BREVE ANÁLISE DO PERCURSO E DA MÚSICA DE GERALDO VANDRÉ NA DITADURA

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1 BREVE ANÁLISE DO PERCURSO E DA MÚSICA DE GERALDO VANDRÉ NA DITADURA 1139 Heitor Antonio Ribeiro de Andrade 1, Joana Sanches Justo 2 1 Graduado em História na Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE. Cursando a especialização de História, Sociedade e Cultura na Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE. 2 Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista, UNESP Assis, Mestre em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista, UNESP Assis, professora da FACLEPP da Universidade do Oeste Paulista, UNOESTE. E mail: heittorribeiro@hotmail.com. RESUMO Com letras duras que iam claramente contra o regime ditatorial, Geraldo Vandré tornou se um ícone contra a opressão. Em 1968, com o AI 5 instituído, começou a caça aos artistas considerados subversivos. Geraldo exilou se e por cinco anos ficou fora do país. Voltou em 1973 e desapareceu do cenário musical. Foi procurado pela imprensa, no intuito de tornar público o homem que falou/cantou contra a ditadura, porém, ele não se manifestou. Muitas foram às especulações criadas, de que a tortura e ameaças dos militares o havia calado. Com base em entrevistas, pesquisas de documentos da época do Regime Militar, livros e relatos sobre o assunto, este artigo traz reflexões sobre o motivo que teria impelido Geraldo a calar se. As entrevistas são discutidas com o intuito de compreendermos e encontrarmos respostas mais concisas sobre o sumiço de Vandré. Palavras chave: Opressão, Ditadura, Geraldo Vandré, Imprensa, Entrevistas. INTRODUÇÃO Durante o período da ditadura militar brasileira a música foi amplamente utilizada como forma de protesto. Os festivais dos anos 1960, que mobilizavam os estudantes, eram tratados como subversivos. Os artistas eram perseguidos e proibidos pela censura de divulgar seus trabalhos. Os militares incentivavam a população a denunciar qualquer coisa que considerassem subversão, em qualquer mídia. (ROCHA; PELOSI; MOTA, 2007). Em meio aos artistas como Francisco Buarque de Holanda (Chico Buarque), Gilberto Gil, Edu Lobo, ascendeu nesse cenário Geraldo Vadré. (NAPOLITANO, 2004). Geraldo passou a ser o principal suspeito dos opositores. Nascido em setembro de 1935, começou a se interessar pela música enquanto cursava o ginásio. Foi para o Rio de Janeiro em 1951 e interpretou em 1955 a canção Menina, de Carlos Lyra, num concurso musical da TV RIO. O concurso lhe abriu portas e Geraldo gravou seu primeiro álbum. (MURGEL, 1996). Em 1966 sua canção Disparada venceu juntamente com A Banda, de Chico Buarque, o festival de musica popular brasileira na rede Record. Jair Rodrigues foi quem interpretou a composição. Em 1968 nas eliminatórias para o III Festival Internacional da Canção, Vandré surpreendeu o público com a música Pra não dizer que não falei de flores (Caminhando). A

2 1140 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 composição ficou em segundo lugar neste mesmo festival e se transformou em um hino contra a ditadura (FRAGA; ROMÃO, 2007) e (MIDLEJ, 2010) A música foi proibida pela censura e Geraldo se viu obrigado a sair do país, num exílio que duraria até 1973 (PCO, 2008). E é aí que o mistério Vandré começa. DISCUTINDO VANDRÉ Por algum tempo Geraldo Vandré se ausentou do cenário musical brasileiro e estabeleceuse no exterior, sem se pronunciar. Ainda em entrevistas mais atuais afirma não ter feito músicas de protesto contra o regime, alegação que contradiz alguns autores e estudiosos no assunto. Podemos ilustrar este debate com a afirmação de Jesus (2006, p. 73): uma canção deliberadamente contra a Ditadura Militar é Caminhando, de Geraldo Vandré, composta em 1968 (...). Nem mesmo as pessoas mais próximas do artista souberam explicar esta renúncia. Após a lendária apresentação no Maracanãzinho, onde milhares de pessoas cantaram com Geraldo Vandré Pra não dizer que não falei de flores, um aviso foi dado ao cantor pelos militares, Geraldo exilou se. De 1973 até o ano de 2000 não havia falado publicamente. (NUZZI, 2005). Até que concedeu a primeira entrevista após seu retorno, em 2000, para o jornalista Tom Cardoso publicada pelo site CliqueMusic da Uol 1. trabalho: Abaixo serão abordadas algumas das questões feitas a Vandré que mais se relacionam ao CliqueMusic O sr. ficou marcado como um compositor de protesto. Algumas dessas canções novas têm essa característica? Geraldo Vandré Nunca fui um compositor de protesto. Sou um musico de formação erudita. Ouço Villa Lobos, Wagner... CliqueMusic Mas muitas das suas canções são sim de protesto, Caminhando, Canção da Despedida, e estão longe de ter um perfil erudito. Geraldo Vandré Não quero falar do passado. Ouça essa minha canção, que eu acabei de compor, ainda não tem título (começa cantarolar um tango em portunhol)... CliqueMusic O sr. pode mostrar alguma canção inédita em português? Geraldo Vandré Eu fiz essa música para a FAB (retira da bolsa um cartão com a letra de Fabiana, com um brasão da força aérea desenhada no verso). CliqueMusic Não é estranho alguém que protestou contra a ditadura militar hoje compor músicas em homenagem à Força Aérea? 1 Entrevista na íntegra -

3 1141 Geraldo Vandré Vocês não entendem, nunca entenderam (irritado, bate com força a colher com coalhada no prato). A minha relação com os militares nunca foi política e nunca vai ser... Neste trecho da entrevista podemos perceber que Geraldo não se sente à vontade para afirmar que suas músicas foram algum dia um protesto contra a ditadura ou contra os militares. Parece que muitas águas rolaram desde que Geraldo compôs "Há soldados armados, amados ou não/ Quase todos perdidos de armas na mão/ Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição/ De morrer pela pátria e viver sem razão, os polêmicos versos que teriam sido o maior motivo da sua perseguição pelos militares. Cabe aqui ressaltar a seguinte lacuna: considerando que Vandré foi exilado por causa dos militares, é estranho que em sua primeira entrevista após 27 anos de silêncio, ele afirme não ter nada contra os militares e ainda apresente uma música que compôs para as forças armadas. Nos anos que se seguiram, Geraldo continuou fugindo da imprensa. Com a concessão da primeira entrevista, os jornalistas voltaram a procurar o homem que havia se tornado ainda mais polêmico. Geraldo não respondeu às equipes de reportagem e continuou o mesmo ermitão de sempre (NUZZI, 2005). Dez anos depois de sua primeira entrevista, ele concedeu outra fala à imprensa. O jornalista Geneton Moraes Neto conseguiu o feito. O curioso é que essa entrevista não foi somente um registro feito pelo jornalista: Vandré concedeu uma entrevista gravada, depois de décadas sem aparecer perante as câmeras: Geneton M. Neto A pergunta que todos gostariam de fazer é a mais simples possível: o que foi que aconteceu com Geraldo Vandré? Geraldo Vandré Ficou fora dos acontecimentos (ri). Ficou fora dos acontecimentos. Acho melhor para ele. Tenho outras coisas para fazer... Geneton M. Neto O fato de a música Caminhando ter se tornado uma espécie de hino de protesto provoca o quê em você hoje: orgulho ou irritação? Geraldo Vandré Estou tão distante de tudo. Mas não tenho o que corrigir em nada do que fiz. Tenho muito orgulho de tudo o que fiz. Protesto é coisa de quem não tem poder. Não faço canção de protesto. Fazia música brasileira... Podemos já nessas duas questões notar a esquiva de Geraldo sobre qualquer assunto ligado ao Regime Militar e a sua música de protesto. A entrevista segue. Geneton M. Neto Em que país vive Geraldo Vandré? Geraldo Vandré Vive num Brasil que não está aqui. Geraldo Vandré vive no Brasil...

4 1142 Geneton M. Neto Como é este Brasil de Geraldo Vandré? Geraldo Vandré É o antes de quarenta anos atrás. O país que o Brasil era quando fiz música para o Brasil não era este país de hoje. Não existia este processo de massificação. Dentro da minha própria carreira profissionalmente falando houve uma mudança ali no Maracanãzinho. Ali, houve a passagem do que eu fazia para um público de um teatro de setecentas ou no máximo mil e duzentas pessoas para um ginásio com trinta mil pessoas. E a televisão direto no ar. Já foi a massificação. O fato curioso dessa questão é Vandré falar sobre sua passagem lendária pelo Maracanãzinho, ainda que as gravações com as imagens dele nesse show estejam desaparecidas até hoje. Em outro momento Geraldo é questionado sobre o show do Maracanãzinho, e surpreende com sua resposta. Geneton M. Neto Quando você se lembra hoje do Maracanãzinho inteiro cantando Caminhando que sentimento você tem? Geraldo Vandré Aquilo foi muito bonito, muito bonito. Pena que eu não posso ver o VT. Estão guardando o VT não sei para quê. Quero ver o VT. Lá na sua estação eles devem ter. Procure lá. Consegue o VT para ver! ( olhando para a câmera). Vandré refere se ao vídeo perdido do show dele no Maracanãzinho, no qual apenas os áudios da apresentação ainda existe. Vandré questiona o porquê de a parte dele no Maracanãzinho ter desaparecido do vídeo, sendo que as partes de outros artistas ainda existem. Os assuntos tornam se polêmicos e Vandré se considera um criminoso por viver como anistiado. Fala sobre as conseqüências das músicas que fez na época ditatorial. Geneton M. Neto Se você fosse escrever um verbete numa enciclopédia sobre Geraldo Vandré qual seria a primeira frase? Geraldo Vandré Criminoso (ri) Geneton M. Neto Por quê? Geraldo Vandré O que você chama de governo ainda me tem como anistiado por haver cantado as canções que cantei. Fui demitido do serviço público por causa das canções. O que se apresenta como governo no Brasil até hoje cobra impostos sobre o corpo de delito que foram as canções que fiz. Deu para entender agora?. Geneton M. Neto Em algum momento, você foi considerado criminoso Geraldo Vandré Fui demitido por causa da canção (Vandré era funcionário público). E essa canção que foi motivo de minha demissão até hoje é Voltei por força de um despacho dado com fundamento na Lei de Anistia, como se eu fosse criminoso. Anistia é para criminoso condenado por sentença transitada em julgado, se

5 1143 ele aceitar. Porque ele pode não aceitar. Aceitar a anistia significa aceitar se criminoso, beneficiário de anistia. A entrevista continua e mais uma polêmica é levantada: a volta de Vandré do exílio e o depoimento que ele teria sido obrigado a gravar. Geneton M. Neto Você foi constrangido a gravar, em 1973, um depoimento em que negava que fosse militante político. Qual foi o peso deste depoimento na decisão de Geraldo Vandré de interromper a carreira? Geraldo Vandré Nunca fui constrangido a declarar que não tive militância política. Nunca tive militância político partidária. Nunca pertenci a nenhum partido. Nunca fui político profissional... Geneton M. Neto Que lembrança você guarda deste depoimento? Você foi levado para uma sala do aeroporto de Brasília e gravou um depoimento em que de certa maneira renegava. Geraldo Vandré (interrompendo) : É um assunto que ficou muito confuso. Não me lembro exatamente. Gostaria de ver a declaração Geneton M. Neto Você gravou o depoimento quando voltou do Chile Geraldo Vandré: Gostaria de ver, porque houve montagens. Era gravação. O que foi para o ar não sei. Geneton M. Neto Você foi obrigado a gravar este depoimento? Fazia parte do acordo para voltar para o Brasil? Geraldo Vandré: Queriam que eu fizesse uma declaração. Não me lembro o que foi que disse. Mas eu disse coisas que poderia dizer. O que eu disse era verdade. Não disse nada que não tenha querido dizer. A TV Globo deve ter isso. Procure lá Geneton M. Neto A gente procurou e não encontrou. Geraldo Vandré: Pois é: somem com tudo. Que loucura essa Por quê? Veja se acha o VT do Maracanãzinho. É o que tem Tom Jobim. É o mesmo VT. A minha parte sumiu. Por quê? Fizeram uma retrospectiva do Festival. Botaram o Festival no Maracanãzinho Tom, Chico, todo mundo, Cynara e Cybele. Mas,na hora de botar o Geraldo Vandré, usaram um filme feito na Alemanha, em que eu estava de barba. Não é certo Geneton M. Neto Talvez tenham recolhido o filme Geraldo Vandré: Para mim, é muito difícil acreditar que a TV Globo tenha se desfeito do filme. Não acredito. Devem estar guardando muito bem guardado. Neste trecho fica claro que Geraldo não gosta de tocar no assunto e ainda acusa a Rede Globo de televisão de esconder os vídeos relacionados à sua pessoa. Geraldo conta depois como foi montada (editada) a declaração que deu quando voltou do exílio. Geneton M. Neto Só para esclarecer este episódio sobre o depoimento que você gravou quando voltou do exílio: que lembrança exatamente você tem? Quem pediu a você para gravar este depoimento?

6 1144 Geraldo Vandré: Aquelas declarações foram feitas para uma pessoa que se me apresentava como da Polícia Federal. Fiz um depoimento aqui. Depois, disseram que eu tinha de ir para Brasília. Cheguei ao Brasil no dia 14 de julho. Dois meses depois, apareço como se estivesse chegando em Brasília. Aquilo foi uma manipulação. O depoimento foi gravado antes. Gravaram me descendo do avião em Brasília. Tudo muito manipulado. É esta a história dos VTs: normalmente, temos esta doença. Estou falando aqui. O que vai ser mostrado vai ser uma seleção que a estação vai fazer. Não vai ser o que estou dizendo. Isso é muito sério. Na continuação da entrevista algumas perguntas são repetidas de forma objetiva para, segundo Geneton, efeito de registro histórico: Geneton M. Neto Para efeito de registro histórico: você, primeiro, não se considera antimilitarista Geraldo Vandré Não... Geneton M. Neto Segundo: você não foi maltratado fisicamente durante o regime militar Geraldo Vandré Não Geneton M. Neto Terceiro: você disse o que quis no depoimento que você foi forçado a gravar quando voltou do exílio Geraldo desconversa sobre o que está sendo perguntado e leva a conversa para outro rumo. Geraldo não responde se disse o que quis no depoimento que deu quando voltou do exílio. Especula se que houve entre ele e os militares um acordo antes desse depoimento, e que ele só falaria o que foi mandado. Vandré encerra a entrevista e se retira para o quarto, alocado dentro de um hotel militar. Vive sozinho, não se apresenta mais, compõe na solidão. A entrevista foi exibida pela Globo News e logo despertou interesse em muitas pessoas que queriam saber o paradeiro do ícone. CONCLUSÕES Podemos ponderar que é quase impossível compreender o que levou Vandré a mudar de postura tão radicalmente. Muitos acreditam que ele vive ainda coibido, subordinado por parte de um acordo que fez com os militares na década de 1970 quando retornou, onde deu uma entrevista dizendo que a partir daquele momento só cantaria músicas falando de amor. Aceitou se como um anistiado, e tudo isso foi televisionado, mas as imagens feitas pela rede globo

7 1145 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 desapareceram. Como foi dito nas entrevistas dadas a Tom Cardoso em (2000) e Geneton Morais Neto (2010). Talvez se os arquivos secretos da ditadura forem reabertos tenhamos alguma chance de saber realmente o que aconteceu. Vandré tornou se incompreendido, sente se exilado, um criminoso (anistiado). Inimigo dos militares nos anos 1960 que hoje se transformou em um grande amigo deles. Em 2008, imagens mostraram Geraldo Vandré em um show de um militar (Sargento Lago), em um bar no bairro do Bixiga em São Paulo. O sargento canta Caminhando, Geraldo observa tudo e no meio da canção levanta se, caminha até o sargento e o cumprimenta. Logo depois sai do bar. Um grande gênio de nossa música, perdido em si, estranhamente mudado, que desperta em nós a vontade de conversar pessoalmente a fim de se conseguir confissões ou respostas menos vagas. Esse é Geraldo Pedrosa, esse é Geraldo Vandré: um homem, um mistério, uma incógnita. REFERÊNCIAS CARDOSO, T. Geraldo Vandré rompe silêncio. CliqueMusic Uol Disponível em: < vandre rompe silencio>. Acesso em: 19 maio FRAGA, E. ROMÃO. M. História dos festivais de música brasileira. Campina Grande: PET, Disponível em < pb.pdf >: Acesso em: 15 maio JESUS, J. Música popular e identidade nacional: discurso e contradiscurso na ditadura militar. 1. ed. Belém: CEJUP, MIDLEJ, W. O que fizeram com Geraldo Vandré? Ele não sabe nem mais falar de flores... Revista Bahia em Foco. setembro, Disponível em < em: 18 maio MURGEL, A.C.A.T. Geraldo Vandré. MPB Net. Disponível em < >: Acesso em 15 maio NAPOLITANO, M. A MPB sob suspeita: a censura musical vista pela ótica dos serviços de vigilância política ( ). Revista Brasileira de História. vol. 24, nº 47, maio, Disponível em:

8 1146 < &lang=pt#nt04>. Acesso em: 17 maio NETO, G.M. Geraldo Vandré Especial // Tudo o que o Grande Mudo da MPB disse na primeira gravação que faz para uma TV depois de décadas. Blogs de colunistas do G1. Disponível em : < vandre especial tudo o que o grandemudo da mpb disse na primeira gravacao que faz para uma tv depois de decadas hoje elegarantenao existe nada mais subversivo do que um subdesenvolvi/>. Acesso em: 10 maio NUZZI, V. Geraldo Vandré, 70 anos. Digestivo Cultural. Disponível em: < 0_anos> Acesso em: 16 maio PCO. A música de protesto de Geraldo Vandré como símbolo da resistência. Desenvolvido pelo Partido da Causa Operária. Disponível em < >: Acesso em 15 maio ROCHA, A. ; PELOSI, G.; MOTA, L. O governo militar no Brasil e a influência da música. Blog Censura Musical Disponível em < > : Acesso em: 15 maio 2011.