao atentado contra o direito. A interposição de restrições ao seu exercício viria a configurar uma ilegalidade e expressa contrariedade ao disposto na Circular 256, da SUSEP. 3 Antes de prosseguir convém esclarecer o contexto dessa discussão. Num contrato para o qual exista apólice de Garantia de Obrigações, verificandose a ocorrência de um sinistro, qual o prazo do segurado para direcionar um pedido de indenização à seguradora? Muitos afirmam que a data limite à comunicação do evento coincide com o término de vigência da apólice. Nesse entendimento, se o Garantido deixou de fornecer equipamentos cuja entrega estava prevista para o último dia de vigência, não se realizando o fornecimento, fato que caracteriza um sinistro por inadimplemento total da prestação, o segurado deveria promover a comunicação até às 24h00 desse mesmo dia, sob o risco de perda de direito. Ilustrando: 3 Art. 39. É vedada a inclusão de cláusula que disponha sobre a fixação de prazo máximo para a comunicação de sinistro.
5 Data do sinistro: Vigência do Seguro (= do contrato): à Data-limite para o aviso à seguradora: até às 24h00. O exemplo, propositadamente se refere a uma situação extrema, exatamente porque para estas sempre se ouve a resposta de que se aplicará o bom senso, ampliando-se o prazo para que o segurado proceda ao aviso da ocorrência. Tal situação ocasiona uma insegurança indigna. Primeiro, porque depende do livre arbítrio de uma das partes, situação por si só, abusiva e para a qual nem há a necessidade de se buscar proteção na legislação consumerista, pois, a questão encontra solução no capítulo pertinente aos negócios jurídicos 4 do Código Civil. O entendimento que limita a data para formular a reclamação até o término de vigência da apólice introduz no contrato de seguro uma cláusula decadencial, móvel, pois, a cada dia que passa é um dia que desaparece para exercício do direito. Céticos e leigos discutem há anos se o seguro de Garantia é mesmo um seguro ou um instrumento bancário, mas entre os profissionais do mercado a questão nunca ofereceu dificuldades. Trata-se de contrato devidamente regulado pela SUSEP, submisso ao regramento civil, de comercialização exclusiva das seguradoras, usuário dos instrumentos de resseguro, emitido segundo as regras específicas do mercado segurador. A ele se aplicam os dispositivos do Código Civil pertinentes aos contratos de seguro e, no capítulo específico para seguros há uma regulação voltada 4 Art São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
6 ao prazo para comunicação de sinistros por parte do segurado (Artigo 771) 5. Parte-se do pressuposto de que um diploma legislativo não tem palavras inúteis, tampouco contraditórias, cabendo ao intérprete buscar as melhores alternativas para integrar os significados. O dispositivo que possibilita a reclamação no prazo de até um ano, deve estar devidamente integrado com o citado artigo que obriga a comunicação no menor prazo possível, sob a pena de perda do direito à indenização. A pena aí mencionada não é automática, depende da comprovação do interessado de que o atraso trouxe perda adicional, alterou de maneira extraordinária o resultado, implicou em acréscimo nos prejuízos, deu azo ao aparecimento de danos que nem existiriam. Não fosse dessa forma e o artigo teria ajustado um prazo decadencial, como em tantos outros artigos. Ou seja, haveria a especificação de um período fatal: tantos dias, até o dia do vencimento do contrato, até o término da obra. Sem tais especificações, não é decadencial o prazo. A aplicação da pena deve estar inserida num mecanismo de aferição das perdas. Apropriandome dos termos de um amigo que milita na área de Garantia: Este seguro não se destina a cobrir a deficiência organizacional do segurado. De fato, o cliente deve ser diligente o suficiente para verificar a ocorrência de um sinistro e tomar todas as providências com o fito de minorar os danos, recuperar os prejuízos, salvaguardar os interesses segurados. Se não o fizer e, desde que demonstrada a sua negligência com tais obrigações, o sinistro deve e será encerrado sem indenização ou, no mínimo, terá o prejuízo indenizável reduzido por conta do agravo provocado por tal desídia. 5 Art Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.
7 Provado que a falta do aviso agravou sobremaneira o resultado, não há porque exigir a responsabilização da seguradora pelo agravo a que não deu causa. Mas, repito, isso não autoriza a recusa da indenização prima facie, de bate pronto, sem a prova da falta de diligência e, principalmente, sem a prova de que o resultado seria diferente. Exemplificando: Num contrato de prestação de serviços de manutenção de rede de distribuição elétrica. Ocorrendo a rescisão unilateral do contrato pelo Garantido, a demora em tratar as conseqüências do inadimplemento total poderá ocasionar sérios prejuízos, tais como acidentes na rede, além de tornar mais cara a retomada dos serviços pela necessidade de refazer o que já fora executado, por falta de segurança quanto à qualidade, pela ação deletéria do tempo, pelo encarecimento da mão de obra. Provando-se que a atuação imediata implicaria na minimização dos danos, ninguém admitiria indenizar o custo da negligência. Independente do prazo de aviso à Seguradora. A Companhia especializada terá argumentos sólidos para demonstrar que o cliente retirou-lhe a oportunidade de solucionar o problema, a um custo bem menor, opção que consta das Condições Gerais (Cláusula 7 INDENIZAÇÃO) 6 e se constitui num dos principais diferencias desse ramo de seguro. A recusa, e isso é uma questão importante, requer a comprovação de que a desídia do segurado ocasionou prejuízos que não existiriam, caso adotasse uma das seguintes alternativas: 1. Reparação dos bens danificados; 2. Contratação imediata de outra empresa; 3. Salvaguarda dos interesses; 4. Adoção de medidas para evitar o agravamento dos danos Caracterizado o sinistro, a seguradora indenizará o segurado, até o limite da garantia desta apólice, segundo uma das formas abaixo, conforme for acordado entre ambos: I. realizando, por meio de terceiros, o objeto do contrato principal, de forma a lhe dar continuidade e o concluir, sob a sua integral responsabilidade;
8 5. Notificação da seguradora, ofertando-lhe a oportunidade para realizar esses e outros procedimentos. O agravamento do risco está inserido em condições geralmente prévias à ocorrência de um sinistro, mas sua ocorrência também teria o dom de ocasionar a perda de direitos por parte do segurado. Em tal situação, nem se requer a ocorrência de prejuízo adicional, pois, há um pressuposto de que em se tratando de agravamento de risco esse adicional estará presente. Entretanto, há na obrigação de demonstrar que a atitude foi intencional. 7 Não se aplica ao eventual atraso na comunicação, pois, não se deduz da demora a intenção de agravar as conseqüências, pelo contrário, ela evidencia, isto sim, uma parcela da falta de diligência, do descuido, capazes de resultar na perda de indenização, mas não de forma automática. O fato de não se aplicar automaticamente uma penalidade tem um significado muito importante. Qual seja: a necessidade de averiguar a justiça do procedimento, pois, esta terá que ser justificada perante o segurado, ao longo de um processo administrativo ou mesmo judicialmente. Deve-se ter em mente que o seguro de Garantia não se destina a acobertar a falta de diligência do segurado, a falta de gestão dos contratos. Se essas atitudes foram determinantes ao aumento do prejuízo ou mesmo à caracterização desse prejuízo, não há que se pleitear o recebimento de indenização. Por outro lado, se não houve desídia, se a questão se limita a uma demora na comunicação, se esse atraso em nada ampliou o prejuízo, se o aviso imediato não iria alterar o resultado do prejuízo, não haverá razão em se determinar penalidades. contrato. 7 Art O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do
9 Assim, vejamos, um exemplo como resumo da posição aqui defendida: Num contrato de Fabricação de um equipamento de grande com apólice de Adiantamento de Pagamento para uma determinada fase. Se o fabricante torna-se inadimplente, o segurado terá um prazo de até três anos para promover a reclamação contra o garantido (prazo prescricional para as reparações civis), mas apenas um ano para reclamar do segurador. Se a seguradora avaliar o processo e entender que o evento não se encontra amparado, ao comunicar sua posição ao segurado, nasce para este uma nova pretensão: a de receber a indenização em função da apólice contratada, considerando a sua posição de que teve esse outro direito lesionado. Esse prazo é também de um ano, segundo a regra específica do artigo 206, 1º, inciso II, alínea b. Sem dúvida, as posições lançadas neste artigo não são unânimes, mas espero que lancem luzes à discussão necessária e ao enfrentamento definitivo da questão. ADILSON NERI PEREIRA
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