A UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA PESQUISA E TERAPIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

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1 A UTILIZAÇÃO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA PESQUISA E TERAPIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Leonardo Possobam ( leonardo.possobam@gmail.com) Luccas Vicente Pereira Giardini ( luccas_vpg@live.com) Orientador: Me. Vitor Hugo Bueno Fogaça Universidade Estadual de Ponta Grossa Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo geral fazer uma análise sobre a possível violação do direito à vida, cuja compreensão se deu a partir da análise do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510, referente ao Artigo 5º da Lei /2005 (Lei da Biossegurança). Nesse sentido, a pesquisa busca fazer uma análise quanto aos direitos e garantias constitucionais possivelmente violados, bem como a análise específica quanto à utilização de células tronco do embrião in vitro. Foi utilizado o método dedutivo, estudando a doutrina pertinente, os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como de artigos e legislação referentes ao tema proposto. Palavras-chave: Células-tronco embrionárias, Lei da Biossegurança, bioética, biodireito. Introdução: A presente pesquisa visa a análise do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº /DF, referente ao Artigo 5º da Lei /2005 (Lei da Biossegurança), onde é relator o Ministro Ayres Britto, e que foi julgada improcedente. O artigo da referida lei permite a pesquisa de células-tronco retiradas de embriões humanos in vitro, em face de algumas condições, e foi alvo de discussão entre diversos grupos por se tratar de um tema de ordem moral, ética e filosófica, suscitando valores até bem pouco tempo inquestionáveis para a humanidade. O relator utilizou argumentos de que esse estudo é uma questão de saúde pública e afirmando que significa apreço e reverência a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. O requerente da ADI, o Procurador-Geral da União, Claudio Lemos Fonteles, baseou seu argumento no fato de que a extração das células-tronco dos embriões resultaria em sua morte e consequentemente na prática de aborto. Sendo assim, ambos fundamentaram seu posicionamento em garantias constitucionais referente ao direito à vida, à saúde e à liberdade de expressão científica. Com o advento de novas tecnologias, é consequentemente necessária a adaptação do direito aos novos tempos. Em 1998, pela primeira vez foram isoladas célulastronco de embriões por James Thomson e sua equipe, e com isso surgia mais um problema para o direito: quais direitos esse embrião possui, ou sequer se ele possui algum direito (XAVIER, 2012). Não só a questão do direito à vida é abordada, mas também a do direito à saúde (Art. 196 e 200 CF). As células-tronco embrionárias são células chamadas de pluripotentes, ou seja, podem se transformar em qualquer um dos 220 tecidos do corpo humano. Sendo assim, se mostram como forte expoente para o tratamento de doenças que até hoje são consideradas como incuráveis, como por exemplo:

2 atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica, as neuropatias e as doenças do neurônio motor, sendo principalmente doenças ligadas ao sistema nervoso e muscular, por estes serem de difícil regeneração (MOREIRA, 2013). Nesse sentido, o problema da pesquisa proposta diz respeito à tênue linha que separa diferentes direitos de diferentes pessoas, por um lado o direito à vida de um embrião in vitro por outro direito à saúde de uma pessoa natural, quais os limites a ciência e o direito pretendem alcançar para esclarecer esse paradigma. Objetivos: A pesquisa tem como objetivo geral analisar os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal em face dos direitos e garantias constitucionais. Especificamente, busca-se constar se de fato o embrião humano in vitro tem os mesmos direitos do embrião in vida, e como esses direitos podem ou não estar sendo violados ao retirar a sua vida para ser feito o estudo com suas células-tronco. E em consequência disso os benefícios que esses estudos gerarão futuramente. Método e Técnicas de Pesquisa: Trata-se de uma pesquisa exploratória, de cunho qualitativo. Para tanto, utilizou-se do método dedutivo. Como instrumentos de coleta de dados, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, com obras que se dedicam à análise do direito constitucional e do direito civil, bem como da pesquisa documental, por meio da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da legislação pertinente ao tema. Resultados: As questões envolvendo manipulações genéticas ainda são muito recentes e nem todas foram bem discutidas, ainda mais quando se tratam de questões éticas e morais. Esse é o caso do estudo de células-tronco advindas do embrião humano in vitro, já que para o seu estudo e utilização é necessário a destruição do embrião. O tema não é harmônico na doutrina, e discute-se se esse embrião in vitro teria seus direitos constitucionais garantidos. Os que assim entendem, defendem a não utilização desses seres em potencial para estudos de células tronco embrionárias. Em face disso, foi promovida a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº /DF, referente ao Artigo 5º da Lei /2005 (Lei da Biossegurança), requerida pelo Procurador-Geral da União da época, Cláudio Lemos Fonteles, e que teve como relator o ministro Carlos Ayres Britto. Utilizando-se do argumento de que o referido artigo afetava os direitos e garantias constitucionais do embrião, o Procurador-Geral propôs a Ação com a intenção de vetar o artigo, para que dessa forma os embriões congelados não fossem submetidos à pesquisa e consequentemente à sua destruição. Entretanto, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal julgou que de fato esses direitos não são violados ou melhor, esses direitos não se aplicam ao embrião congelado in vitro, sendo que as palavras do ministro Ayres Britto, em seu voto, explicam claramente seu posicionamento: Numa síntese, a ideia de zigoto ou óvulo feminino já fecundado como simples embrião de uma pessoa humana é reducionista, porque o certo mesmo é vê-lo como um ser humano embrionário. Uma pessoa

3 no seu estágio de embrião, portanto, e não um embrião a caminho de ser uma pessoa [...] Sendo que mesmo a evolução desse último tipo de embrião ou zigoto para o estado de feto somente alcança a dimensão das incipientes características físicas e neurais da pessoa humana com a meticulosa colaboração do útero e do tempo. Não no instante puro e simples da concepção, abruptamente, mas por uma engenhosa metamorfose ou laboriosa parceria do embrião, do útero e do correr dos dias. O útero passando a liderar todo o complexo processo de gradual conformação de uma nova individualidade antropomórfica, com seus desdobramentos ético-espirituais; valendose ele, útero feminino. Dessa forma é derrubada a tese de que ao destruir um embrião in vitro está se destruindo uma vida, ou seja, não há caracterização do crime de aborto. Além do fato de que o uso dos embriões está sujeito à uma série de condições instituídas ao longo dos parágrafos do Artigo 5º da Lei da Biossegurança, o que restringe a prática de atitudes abusivas e desrespeitosas com relação aos embriões e seus genitores. Em seu voto, o ministro também discorre sobre o direito à saúde, baseando-se nos Artigos 196 e 200 da Constituição Federal, que asseguram a saúde e a produção de medicamentos necessários. As células-tronco embrionárias são células ainda não especializadas e tem um alto grau de diferenciação celular, ou seja, possuem uma alta capacidade de transformação podendo se tornar qualquer um dos 220 tecidos do corpo humano, diferentemente das células-tronco adultas, que já são mais especializadas, e então mais limitadas (SANTOS, 2005). Sendo assim, elas se mostram de extrema importância para os novos avanços da medicina, podendo ser a chave para o tratamento de muitas doenças consideras incuráveis nos dias de hoje para a humanidade, garantindo assim, não apenas a vida, mas também a qualidade de vida, além de uma vida digna, significando, dessa forma o apreço e reverência a criaturas humanas que o sofrem e se desesperam (BRASIL, 2005). Entretanto seus usos ainda não foram totalmente descobertos e justamente por isso precisam de mais possibilidades de estudos além de leis que os permitam. Dessa forma, tange-se outro ponto importante mencionado pelo ministro: a liberdade de expressão científica encontrada no inciso IX do Artigo 5º da Constituição Federal. Ao se proibir esse tipo de pesquisa restringe-se também o desenvolvimento, garantido no preâmbulo da Constituição. Tudo isso se resulta no embate entre valores constitucionais e aonde e para quem eles se aplicam, resultando, dessa forma, na colisão de direitos fundamentais. De fato, normas constitucionais não podem se contrariar, entretanto, nenhum direito fundamental é absoluto ou ilimitado, encontrando seus limites em outros direitos fundamentais: A colisão de direitos fundamentais assemelha-se, e, portanto, encontra-se inserida na colisão de princípios, que ao contrário da colisão das regras cuja solução há de ser encontrada no plano da validade, impõe-se a solução no plano do valor, de modo que não há a supressão de um princípio em favor de outro, mas ao contrário, procede-se à ponderação dos princípios em conflito, para que seja assegurada a menor constrição possível. Na resolução da colisão entre princípios constitucionais devem-se levar em conta as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, analisados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais adequado (LIMA, PARAHYBA, 2008).

4 Tendo em vista o panorama dos argumentos citados acima, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente, por seis de onze votos. Discussões: As discussões acerca do tema preconizado são dispostas em duas vertentes antônimas e bem definidas: conservadora e liberal. Pode-se constatar, de antemão, que tais vertentes concordam em poucos aspectos. A acepção de que a vida humana se inicia a partir da fecundação do ovócito (gameta feminino), protagonizada pelo espermatozoide (gameta masculino), é objeto de partilha entre as duas. Também pode-se dizer que ambas têm por escopo a atribuição de valores relativos à vida humana aos embriões, considerando assim merecedores de certa proteção ética e jurídica. Concordam, também, sobre o aspecto de que embriões não se equiparam à coisas (pelo menos sob a ótica não extremista). A discrepância está justamente nos valores atribuídos aos embriões, no nível de proteção ético-jurídica que devem possuir. A vertente conservadora preconiza que a partir da fecundação - considerado como início da vida humana - o ser gerado adquire o mesmo status, os mesmos direitos que as demais pessoas. A perda de uma vida embrionária se equipararia a de uma vida humana já formada, tornando-se perda irreparável. Não seria viável, destarte, a hipótese de que um embrião possa ser usado em pesquisas, mesmo que para fins nobres, como a possibilidade de salvar outras vidas. Já a vertente liberal defende a necessidade e a legitimidade das pesquisas. O uso dos embriões apresenta a possibilidade de cura para várias doenças degenerativas, sendo assim um grande avanço para a biomedicina moderna. Alegam os liberais que, embora já considerados seres vivos, ainda não se igualam às formas de vida humana já formada. De tal forma, não seriam considerados portadores de direitos. Considerações Finais: O tema torna-se relevante a partir do momento em que envolve vários aspectos sobre a vida humana, tangendo sobre diversos pontos como a ética, a moral a filosofia, a religião além de temas da seara jurídica, sendo assim, necessária uma construção hermenêutica, visando a desmistificação do assunto a partir de argumentos sólidos e de bases principiológicas e constitucionais, sempre respeitando os princípios e garantias fundamentais. Se faz necessário muitas vezes, também, uma libertação das amarras religiosas que muitas vezes impedem o desenvolvimento visando manter seus princípios tradicionais e conservadores, e que em determinados momentos infringem até a laicidade do Estado. O mundo se renova com o passar do tempo, e junto, o Direito deve também acompanhar essa evolução, fazendo-se sempre presente e atual, para que dessa forma possa decidir sobre casos como o relatado neste resumo. Deve-se ressaltar aqui, a importância de cunho biomédico às pesquisas envolvendo embriões, que consequentemente podem trazer uma vida mais digna àqueles que sofrem de males ainda sem cura. O interesse que se mostra predominante é sempre a vida humana, tanto em sua preservação a partir da descoberta de curas (ou mesmo melhoras significativas nos quadros clínicos) de doenças degenerativas,

5 como no progresso de outras áreas da biomedicina moderna, capazes de melhorar e prolongar vidas. Sempre se atendo ao preceito básico da não interferência nos direitos fundamentais dos seres humanos. Ao permitir e estimular os estudos das células tronco embrionárias, está se garantindo diversos princípios constitucionais, dentre eles o direito à vida, à saúde e à liberdade de expressão científica. Conduzindo, dessa forma, o país ao progresso e à melhor qualidade de vida da população. Referências BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANCA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº , DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANCA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANCA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANCA. (STF - ADI: 3510 DF, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 29/05/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG PUBLIC EMENT VOL PP-00134). Acesso em: 15 jul. 2015). LIMA, Francisco Gerson Marques de., PARAHYBA, Ana Cristina de Paula Cavalcante. A autorização legal das pesquisas com células-tronco de embriões humanos. In: Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, Brasília, Anais do XVII CONPEDI, Brasília: Fundação Boiteux, MOREIRA, Ana Karini de Oliveira. Admissibilidade e limites da utilização de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. 2013, 1 vol., Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade do Porto, SANTOS, Ana Luiza Marques. Biotecnologia e células tronco e a lei /2005. In: XIII Congresso Nacional do CONPEDI, 2005, Belo Horizonte, Anais do XIV CONPEDI, Belo Horizonte: Fundação Boiteux, XAVIER, Marlusa Ferreira Dias. Pesquisa com células-tronco embrionárias e a violação ao direito à vida. Revista Videre, Dourados, v. 4, n. 8, p , jul./dez