ESPACIALIZAÇÃO E FÉ NAS FESTAS DE SÃO JOSÉ 1.
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- Liliana Angelim Aires
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1 ESPACIALIZAÇÃO E FÉ NAS FESTAS DE SÃO JOSÉ 1. Solimar Guindo M. Bonjardim Doutoranda NPGEO/UFS solmessias@yahoo.com.br Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura Angela Fagna Gomes de Souza Doutoranda UFU angelafagna@hotmial.com Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura Auceia Matos Dourado Doutoranda NPGEO/UFS auceiam@hotmail.com Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura GT05 - Políticas Públicas, Alimentos Tradicionais e Manifestações Culturais RESUMO: A festa com seus ritos e símbolos, representa costumes e comportamentos herdados, reveladora da dimensão cultural de uma sociedade. Em Sergipe as festas são numerosas, principalmente as religiosas, relacionadas aos santos padroeiros. O presente artigo objetiva apresentar a festa de São José e sua espacialização no Estado de Sergipe, buscando discutir algumas comemorações ao santo presente no estado, tendo como enfoque o tamanho e alcance desta tímida comemoração. Utilizamos como instrumentos metodológicos pesquisas de campo qualitativas nas dioceses do Estado de Sergipe, além do acompanhamento de algumas festas religiosas no Estado. Deste modo, concluímos que a festa católica de São José é a mais comemorada do estado, com frequência e alcance estadual, principalmente as festas que São José é o padroeiro da paróquia. PALAVRAS-CHAVE: Festa religiosa, Sergipe, padroeiro, São José, espacialização. COMENTÁRIOS INICIAIS Ave, São José! Ave, São José, orna de justiça, Bendito és tu entre todos os varões, E bendito é o fruto da tua descendência davídica, Jesus. São José, pai do Filho de Deus, Roga por nós pecadores, Agora e na hora da nossa morte. Amém. Oração de São José. 1 Pesquisa relacionada ao projeto Dimensão territorial das festas populares e do turismo: estudo comparativo do patrimônio imaterial do Ceará, Goiás e Sergipe Edital Pró-Cultura Capes/Minc/2008. Desenvolvido em Sergipe pelo Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura do NPGEO/UFS, sob coordenação da Professora doutora Maria Augusta Mundim Vargas.
2 O ato e o sentido de festejar fazem parte da história desde os tempos imemoriais. Neste sentido, as festas não possuem um período definido, elas se perdem no tempo. Sujeitas a modificações com o passar dos anos, embora possuam elementos que são típicos de cada formação social, sofrem a flutuação desses elementos: algumas desaparecem, outras surgem e há até mesmo a possibilidade de ressurgimento daquelas que foram abandonadas ou esquecidas, sendo ressignificadas. A festa com seus ritos e símbolos, representa costumes e comportamentos herdados, reveladora da dimensão cultural de uma sociedade. Ela é preparada, custeada, planejada e organizada segundo regras elaboradas no interior da vida cotidiana; envolve a participação coletiva da sociedade em seu conjunto ou em grupos nos quais os participantes ocupam lugares distintos e específicos e articula-se em torno de um objeto focal: um ente real ou imaginário, um acontecimento, um anseio ou uma satisfação coletiva, modificando a paisagem e o território do local onde acontece. Em Sergipe as festas são numerosas, principalmente as religiosas, relacionadas aos santos padroeiros. Existe a festa da arquidiocese, das dioceses, dos vicariatos, das paróquias, das capelas e aquelas que acontecem pela fé do povo de uma determinada localidade. A festa com maior número de frequentadores do estado é a de Nossa Senhora da Conceição, seguida pelas festas dedicadas a São João que acontece em junho e movimenta o estado como um todo. Porém, contrariando todas as perspectivas, evidenciou-se que São José é o santo mais comemorado do estado, com o maior número de igrejas dedicadas a ele. Devido a este resultado, fruto de pesquisas de campo qualitativas e quantitativas nas dioceses do Estado de Sergipe, além do acompanhamento de algumas festas religiosas no Estado, o presente artigo objetiva apresentar a festa de São José e sua espacialização no Estado de Sergipe, buscando analisar algumas comemorações ao santo presente no estado, tendo como enfoque o tamanho e alcance desta comemoração. Neste sentido, o presente artigo está estruturado da seguinte forma: i) introdução com a apresentação do tema do artigo, bem como o objetivo e a metodologia utilizada; ii) posteriormente apresentamos uma breve análise das festas religiosas; iii) em seguida priorizamos as festas religiosas no estado de Sergipe de forma geral; iv) ao final analisamos em especial a festa de São José em Sergipe, exemplificando uma localidade onde acontece as
3 comemorações ao santo, destacando algumas de suas singularidades e; v) por último algumas considerações acerca do tema apresentado. AS FESTAS RELIGIOSAS Segundo Del Priore (1994), a festa é uma celebração, uma expressão ritualística de uma mentalidade, sendo ainda um meio de organização social e a concretização da necessidade de convívio grupal para troca de sentimentos e ou experiências. Complementando esta definição, para Hobsbawm (1984) citado por Corrêa (2004) a festa é uma lembrança do passado, e, tem como propósito a conservação de tradições, sendo assim, uma memória. Trata-se da repetição de certos valores e comportamentos remanescentes e, como celebração coletiva, a festa (...) é uma crença que utiliza símbolos e alegorias com a finalidade de contar e reviver uma história (HOBSBAWM, 1984, p. 09). Neste sentido, os motivos de festejar podem ser os mais variados. Para Moura (1998) a festa permite entrever as múltiplas relações que têm lugar em uma micro sociedade e os valores que assim ela explicita: do parentesco ao meio ambiente, do calendário agrícola ao respeito aos mais velhos, da produção artesanal à história dos ancestrais, da liderança feminina ao conhecimento das plantas, das relações de afetividade aos valores humanos considerados fundamentais, da pura diversão ao ato de fé. Dez mil anos antes da era cristã, os povos já se reuniam para espantar os demônios da má colheita ou para festejar a fartura e a abundância. Na antiguidade os egípcios cultuavam seus deuses nas festas; os gregos e romanos dançavam e cantavam celebrando a volta da primavera como o renascer da natureza, e promoviam festivais e procissões para homenagear seus deuses. Nas cidades antigas os rituais e cultos religiosos eram os mais comuns, nestes aconteciam danças, cantos, procissões, banquetes, jogos, voltados aos deuses públicos (COULANGES, 2007). Se no espaço urbano, nos dias de festa, as ruas, pátios, praças servem de espaço para o encontro das pessoas fora de suas condições habituais e dos papéis que desempenham durante suas rotinas, no espaço rural as festas para celebrar a colheita, ou simplesmente os encontros para dividir com vizinhos, parentes e amigos as alegrias advindas do fruto do trabalho são praticamente extensão de suas rotinas de trabalho e do seu cotidiano, de um tempo específico.
4 O desenvolvimento da religião tem como base as festas, modo utilizado para adorar e festejar com os deuses. No início da era Cristã a Igreja Católica adotou o princípio das festas pagãs para homenagear e cultuar os seus santos. Elas têm o objetivo de louvar e agradecer as graças concedidas aos homens pela divindade protetora escolhida que, no universo católico, correspondem a Jesus, à Virgem Maria, ao Espírito Santo e aos santos de maneira geral. Estes santos foram surgindo de acordo com os seus feitos e com as posições doutrinárias católicas. Essa postura possibilitou o aparecimento de inúmeros santos que chegaram ao Brasil na bagagem do colonizador e se espalharam pelo território. Os santos no Brasil são cultuados, principalmente como padroeiros de Igrejas e cidades, sendo que estas festas são popularmente conhecidas como Festas de Padroeiro. Quanto às festas de santos padroeiros, Brandão (2009) vê nelas uma expressão de identidade de uma comunidade através do modo como o povo se organiza para homenagear seus padroeiros na utilização de símbolos e rituais. O autor enfatiza a influência da Igreja no comportamento coletivo, já que esta estabelece um tempo de vida litúrgica. Explicita ainda a entrada da instituição religiosa nas manifestações populares até os limites permitidos por sua posição na sociedade o que acaba engendrando e perdurando as territorialidades religiosas (CORREA, 2004). Nas festas de santos padroeiros católicos, identificam-se alguns ritos obrigatórios a um santo padroeiro, como a procissão o ponto alto da manifestação religiosa. Desta feita, o percurso de uma procissão forma uma paisagem do aglomerado da festa, isto é, torna-se um espaço social que permite a aproximação com a dimensão sagrada bem como consagra relações de grupos sócio-econômicos distintos. A procissão serve como um espelho da própria sociedade onde ela acontece. Esta é um texto para ser lido, carregada de signos que representavam as relações sociais onde estava inserida. AS FESTAS RELIGIOSAS EM SERGIPE O Estado de Sergipe, menor da federação, com km², conta com aproximadamente festas por ano, segundo dados do Governo do Estado de Sergipe, isto contabiliza praticamente uma festa por hora, durante todo o ano. Faz-se mister ressaltar que destas, foram identificadas, até o momento, em torno de manifestações religiosas católicas, sempre atreladas a algum santo e território. A grande maioria das festas religiosas está relacionada ao templo católico e a festa de padroeiro.
5 Diante das inúmeras festas existentes no estado de Sergipe, por solicitação da Secretaria de Planejamento, em 2009, a Universidade Federal de Sergipe realizou um estudo sobre Identidade, Cultura e Desenvolvimento dos Territórios Sergipanos: Inventario cultural e elaboração de um atlas da cultura sergipana (VARGAS; NEVES, 2009), em que evidenciou e espacializou cada tipo de manifestação. Na pesquisa as festas foram divididas em dois grandes grupos: manifestações culturais tradicionais enraizadas e manifestações culturais ressignificadas/contemporâneas. Ao analisá-las ficou claro que, excetuando-se as festas cívicas, todas as outras têm origens religiosas, algumas mantêm seu percurso, outras foram transformadas, ressignificadas, ficando muitas vezes irreconhecível, mas ao analisar a história e sua formação encontramos a matriz religiosa. A Figura 01 apresenta a quantidade das festas de padroeiro por cidade. Figura 01: Festas religiosas por cidade festas de padroeiro. Fonte: Base Cartográfica: SRH (2004). Elaboração: BONJARDIM, Solimar G. M. (2012). A Figura 01 evidencia a distribuição destas festas, sendo que a capital do Estado é a cidade com maior número delas. Em Aracaju, até o momento foram identificadas 119 festas
6 católicas, 57 em Nossa Senhora do Socorro, 55 em São Cristóvão, 44 em Poço Redondo. É necessário esclarecer que alguns destes espaços sagrados estão em processo de formação, por isso, se constituem somente da festa de padroeiro, realizada anualmente. A festa do padroeiro é o ápice da manifestação e, nesta percebe-se a devoção dos fiéis, além da paisagem cultural e do território simbólico, invisível no dia-a-dia, mas cheio de significado para a sociedade católica. Assim, percebe-se que mesmo cultuando santos diferentes, a festa de padroeiro, conserva elementos comuns, pois são representativas, da devoção e dos costumes do povo. A festa de padroeiro é para os devotos a possibilidade de agradecimento e de comunhão com Deus, por meio do santo de devoção. Ir à festa para além de uma diversão é, sobretudo, a possibilidade de chegar perto do santo, de agradecer as bênçãos e graças, de pagar promessas, de purgar pecados, de se redimir. As festas religiosas em Sergipe têm como principal foco as homenagens aos santos padroeiros, composto de rituais simbólicos que, dada a sua especificidade, acontecem no território formado pela Igreja Católica, tornando-se reveladora de uma forma particular de expressão que podem ser qualificadas como territorialidades religiosas. Territorialidade religiosa, segundo Rosendahl (2005), é o conjunto de práticas desenvolvidas por instituições e grupos no sentido de controlar um dado território. A territorialidade é fortalecida pelas experiências religiosas coletivas ou individuais que o grupo mantém com seu território. Num outro artigo da referida autora, ela completa afirmando que É nessa poderosa estratégia de geografia de controle de pessoas e coisas, ampliando muitas vezes o controle sobre espaços, que a religião se estrutura enquanto instituição, criando territórios seus. (ROSENDAHL, 1996, p.96) Essa carga simbólica é a responsável por transformar partes do espaço urbano em espaço sagrado, que remete a rituais específicos da Igreja Católica. Portanto, as festas católicas marcam a identidade dos fiéis, representam os costumes e comportamentos herdados, simbolizando a paisagem e o território de Sergipe. Durante as pesquisas de campo verificouse um grande crescimento do número das festas, seguindo os ritos e costumes, num processo continuum; mas criando singularidades em casa ritual, seja na mistura do sagrado e do profano, seja em representações.
7 Nos últimos anos, de acordo com a arquidiocese de Aracaju, aconteceu uma explosão do número de festas, sendo que o número de paróquias duplicou nos últimos dez anos, tendo um crescimento impressionante, comparado com a lentidão dos últimos noventa anos. A figura 02 demonstra a distribuição das festas de padroeiro em todo o estado de Sergipe, evidenciando os santos padroeiros mais comemorados no estado. Podemos observar que a Festa de São José aparece em maior número, sendo festejado em mais de cem cidades e/ou povoados. Figura 02: Padroeiros e festas mais populares do Estado de Sergipe. Elaboração: BONJARDIM, Solimar G. M. (2012). As festas dos santos padroeiros geralmente começam com treze, nove ou três dias antes do dia do santo, com missas, ladainhas e penitências, sempre tendo como organizadores os grupos religiosos, isto é, cada noite é dedicada a um grupo/família, sendo este o noiteiro (organizador e realizador das orações do dia). Os fiéis consideram uma honra ser um noiteiro, tendo em algumas localidades disputas para comandar uma noite da festa religiosa.
8 Existe portanto, uma grande expectativa por parte dos fiéis para participar das comemorações ao santo padroeiro, muitas paróquias fazem campanhas durante todo o ano para arrecadar recursos financeiros para a realização da festa. Normalmente o dia do padroeiro é marcado pelo reencontro dos filhos ausentes que retomam as suas cidades de origem, pelo pagamento de promessas, pela participação nas missas e procissões e ainda pela celebração com a presença de ministérios de música para alegrar a festa. A festa de padroeiro faz parte do calendário católico em todas as paróquias do estado. SERGIPE E A FESTA DE SÃO JOSÉ A comemoração a São José provavelmente começou no Egito e só mais tarde passou para o Ocidente, onde alcança atualmente forte popularidade. Ainda em 1870, o papa Pio IX o proclamou como Patrono da Igreja Universal, sendo então, homenageado no dia 19 de março. José é conhecido entre os seus devotos como o pai terreno de Jesus, aquele que foi provedor das necessidades da família, tutor do seu filho adotivo e sempre pronto a satisfazer os desejos de Deus. Por isso a imagem de José esta sempre associada à família e ao trabalho. A tradição católica também associa a imagem de São José a plantação e a colheita. Este santo é popularmente conhecido como protetor dos agricultores, o santo que traz a chuva para o início do processo de germinação das sementes. É o santo que se agradece juntamente com São João pela fartura da colheita, sendo que São João é ovacionado após a colheita e São José no início da plantação. É crença entre os devotos que se chover no dia de São José a colheita será farta, principalmente do milho, principal produto plantado nesse período para ser consumido no mês de junho, no período das festas juninas. Especificamente no estado de Sergipe, a festa de São José está espacializada em todo o estado (figura 03), sendo mais marcante em alguns municípios que chegam a ter mais de quatro comemorações do santo padroeiro, como é o caso da cidade de Aracaju e Gararu.
9 Figura 03: As festas de São José em Sergipe. Fonte: Base Cartográfica: SRH (2004) Elaboração: BONJARDIM, Solimar G. M. (2012). Evidenciamos que São José é o santo mais comemorado no estado, contando com cento e dez festas catalogadas. Contudo, no estado existem poucas paróquias com evocação a este santo, das festas catalogadas somente cinco são de paróquias sendo: Pedrinhas da Diocese de Estância, Malhador, Pinhão e Aracaju (Paróquia do Bairro São José) da Arquidiocese de Aracaju e uma em Porto da Folha da diocese de Propriá; as outras são capelas dedicadas à São José. As igrejas dedicadas a este santo são as capelas, com maior ocorrência na área rural. Nas comemorações da festa de São José são organizados leilões, quermesses, parques, shows, missas, novenas, trezenas e, o ponto máximo da festa é a procissão. A festa tem como culminância o dia do padroeiro São José 19 de março, que diante da crença popular é o dia perfeito para semeadura de milho, sendo este um dia abençoado pelo Santo que retribui a devoção com um inverno chuvoso e farto. A sacralidade da festa faz com que cause uma ruptura temporal, passando do cotidiano ordinário para o mítico extraordinário (ELIADE, 1992). A festa possui um sentido peculiar na vida do fiel, pois significa o dia de agradecer as bênçãos recebidas, de comunhão com a Igreja e seus ritos. A presença do fiel na festa, além de um
10 compromisso com a religião e um sinal de devoção, é também possibilitar a sociabilidade e solidariedade. A festa é o dia de encontrar amigos e familiares, se divertir, enfim, festejar. Uma das principais características da Festa de São José é sua evocação aos valores familiares e seu caráter de agradecimento. Na Igreja a festa é organizada pelo padre conjuntamente com a comunidade, uma comissão é formada, com membros da própria Igreja, em alguns casos, também por representante da prefeitura. Num primeiro momento são estruturados todos os eventos que compõe a parte religiosa, ou seja, os principais ritos: as missas, as novenas ou trezenas, os batizados, as ladainhas, o ofício, a alvorada festiva, a procissão, e outros ritos a depender a festa. Num segundo momento, é feito o levantamento dos gastou e pensadas as ações para este levantamento. Com isso, começam a levantar as doações com os patrocinadores, que pode ser a prefeitura, o governo do Estado, comerciantes, fiéis, etc. O complemento é conseguido pela realização de eventos: bingos, leilões, quermesses ou rifas. Os eventos costumam acontecer na mesma semana da festa ou algumas semanas antes. Estes costumam ter uma grande participação social, não somente de católicos, mas da maioria dos membros da comunidade, de acordo com os entrevistados é um evento aguardado e faz parte do calendário das comunidades. No dia da festa de São José o primeiro ritual do dia é a alvorada festiva, que se constitui de uma queima de fogos e, em alguns locais de procissão. É como se fosse um convite aos fiéis, que começam a chegar para o ofício. O ofício se parece muito com a ladainha, uma oração que é repetida várias vezes; seguida por uma missa que encerra a programação da manhã. A tarde acontece a louvação e por último a procissão, ato que reúne o maior número de fiéis, de devotos, de público no geral. A procissão, identificada como o ponto alto da festa, se constitui por um tempo lento, oração fervorosa, canto triste, sempre a passos lentos, arrastados. Existe uma preocupação com a devoção, o compromisso com o santo e com a fé. O tempo dedicado à procissão é o tempo do arrependimento, da possibilidade de se purgar dos pecados ou agradecer uma graça recebida, é o momento intimo entre o fiel movido pela fé e o santo representante da divindade, Deus. Com relação aos rituais, as festas religiosas em si seguem este padrão.
11 Para exemplificar tomamos como referência a festa do Padroeiro São José da cidade de Pedrinhas, localizada no Sul Sergipano é o evento mais importante do município e é festejada há cerca de 80 anos. A festa é realizada anualmente no dia 19 de março e nesse dia a cidade tem sua paisagem completamente modificada. Centenas de pessoas se deslocam dos povoados do município e de municípios circo vizinhos para participar dos festejos que incluem missas, almoço festivo e a procissão - o ponto alto da festa. A Igreja fica localizada na Praça São João, enfeitada com banners, bandeiras (da paróquia e do município), além de muitas faixas saudando o santo, os fiéis, os visitantes e muitos cartazes informativos sobre a programação da festa. A cidade muda sua rotina em função da festa. É decretado feriado municipal, a população se prepara para os festejos e as famílias se reúnem para saudar o santo. Em 2012 na cidade Pedrinhas a festa teve início no dia 10 de março, com as novenas e terminou dia 19 com as missas e procissão com a temática A família: o trabalho e a festa. A maior parte dos fiéis que participam, principalmente da procissão, na cidade de Pedrinhas são pagadores de promessa e isso é perceptível pelas roupas, geralmente brancas e pelos pés descalços. Esse inclusive foi um dos aspectos marcantes durante a procissão realizada este ano (2012), pois muitas pessoas (idosos, jovens e crianças), estavam descalços. Excepcionalmente este ano no dia 04 houve o hasteamento da bandeira de São José em frente a Igreja, simbolizando que a cidade estava em festa. A bandeira foi criada pelos grupos da igreja e possui a cor roxa e amarela. O roxo é a cor do santo e o amarelo representa a riqueza. O hasteamento tem a pretensão de virar tradição, marcando o início dos festejos do padroeiro na cidade. A bandeira saiu do Povoado Barbosa com destino a cidade de Pedrinhas e foi acompanhada pela 1º Cavalgada Josefinos. O percurso da cavalgada reuniu dezenas de pessoas de carro, moto, carroça e a cavalo. Ao chegar a frente da igreja o padre abençoou os cavalos, fez orações e decretou aberto os festejos do padroeiro na cidade. A 1º Missa de Comunhão Geral e das Promessas ocorreu as 07 horas e contou com a presença da população principalmente, os devotos que buscavam as graças de São José. A Missa Solene foi realizada às 10 horas e terminou ao meio dia. A igreja estava muito cheia e contou com a presença das principais autoridades da cidade, além da população em geral. O evento foi extremamente organizado, sendo que as atividades foram divididas entre os principais grupos que compõem a Igreja e a Equipe de Festa de Logo após foi realizada uma
12 queima de fogos e em seguida foi servido um almoço, oferecido pelo padre e pela Equipe da Festa para os convidados. O almoço é um momento festivo e de confraternização entre as pessoas que organizam, as autoridades políticas, autoridades religiosas, além da população e dos grupos que compõem a igreja como o RCC, os apostolados, os grupos de jovens, a pastoral da criança e os grupos de oração. Este ano o almoço contou com a presença de padres de cidades como Tobias Barreto, Riachão, Boquim e Estância, além da banda de música de Tobias Barreto. Um aspecto a destacar é que a Festa de São José é um momento em que a família se reúnem e se confraternizam. Muitas pessoas vêm de outros povoados e de outros municípios para a festa e também para visitar a família. Após o almoço as pessoas vão para a casa descansar e se preparar para a procissão. A procissão geralmente começa no fim da tarde, mas após o almoço a cidade já começa a se preparar para o cortejo. Antes do cortejo, contudo, as ruas por onde passa a procissão recebem uma ornamentação especial. Os moradores das ruas enfeitam a frete de suas casas com flores, folhas, fitas e organizam pequenos altares com santos católicos para saudar a procissão de São José. Segundo as informações essa é uma tradição antiga e uma forma de agradecer ao padroeiro, sendo uma ação espontânea da própria população que oferece o que tem para agradar seu padroeiro. A praça horas antes já estava tomada por fiéis e por vendedores de brinquedos, lanches e produtos religiosos. O cortejo da procissão começou às 17 horas e foi acompanhado por uma banda de música de Tobias Barreto e por um mini-trio com o coral da Igreja, percorrendo as principais ruas da cidade. O cortejo foi organizado em duas filas e no centro dessas filas vários andores de outros santos católicos como Santo Expedito, Mãe Rainha e Santo Antônio. Esses andores eram de outras paróquias e de capelas dos povoados do município. No final do cortejo saiu o andor principal, o andor de São José, ornado com flores amarelas. No final da procissão é costume da população levar as flores e folhagens do andor para casa como uma lembrança, uma relíquia. Esse é um momento muito esperado pela população como forma de guardar essa lembrança, a Flor de José, já que a imagem do santo, a flor representa também sua imagem. No final da procissão geralmente as famílias se reúnem em suas casas e se confraternizam com os parentes e amigos. Geralmente esse evento social é muito esperado, pois é o momento
13 onde os amigos se reúnem. Nesses encontros as pessoas comem, bebem e dançam. Os convites para essas reuniões são disputados, como não há festa social, esta é a maneira da população se divertir fora do circuito religioso. Além da festa especificamente religiosa, é crendice popular no estado fazer promessas relacionadas a alguma fruta para São José. É comum no dia 19 de março as pessoas sortearem seu sacrifício para o santo. Isto é, os devotos de São José preparam uma vasilha que contenha muitos papeizinhos com nome de frutas. A comunidade se reúne, reza e faz sua promessa, em troca ficam um ano sem comer a fruta que retirar no sorteio. Esse tipo de crença é muito comum principalmente entre agricultores do interior de Sergipe. COMENTÁRIOS FINAIS Portanto, evidenciamos que determinadas festas são constituídas por uma densa tessitura em que se amalgamam os tempos sagrado e profano, a forma dos ritos herdados em cada período histórico. Muitas festas situam-se entre a lógica dos conteúdos daquilo que permanece e renovam-se nas representações da religião, da fé e das identidades individuais e coletivas. As festas religiosas são majoritariamente de padroeiro e seguem os mesmos ritos, diferenciam-se pelo santo de devoção e pela manifestação desta devoção. Algumas festas são singulares, pois congregam elementos mais voltados para a valorização cultural mesmo estando relacionadas à Igreja Católica. A festa católica de São José destaca-se como o padroeiro mais comemorado em todo o estado de Sergipe, esta tradição reporta os tempos onde o dia 19 de março era tido como o marco inicial do ciclo junino. Ao longo dos anos este significado vem perdendo seu significado, dando lugar apenas as comemorações ao dia do padroeiro, que ainda é muito marcante no estado, conforme exemplificamos na festa de padroeiro na cidade de Pedrinhas, sendo a festa mais significativa para os fiéis e para a cidade como um todo. Ainda assim, todos se reportam a São José como o santo da fartura e da boa colheita. Enfim, os agricultores seguem firme em sua tradição plantando o milho com a esperança de uma boa colheita durante o ciclo junino. O São José passa a ser comemorado atualmente apenas como o santo padroeiro, e não mais como a data de início dos festejos juninos. E ao fechar as cortinas da comemoração, os fiéis e os organizadores começam a pensar na festa do ano seguinte, sempre convictos na fé do padroeiro.
14 REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O saber, o cantar e o viver do povo. São José dos Campos: Centro de Estudos da Cultura Popular; Fundação Cassiano Ricardo, CORRÊA, Isabella Cristina Chagas. Guia das Festas dos Santos Padroeiros de Sergipe. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe. Monografia de Conclusão de Curso em História, DHI, CECH, COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, D ABADIA, Maria Idelma Vieira. Diversidade e Identidade Religiosa: Uma Leitura Espacial dos Padroeiros e seus Festejos no Estado de Goiás. Goiânia: Universidade Federal de Goiás. Tese de Doutorado em Geografia, DEL PRIORE, Mary. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Lisboa, Portugal: Livros do Brasil, MOURA, Glória. As festas quilombolas e a construção da identidade. In: DOPCKE, Wolfgang. Crises e reconstruções: estudos afro-brasileiros africanos e asiáticos. Brasília: Linhas Gráficas, HOBSBAWM, Eric. Introdução à invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, ROSENDAHL, Zeny. Território e territorialidade: uma perspectiva geográfica para o estudo da religião. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (Orgs.). Geografia: temas sobre cultura e espaço. Rio de Janeiro: Editora UERJ, p. 191 a 226. ROSENDAHL, Zeny. Geografia e Religião: Uma proposta. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, Ano I, p , out VARGAS, M. A. M. & NEVES, P. S. da C. Inventario de cada um dos oito territórios de Sergipe e elaboração de um Atlas da cultura sergipana. Relatório. Aracaju: UFS/ SEPLAN, 2009.
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