PROCESSO: RTOrd A C Ó R D Ã O 4ª Turma

Transcrição

1 Multa de 40% do FGTS A multa em questão apenas é devida, nos termos da Constituição e da Lei nº 8.036/90, no caso de dispensa imotivada, e não em qualquer outro caso de extinção do contrato de trabalho, em particular na transformação de emprego público em cargo público, quando sequer há, a rigor, dispensa. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em que são partes, como Recorrente, DEMÉTRIO JEAN PORTOKALIDIS e como recorrida, EMPRESA PÚBLICA DE VIGILÂNCIA E TRÂNSITO DE MACAÉ GUARDA MUNICIPAL. Irresignado com a decisão da 2ª Vara do Trabalho de Macaé a fls. 119/131, da lavra da juíza Ana Celina Laks Weissblüth, que julgou improcedente o pedido, com embargos de declaração improvidos a fls. 116, recorre ordinariamente o reclamante a fls. 119/131. Requer gratuidade de justiça; alega que foi admitido mediante concurso público em , na função de guarda municipal e em teve extinto seu contrato de trabalho, mediante transformação do emprego público em cargo público, com anotação na CTPS, por força da LC nº 077/2007, regulamentada pelo Decreto nº 271/2007; que ante a mudança de regime jurídico ocorrida de forma unilateral pelo empregador, sem justa causa, há direito ao levantamento dos valores depositados na conta vinculada do FGTS, equivalendo à dispensa imotivada; que na oportunidade recebeu o saldo do FGTS mediante alvará judicial; que, pela mesma razão, faz jus ao recebimento da multa de 40% do FGTS, conforme art. 1º, 2º, do Decreto nº 271/2007, ao contrário do decidido na sentença; que não cabe

2 discutir se o decreto indicado é hierarquicamente inferior à LC nº 95/96, citada na sentença para indeferir sua pretensão, pois o que deve ser considerado é o direito de opção dado pelo legislador para transmutar do regime celetista para o estatutário, como descreveu o art. 1º, III, da LC nº 077/2007, ao se referir a verbas resilitórias; que os incisos IV e V da citada lei determinam a liberação do FGTS e preveem que todas as verbas resilitórias possam ser homologadas no MTE; que o Decreto nº 271/07, ao regulamentar a LC nº 077/07, previu expressamente em seu art. 1º, 2º, o direito à indenização de 40% da FGTS no caso presente; que a declaração de ofício feita pelo juízo sobre a ilegalidade do decreto em face da lei complementar, caracteriza verdadeiro controle difuso de constitucionalidade, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, revelando julgamento extra petita, com nulidade da sentença, segundo art. 128 do CPC; que ao afirmar em audiência que recebia vale-transporte, quis dizer que recebia o benefício desde o início da relação contratual até julho de 2001, e não que continuou a receber até os dias de hoje; que os documentos trazidos aos autos pela reclamada não dão conta de que recebe até os dias de hoje o vale-transporte; que tal benefício foi previsto no edital do concurso público realizado em ; que ainda que não constasse do edital, tal benefício é garantido por lei; que é devido o valetransporte no percurso de sua residência (Bangu) até a sede da reclamada (Macaé), devendo ser apurado em liquidação, com a apresentação dos controles de frequência; que ao reconhecer que recebia ticket-refeição não agiu com má-fé, devendo ser retirada a multa imposta pelo juízo; que é devida a multa do art. 467 da CLT, pois as verbas pleiteadas não foram pagas na 1ª audiência; que são devidos honorários advocatícios, na base de 20%. Pede a reforma do julgado, nos termos do recurso. Representação regular a fls

3 justiça. Sem custas em face do deferimento da gratuidade de Contrarrazões da reclamada a fls. 136/139, sem preliminares e no mérito prestigiando o julgado. O Ministério Público do Trabalho a fls. 145/148, em parecer da lavra do ilustre Procurador Marcelo de Oliveira Ramos, opina pelo conhecimento do recurso ordinário do reclamante e, no mérito, pelo seu não provimento. É o relatório. I - Conhecimento VOTO Conheço do recurso, por tempestivo e aviado no feitio legal. II Mérito Preliminarmente cabe dizer que deixo de apreciar o requerimento de gratuidade de justiça, por já deferido na 1ª instância (fls. 133). MULTA DE 40% DO FGTS Primeiramente cabe dizer que a lei que transformou o emprego público do reclamante em cargo público (Lei nº 077/2007) é lei municipal, ainda que chamada de lei complementar. Isso dito, não se segue do fato de haver extinção do contrato de trabalho, com direito a saque dos depósitos de FGTS, há automático direito a receber a multa indenizatória de 40% do FGTS, que é o que está implícito na tese do recorrente

4 Trata-se de situações distintas, regidas de forma distinta e, inclusive, por dispositivos legais absolutamente distintos. De fato, a lei de regência condiciona direito a sacar os depósitos ao término do contrato, e outras hipóteses (art. 20, Lei nº 8.036/90). Não está previsto aí o término do contrato por transformação do vínculo, e isso seria até motivo para se discutir o próprio direito ao saque dos depósitos. Todavia a jurisprudência se fixou no sentido de considerar que pelo teor das hipóteses previstas no referido dispositivo legal, o término do contrato por tal motivo fica também abrangido (aplicação analógica); o que se justifica pela semelhança com o término do contrato por prazo determinado e até com a hipótese de declaração de nulidade de contrato, introduzida com o art. 19-A da referida lei. Acresce que, com o término do contrato, na pior hipótese o saque seria permitido depois de 3 anos sem movimentação da conta, o que mostra que o caso não seria jamais de considerar simplesmente indevido o saque. Já quanto aos 40% do FGTS a própria situação jurídica é diferente: o direito decorre de mandamento constitucional, que determina o pagamento de indenização; e já não pelo simples término do contrato, mas quando haja despedida arbitrária ou sem justa causa (art. 7º, I, CF). Nesse particular, o quanto consta da lei que rege o FGTS, a citada lei nº 8.036/90, nada mais é que explicitação da disposição constitucional; mas, de qualquer modo, completamente de acordo com esta, na medida em que também obriga ao pagamento (via depósito na conta vinculada) de 40% dos depósitos do FGTS no caso de despedida sem justa causa (art. 18, 1º). Ora, na transformação de emprego em cargo o reclamante não foi despedido. Seu contrato de trabalho foi extinto, mas despedida não houve, dado que continuou a trabalhar, para o mesmo antigo empregador, apenas com base em nova relação jurídica. Nem é a causa

5 de ser da referida indenização a simples extinção do contrato, mas justamente o fato de que, despedido, o trabalhador fica presumivelmente sem meios de subsistência por algum tempo, e se pode sustentar com tal indenização. Tanto do ponto de vista literal quanto do ponto de vista ontológico a indenização em tela é indevida. No que se refere a haver sido considerado inaplicável o disposto no 2º, do art. 1º, do Decreto (municipal) nº 271/2007, que realmente determina ao Município recorrido o pagamento da multa de 40%, bem se houve a sentença. E vou mais longe, por que além de haver o dispositivo regulamentador indicado excedido os limites da lei regulamentada (com o que o Poder Executivo invadiu indevidamente a competência do Poder Legislativo municipal), pelo quanto se expôs é também inconstitucional, dado que alterou o conteúdo do próprio dispositivo constitucional que determina a indenização, regularmente regulamentado pela Lei nº 8.036/90; ou seja, também é inconstitucional, de duplamente, já com a competência para legislar sobre direito do trabalho é privativa da União (art. 22, I, CF). É equivocada a tese de que não tem o juiz competência para exercer o controle difuso de constitucionalidade das leis. Tem, e apenas para os tribunais a Constituição coloca uma limitação, de aprovação de Plenário, mesmo assim quando se tratar de negar aplicação a lei federal. Em caso contrário havendo inconstitucionalidade, o caso será de nulidade absoluta do ato, que cabe declarar até de ofício. Neste caso limitação alguma há, por que nem mesmo de lei se tratava, muito menos federal: foi considerada ilegal, e agora o considero também inconstitucional, um decreto municipal. Nego provimento. VALE-TRANSPORTE

6 Afirma o recorrente que ao admitir que recebia valetransporte, quis dizer que recebia o benefício desde o início da relação contratual até julho de 2001, e não que continuou a receber até os dias de hoje. Cabe colocar de logo uma limitação no que fica aí implícito, quando se fala em dias de hoje. O reclamante admite que passou a ser servidor estatutário em 2007; o pedido está referido a contrato de trabalho, que se extinguiu naquele ano por transformação, de modo que pelas próprias razões de pedir tal verba não pode ser devida quando passou a estatutário: não foi postulada em relação a vínculo estatutário (e se o fosse o processo seria extinto sem julgamento de mérito, quanto a isso, dado que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar litígio entre servidor estatutário e a administração pública). Com relação ao período até a extinção do contrato de trabalho, o que considerou a sentença é que em juízo o reclamante confessou que recebia o vale-transporte (e o vale-alimentação). É o que se vê na ata de fls. 46, não tendo sido aposta ressalva ou qualificação em tal declaração. Inadmissível que venha o reclamante, em recurso, querer que se considere que nessa confissão havia uma ressalva que nela não consta. Nego provimento. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Ainda que na fundamentação se fale em indenização de 10%, no dispositivo da sentença é aplicada multa equivalente a 10% do valor da causa. O dispositivo é que prevalece, e só por isso já caberia reforma da sentença, eis que o art. 18 do CPC apenas permite aplicação de multa até 1% (um por cento) do valor da causa. Mas, data venia do juízo de origem, entendo que não está

7 caracterizada a má-fé processual. Pode ser considerado que ao apresentar a petição inicial havia má-fé; mas no curso do processo, antes de encerrada a instrução, o reclamante confessou o excesso de pretensão. É isso uma demonstração de boa-fé, já que exclui o prejuízo que poderia ser causado à parte contrária; tanto que essa confissão foi justamente o fundamento da sentença para não deferir as verbas indevidamente postuladas. Dou provimento. ISTO POSTO Dou PROVIMENTO PARCIAL ao recurso para absolver o reclamante da multa que lhe foi imposta na sentença. Sem alteração do valor da condenação. Vistos e bem examinados, A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso para absolver o reclamante da multa que lhe foi imposta na sentença. Sem alteração do valor da condenação. Rio de Janeiro, 29 de Março de Desembargador Federal do Trabalho Damir Vrcibradic Relator