A TERRITORIALIDADE QUILOMBOLA DOS MANDIRA NA RESERVA EXTRATIVISTA DE MANDIRA (SP), BIOMA MATA ATLÂNTICA.
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1 A TERRITORIALIDADE QUILOMBOLA DOS MANDIRA NA RESERVA EXTRATIVISTA DE MANDIRA (SP), BIOMA MATA ATLÂNTICA. Luciene Cristina Risso UNESP, Campus Experimental de Ourinhos. INTRODUÇÃO O Brasil possui experiências inovadoras em gestão do território por comunidades, desde a criação das reservas extrativistas. Um modelo emergido das lutas sociais no Acre, que atualmente está se tornando um modelo de gestão. No plano mundial de conservação da natureza, esta categoria é inédita e insere-se na discussão atual sobre biodiversidade que está avançando no sentido de métodos novos de conservação, cujos resultados beneficiem as comunidades. Uma dessas experiências positivas é na Reserva Extrativista de Mandira, localizada no litoral sul do Estado de São Paulo. O Bairro de Mandira no continente de Cananéia é banhado por vastos manguezais e é deste sistema que a comunidade sobrevive principalmente. A comunidade é caiçara e quilombola, o que valoriza ainda mais a riqueza desse estudo, uma vez que esse território é singular em termos naturais e culturais. A criação da área como reserva extrativista foi um processo. Resumidamente, a SUDELPA (Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista) no final da década de 80 iniciou um projeto sobre o manejo sustentado deste recurso através do macrozoneamento ecológico e econômico do complexo estuarino lagunar, e a partir do estudo feito por Sales e Moreira do NUPAUB (1996), indicou-se Mandira como adequada. A ideia foi aceita pela comunidade (representada pela REMA Associação da reserva extrativista dos moradores do Bairro Mandira, criada em 1995) e a solicitação iniciou-se através de abaixo assinado, encaminhado para a esfera federal, junto com a articulação política dos técnicos, mas não se teve aprovação rápida, somente em Enquanto isso, vários técnicos realizaram experimentos na área relacionados ao manejo
2 sustentável, levando a criação da COOPEROSTRA (Cooperativa dos produtores de Ostras de Cananéia) em 1998 (CARDOSO, 2008). A organização foi estruturada partindo do objetivo de manejo sustentável dos bancos naturais, melhoria da qualidade sanitária das ostras, valorização do produto e eliminação do atravessador da cadeia produtiva (CARDOSO, 2008, p.40). A organização fez com que a cooperativa ganhasse o Prêmio Iniciativa Equatorial 2002, durante a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, na África do Sul. A Reserva Extrativista Federal de Mandira compreende uma área de 1175 hectares, e tem o objetivo de beneficiar a comunidade caiçara e remanescente de quilombo (2002) que vive principalmente da coleta de ostras no manguezal. Foi a primeira da categoria no Estado de São Paulo, assegurando o uso sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis. O vilarejo atual é composto por 16 famílias, totalizando 69 moradores (CARDOSO, 2008), e está concentrada na estrada vicinal Itapitangui-Ariri.
3 Fonte: ICMBIO (2010). TERRITORIALIDADE QUILOMBOLA E A RESERVA EXTRATIVISTA DE MANDIRA: ALGUMAS REFLEXÕES. A região conhecida como vale do Ribeira possui a maior concentração de comunidades quilombolas do estado de São Paulo. Historiadores explicam esse fato devido a atividade minerária predominante no século XVII, que após seu declínio
4 (século XIX), levou muitos proprietários a abandonarem a região, vendendo ou doando suas terras. Quanto aos trabalhadores escravos, muitos permaneceram formando bairros rurais, trabalhando na rizicultura e depois com agricultura de subsistência. O modo de vida dos quilombolas (e também caiçaras) prevalece e é singular. Por quilombolas de acordo com a Associação brasileira de Antropologia em 1994 entendese toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado. Para essa designação, não necessariamente a formação do quilombo tem gênese de fuga, ele pode ser constituído de situações diversas como doações, heranças, etc. No caso da área de estudo, a área se constituiu mediante doação de terra. A terra depois foi dividida entre dois irmãos João Vicente Mandira e Antonio Vicente Mandira. A terra do primeiro irmão é a história desse território, ao qual essa comunidade permaneceu (a maioria, mas houve abandono de algumas famílias por conta de grileiros) e resistiu. Já a segunda terra, praticamente foi vendida paulatinamente de acordo com Almeida (2012, p.60). A organização econômica e social de Mandira é vista como coletiva, de uso comum. As atividades tradicionais quilombolas estavam voltadas para a agricultura de subsistência (arroz, milho, café, etc) e extrativismo vegetal (Caixeta - Tabebuia cassinoides), madeira predominante no litoral brasileiro (Mata Atlântica) e animal para diversas finalidades em seus diferentes espaços sobretudo, mata atlântica, rios e manguezal. Mas, o território não tem somente esse sentido material, econômico, ele tem outros atributos sociais e culturais. Os atributos sociais são cheios de redes de relações, que garantiram e garantem a reprodução do grupo e sua permanência. Os quilombolas de Mandira, bem como os ribeirinhos têm legado indígena, através das técnicas de pesca, agricultura itinerante e toponímias. Esse é um diferencial de outras comunidades quilombolas interioranos.
5 A paisagem atual conserva diversos elementos materiais constituintes dessa história e cultura, porém, como a cultura é dinâmica, a comunidade passou por várias transformações em seu território, ao qual, influenciou a gestão do território. Que reorganizações foram estas? Que impactos trouxeram para a comunidade e para a paisagem? Para isso, recorre-se a História. Até 1961 todo o município de Cananéia estava com acesso restrito. Mandira por exemplo, só tinha acesso a área urbana pelo estuário. Somente após esta data quando terminaram as obras da BR 116 que o acesso começou a melhorar, mas mesmo assim, Mourão (2003) destaca que a passagem para o eixo lagunar Cananéia-Iguape continuava limitada devido às estradas vicinais. O autor também ressalta outros fatores que contribuíram para este semi isolamento como a característica da região que não possibilitava o cultivo do café e o declínio do porto de Iguape. As melhorias dessas estruturas públicas promovidas pelo Estado tiveram consequências, como o acirramento das pressões imobiliárias, influência da economia de mercado e processos de grilagem. Outros fatores como a legislação ambiental restritiva (principalmente o Código Florestal de 1965) e a criação de parques na região foram também responsáveis pelas desestruturações. Todos estes fatos interferiram diretamente na população local que teve seu modo de vida alterado. A legislação ambiental restringiu seu sistema produtivo tradicional e muitas pessoas recorreram ao extrativismo vegetal, principalmente do palmito (Euterpe edulis), cuja demanda era grande com forte pressão do mercado. No entanto, essas atividades eram ilegais, com presença de atravessadores que exploravam esta mão de obra. As comunidades já não realizavam o trabalho comunitariamente, mas individualmente. Esta marginalização econômica somou-se também a forte pressão imobiliária e processos de grilagem, fazendo com que várias famílias vendessem suas terras na década de 1970, recebendo um valor irrisório e migrassem para as cidades. O laudo antropológico do ITESP (2002) indica que muitos quilombos da região possuem hoje apenas parte de suas terras, e que os fazendeiros ou posseiros valeram-se
6 da ingenuidade das comunidades ou mesmo de coerção física para apoderar-se dos territórios. Foi o caso do território Mandira dos descendentes de João Vicente Mandira, que na época de Amâncio Mandira, persuadiu seus parentes a venderem suas terras, mudando-se para outras áreas (para Porto Cubatão, segundo afirma Almeida, 2012). As famílias que resistiram a este processo na década de 1970 passaram a se dedicar às atividades de pesca e extrativismo como fontes de rendimento. No entanto, como a atividade principal foi a extração de ostras (Crassostrea brasiliana) dos manguezais do estuário lagunar este recurso começou a ser muito explorado e ameaçado. Sidney Mandira (2014) relata como foi a introdução da extração de ostras e a questão ambiental: [...] um japonês foi responsável pela introdução do manejo da ostra que desde então é predominante. Inicialmente, a atividade era terceirizada, porém não se tinha uma preocupação com a questão ambiental, pois na captura das ostras de mangue (Cassotrea brasiliana) eram cortadas as raízes das árvores típicas do manguezal, prática proibida pela legislação. Este fato fez com que técnicos da SUDELPA no final da década de 80 iniciassem um projeto sobre o manejo sustentado deste recurso através do macrozoneamento ecológico e econômico do complexo estuarino lagunar. Cardoso (2008, p.37) explica como se deu este processo: [...] com base na discussão apresentada no documento citado, o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado de populações tradicionais (CNPT/IBAMA) solicitou apoio ao Núcleo sobre populações humanas e áreas úmidas brasileiras (NUPAUB/USP) para estudos de viabilidade da criação de reservas extrativistas na região. Vale ressaltar o papel do NUPAUB Núcleo de pesquisas sobre áreas úmidas brasileiras coordenado pelo professor Dr. Antonio Carlos Diegues da USP. O papel do professor aparece no histórico da comunidade:
7 [...] O professor Diegues da Universidade de São Paulo desenvolveu um trabalho de orientação comunitária cujo objetivo era, além de trazer uma preocupação maior com o meio ambiente de maneira sustentável, introduzir o processo de engorda, na qual a aceitação foi satisfatória, pois, a ostra incorporava mais resistência e estava pronta para o mercado em menos tempo. Os resultados foram positivos uma vez que, atraia mais pessoas da comunidade para aprender a técnica. Vale lembrar que os trabalhadores sofriam preconceito e eram tidos como miseráveis por extraírem ostras dos manguezais. Modificado apenas, após a aceitação do mercado. A partir deste estudo feito por Sales e Moreira do NUPAUB (1996), eles indicaram Mandira como adequada. A ideia foi aceita pela comunidade (representada pela REMA Associação da reserva extrativista dos moradores do Bairro Mandira, criada em 1995) e a solicitação iniciou-se através de abaixo assinado, encaminhado para a esfera federal, junto com a articulação política dos técnicos, mas não se teve aprovação rápida, somente em Enquanto isso, vários técnicos realizavam experimentos na área relacionados ao manejo sustentável, levando a criação da COOPEROSTRA (Cooperativa dos produtores de Ostras de Cananéia) em 1998 (CARDOSO, 2008). A organização foi estruturada partindo do objetivo de manejo sustentável dos bancos naturais, melhoria da qualidade sanitária das ostras, valorização do produto e eliminação do atravessador da cadeia produtiva (CARDOSO, 2008, p.40). Sua organização fez com que a cooperativa ganhasse o Prêmio Iniciativa Equatorial 2002, durante a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, em Johannesburgo, na África do Sul. Desse modo, desse breve histórico podem-se retirar três causas cruciais de mudanças: 1) Grilagem de terras 2) Criação de áreas protegidas na região e leis ambientais e 3) rede de cooperação acadêmica e técnica. A grilagem de terras desarticulou a comunidade. Muitos membros não suportaram as pressões dos grileiros e mudaram-se da área (segundo ALMEIDA, 2012, p. 63 para Porto Cubatão). Portanto, os que permaneceram fazem parte de uma história de resistência, ou melhor, um território de luta e resistência.
8 Outro fator importante foi a criação de áreas protegidas e leis ambientais rígidas. As proibições de caça e agricultura principalmente chocaram-se totalmente com o modo de vida tradicional caiçara e quilombola. Isso fez com que a agricultura diminuísse na área e na região. A pesca tornou-se essencial e junto com o extrativismo animal do manguezal, somou-se como atividades principais da comunidade. Todavia, houve uma pressão maior em direção ao extrativismo das ostras. A ajuda acadêmica é técnica foi muito importante para essa comunidade. Sobre isso INOUE (2007) em seu estudo na reserva de desenvolvimento sustentável de Mamirauá afirma que a rede de cooperação criada foi fundamental para a criação e manutenção da reserva. No caso do nosso estudo, a comunidade acolheu a ideia decidindo entrar no cenário conservacionista. Esse momento de decisão foi crucial. Na opinião dos técnicos ficou uma experiência positiva, ao qual aproxima universidade com comunidade: [...] Essa experiência tem vários pontos positivos: é considerado um projeto piloto na região mais pobre do Estado de São Paulo e uma das mais carentes do Brasil, com índices baixos de Desenvolvimento Econômico e Social. O ponto mais forte do projeto foi a sólida organização social dos produtores e a cooperação estreita entre a comunidade local, a universidade, as ONGs, órgãos governamentais e empresas privadas. O grande desafio foi transformar simples extrativistas, oriundos de uma camada social marginalizada - os negros quilombolas, em produtores organizados que até então não tinham nenhuma experiência de gestão administrativa e de comercialização da produção através de uma cooperativa. Eles participaram ativamente do desenvolvimento de um plano de negócios que incluiu a melhoria da qualidade ambiental e sanitária do produto, o respeito à legislação ambiental, a comercialização da produção através de veículos da própria cooperativa, a busca de novos mercados nas áreas urbanas. A comunidade dos Mandira, além da produção de ostras, passou a desenvolver outras atividades produtivas para as mulheres, formação profissional para os jovens e atividades turísticas. (Sales e Maldonado, 2000 apud DIEGUES, 2014, P.21). A comunidade tem hoje uma gestão compartilhada dos recursos naturais, gestão participativa, prêmios internacionais, turismo rural, uma cooperativa, projetos sustentáveis e culturais, entre outros. Além disso, a autoidentificação quilombola e a criação da associação de moradores são reflexos da luta e resistência desse território. Os momentos de crise foram transformados em outras realidades, novos caminhos.
9 OBJETIVOS O objetivo desse estudo é compreender o território do ponto de vista cultural, levantando questões sobre a gestão participativa, o papel da organização local e afirmação identitária. É um projeto que insere outras iniciações científicas, que visam entender as percepções, simbolismos referentes a essa territorialidade, procurando abarcar o território tanto como material, como imaterial. METODOLOGIA A metodologia está baseada em revisões bibliográficas, trabalhos de campo na área, entrevistas semi-estruturadas e análise dos dados, utilizando a abordagem da Geografia Cultural. RESULTADOS PARCIAIS A comunidade estudada teve que se recriar perante as transformações sócio-espaciais que atingiram seu território, buscando parcerias e tecnologias para alçar novas formas de uso dos recursos naturais pautado na sustentabilidade social, econômica e ecológica. Sua transformação em reserva extrativista trouxe ganhos? Como resultados parciais, coletou-se o depoimento da liderança, explicando o histórico do território e notou-se uma valorização da atividade econômica, ao qual refletiu também na autoestima dos moradores: [...] No ano de 1997 se consolida a criação da cooperativa de produtores de ostra de Cananéia - Cooperostra, neste momento sem a intervenção de atravessadores da produção, a cooperativa alcança uma margem de lucro próxima de 300% que resulta numa valorização sócio-econômica da comunidade. Desde então, o reconhecimento do trabalho dessa comunidade tem atingido escalas nacionais e globais que resultaram em prêmios. Esta ganhou dois prêmios de relevante importância, ECO 99 e prêmio internacional da Iniciativa Tropical (Unesco) conquistado na reunião de Johanesburgo, em 2002, sendo
10 exemplos de superação e alternativas para crise que vem atraindo vários estudiosos numa escala global (Sidney MANDIRA, 2014). A nova atividade inseriu uma nova festa a festa da ostra, que entrou no calendário desde o ano de 2007 (realizada de 15 a 17 de Novembro) e também auxilia outras comunidades negras na questão da auto valorização: No ano de 2007, a Cooperostra realizou nos dias 15, 16 e 17 de novembro, a primeira Festa da Ostra, comunidade quilombola do Mandira, Cananéia - São Paulo. A festa possui em sua programação atividades culturais, jogos como arremesso de casca de ostra, corrida dos 100 metros da ostra com remo, prova do papa-ostra. E por fim, a atração principal, a ostra, que é servida gratinada e in natura. A comunidade, para a realização da festa, conquistou parcerias com o governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, Prefeitura Municipal de Cananéia e colaboradores do capital privado. A reserva também integra a equipe das comunidades negras do Vale do Ribeira para auxiliá-las na auto-valorização (Sidney MANDIRA, 2014). Desse modo, o orgulho de suas histórias, de suas culturas é nítido e está nas falas, no olhar dessa comunidade. Além disso, a comunidade está com uma discussão bem desenvolvida na questão sobre gestão participativa. Alvo novo, que merece total dedicação da área Geográfica. REFERÊNCIAS ALMEIDA, F. G. Terra de Quilombo: arqueologia da resistência e etnoarqueologia no território Mandira, município de Cananéia/SP. São Paulo: Museu de Arqueologia e etnologia da USP. Dissertação. Mestrado em Arqueologia, CARDOSO, T. A. A construção da gestão compartilhada da reserva extrativista do Mandira, Cananéia, SP TESE (Doutorado) Centro de Ciências Biológicas e da saúde, Universidade Federal de São Carlos, DIEGUES, A.C. Para uma aqüicultura sustentável do Brasil. São Paulo: NUPAUB, Disponível em < usp.br/nupaub/aquicultura.pdf>. Acessado em 02 de Fev de INOUE, Cristina Yume A. Regime global da biodiversidade: o caso Mamirauá.
11 Brasilia: Universidade de Brasilia, 2007 SALES, R.R.; MALDONADO, W.T.P.V. A reserva extrativista estadual do bairro Mandira e o ordenamento da exploração de ostras em Cananéia/SP. In: DIEGUES, A.C. Comunidades tradicionais e manejo dos recursos naturais da mata atlântica. 2.ed. São Paulo: Hucitec, NUPAUB, 2004, p SALES, R. J. R.; MOREIRA, A. C. C. Reservas Extrativistas no Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape e Cananéia, domínio Mata Atlântica. São Paulo: Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas Brasileiras da Universidade de São Paulo (NUPAUB-USP) Série documentos e relatórios de pesquisa, n. 22.
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