A COBERTURA DO DOSSEL E SUA INFLUÊNCIA NA REGENERAÇÃO NATURAL DE DOIS FRAGMENTOS DE FLORESTA ESTACIONAL DECIDUAL
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1 A COBERTURA DO DOSSEL E SUA INFLUÊNCIA NA REGENERAÇÃO NATURAL DE DOIS FRAGMENTOS DE FLORESTA ESTACIONAL DECIDUAL Gláucia Soares Tolentino 1 & Yule Roberta Ferreira Nunes 1 ( 1 Universidade Estadual de Montes Claros, Campos Universitário Professor Darcy Ribeiro, Montes Claros, MG) (glaucia.tolentino@gmail.com). Termos para indexação: sazonalidade, dossel. Introdução Os padrões de sazonalidade compõem a característica mais determinante das formações vegetais deciduais, que respondem principalmente com a alta deciduidade, perdendo até 70% da massa foliar do dossel na época seca (Scolforo & Carvalho, 2006). Durante a estação seca, a penetração de luz no interior desta floresta é visivelmente maior, visto que grande parte das espécies adota a caducifolia como estratégia de sobrevivência ao déficit hídrico (Machado et al., 1997; Nunes et al. 2005). Na formação florestal, a recepção de luminosidade e a intensidade desta insolação são maiores nas clareiras, e a luz que incide diretamente nos estratos inferiores tem diferente qualidade espectral daquela sob o dossel fechado. Na região inferior da floresta correspondente à projeção da clareira há, então, maior radiação fotossinteticamente ativa, determinante para o crescimento e desenvolvimento das espécies de plantas (Whitmore, 1989). Assim, alguns autores assumem a intensidade da radiação incidente como o principal fator determinante destes sistemas, sendo os demais eventos microclimáticos dependentes desta variável (Whitmore, 1989; Meira-Neto et al., 2005), uma vez que as plantas têm seu desenvolvimento e a direção de seu crescimento determinados pela luz (Meira-Neto et al., 2005). As variações na intensidade luminosa ocorrem tanto em escala diária quanto em escala anual, e podem contribuir para as variações sazonais de microclimas (Nicotra, 1999). A luminosidade pode ocorrer em diversas escalas devido ao complexo mosaico da estrutura florestal, e sua distribuição pode afetar expressivamente os padrões de regeneração da comunidade (Lertzman, et al. 1996; Nicotra, 1999). Há estudos, como o de Pickett (1983) e Whitmore (1989) que sugerem que a estrutura e a formação das clareiras assumem o papel de manutenção da diversidade de espécies arbóreas, pois agem sobre uma rede de eventos ecológicos que determina uma
2 heterogeneidade ambiental que controla consideravelmente a distribuição espacial e outras características de muitas populações de espécies florestais. Em virtude da ocorrência natural de aberturas sazonais do dossel em Florestas Estacionais Deciduais, este trabalho teve por objetivo verificar a influência da variação sazonal da cobertura florestal sobre o estrato regenerante nesta formação vegetal (Mata Seca Calcária). Metodologia Fisionomicamente, a área de estudo encontra-se na transição dos domínios do Cerrado e da Caatinga, sendo sua principal fisionomia a Floresta Estacional Decidual (Rizzini, 1997). Os dois remanescentes são situados em Montes Claros, MG, sob clima do tipo AW de Köeppen, tropical chuvoso (verão quente e inverno seco). As estações seca e chuvosa são bem definidas, sendo, respectivamente, entre os meses de abril a outubro e de novembro a março, com precipitação de 1.000mm/ano e temperatura média anual de 23 o C (Nunes et al., 2005). Os pontos para amostragem da estrutura do dossel foram marcados no interior de 26 parcelas de 2 x 2m (Anderson 1964; Carvalho 1997), lançadas para amostragem dos juvenis (indivíduos 10 cm de altura e < 1 cm de DAS). Essas parcelas localizavam-se no canto superior direito de parcelas de 5x5m, lançadas para amostragem das arvoretas (indivíduos arbustivo-arbóreos com tamanho 1cm de DAS e 5 cm DAP). Para todos os indivíduos incluídos foram registradas as medidas de DAS (diâmetro à altura do solo) e altura total, além do nome específico. Foram amostrados, nos meses de abril e setembro de 2007, 13 pontos do dossel em cada um dos fragmentos, com um total de 26 hemifotografias por mês. As fotografias foram obtidas pela objetiva fisheye Sigma 8mm EX DG acoplada a uma câmera Nikkon Digital SLR D50, fixa a 1,50m do chão por um monopé. As imagens coloridas foram convertidas para bitonais por meio do software Corel Photo Paint 11, para o cálculo da abertura do dossel que se baseia na proporção céu/dossel de pixels na imagem. As imagens bitonais foram processadas pelo software Gap Light Analyzer (GLA) que, por meio de fotografias hemisféricas, fornece os dados de estrutura do dossel em percentual de abertura (Frazer, 1999), corrigindo-se as distorções causadas pela projeção de uma calota hemisférica sobre o plano da fotografia (Carvalho 1997).
3 Para detectar possíveis diferenças entre o comportamento dos fragmentos nas diferentes estações, realizou-se teste Tukey HSD, disponível no software STATISTICA 7. Os valores de abertura do dossel nas estações úmida e seca (dados coletados nos meses de abril e setembro, respectivamente) foram relacionados com os parâmetros fitossociológicos do estrato regenerante por regressão linear (Zar, 1996). Através de testes de regressão linear múltipla, testaram-se as diferenças estatísticas na relação entre a abertura do dossel e os valores de densidade relativa, dominância relativa, abundância e riqueza da comunidade regenerante, para o estrato dos juvenis e das arvoretas, em ambos os fragmentos e nas diferentes estações. Resultados Houve diferenças significativas nos valores de abertura para um mesmo fragmento nas duas estações (gl = 48, F = 239,544, p = 0), em ambos os fragmentos, mas que não diferiram entre si numa mesma estação. Os fragmentos apresentaram comportamento semelhante de abertura do dossel na estação úmida. Em abril, o Fragmento 1 apresentou valores de abertura que variaram entre 6,47% e 13,32% ( X = 9,01% ± 1,93), enquanto o Fragmento 2 apresentou valores de abertura que variaram entre 7,13% e 16,63% ( X = 10,79% ± 2,78), não diferindo estatisticamente entre si (p = 0,77). Da mesma forma, os fragmentos não apresentaram valores estatisticamente diferentes na estação seca: o Fragmento 1 apresentou percentuais de abertura entre 32,54% e 55,14% ( X = 43,29% ± 6,66), e o Fragmento 2 apresentou percentuais entre 34,14% e 56,64% ( X = 47,38% ± 5,97) (p = 0,14) (Fig. 1). (%) Média de abertura do dossel Fragmento 1 Fragmento 2 Fragmento 1 Fragmento 2 Abril Setembro Figura 1. Valores percentuais de média da abertura do dossel em dois fragmentos de Floresta Estacional Decidual, nas estações úmida (abril) e seca (setembro), em Montes Claros, MG.
4 Em relação ao comportamento de cada um dos fragmentos, constataram-se diferenças significativas entre as estações. O comportamento do dossel do Fragmento 1 em abril diferiu estatisticamente de seu comportamento em setembro (p = 0). Da mesma forma, o percentual de abertura do dossel no Fragmento 2 variou significativamente de abril para setembro (p=0). Os testes de regressão linear múltipla demonstraram que não houve relação significativa entre a abertura do dossel e os parâmetros fitossociológicos da comunidade regenerante, tanto para o estrato dos juvenis, quanto para o estrato das arvoretas. Para maiores detalhes sobre a comunidade regenerante, ver Gonzaga (2006). Discussão O dossel de ambos os fragmentos apresentou percentuais de abertura semelhantes ao encontrado em estudos similares (Nascimento et al., 2007). Esses autores encontraram valores de abertura do dossel superiores a 50% em Matas Secas Calcárias do estado de Goiás, onde os fragmentos correspondiam a mata primária com poucos indivíduos maduros. O comportamento semelhante dos fragmentos numa mesma estação pode ser explicado pela pequena distância que os separa. A distância é uma das variáveis que mais influenciam a distribuição das espécies (Gomes et al. 2004). No entanto, a distância entre os fragmentos parece não ser suficiente para provocar diferenças consideráveis nos padrões de deciduidade. Para ambas as áreas podem existir as mesmas condições topográficas, geológicas e climáticas, o que sugere, inclusive, terem sido uma formação vegetal contínua num passado recente. Em Florestas Estacionais Deciduais, a considerável diferença da cobertura vegetal na estação úmida e seca é explicada pela sazonalidade na temperatura e, principalmente, na precipitação ao longo do ano (Ribeiro & Walter 1998; Ivanauskas & Rodrigues 2000). O seu ritmo estacional se traduz pelo elevado grau de deciduidade na seca, que pode atingir grau de caducifolia de até 90% (Pedralli 1997). Em estudo de abertura do dossel em Mata Atlântica, Portela & Santos (2007) encontraram valores médios de abertura do dossel na estação seca em torno de 9,6%, o que corresponde às médias aqui encontradas para a estação úmida. Isso ocorre porque, em virtude da descontinuidade do estrato superior, o percentual de abertura em matas secas mantém-se em valores consideráveis mesmo na estação chuvosa, diferentemente do modo como ocorre em matas úmidas (Fig. 2).
5 A Figura 2. Fotografias hemisféricas tomadas a 1,5 m do solo no mês de abril (A) e durante o mês de setembro (B), em uma Floresta Estacional Decidual em Montes Claros, MG. A. Mesmo na estação úmida, o dossel não se apresenta completamente contínuo. B. Durante a estação seca, os troncos e galhos representam quase toda a cobertura do dossel. Quando há abertura de uma clareira, há aumento da intensidade e quantidade de luz que chega aos estratos inferiores, bem como diminuição da umidade relativa do ar, que coincide com a elevação da temperatura e com sua variação no solo (Tabarelli, 1994). O surgimento de clareiras favorece o aumento da diversidade local, pois, pela ampla gama de características intrínsecas às espécies, como morfologia e fisiologia, a colonização deste novo ambiente torna-se possível (Tabarelli, 1994). Apesar disso, mesmo diante da forte relação entre os fatores bióticos e abióticos, o arranjo espacial da floresta pode resultar do mero acaso. Assim, a colonização de uma clareira pode não estar relacionada à habilidade de uma espécie se dispersar ou se estabelecer, mas apenas ao fato de ocorrerem ali, despropositalmente (Brokaw & Busing, 2000). A ausência de relações significativas entre a abertura do dossel e os parâmetros dos juvenis e das arvoretas sugere esta última hipótese, uma vez que os parâmetros fitossociológicos da comunidade regenerante não foram afetados pela variação da abertura do dossel em nenhuma das estações. Conclusão A cobertura do dossel mostrou-se fortemente influenciada pela sazonalidade climática, embora sem exercer influência aparente sobre a comunidade regenerante de dois fragmentos de Floresta Estacional Decidual. Referências Bibliográficas
6 ANDERSON, M. Studies of the woodland light climate. 1. The photographic computation of light conditions. Journal of Ecology, vol.52, p BROKAW, N.; BUSING, R. T. Niche versus chance and tree diversity in forest gaps. Trends in Ecology and Evolution, v.15, p , CARVALHO, L. M. T. Dinâmica de clareiras em uma floresta de nuvem na Serra do Ibitipoca, Minas Gerais. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG FRAZER, G.W.; CANHAM, C. D.; LERTZMAN, K.P. Gap Light Analyzer (GLA), Version 2.0: Imaging software to extract canopy structure and gap light transmission indices from true-colour fisheye photographs, user s manual and program documentation. Copyright 1999: Simon Fraser University, Burnaby, British Columbia, and the Institute of Ecosystem Studies, Millbrook, New York GOMES, B. Z.; MARTINS, F. R. & TAMASHIRO, J. Y. Estrutura do cerradão e da transição entre cerradão e floresta paludícola num fragmento da Interntional Paper do Brasil Ltda., em Brotas, SP. Revista Brasileira de Botânica, vol.27, n GONZAGA, A. P. D. Regeneração Natural da Comunidade Arbórea de Dois Fragmentos de Floresta Estacional Decidual (Mata Seca Calcária) no Município de Montes Claros, MG. Trabalho de conclusão (Graduação em Ciências Biológicas). Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG IVANAUSKAS, N. M.; RODRIGUES, R. R. Florística e fitossociologia de remanescentes de Floresta Estacional Decidual em Piracicaba, São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Botânica, vol.23, n.3, p LERTZMAN, K.P., SUTHERLAND, G.D., INSELBERG, A., & SAUNDERS, S.C. Canopy gaps and the landscape mosaic in a coastal temperate rain forest. Ecology, vol.77, n.4, p MACHADO, I. C. S.; BARROS, L. M.; SAMPAIO, E. V. S. B. Phenology of Caatinga Species at Serra Talhada, PE, Northeastern Brazil. Biotropica, vol.29, n.1, p MEIRA-NETO, J. A. A.; Martins, F. R. & Souza, A. L. Influência da cobertura e do solo na composição florística do sub-bosque em uma floresta estacional semidecidual em Viçosa, MG, Brasil. Acta Botanica Brasilica, vol.19, n.3, p NASCIMENTO, A. R. T.; FAGG, J. M. F. & FAGG, C. W. Canopy openness and LAI estimates in two seasonally deciduous forests on limestone outcrops in Central Brazil using hemispherical photographs. Revista Árvore, vol.31, n.1, p
7 NICOTRA, A. B.; CHAZDON, R. L.; IRIARTE, S. V. B. Spatial heterogeneity of light and woody seedling regeneration in Tropical Wet Forests. Ecology, vol.80, n.6, p NUNES, R. F. Y., FAGUNDES, M., SANTOS, M. R., DOMÍNGUEZ, E. B. S., ALMEIDA, H. S., & GONZAGA, A. P. D. Atividades fenológicas de Guazuma ulmifolia Lam. (Malvaceae) em uma Floresta Estacional Decidual no norte de Minas Gerais. Instituto de Ciências Biológicas UFMG, Lundiana, vol.6, n.2, p PEDRALLI, G. Florestas secas sobre afloramento de calcário em Minas Gerias: florística e fisionomia. BIOS, Cadernos do Departamento de Ciências Biológicas da PUC-Minas, vol.5, n.5, p PICKETT, S. T. A. Differential adaptation of tropical tree species to canopy gaps and its role in community dynamics. Tropical Ecology, vol. 24, n.1, p PORTELA, R. C. Q. & SANTOS, F. A. M. Produção e espessura da serrapilheira na borda e interior de fragmentos florestais de Mata Atlântica de diferentes tamanhos. Revista Brasileira de Botânica, vol.30 n.2, p RIBEIRO, J.F. & WALTER, B.M.T. Fitofisionomias do bioma Cerrado. In: Sano, M.S. & ALMEIDA, S.P. (Org.) Cerrado: Ambiente e Flora. Brasília, Embrapa CPAC, p RIZZINI, C. T. Tratado de fitogeografia do Brasil: aspectos ecológicos, sociológicos e florísticos. 2ªedição. Rio de Janeiro, Âmbito Cultural. 747p SCOLFORO, J. R. & CARVALHO, L. M. T. Mapeamento e Inventário da Flora Nativa e dos Reflorestamentos de Minas Gerais. Lavras: UFLA. 2006, 288p. TABARELLI, M. Clareiras naturais e a dinâmica sucessional de um trecho de floresta na Serra da Cantareira, SP. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo. 132p WHITMORE, T. C. Canopy gaps and the two major groups of forest trees. Ecology, vol.70, p ZAR, J. H. Biostatistical analysis. 3 rd ed. Prentice-Hall, New Jersey
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