LIÇÕES APRENDIDAS EM SINISTROS DE SEGURO GARANTIA
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- Lídia Bergmann Antunes
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1 LIÇÕES APRENDIDAS EM SINISTROS DE SEGURO GARANTIA 02/ de Setembro de 2010 Departamento de Riscos Financeiros Munich Re do Brasil Introdução O Seguro Garantia é conhecido no Brasil e em âmbito internacional como um ramo com baixa sinistralidade. No Brasil essa característica é agravada pelo curto histórico do produto (aproximadamente 15 anos). Os riscos de maior complexidade possuem apólices com longos prazos (muitas vezes superiores a 5 anos) e por isso eventuais sinistros podem ainda ocorrer afetando os atuais bons resultados desse ramo. Além disso, o seguro garantia acompanha o ciclo econômico do país, o que significa que no caso de uma crise a sinistralidade pode ser agravada. Ainda assim, não é esperado um aumento significativo de sinistralidade no seguro garantia, pois a baixa sinistralidade está intrínseca ao produto. Uma das principais funções da seguradora que subscreve riscos de seguro-garantia é a pré-seleção do risco, ou seja, atestar a qualidade do Tomador para o Segurado. Quando um segurado exige a apresentação de um seguro garantia, o principal objetivo do mesmo não é o reembolso de perdas futuras, mas sim a garantia de que tal empresa não apresentará problemas e concluirá suas obrigações devidamente. O seguro garantia deve ser visto como um certificado de qualidade, ao qual apenas tomadores de qualidade tem acesso. A imagem do produto como certificado de qualidade depende de uma boa subscrição, visando realmente uma sinistralidade próxima de zero. Apesar de poucos, os sinistros existem e são certamente a maior fonte de aprendizado do mercado segurador. São os sinistros que nos permitem aprimorar nosso processo de subscrição, nossos clausulados e até mesmo futuros processos de regulação de outros sinistros. O objetivo desse artigo é compartilhar com nossos parceiros as experiências da Munich RE em sinistros de garantia no Brasil e também em outros mercados, as lições apreendidas e também medidas que tem se mostrado positivas no sentido de diminuir e evitar novas perdas. Página 1
2 Setores de Atenção Modalidades: Sinistralidade Acumulada por Modalidade (2003 Maio/2010) Modalidade Sinistralidade Garantia Financeira 106% Garantia de Obrigações Privadas 20% Garantia de Obrigações Públicas 14% Garantia de Concessões Públicas 3% Garantia Judicial 2% Ao analisarmos a sinistralidade do mercado brasileiro de garantias desde 2003, vimos que a modalidade que possui a maior sinistralidade acumulada é a de garantias financeiras. Não é uma grande surpresa, pois essa modalidade sempre foi vista como de alto risco pelos resseguradores, considerando a experiência negativa internacional, o alto risco moral e vulnerabilidade a soluços da economia ou à situação financeira do Tomador. No entanto, mesmo essa modalidade tendo baixíssima oferta no mercado brasileiro e sendo emitida apenas com muita cautela, a mesma já representa uma altíssima sinistralidade. Outra tendência demonstrada pelas estatísticas acima é a de uma sinistralidade mais elevada em Garantias para Segurados Privados. Contratos privados costumam oferecer maior risco, por envolverem cláusulas mais complexas. Além disso, segurados públicos representam menor risco, pois é sempre evidente a preferência do Segurado público pela conclusão do projeto, estando o mesmo mais disposto a negociar possíveis problemas do contrato. No Brasil, o risco de unfair calling (reclamação de sinistro indevida) também tende a ser menor no setor público. Outra situação verificada, porém sem estatísticas disponíveis, é a alta sinistralidade em garantias que envolvem empresas prestadoras de serviços e em operações envolvendo o fornecimento de commodities. Entre empresas prestadoras de serviço, constam principalmente empresas de limpeza e vigilância. Tais empresas, normalmente de pequeno porte, possuem poucos ativos, podendo ser facilmente dissolvidas, o que pode agravar o risco moral. Além disso, em garantias de prestação de serviços, é preciso ter uma definição clara do que caracterizaria a configuração do sinistro. Garantias envolvendo o fornecimento de commodities, englobam o risco de variação de preço da commodity, o que pode impactar em uma redução do interesse do Tomador em cumprir aquele contrato ou em uma impossibilidade de cumprimento caso a variação impacte na necessidade de fornecer uma quantidade maior de produto. Mesmo que os riscos de variação de preço citados acima estejam mitigados na operação, tais empresas estão, ainda assim, mais sujeitas a tais riscos em seu negócio e também ao risco de variação cambial, já que tais empresas costumam ter grande concentração em exportações. Ou seja, mesmo que esses riscos estejam excluídos da operação, a situação financeira do Tomador pode ser afetada, impactando na execução do contrato garantido. Página 2
3 Sinistros de Adiantamento de Pagamento Nos sinistros envolvendo garantias de adiantamento de pagamento, duas situações são comumente verificadas e tem trazido perdas para o mercado: garantias cobrindo elevados percentuais de adiantamento (valores superiores à 30% do valor contratual) e garantias de execução sendo emitidas como garantias de adiantamento de pagamento. A experiência da Munich Re nesses sinistros reforça a importância de limitar as garantias de adiantamento de pagamento a um percentual pouco significativo (máximo de 30%) do valor contratual. Adiantamentos de pagamento em percentuais mais elevados aumentam significativamente o risco de inadimplência do Tomador dado que o mesmo pode perder totalmente o interesse no contrato ou desviar o valor recebido para outros projetos. Adiantamentos de pagamento de 100% são riscos que devem ser considerados como inaceitáveis em todos os processos de subscrição, mesmo para tomadores de boa qualidade. Outro fato verificado é que atualmente as garantias de adiantamento não estão ligadas a marcos específicos do contrato e permanecem vigentes por todo o período de execução. Assim, apesar de emitidas como garantias de adiantamento de pagamento, tais garantias estão indiretamente cobrindo a execução integral do projeto. Em caso de sinistro, a seguradora dificilmente conseguirá provar que tal adiantamento já foi aplicado no contrato. Em suma, dois pontos devem ser considerados na subscrição desse tipo de garantia: o percentual segurado deve ser relativamente baixo em relação ao valor global do contrato para que o tomador mantenha o interesse na execução e as garantias devem ter seus prazos e objetos ligados a marcos contratuais para que não venham a ser utilizadas como garantias de execução. Importância da Análise do Segurado A análise de risco tradicional de seguro garantia envolve a análise do Tomador (capacidade financeira, experiência técnica e risco moral), do contrato objeto da apólice e do projeto. Tradicionalmente, o segurado não é um item analisado pois qualquer inadimplência no contrato devido a fatores gerados pelo Segurado é uma exclusão das apólices de seguro garantia. Porém, a seguradora que visa uma sinistralidade baixa e que prefere não constituir reservas por longo prazo, mesmo sabendo que as mesmas provavelmente não se converterão em perdas, deve considerar o Segurado como fator importante em sua análise, evitando assim o risco de unfair calling. Apesar da apólice de seguro garantia ser condicional, ou seja, a indenização apenas ocorre após a comprovação do sinistro (mitigando um prejuízo por uma reclamação de sinistro indevida), reclamações indevidas ocorrem com freqüência e impactam em despesas de regulação ou em constituição de reservas por longos prazos. Algumas empresas figuram freqüentemente como Segurados de reclamações indevidas. Não seria melhor evitar emitir apólices para empresas que certamente gerarão problemas no futuro? O risco acima pode ser devido à uma política do Segurado (risco moral) ou também a problemas financeiros que gerem inadimplências contratuais por culpa do Segurado. Um percentual significativo das expectativas de sinistro do mercado dos últimos anos envolve a inadimplência do Segurado. Durante a recente Crise Econômica Mundial, esses casos se tornaram ainda mais freqüentes e transparentes. Empresas que não seriam aceitas como Tomadores, por não apresentarem situação financeira adequada, foram aceitas como Segurados. Com a chegada da crise, a situação financeira dessas empresas se agravou e os contratos garantidos pelo Seguro Garantia passaram a sofrer os Página 3
4 primeiros impactos. Pagamentos deixaram de ser feitos aos Tomadores e os conflitos se intensificaram. Em muitos casos, devido a problemas financeiros, o Segurado procurou rediscutir condições do contrato ou transferir parte de suas obrigações ou custos adicionais para o Tomador. Apesar de não se converterem em reais sinistros para a Seguradora, tais casos geram custos de regulação e composição de reservas, podendo ter grandes impactos nas seguradoras. A análise do segurado e de sua capacidade para arcar com os custos envolvidos no projeto é, sem dúvida, um novo item a ser considerado em nossos manuais de subscrição. Riscos Excluídos que podem causar sinistros indiretos As seguradoras tem se mostrado cuidadosas ao excluir das apólices alguns riscos que fogem do controle do Tomador, mas que podem levar à inadimplência. Alguns exemplos são: a ocorrência de chuvas (em volumes maiores que o normal), a invasão de índios e a não liberação de licenças ambientais ou de desapropriações de áreas pelas autoridades competentes. Como esses riscos estão excluídos da cobertura, a Seguradora muitas vezes não os analisa. No entanto, apesar de não estarem cobertos diretamente, tais fatores podem gerar atrasos significativos nos contratos, o que por sua vez, pode exigir prorrogações, renegociações de custos e sobre custos (devido à alocação da equipe e equipamentos durante o período em que as obras estavam paralisadas, devido a uma possível renegociação com fornecedores, devido ao aumento do custo da matéria prima, etc) para ambas as partes. O risco pode ser ainda agravado em casos de contratos assinados a preço fechado. Assim, é muito importante que mesmo que excluídos da apólice, tais riscos, considerados como casos fortuitos ou de força maior, sejam analisados pela seguradora e que seus possíveis impactos na execução do contrato sejam considerados no processo de subscrição. Instituições Financeiras como Beneficiários Apólices de execução tendo instituições financeiras como beneficiários da garantia são cada vez mais comuns no mercado brasileiro. A exigência dessa condição é comum em projetos financiados por algum banco, servindo como um instrumento adicional de proteção à instituição financeira que está financiando o projeto, dado que em caso de sinistro, a indenização será paga diretamente ao beneficiário da apólice e não ao segurado. A princípio, a inclusão de um beneficiário na apólice não agrava o risco do negócio, porém, é essencial que o mesmo não tenha o direito de reclamar a apólice. Acordos entre tomador e segurado podem ser feitos de maneira amigável, porém, caso o beneficiário não ratifique tal acordo e tenha direito de reclamar a apólice, é bem provável que gere um sinistro. Tomador e Segurado, tendo como principal objetivo a integral execução do contrato, podem fazer concessões, prorrogar prazos ou até alterar valores para que o contrato seja executado. No entanto, para o banco (beneficiário) um acordo pode não ser interessante por reduzir de alguma forma seus interesses financeiros. Assim sendo, a reclamação da apólice é a opção mais rápida. Por isso é essencial que somente o segurado tenha o direito de reclamar a apólice e que Tomador e Segurado tenham liberdade para realizar tais acordos. Página 4
5 Endossos A emissão de endossos é muito comum no Seguro garantia no Brasil. Contratos tem seus valores ajustados, serviços adicionais são incluídos e prorrogações de prazos são acordadas entre as partes exigindo que as apólices sejam devidamente endossadas. Devido à elevada freqüência dessas ocorrências, os endossos são muitas vezes tratados pelas seguradoras com certa banalidade. Muitas vezes os endossos são emitidos, sem a devida análise do desenvolvimento do contrato ou da situação financeira do Tomador. Vários sinistros são precedidos pela emissão de endossos, portanto, eles representam sempre um alerta e devem ser analisados com a relevância necessária. Entender os reais motivos para o endosso é essencial para a Seguradora. Algumas vezes a emissão do endosso é inevitável (para se evitar a ocorrência de um sinistro, em caso, por exemplo, de um atraso de prazo), no entanto, devese aproveitar o momento para que a Seguradora tome amplo conhecimento da situação, podendo então realizar um acompanhamento mais próximo do desenvolvimento do contrato e assim, talvez, mitigar um sinistro futuro. Se, ao analisar os motivos do endosso, a Seguradora verificar que realmente existe um problema, ela não é obrigada a aceitar endossos que impactem em aumento de Importância Segurada ou alteração de escopo e deve evitá-los para que não aumente sua exposição. Bloqueio do Tomador Como a função do seguro garantia é pré-qualificar uma empresa para o Segurado, uma vez que uma empresa apresente um histórico negativo (sinistros), esta não estaria mais qualificada para ser merecedora de novas apólices de seguro garantia. Com base nesse conceito e visando também não aumentar a exposição com um risco que já apresenta problemas, é prática habitual do mercado, bloquear a emissão de seguro garantia para tomadores que tenham apresentado sinistros. Esse bloqueio também tem se apresentado como um importante instrumento na recuperação do sinistro. Em casos em que o sinistro não é decorrente da falência do Tomador e o mesmo continua operando em seu setor, sua sobrevivência depende da possibilidade de apresentar garantias para seus novos projetos. Se a emissão de novas apólices de seguro-garantia não for possível, devido a um sinistro ou uma expectativa de sinistro ocorrida em outro contrato, o Tomador pode não conseguir assinar novos contratos e então ter a sua situação financeira deteriorada. Portanto, o Tomador que ainda está operando no mercado tem o maior interesse em resolver a situação do contrato pendente e do possível sinistro junto à seguradora, seja ressarcindo a mesma pelas perdas ocorridas ou constituindo acordos com o Segurado para que o contrato principal seja concluído, sem prejuízos. Exceções podem ser consideradas em alguns casos nos quais a própria seguradora não considere o sinistro como devido ou quando o Tomador apresentar alguma garantia líquida como contragarantia adicional para cobrir eventuais prejuízos da seguradora. No entanto, qualquer emissão deve ser criteriosamente avaliada e discutida com os resseguradores. Página 5
6 O bloqueio imediato de tomadores com expectativa de sinistro tem reduzido o prazo das negociações e contribuído para que vários casos sejam encerrados de maneira rápida e sem indenização. Nova Função do Regulador de Sinistro Conflitos entre as partes de um contrato são comuns e, na maioria das vezes, são solucionáveis se as argumentações de ambas as partes forem devidamente analisadas e consideradas. No entanto, os conflitos freqüentemente tomam proporções maiores e desgastam tanto a relação entre as partes, que um acordo se torna inviável. Nesse momento, a apólice de seguro garantia é executada e a seguradora entra em cena. A fase inicial da regulação de sinistro de seguro-garantia engloba conversas com ambos os lados para tomar conhecimento dos fatos, das versões e argumentos de cada parte. A seguradora, que não tem o desgaste no relacionamento já existente entre Tomador e Segurado, pode muitas vezes figurar como uma mediadora de conflitos e solucionar o problema sem que ocorra realmente um sinistro. Como parte imparcial, porém conhecedora dos termos contratuais assinados entre as partes, a seguradora tem melhores condições de mostrar os direitos, obrigações, a inadimplência de cada parte e as possibilidades de acordo. O acordo tende a ser a melhor solução para o Segurado (que terá seu projeto concluído mais rapidamente), para o Tomador (que poderá concluir o projeto com um menor prejuízo e sem desgastes para a sua imagem) e para a Seguradora que, além de reduzir as perdas em um sinistro, evitará a constituição de reservas por um longo prazo, até que o impasse entre as partes possa ser resolvido judicialmente (o que pode levar diversos anos). A seguradora de garantias tem agora uma nova função que vai além da indenização ou conclusão do projeto: ao regular os sinistros, a seguradora deve exercer a função de mediadora de conflitos entre Tomador e Segurado. Esse diferencial, já apresentado por algumas seguradoras brasileiras, tem apresentado resultados positivos, contribuindo para a manutenção da baixa sinistralidade do produto. Contatos: Tânia Amaral Heydenreich, Head of Financial Risks Department tamaral@munichre.com Paula Tendolin de Camargo, Underwriter Financial Risks pcamargo@munichre.com Página 6
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