Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul

Transcrição

1 Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul TJ-MS FL.: Segunda Turma Criminal Habeas Corpus - N. - Campo Grande. Relator - Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte. Impetrante - Cleber Leonardo de Souza Sant'Anna Pinheiro. Paciente - Impetrado - Juiz de Direito da Vara da Infância, Juventude e do Idoso da Comarca de Campo Grande. E M E N T A HABEAS CORPUS ARTIGO 241-B DA LEI N /95 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PRISÃO PREVENTIVA PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP PRIMARIEDADE, TRABALHO LÍCITO, RESIDÊNCIA FIXA E FAMÍLIA CONSTITUÍDA ELEMENTOS QUE NÃO SÃO SUFICIENTES PARA AFASTAR OS REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA ORDEM DENEGADA. As condições pessoais do paciente, primário, família constituída, residência fixa e profissão lícita, não bastam, por si sós, para a concessão do benefício da liberdade provisória, mormente se há indícios de autoria. A custódia preventiva faz-se necessária para garantia da ordem pública, quando o delito que está sendo imputado ao paciente é daqueles que causam intranquilidade no meio social, sendo induvidoso que o crime de pedofilia e pornografia infantil, que envolvem crianças e adolescentes, causam repulsa à coletividade. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem, unânime e com o parecer. Campo Grande, 16 de fevereiro de Des. Claudionor Miguel Abss Duarte Relator

2 FL.:81 R E L A T Ó R I O O Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte O advogado Cleber Leonardo De Souza Sant anna Pinheiro impetra ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, em favor do paciente (...), que se encontra preso, pela prática do delito previsto no artigo 241-B (Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente) da Lei n /95 (Estatuto da Criança e do Adolescente), apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Bonito/MS. Sustenta o impetrante, em apertada síntese, que: 1) O paciente foi preso em flagrante, no dia 30 de dezembro de 2008, em virtude de ter sido surpreendido com algumas fotos de garotas supostamente menores de idade, armazenadas em seu aparelho celular, incidindo, em tese, no artigo 241-B da Lei n /95; 2) O paciente não ostenta antecedentes criminais, possui ocupação lícita, residência fixa no distrito de culpa e família constituída, preenche, portanto, o direito de apelar em liberdade; 3) Não estão presentes os requisitos dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, para dar sustentação ao decreto de prisão preventiva do paciente. Requer a concessão da ordem, expedindo-se o alvará de soltura. Liminar indeferida à f. 49. Solicitadas as informações à autoridade apontada como coatora, estas foram juntadas aos autos às f A Procuradoria-Geral de Justiça, no parecer lançado às f , opina pela denegação da ordem de Habeas Corpus. VOTO O Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte (Relator) O advogado Cleber Leonardo De Souza Sant anna Pinheiro impetra ordem de Habeas Corpus, com pedido de liminar, em favor do paciente (...), que se encontra preso, pela prática do delito previsto no artigo 241-B (Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente) da Lei n /95 (Estatuto da Criança e do Adolescente), apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Bonito/MS.

3 Sustenta o impetrante, em apertada síntese, que: TJ-MS FL.:82 1) O paciente foi preso em flagrante, no dia 30 de dezembro de 2008, em virtude de ter sido surpreendido com algumas fotos de garotas supostamente menores de idade, armazenadas em seu aparelho celular, incidindo, em tese, no artigo 241-B da Lei n /95; 2) O paciente não ostenta antecedentes criminais, possui ocupação lícita, residência fixa no distrito de culpa e família constituída, preenche, portanto, o direito de apelar em liberdade; 3) Não estão presentes os requisitos dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, para dar sustentação ao decreto de prisão preventiva do paciente. O Magistrado, instado a prestar as informações solicitadas, manifestou-se nos autos às f , aduzindo que: (...) 1) O réu foi preso em flagrante, nas seguintes condições: a DEPCA tomou conhecimento de uma ocorrência envolvendo denúncia de abuso sexual de um homem contra sua enteada; tendo em vista informações recebidas pelos policiais, foi apreendido o celular do acusado, contendo 34 fotos pornográficas, algumas de meninas sem contornos de quadris e seios, e com ausência de pêlos pubianos. 2) A garantia da ordem pública está configurada no fato de que a conduta do réu configura pedofilia, além de que o acusado está sendo investigado por suposto abuso sexual contra sua enteada, e tem como profissão motorista do serviço de acolhimento da Secretaria de Assistência Social de Campo Grande/MS. (...). Além disso, o Magistrado, em sua fundamentação (f ) pelo indeferimento do pedido de liberdade provisória formulada pelo paciente, afirmou que: (...) O Ministério Público Estadual emitiu parecer pelo indeferimento do requerimento, por estarem presentes os fundamentos que autorizam a prisão preventiva (f. 20-1). (...) O requerente teve sua prisão em flagrante decretada em 30 de dezembro de 2008 (f. 8), com fundamento no art. 302 do CPP. Isso porque, há nos autos prova de materialidade do delito previsto no art. 241-B do ECA e indícios suficientes de que o requerente seja o autor. Também há notícia no auto de prisão em flagrante lavrado contra o requerente da existência de outro delito teoricamente praticado por ele, qual seja, abuso sexual cometido contra a sua enteada. Ademais, embora o requerente não seja tecnicamente reincidente, a certidão de f. 18 demonstra a existência de maus antecedentes.

4 FL.:83 Dessa forma, não obstante o requerente possua emprego e residência fixos, não ser reincidente, e possuir mais de 60 anos de idade, diante do acima exposto ficou claro que, em liberdade, poderia colocar em risco a instrução processual. De fato, analisando o parágrafo único do art. 310 do CPP, c.c art. 312 do mesmo dispositivo legal, verifico que a prisão poderá ser mantida não só por conveniência da instrução criminal, mas também para garantir a ordem pública, a ordem econômica ou para assegurar a aplicação da lei, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. A garantia da ordem pública é um dos fundamentos que bastam para a manutenção da prisão, quando houver prova de materialidade e indícios suficientes de autoria. Há de se ressaltar que o crime cometido supostamente pelo acusado causa enorme repercussão social, configurando-se assim, em flagrante atentado a ordem pública. (...) Dessa forma, tendo em vista a existência de prova de materialidade, indícios suficientes de autoria e a necessidade de garantir a ordem pública, encontram-se presentes elementos que justificam a manutenção da medida, motivo pelo qual a pretensão do acusado não deve vigorar. (...). A propósito, verifica-se do depoimento do paciente F.P.F. na fase policial em f , que este armazena fotos de mulheres nuas em seu celular e que algumas fotos se tratava de mulheres menores de idade, a seguir transcritos: (...)...há três anos trabalha como motorista do serviço de acolhimento de crianças da Secretaria de Assistência Social de Campo Grande/MS; (...); Que possui antecedentes criminais por crime de Roubo Qualificado e Formação de Quadrilha, sendo preso pelo GARRAS no ano de 2002; Que na época ficou preso em torno de dois meses e meio; Que na data de hoje, por volta das 09h00min, policiais civis da Delegacia do bairro das Moreninhas foram até sua casa a fim de verificarem uma denúncia de abuso sexual do interrogando contra sua enteada; (...); Que os policiais solicitaram ao interrogando, uma vez que havia informação de que o mesmo continha fotografias de meninas nuas; Que seu celular foi então examinado e os policiais confirmaram a informação, encontrando fotografias de várias garotas nuas em poses sensuais no arquivo fotográfico; (...) Que no arquivo fotográfico em questão foi baixado pelo próprio interrogando de endereços da internet, através de buscas pela página do GOOGLE; Que ao todo, o interrogando armazenou 34 (trinta e quatro) fotografias de mulheres nuas, sendo todas elas obtidas através da internet; Que baixou as imagens em seu computador e depois deletou; Que afirma não conhecer nenhuma das garotas que aparecem na

5 FL.:84 fotografias; Que admite que algumas das garotas cuja imagem está armazenada em seu celular são menores de idade, dada a aparência física típica de criança, com o corpo ainda não desenvolvido fisiologicamente, até mesmo sem pêlos pubianos; Que alega que armazenou tais fotos por brincadeira, para mostrá-las aos amigos(...); É cediço que para a concessão da liberdade provisória é preciso que não estejam presentes nenhumas das hipóteses em que se permite a decretação da prisão preventiva, quais sejam, para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. No que tange às alegações de ausência dos requisitos da segregação cautelar, que motivaram a decretação da prisão preventiva do paciente, constata-se que a sua prisão reveste-se de legalidade, existindo prova nos autos de materialidade e indícios suficientes de autoria delitiva, infere-se, ainda, a necessidade de se resguardar a garantia da ordem pública. Ademais, as condutas apontadas pela autoridade informante, atribuídas ao paciente, indicam ser desaconselhável a revogação de sua prisão preventiva, pois conforme asseverou o Magistrado em f. 53, A garantia da ordem pública está configurada no fato de que a conduta do réu configura pedofilia, além de que o acusado está sendo investigado por suposto abuso sexual contra sua enteada...(...), evidenciando-se, assim, não ser recomendável a sua soltura nessa fase do processo. Tal circunstância bem evidencia a necessidade da medida constritiva para garantia da ordem pública. A propósito, vejam-se os seguintes julgados: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ORDEM PÚBLICA AMEAÇADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A prova da materialidade do delito e os veementes indícios de autoria, aliados á necessidade de garantia da ordem pública, justificam o indeferimento do pedido de liberdade provisória, tendo em vista a demonstração da necessidade de prisão cautelar, considerando a forma de execução, a periculosidade concreta do acusado e os indícios fortes de prática reiterada de delitos pelo acusado, não havendo falar em constrangimento ilegal. (...) (STJ RHC /CE, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em , DJ , p ) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 180 DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM PÚBLICA. I Resta devidamente o r. decisum que indeferiu o pedido de liberdade provisória do paciente, com o reconhecimento de materialidade do delito e de indícios de autoria, e expressa menção à situação concreta

6 FL.:85 que se caracteriza pela garantia da ordem pública, tendo em vista sua reiterada atividade delitiva (Precedentes). (...) (STJ Pet /MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em , DJ , p. 222.) Este é o entendimento deste Egrégio Tribunal de Justiça: EMENTA HABEAS CORPUS - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - ALEGADA INOCÊNCIA DO PACIENTE MATÉRIA QUE DEMANDA ANÁLISE APROFUNDADA DE PROVAS INVIABILIDADE DA VIA ELEITA PRISÃO PREVENTIVA PEDIDO DE REVOGAÇÃO CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS IRRELEVÂNCIA PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRISÃO CAUTELAR NECESSÁRIA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS RELACIONADOS NO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE ORDEM DENEGADA. O habeas corpus não é a via adequada para analisar a alegação de inocência do paciente, por tratar-se de matéria de mérito, sendo-lhe imprescindível o aprofundamento do conjunto probatório. Demonstrada a necessidade da manutenção da prisão cautelar, seja para garantia da ordem pública, seja por conveniência da instrução criminal, não há como revogá-la, ainda que o paciente preencha os requisitos subjetivos necessários para a concessão do benefício, porquanto é pacífico nesta Corte, bem como em outros Tribunais, que as condições pessoais do paciente, única e exclusivamente, não têm o condão de ilidir o decreto prisional, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva. (Segunda Turma Criminal Habeas Corpus N Rio Negro Rel. Des. Romero Osme Dias Lopes. j ) grifo nosso. Ademais, não se pode ignorar a gravidade em tese do delito descrito nestes autos. Isso porque, a todo momento, é noticiado, na imprensa escrita e falada, o repúdio da sociedade brasileira quanto ao crime de pedofilia e pornografia infantil, cometidos contra crianças e adolescentes, o que por si só, já constitui fundamento idôneo para se resguardar a ordem pública. Nesta linha de raciocínio, com razão o parecer do Procurador de Justiça Dr. Mauri Valentim Ricciott, à f. 71: (...) E, através das cópias das fotos colacionadas nas informações prestadas pelo d. Magistrado às fls , temos que realmente se tratam de fotos de cunho pornográfico, que inferem erotismo e sexualidade envolvendo criança.

7 FL.:86 E acrescenta: E, ainda pesa o fato de que sua conduta configura pedofilia, por estar sendo investigado por suposto abuso sexual contra sua enteada e, ainda, pelo fato de trabalhar como motorista do serviço de acolhimento de crianças da Secretaria de Assistência Social de CG/MS, repercutindo diretamente na sociedade, que se sente ameaçada pela segurança de suas crianças. Portanto sua segregação é totalmente necessária. (...). Conclui-se, portanto, que as circunstâncias que envolveram a prática delitiva, analisadas pela autoridade apontada como coatora, revelam-se hábeis a embasar a prisão do paciente F.P.F., inexistindo, algum constrangimento ilegal pela manutenção da custódia decorrente da sua prisão preventiva. No mais, frisa-se que as condições pessoais do paciente, tais como, residência fixa, trabalho honesto, primariedade e família constituída, por si sós, não são capazes de elidir o decreto prisional, da maneira como pretende o impetrante. Corte: Nesse sentido, trago à baila o seguinte julgado da Suprema Fatores como a primariedade, bons antecedentes, residência fixa e profissão definida não bastam para afastar a possibilidade de prisão preventiva quanto esta é ditada por qualquer das razões previstas no art. 312 do CPP (STF - RHC - Rel. Sydney Sanches - RT ). Esta Corte também tem se pronunciado nesse sentido, consoante julgado transcrito abaixo: E M E N T A HABEAS CORPUS - NÃO-CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA - PACIENTE QUE DEVE SER MANTIDO CUSTODIADO - DENEGADO. A primariedade e os bons antecedentes não impedem a decretação da prisão preventiva nem têm força para alcançar sua revogação ou a concessão de liberdade provisória. Fatores como a primariedade, bons antecedentes, residência fixa e profissão definida não bastam para afastar a possibilidade de prisão preventiva quando esta é ditada por qualquer das razões previstas no art. 312 do CPP. (Habeas Corpus - N Campo Grande - Relator - Exmo. Sr. Des. José Augusto de Souza.) Por fim, frisa-se que, como o paciente ainda não foi ouvido judicialmente, poderá impetrar o presente remédio processual após interrogatório, pois, assim, este Juízo possuirá mais elementos para analisar se ele possui, ou não, o direito à concessão da liberdade ora pleiteada. Em face do exposto, de acordo com o parecer, denego a ordem.

8 D E C I S Ã O Como consta na ata, a decisão foi a seguinte: TJ-MS FL.:87 ORDEM DENEGADA, UNÂNIME E COM O PARECER. Presidência do Exmo. Sr. Des. Romero Osme Dias Lopes. Relator, o Exmo. Sr. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte. Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Claudionor Miguel Abss Duarte, Romero Osme Dias Lopes e Carlos Eduardo Contar. Campo Grande, 16 de fevereiro de 2009.