Acordam no Tribunal da Relação de Évora
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- Eliana Garrau Caetano
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1 PN.: 877/001; AP. TC Ponte de Sôr; Ap.e2: Ap.o3: Acordam no Tribunal da Relação de Évora 1. O Ap.o [A.] p ediu a condenação da Ap.e [R.] no pagamento do montante de Pte $00, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a citação até integral embolso, porquanto, exercendo actividade de mecânico de automóveis, no exercício profissional, procedeu à reparação do veículo ligeiro Citroen,, a qual importou a facturação do pedido, quantia que a parte contrária se recusa a satisfazer, desde meados de Agosto de A Ap.e contestou dizendo nunca ter solicitado a reparação do veículo em causa, que apenas entregou ao Ap.o para este visitar clientes, como vendedor da mesma, que se comprometeu a sê-lo, a partir de ; para além do mais o montante da reparação, a que o A. procedeu por sua conta e risco, nunca alcançaria a quantia facturada, ou esta se não se justificaria, dado que o valor comercial do veículo é de não mais de Pte $00. 1 MM ( ) RS ( ) 2 Adv.a: Dr.ª. 3 Adv.: Dr. 1
2 3. Deduziu reconvenção pedindo que fosse indemnizada pelo montante de Pte $00, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal desde a notificação até integral pagamento, porque, tendo o A. imobilizado o automóvel, ao qual nunca chegou a dar utilização, a desvalorização do mesmo, nos 7 meses que passaram, corresponde à apresentada estimativa de perdas. Pediu também que o A. fosse condenado a entregar-lho, pois que o mantém consigo. 4. Na resposta, o Ap.o manteve e por isso negou a versão da Ap.e, mas defendeu também a inadmissibilidade do pedido reconvencional, sem êxito nesta parte, tendo havido decisão contrária no saneador, que transitou. 5. Ficou provado: (a) O A. exerce a actividade de mecânico de automóveis; (b) A R., por sua vez, dedica-se ao comércio de automóveis novos e usados; (c) A R. é proprietária do veículo automóvel ligeiro de marca Citroen, S (d) O A. tem o veículo acima referido na sua posse, há 7 meses; (e) O A., no exercício da sua actividade, procedeu à reparação do veículo em causa; (f) Reparação essa que consistiu nos trabalhos constantes de factura datada de , respeitantes a uma rectificação do motor, material, mão-de-obra e IVA; (g) A reparação foi concluída em meados de Agosto daquele ano, tendo tido o custo de Pte $00, aposta na factura; (h) A R. recusou pagar ao A. a quantia acima referida; (i) O veículo em questão foi transportado e depositado nas instalações do A., com autorização da R.; (j) Um motor usado, com garantia, orça em Pte $00, e um novo, cerca de Pte $00; (k) Trata-se, no que diz respeito ao veículo em causa, de um automóvel usado, de 1989, cujo valor comercial é de Pte $00; (l) A R. está a pagar ao banco Nova Rede juros de 15% por capital que lhe foi disponibilizado. 2
3 5.1 A convicção do tribunal baseou-se na f actura, no depoimento de parte do A., e nos depoimentos das testemunhas (mulher do A., ex-namorado da filha deste, cunhado e contabilista, vizinha do mesmo) as quais revelaram conhecimento directo e pessoal dos factos sobre que depuseram e fizeram um relato claro e coerente, que mereceu credibilidade. 6. Com base na matéria apurada, a decisão recorrida, julgou procedente o pedido e improcedente a reconvenção: (a) verifica-se que o A. e a R. celebraram entre si um contrato de empreitada, uma vez que se considera que as peças efectivamente vendidas pelo A. à R. o foram apenas instrumentalmente, em relação ao serviço prestado, pelo que não justificam que se enverede pela figura da união de contratos; (b) Não tendo a R. efectuado a prestação que a onerava, no âmbito regulativo deste contrato de empreitada (pagamento do preço, na data da interpelação), incorreu em incumprimento temporário ou mora (art.s 804º/2 e 805º/1 CC); (c) E na pendência da situação moratória tem o credor direito à prestação devida e o ressarcimento dos danos que lhe causa o retardamento da mesma que no caso corresponde aos juros a contar da data da falta, contados sobre a quantia em dívida, à taxa anual de 10% até e de 7% desde , até integral pagamento (art. 806º/2 CC e Port.s 1171/95, 25.09, 158/99, e 263/99, 12.04); (d) Ao reter o veículo nas suas instalações, até ao presente, o A. está no exercício legítimo de um direito (art. 754º CC4); (e) Pelo que nunca poderia ser responsabilizado pelos alegados custo de imobilização do automóvel (que todavia não resultaram provados); (f) Do mesmo modo, e no que diz respeito ao pedido de entrega do veículo, diremos que o mesmo improcede, pois que o A. apenas está obrigado a entregá-lo quando a R. satisfizer o preço da reparação. 3
4 7. Concluiu a Ap.e: (a) Alegou, na contestação, factos que integram uma excepção peremptória; (b) Na verdade, por cautela, partindo da hipótese de que o Ap.o teria reparado o veículo, apresentou outros factos dos quais resultava (mesmo a provar-se a versão do Ap.o, ou seja, que a Ap.e lhe tinha solicitado a reparação) não a querer se a mesma importasse em quantia superior a Pte $00; (c) Ora, há cumprimento defeituoso não só quando se violam deveres principais ou secundários, mas também deveres acessórios de conduta (designadamente a boa fé); (d) E é evidente que a Ap.e não queria pagar um conserto que excedesse o preço de um motor em 2ª mão, com garantia (Pte $00); (e) Tanto mais que o veículo é de 1989, sendo, àquela data, o valor comercial de um automóvel idêntico, de 1991, Pte $005; (f) Assim, é manifesto e notório que, sendo a Ap.e comerciante de veículos, cuja actividade tem por fim o lucro, nunca faria nem quereria um tão ruinoso negócio; (g) E o Ap.o, que é perito na matéria, devido à profissão que exerce e à circunstância de ter trabalhado durante muito tempo na Citroen, conhecendo bem os preços de mercado tanto como a qualidade da Ap.e, não deveria ter feito uma reparação de tal envergadura e daquele custo; (h) Violou deste modo os deveres de boa fé ao não contactar a Ap.e e ao não a ter informado; (i) Ou seja, não cumpriu, sendo certo que o cumprimento defeituoso é uma forma de incumprimento; (j) Consequentemente, porque realizou de má fé as despesas de que proveio o crédito, não podia reter o veículo (art. 756ºb. CC); (k) Acresce que o empreiteiro não goza de direito de retenção; 4 Vd. Martinez, Pedro Romano, Direito das Obrigações, III, fdl; Telles, Inocêncio Galvão, O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, O Direito, 106/119; id., anot. ACRL, , O Direito, 120/173; Ferrer Correia & Sousa Ribeiro, Parecer, CJ, 1989, II, p Doc. junto com a reconvenção. 4
5 (l) Assim sendo, e contrariamente ao decidido, deve a acção ser julgada improcedente, absolvida então a Ap.e do pedido, ou quando muito condenada a pagar ao Ap.o quantia inferior ao preço de um motor em 2ª mão, com garantia; (m) No que diz respeito à reconvenção, deve ser julgada procedente, e condenado o Ap.o a entregar à R. o automóvel, com pagamento da indemnização pedida; (n) Decidindo como decidiu, viola a sentença recorrida o disposto nos art.s 756ºb., 762º, 883º (parte final) e 1211º/1 CC; 493º/3 e 496º CPC. 8. Nas contra-alegações disse-se: (a) Tendo a reparação do veículo sido efectuada a pedido da Ap.e, porque nenhum preço foi ad initio estabelecido, nem algum limite condicionada, vale como preço contratual o que o Ap.o apresentou, aliás com descriminação de verbas facturadas; (b) Da circunstância de a Ap.a considerar tal preço excessivamente oneroso e descabido, não pode concluir-se que tal reparação não cabia e é usurária, para se concluir que a conduta do Ap.o viola as regras da boa fé; (c) E, por maioria de razão até, que tal conduta equivale a cumprimento defeituoso da obrigação assumida; (d) Os defeitos a que alude o art. 1218º CC em nada, e por forma alguma, correspondem ao preço da obra, donde nem sequer se possa falar de redução do preço, que aliás sempre assumiria carácter residual; (e) Na verdade, só não sendo eliminados tal ou tais defeitos poderia haver redução; (f) Assim, a Ap.e não obtém qualquer apoio jurídico para as teses que apresenta: bastará que constatemos que nem sequer aponta a violação de qualquer disposição legal, nas conclusões; (g) É que tal violação pura e simplesmente não existe; (h) Por esta circunstância, nem obedecem as alegações da Ap.e ao disposto no art. 690º CPC, sendo que tal em inobservância exige que o recurso seja julgado deserto, consoante o disposto no nº3 do citado preceito legal; 5
6 (i) Deve ser mantida, em todo o caso, a decisão recorrida. 9. O recurso está pronto para julgamento. 10. O Ap.o defende preliminarmente que o recurso não devia ter sido recebido, por inobservância do disposto no art. 690º/3 CPC, aduzindo que a Ap.e não indicou a violação de qualquer disposição legal, nas conclusões. Independentemente do mérito da construção, o certo é que, muito pelo contrário, nas conclusões da presente apelação, como resulta de 7 (n), a recorrente, segundo o seu próprio ponto de vista, indicou as normas legais em que baseou os argumentos de ataque à sentença recorrida. Improcede pois a questão prévia. 11. O contrato ajuizado foi tido, na decisão recorrida, e neste particular as partes aceitamna, como contrato de empreitada. Tratando-se todavia das relações entre comerciantes, sendo o comércio do A. a reparação de veículos, estamos antes em presença de um contrato comercial inominado que visa justamente dar concretude à actividade específica de uma das partes e que por isso mesmo afasta a noção de obra da tipificação da empreitada. Neste contexto, ainda que se não leve em conta o particular regime da prova que os elementos de suporte de contabilidade comercial inculcam, porque em todo o caso a recorrente continua a defender que não quis contratar, certo é que terá de lançar-se mão de presunção judicial para interpretar o que ficou dado como provado, isto é, que um sócio da recorrente entregou ao recorrido, reparador de automóveis, na oficina deste, um veículo de que se não contesta a necessidade de ser reparado. E nesta perspectiva, segundo as regras da experiência comum no domínio do relacionamento entre comerciantes, não pode deixar de concluir-se que a recorrente tomou a atitude típica de uma requisição do serviço, objecto da actividade da reparação de automóveis da parte contrária. Tem de dar-se, por conseguinte, como provado o contrato. 6
7 Todavia, admitindo ainda assim que o juízo balanceasse nesta direcção, defende a recorrente que não está adstrita ao pagamento do preço facturado, porque, segundo as regras da arte, a reparação do automóvel se tornaria mais económica pela simples substituição do motor por um outro capaz, mas já usado, e de menor custo. Não procede o argumento. É que teria sido necessário demonstrar haver no mercado local, ou mesmo num mercado mais alargado, na ocasião da reparação, um desses motores de substituição, disponível pelo preço que se alega para o caso. Sabe-se que há variação, consoante por exemplo a menor ou maior qualidade, o tempo efectivo de utilização, mas principalmente que nem sempre estão à vista, e podem ser facilmente encontrados. Ora, a recorrente não alegou neste recorte factual preciso; donde, não se poder ajuizar seriamente do incumprimento das regras da arte, que tem de reconduzir-se sempre a uma precisa situação concreta. Por fim, e pelo que já ficou exposto (afastamento do regime específico da empreitada e da má fé na constituição de um crédito), não procedem de todo o modo os argumentos contra o direito de retenção do A., o qual justifica a improcedência da reconvenção. Não poderá fazer-se vencimento portanto na presente apelação. 12. Vistos os art.s 406º/1 e 754º CC, decidem manter inteiramente a decisão recorrida. 13. Custas pela Ap.e, sucumbente. 7
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