INTERPRETAÇÃO ISOTÓPICA ( 18 O E 2 H) DAS ÁGUAS DA VÁRZEA DA NAZARÉ
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- Patrícia Varejão Belém
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1 12.º Congresso da Água / 16.º ENASB / XVI SILUBESA INTERPRETAÇÃO ISOTÓPICA ( 18 O E 2 H) DAS ÁGUAS DA VÁRZEA DA NAZARÉ CARLA P.C. CAROÇA (1) ** RESUMO No âmbito da tese de doutoramento, na área da Hidrogeologia, algumas águas da zona da Várzea da Nazaré, que abrange os concelhos de Nazaré e de Alcobaça, foram sujeitas a um estudo isotópico de oxigénio e de hidrogénio estáveis. Este estudo teve como objectivo a determinação da origem da água analisada e se estas estariam ou não a sofrer intrusão salina ou reacção com as rochas. A metodologia utilizada consistiu na recolha de amostras de água de diferentes tipos de captação, no interior e em redor da Várzea da Nazaré. O resultado final mostrou que existem águas doces e de mistura com diversas origens, existindo algumas águas sujeitas a intrusão salina. Verificou-se ainda, que a hidrologia isotópica referente aos isótopos estáveis, Oxigénio-18 e Hidrogénio-2, não são suficientes para fornecer as interpretações em pormenor de todas as amostras analisadas. SYNOPSIS Within the framework of the doctoral thesis in the field of hydrogeology, some waters of Várzea da Nazaré, which covers the municipalities of Alcobaça and Nazaré, were subject to an isotopic study of oxygen and hydrogen stable. This study had as its objective the determination of origin of the water analysed and if these would be or not suffering saline intrusion or rock reaction. The methodology consisted in collecting samples of different types of water catchment, inside and around Várzea da Nazaré. The final result showed that there are fresh water and mixed water with various sources, with some waters subject to saline intrusion. It was found that the isotope hydrology for the stable isotopes, oxygen-18 and hydrogen-2, are not sufficient to provide detailed interpretations of all samples analysed. Palavras Chave Várzea da Nazaré, Isótopos, oxigénio-18, hidrogénio-2 (1) Geóloga, Departamento de Geologia, CeGUL, Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa,bolseira da Fundação da Ciência e Tecnologia, carlacaroca@sapo.pt;
2 1 - INTRODUÇÃO Isótopos (que significa o mesmo lugar) foi, em 1913, o nome proposto por Soddy, um dos descobridores do fenómeno. Átomos posicionados no mesmo lugar na Tabela Periódica, que contenham o mesmo número de protões e de electrões (número atómico), mas diferente número de neutrões, designam-se por isótopos. A água natural contém, além do hidrogénio (H) de massa 1 ( 1 H) e do oxigénio (O) de massa 16 ( 16 O), pequenas quantidades de isótopos: estáveis de hidrogénio ( 1 H e 2 H), estáveis de oxigénio ( 17 O e 18 O), radioisótopo trítio ( 3 H), e, isótopos instáveis de oxigénio ( 14 O, 15 O e 19 O), que possuem pequenas semi-vidas (77s, 118s, 30s, respectivamente), os quais não são importantes para as águas naturais. (Matheus & Harvey, 1982) Os isótopos radioactivos são considerados estáveis quando chegam ao descendente final da série radioactiva. Os isótopos estáveis são usados para se perceber a origem da água ou dos processos que a afectam, desde que esta se formou, por exemplo, desde que entrou num aquífero. Os isótopos radioactivos são usados principalmente para datar. Os isótopos radiogénicos não são muito usados em estudos sobre as águas, mas quando associados aos isótopos estáveis são usados na Geologia para a determinação de idades, de origens e de reacções com as rochas. (Drever, 1988) As moléculas de água podem ser divididas em moléculas leves ( 1 H 2 16 O) e moléculas pesadas ( 2 H 2 16 O e 2 H 2 18 O) (Mazor, 1997). Estas diferenças resultam das diferenças de massa, as quais são uma fracção da massa total do átomo. (Drever, 1988). A relação entre o isótopo mais pesado (mais raro) e o mais leve (mais abundante) é expressa pela composição isotópica (R): R = 18 O/ 16 O ou R = 2 H/ 1 H (1) O desvio da razão R em relação a um padrão, define a notação (delta por mil) e é expresso por: Sendo o oceano o maior reservatório de água e por ser relativamente homogéneo, foi escolhido como padrão de referência para a escala do oxigénio e do hidrogénio. O padrão internacional actualmente utilizado para o oxigénio ( 18 O) e o deutério ( 2 H) é o Vienna Standard Mean Ocean Water (V-SMOW). Trata-se de uma mistura de água de cinco oceanos de composição isotópica (R): 18 O/ 16 O = 0, para o oxigénio, 2 H/ 1 H = 0, para o hidrogénio. Valores positivos de significam um enriquecimento em relação ao padrão, enquanto valores negativos representam um empobrecimento. (Beduschi, 2008) As diferenças de massa provocam a fraccionação isotópica natural. A fraccionação é um processo que causa razões isotópicas em diferentes fases ou regiões. Por exemplo, a razão 18 O/ 16 O da chuva é diferente da razão nos oceanos, a qual também é diferente da razão das conchas carbonatadas formadas no oceano. A figura seguinte (figura 1) ilustra de forma esquemática o fraccionamento isotópico de 18 O e 2 H da precipitação (chuva) quando se afasta do oceano e se dirige para o continente (efeito de continentalidade). (2)
3 Figura 1 Os isótopos 18 O e 2 H no ciclo hidrológico. (Adaptado de Calderone & Guillou, 2008). O grau de empobrecimento nos valores de precipitação estão relacionados com o aumento da altitude, da distância à costa, da latitude e do volume de chuva. (Beduschi, 2008) Os fraccionamentos isotópicos ocorrem na evaporação do oceano e das águas superficiais, e na formação de chuva. Regista-se que, as águas meteóricas (águas de precipitação) possuem menores concentrações de isótopos pesados 18 O e 2 H em relação às águas oceânicas. As águas remanescentes em sistemas que sofrem evaporação, como os lagos, são relativamente enriquecidas em isótopos pesados. As águas do solo e da subsuperfície herdam as características isotópicas das águas meteóricas, apresentando pouca alteração, excepto quando ocorrem misturas com águas de diferentes composições, isto é, quando se misturam com águas que sofrem evaporação. Geralmente, as águas que atravessam os aquíferos à temperatura ambiente mantém a sua composição isotópica, excepto a altas temperaturas e na existência de interacções com a matriz rochosa. (Beduschi, 2008) As amostras da água da chuva analisadas que não sofreram fenómenos de evaporação durante a sua queda, nos diferentes locais do globo, caem sobre a Recta Meteórica Global («Global Meteoric Water Line») (GMWL). (Beduschi, 2008; Craig, 1961, in: Marques da Silva, 1990). Valores abaixo da Recta Meteórica Global, referem-se a águas não salinas que sofreram evaporação num determinado contexto climático. (Marques da Silva, 1990) (figura 2)
4 Figura 2 - Gráfico de 2 H em função de 18 O com a Recta Meteórica Global e valores hipotéticos de composição isotópica de chuva, de águas doces e de vapores. As setas indicam a direcção da mudança da composição isotópica. (Adaptado de IAEA, UNESCO, 2000) Gráficamente, essa equação (GMWL) representa uma recta de declive 8 com intercepção no eixo dos yy no valor 10. Esta intercepção com o eixo dos yy foi designada por Dansgaard de excesso de deutério («deuterium excess»), representado pela letra d. O excesso de deutério (d) é calculado através da seguinte fórmula: d = 2 H 18 O (3) O valor d pode ser interpretado como a intercepção de um ponto no gráfico de 2 H versus 18 O que obrigatoriamente teria uma declive igual a 8. Valores do excesso de deutério maiores que 10 seriam indicativos da presença de uma água que já tenha passado por processos sucessivos de evaporação. (Beduschi, 2008) O facto da Recta Meteórica Global interceptar no valor 10, significa que a evaporação nos oceanos ocorre em condições de não equilíbrio. No caso de nenhum processo alterar a composição isotópica da chuva depois de formada, a sua composição isotópica variará em cima da recta Metórica Global (Beduschi, 2008). Os dados isotópicos da precipitação marinha, colectados em ilhas e em embarcações marinhas, mostraram que o vapor da água sobre o oceano não é uniforme e que um valor isotópico médio para a precipitação marinha é o seguinte: 18 O e 2 H. De acordo com o mesmo, na medida em que o ar marinho move-se ao longo da costa e para dentro dos continentes, as diferentes parcelas de ar parecem misturar-se e homogeneizar-se, resultando em precipitação próxima do alinhamento da Recta Meteórica Global. (Beduschi, 2008) Outras rectas, para além da Recta Meteórica Global de Craig (1961), são utilizadas para a interpretação dos dados, tais como: - a recta meteórica para Portugal representada pela equação:
5 2 H = (6,83±0,09). 18 O + (4,86±4,31) (Gomes & al, 2001; in:fernandes, 2004) (4) - a recta da vertente do Atlântico representada pela equação: 2 H = 6, O + 3,663 (Plata, 1979; in: Marques da Silva, 1990) (5) - a recta da vertente do Mediterrâneo representada pela equação. 2 H = O + 22 (Gat, 1971; in: Mazor, 1991) (6) - a recta meteórica local pela equação: 2 H = 8,8. 18 O + 20,8 (Caroça, 2012; recalculada) (7) (figura 3) Figura 3 Gráfico de 18 O ( ) em função de 2 H com a projecção das rectas meteóricas de: vertente do Mediterrâneo ( 2 H = O + 22) (Gat, 1971; in: Mazor, 1991); local ( 2 H = 8,8. 18 O + 20,8) (Caroça, 2012; recalculada); global ( 2 H 18 O + 10) (Craig, 1961); Portugal ( 2 H = =(6,83±0,09). 18 O + (4,86±4,31)) (Gomes et al, 2001; in:fernandes, 2004); vertente do Atlântico ( 2 H= = 6, O + 3,663) (Plata, 1979; in: Marques da Silva, 1990). A Recta Meteórica Local foi construída com base nos resultados isotópicos de 2 H( ) e de 18 O( ) das águas da chuva colhidas no período de 10 a 16 de Novembro de 2011, nas Estações Meterológicas da Associação dos Agricultores de Alcobaça, em Maiorga, Montes e Alfeizeirão, cujos valores sob a influência da frente Atlântica (Bedmar, 1994), estão dentro dos limites estudados por outros autores (Bedmar, 1994; Bowen & Revenaugh, 2003). A equação da recta meteórica local 2 H =8,8. 18 O +20,8 foi obtida utilizando o modelo de regressão linear considerando o critério do método dos mínimos quadrados, que minimiza a soma dos quadrados dos resíduos (desvios relativos à recta estimada). Considerando: os cálculos usados foram os seguintes:
6 (Murteira et al., 2007). Para o conhecimento da possibilidade da existência de fontes de salinização nas amostras de água, tais como: dissolução de evaporitos, enriquecimento por evaporação, mistura com água salina ou água do mar, costuma-se correlacionar a salinidade (quantidade de sais dissolvidos na água, expressa em gramas por litro ou em permilagem) com o isótopo 18 O (Fernandes, 2004; Mazor, 1997). Como a salinidade é difícil de medir directamente, ela é determinada a partir da clorinidade da água do mar. A clorinidade, Cl( ), é definida como a massa de cloro, em gramas, contida em cada quilograma de água do mar, ou aproximadamente 1 litro, sendo o seu valor transformado em salinidade (S ) pela aplicação de uma fórmula empírica: S( ) = 1,80655 Cl( ) (12) O outro meio de determinação da salinidade é pela medição da condutividade eléctrica das águas. No entanto, segundo Brownlow (1996), o valor de salinidade obtido por este meio depende da temperatura e da pressão atmosférica e não é exactamente igual aos sais dissolvidos totais de uma amostra. 2 VÁRZEA DA NAZARÉ A Várzea da Nazaré, ou planície aluvial da Nazaré, corresponde à depressão geomorfológica associada à Laguna de Pederneira que assoreou a partir do século XVIII, na Estremadura Portuguesa, nos concelhos de Nazaré e de Alcobaça. Actualmente, designa-se por Várzea da Nazaré (região geográfica) por ser uma zona baixa (altitudes abaixo dos 13m), plana com ligeiro declive de NE para W, preenchida por sedimentos aluvionares e cortada por várias linhas de água naturais (rio Alcobaça, rio de Areia, rio do Meio, rio de S. Vicente) e artificiais (rio das Tábuas, Vala da Lavadinha, Vala Larga, troços dos rios Alcobaça, Areia e do Meio, vários canais). As aluviões formam uma extensa área entre Póvoa, Maiorga, Valado de Frades, Cela, Famalicão e Nazaré, (França et al., 1973), estando cobertas por agricultura, especialmente, hortícolas. (figura 4)
7 Figura 4 Mapa com a localização da Várzea da Naza- ré e das amostras de água analisadas isotopicamente. Geologicamente, a Várzea da Nazaré localiza-se na depressão alongada com orientação NNE-SSW, a Bacia Lusitaniana. A sua formação foi condicionada pela tectónica distensiva, que ocorreu entre o Triásico e o Cretácico inferior (Telles Antunes et al., 1979; Ribeiro et al.; 1990; Cabral, 1995) e a recente inversão Terciária (Kullberg, 2000). No interior da Bacia reconhecem-se várias estruturas diapíricas localizadas na zona central e junto ao seu bordo W, das quais o diapiro das Caldas da Rainha é a estrutura mais próxima da zona em estudo. A erosão dos domos salíferos criou uma depressão alongada, designada morfologicamente como depressão diapírica das Caldas da Rainha, marcada pelos bordos do diapiro e fracturas transversais. Esta depressão, no Holocénico, sofreu inundação marinha originando o aparecimento dos estuários. Devido à sedimentação flúvio-marinha os estuários deram lugar a lagunas progressivamente assoreadas e de superfícies gradualmente reduzidas, originando planícies aluviais ou várzeas como as que hoje existem a oriente da Nazaré, (Henriques, 2003). Do ponto de vista hidrogeológico, a várzea da Nazaré localiza-se na Região Hidrográfica (RH) com o código RH4, designada por Vouga, Mondego, Lis e Ribeiras do Oeste (DL nº347/2007 de 19 de Outubro), na Bacia do Rio Alcobaça incluída na Bacia Hidrográfica Ribeiras do Oeste, e distribuídas por três massas de água: Caldas da Rainha Nazaré (código de massa de água O33), Alpedriz (código de massa de água O19), e Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias das Ribeiras do Oeste (código de massa de água O04RH4).
8 Com o objectivo de conhecer a origem e os processos que afectam algumas das águas na várzea e em redor desta, analisaram-se, isotopicamente, 55 amostras de água, como se observa na figura 4: 12 amostras pertencem à massa de água das Caldas da Rainha Nazaré, 3 à massa de água de Alpedriz, 37 à massa de água da Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias da Ribeira do Oeste e 3 a água da chuva colhidas no período de 10 a 16 de Novembro de 2011, nas Estações Meterológicas da Associação dos Agricultores de Alcobaça, em Maiorga, Montes e Alfeizeirão. As análises isotópicas foram realizadas no Laboratório Stable Isotopes and Instrumental Analysis Facility (SIIAF) do Centro de Biologia Ambiental (CBA), da Universidade de Lisboa, através do espectrómetro de massa de fluxo isótopo contínuo (CF-IRMS), sendo os valores expressos em relativamente ao padrão VSMOW («Vienna Standard Mean Ocean Water»),com uma incerteza de ±0, Resultados obtidos / Discussão Os dados isotópicos das amostras de água foram projectados num gráfico de 2 H( ) em função de 18 O( ). Nele se projectaram também, para além da Recta Meteórica Global ( 2 H 18 O + 10; (Craig, 1961), outras rectas meteóricas, sendo a Recta Meteórica Local, determinada com os dados das chuvas, como já foi mencionado no início. (figura 5) Figura 5 - Gráfico de 18 O ( ) em função de 2 H das amostras de água pertencentes às massas de águas: das Caldas da Rainha Nazaré, de Alpedriz e da Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias das Ribeiras do Oeste; com a projecção das rectas meteóricas de: vertente do Mediterrâneo ( 2 H=8. 18 O+22) (Gat, 1971; in: Mazor, 1991); local ( 2 H=8,8. 18 O+20,8) (Caroça, 2012; recalculada); global ( 2 H 18 O+10) (Craig, 1961); Portugal ( 2 H=(6,83±0,09). 18 O+(4,86±4,31)) (Gomes et al, 2001; in: Fernandes, 2004); vertente do Atlântico ( 2 H=6, O+3,663) (Plata, 1979; in: Marques da Silva, 1990).
9 O gráfico de 2 H ( ) em função de 18 O ( ) (figura 5) ilustram dispersão de pontos, entre - 10 e -30 relativamente à 2 H e entre -2 e -6 relativamente à 18 O. São águas enriquecidas em isótopos leves. Os valores de 18 O ( ) obtidos sugerem ascensão de águas meteóricas após terem descido a grandes profundidades sofrendo fortes interacções entre a água e a rocha, e fraccionações isotópicas. (Magri et al., 2012; Furi et al, 2012). A dispersão pode significar uma mistura das águas provenientes de vários níveis produtivos com origem diferente da água da chuva local e global (Marques da Silva, 1990). A maioria das águas situam-se muito próximas da Recta Meteórica Global e entre esta e a Recta Meteórica Local. Esta distribuição significa que a maioria das águas podem ser resultantes ou da chuva ocorrida em clima quente ou frio relativamente ao clima actual, portanto, águas provenientes de regimes climáticos diferentes do actual, ou de alterações ocorridas durante o percurso da sua infiltração até atingir o aquífero (Craig, 1961; in: Fetter, 2001). Segundo Cat (1996; in: Beduschi, 2008) «durante a passagem através de aquíferos (temperatura ambiente), a composição isotópica da água é uma propriedade conservativa. Porém, sob altas temperaturas e interacções com a matriz rochosa, a água pode ter sua composição alterada». Bedmar (1994), refere que só ocorre intercâmbio isotópico com o oxigénio da matriz rochosa, se esta for de natureza carbonatada ou silicatada, e especialmente no caso de águas termais submetidas a temperaturas maiores que 150ºC. Em relação ao deutério ( 2 H), este só se modifica na presença de elevados conteúdos de metano ou de outros hidrocarbonetos. Albert (1982; in: Bedmar, 1994) após um estudo realizado às águas termais de Espanha, no laboratório CEDEX, conclui que as águas termais estudadas não estavam submetidas no subsolo a temperaturas suficientemente elevadas para que ocorresse um intercâmbio isotópico apreciável. Segundo Magri et al. (2012), as águas termais podem ter duas origens principais: águas meteóricas aquecidas no interior da Terra e água do mar; as quais são demonstradas pelas composições de 18 O ( ) em função do teor em anião cloreto e da altitude, e de 2 H ( ) em função da altitude. As amostras 21c (nascente) e 18 (poço) sugerem serem águas de recarga da chuva analisada. As amostras 12, 46, 74, 47b, 70, 72 (poços), 66 (lagoa), 63 (vala) e 69 (furo), abaixo da Recta Meteórica Universal, podem ser interpretadas como tendo sido sujeitas a fraccionação devido a outros processos secundários, tais como evaporação (isto é, quando as águas passam do estado líquido ao estado gasoso por acção do calor) seguida de infiltração ou trocas isotópicas com as rochas do aquífero (Haile et al., 2012). Outra hipótese, é as águas amostradas serem águas provenientes de um regime climático diferente do que foi caracterizado pela Recta Meteórica Global, já mencionado acima. A série temporal de 30 anos do programa GNIP («Global Network of Isotopes in Precipitation») (Rede Global de Isótopos de Precipitação) estabelecido pela IAEA de Viena da Secção da Hidrologia Isotópica, permitiu identificar uma tendência de aumento da δ 18 O em paralelo com um aumento de temperatura em estações continentais na Europa (Gat, 2001). De uma forma geral, as massas de água estudadas apresentam características isotópicas muito semelhantes sugerindo mistura de diferentes origens de águas. (Haile et al., 2012) (figura 6)
10 Figura 6 União da figura 2 com a figura 5. A figura 6 mostra que a grande maioria das águas analisadas são águas de rio (águas doces) e que apenas algumas águas pertencentes às Massas de Água das Caldas da Rainha Nazaré (amostra 66 (lagoa) e 67 (poço)) e da Orla Ocidental Indiferenciada da Bacia das Ribeiras do Oeste são águas de mistura (estuário) (amostra 70 (poço), 63 (vala) e 72 (poço)). Outros gráficos foram construídos (figuras 7, 8 e 9): 18 O ( ) 1,0 0,0-1,0-2,0-3,0-4,0-5,0-6,0 Chart Title b b b 37 48b 26b19b 16b Salinidade ( ) Massa de Água das Caldas da Rainha - Nazaré Massa de Água de Alpedriz Massa de Água da Orla Ocidental Indiferenciada da Bacia das Ribeiras do Oeste Figura 7 - Gráfico de salinidade ( ) em função de 18 O ( ) das amostras de água pertencentes às massas de águas: das Caldas da Rainha Nazaré, de Alpedriz e da Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias das Ribeiras do Oeste. De acordo com o gráfico de 18 O ( ) em função da salinidade ( ) (figura 7) apenas o poço 34 e os furos 26b e 75 se situam sobre a recta de água de mistura com água do mar, sugerindo a presença do fenómeno de intrusão marinha. A maioria das amostras de água analisadas situam-se acima e/ou próximo da recta de água de mistura com a água do mar, com excepção das nascentes: 19b, 35b, 37, 59 e 64b; dos poços: 16b, 24b e 48b; dos furos
11 1, 58 e 60 e da vala 71. Estas amostras, pela sua localização, no contacto entre as aluviões e as Camadas Carbonatadas da Formação de Alcobaça (por falha ou não), sugerem a ocorrência do fenómeno de dissolução no diapiro (rochas evaporíticas). Observando o gráfico da figura 8, verifica-se que as amostras distribuem-se em aproximadamente cinco grupos. Figura 8 - Gráfico de 18 O( ) em função da condutividade eléctrica ( S/cm) das amostras de água pertencentes às massas de águas: das Caldas da Rainha Nazaré, de Alpedriz e da Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias das Ribeiras do Oeste. As amostras com condutividade eléctrica entre 4000 S/cm e 5000 S/cm e valores de 18 O( ) entre -5,0 e -4,0 são as das nascentes 59 (a Sul no contacto com a várzea) e 64b (a Sul no contacto com a várzea) e do furo 60 (a Sul da Várzea), localizadas próximo do contacto da falha entre calcários mais ou menos margosos e areias. São amostras de águas termais (Termas da Piedade). As amostras com concentrações de oxigénio-18 semelhantes, mas com valores de condutividade eléctrica entre 2000 S/cm e 3000 S/cm, são as do furo 58 (no interior da várzea), da nascente 37 (a Sul no contacto com a várzea) e dos poços 34 (no litoral Norte da várzea) e 24b (a Sul no contacto com a várzea). Estas amostras encontram-se entre areias e Margas e Calcários de Dagorda com excepção do furo, só em areias. A amostra do furo 58 revelou ser uma água doce de origem da água universal provavelmente a iniciar o fenómeno de intrusão salina. As amostras 34 e 24b, sendo poços, podem ter sido contaminados com produtos da actividade agrícola e/ou outros. A amostra 37 (nascente) resulta da dissolução de evaporitos. A amostra 72 (poço) situa-se próximo do mar (distância ao mar de 1425m) e apresenta uma concentração de 18 O( ) de -2,5, interpreta-se como sendo uma água de mistura sujeita a evaporação. As amostras com condutividade eléctrica inferior a 2000 S/cm e com valores de 18 O( ) entre -3,5 e -2,5, são as da vala 63, da lagoa 66 e dos poços 70 e 74. As amostras 74, 63 e 70 localizam-se no interior da várzea, no geral, sobre areias. A amostra 66 localiza-se a Norte no contacto com a várzea sobre alternância de areias com bancadas finas de calcário gresoso. As
12 amostras 63, 66, 70 e 74 são de águas de mistura sujeitas a evaporação, assim como a amostra 72 (poço) sobre aluviões, no litoral Sul em relação à várzea. Observando a figura 9, as amostras 59 e 60, águas termais, são as que possuem concentração de ião cloreto ligeiramente superior a 1000ppm. As amostras 64b, 37, 34 e 58 apresentam valores de concentração de ião cloreto próximo de 1000ppm. Recorda-se que a água do mar contém cerca de 19000ppm de ião cloreto (Lafuente, 1981). Figura 9 - Gráfico semilogarítmico de 18 O( ) em função da concentração de ião cloreto em ppm das amostras de água pertencentes às massas de águas: das Caldas da Rainha Nazaré, de Alpedriz e da Orla Ocidental Indiferenciada das Bacias das Ribeiras do Oeste. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desenhando as isolinhas referentes aos isótopos estudados (figura 10), verifica-se que as águas mais enriquecidas em isótopos leves de 18 O são as que se encontram na antiga Lagoa de Pederneira. Quanto mais nos afastamos da Várzea da Nazaré, mais empobrecidas se tornam as águas em isótopos leves de 18 O. As isolinhas apresentam um traçado quase semelhante ao da Várzea actual.
13 Figura 10 Possíveis isolinhas para os valores de a) 18 O ( ); e de b) 2 H ( ). A Várzea da Nazaré apresenta diferentes origens de águas como se observa na figura 11.
14 Figura 11 Interpretação das análises isotópicas das amostras analisadas e sua localização nas massas de água, estando em destaque os nomes das localizações geográficas gerais, sobre a Carta Geológica de Portugal, Folha 26B - Alcobaça, redesenhada da escala 1/ O interior da várzea da Nazaré, na zona de Paúl da Cela, predomina água de mistura sujeita a evaporação, para a zona de Valado de Frades predomina água doce proveniente de um regime climático diferente do actual. No contacto com a várzea, predomina, no geral, a água doce a iniciar o fenómeno de intrusão ou de dissolução evaporítica. Na zona de Fervença, predomina a água termal. Dois poços (Fervença e Nazaré) revelaram a presença de contaminação por produtos agrícolas ou outros. Conclui-se que, o método da razão isotópica de oxigénio-18 e de hidrogénio-2, ajudou a perceber a origem e os processos que afectam a maioria das águas analisadas. No entanto, verificou-se que a hidrologia isotópica referente aos isótopos oxigénio-18 e hidrogénio-2, por si só, não consegue dar uma interpretação de pormenor a todo o tipo de amostras de água, sendo necessário conjugar com outros tipos de análises físico-químicas. AGRADECIMENTOS A autora agradece à Fundação Ciência & Tecnologia (FCT) pelo apoio dado através da concessão de Bolsa de Doutoramento (SFRH/BD/70957/2010).
15 REFERÊNCIAS Bedmar, A. P. (1994). Composición isotópica de las precipitationes y aguas subterráneas de la Península Ibérica, Centro de Estudios y Experimentación de Obras Públicas, Centro de Estudios de Técnicas Aplicadas, 139p. Beduschi, C. E. (2008). Caracterização isotópica dos componentes do ciclo hidrológico em quatro sub-bacias pertencentes à bacia do rio Piracicaba (SP). Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Ecologia Aplicada, Piracicaba, 99p.; Bowen, G. J., Revenaugh, J. (2003). Interpolating the Isotopic Composition of Modern Meteoric Precipitation. Water Resources Research, VoL. 39, No. 10, 1299, pp. SWC9-1 a SWC9-13 Brownlow, A. (1996). Geochemistry. Prentice Hall, second edition, New Jersey, pp , pp Cabral, J. (1995). Neotectónica em Portugal Continental. In Mem. Inst. Geol. Min., Lisboa, 31, pp Calderone, G., Guillou, C. (2008). Analysis of isotopic ratios for the detection of illegal watering of beverages. ScienceDirect, Food Chemistry 106, Elsevier, pp Caroça, C., Silva, C. & Carvalho, M.R. (2012). Caracterização química das Águas subterrâneas da várzea da Nazaré: resultados preliminares. 11º Congresso da Água, de 6 a 8 de Fevereiro de 2012, no Hotel Porto Palácio, Porto, APRH. Craig, H. (1961). Isotopic variations in meteoric waters. Science, New Series, Vol. 133, No (May 26, 1961), American Association for the Advancement of Science, pp Decreto-Lei nº347/2007 de 19 de Outubro Drever, J. (1988). The Geochemistry of natural waters. Prentice Hall, New Jersey, p , Fernandes, P. (2004) Estudo hidrogeológico dos sistemas aquíferos Sado Sines: Evolução hidrogeoquímica e isotópica. Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa para obtenção de Doutor no ramo da Geologia Aplicada e do Ambiente, especialidade de Hidrogeologia, 213p.; Fetter, C. W. (2001). Applied Hydrogeology. 4 th Edition, Pearson Educational International, Merrill Publishing Company, USA, 598p. França, J., Zbysweski, G. (1963). Notícia Explicativa da folha 26-B Alcobaça da Carta Geológica de Portugal, à escala 1: Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa, pp. 51; Furi, W., Razack, M., Abiye, T. A., Kebede, S., Legesse, D. (2012). Hydrogeology Journal. 20, Springer-Verlag, Germany, pp Gat, J.R (2001). Atmospheric Water - Volume II, Environmental Isotopes in The Hydrological Cycle - Principles and Applications. Vol. 2, International Atomic Energy Agency and United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, (reprinted with minor corrections), Weizmann Institute, Rehovot, Israel, Willem G. Mook et Harro A.J.Meijer, Centre Isotope Research, Groningen, The Netherlands, pp ; 20Hydrological%20Cycle%20Vol%202.pdf; (acedido a 11 de Junho de 2013)
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