ADOÇÃO POLIAFETIVA: MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS E PERSPECTIVAS FUTURAS
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- Martim Pinho Castilhos
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1 ADOÇÃO POLIAFETIVA: MUDANÇAS PARADIGMÁTICAS E PERSPECTIVAS FUTURAS Joseth Garcia Erustes (UEPG) ( josierustes@gmail.com) Orientadora: Prof.ª Ms. Maria Cristina Rauch Baranoski Resumo: O presente estudo trata da análise da adoção poliafetiva. Modalidade sui generis de adoção, por meio do instituto em questão, reconhece a paternidade-maternidade socioafetiva sem que haja o rompimento do vínculo familiar pré-existente com a família natural, biológica ou adotiva. Logo, será procedida a averbação do nome de um terceiro, pai ou mãe, no registro de nascimento da criança ou do adolescente, a fim de surtir todos os efeitos legais que a condição de filho acarreta. A nova feição trazida pela Constituição da República de 1988 e reafirmada pelo Código Civil de 2002, consubstanciada no que se entende por constitucionalização do Direito Privado, criou as perspectivas de despatrimonialização e repersonalização das relações familiares, fazendo com que a pessoa, e não mais o patrimônio, seja o centro das disposições legais pertinentes à matéria. Nesse novo contexto, em que as pessoas e a dignidade humana passaram a ser o vetor máximo de interpretação e criação do direito, verifica-se que a família deixou de ser um fim em si mesmo e passou a ser um instrumento para a concretização dos direitos fundamentais. Ao Direito, incumbe reconhecer esta nova realidade social e, dessa forma, tutelá-la, com fundamento nos valores jurídicos-constitucionais da socioafetividade e do eudemonismo, bem como na doutrina da proteção integral e no princípio do melhor interesse da população infanto-juvenil. Logo, deve-se buscar dar um tratamento condizente na promoção do afeto, do amor e, sobretudo, do ser humano, respeitando, desse modo, a dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: adoção poliafetiva, família, convivência familiar, eudemonismo, socioafetividade. Introdução O novo paradigma trazido pela Constituição da República e reafirmado pelo Código Civil, consubstanciado no que se entende por constitucionalização do Direito Privado, criou as perspectivas de despatrimonialização e de repersonalização do Direito Civil, fazendo com a pessoa, e não mais o patrimônio, seja o centro das disposições legais pertinentes à matéria. Nesse contexto, em que as pessoas e a dignidade humana passam a ser o vetor máximo de interpretação e criação do direito, verifica-se que a família deixou de ser um fim em si mesmo e passou a ser um instrumento para a concretização dos direitos fundamentais. Partindo-se dessas premissas, não é possível estabelecer um conceito estático e restrito de família, ao revés, deve-se promover e reconhecer os agrupamentos humanos em que o valor jurídico socioafetividade esteja presente. Com base em tal raciocínio, o Supremo Tribunal Federal encampou o entendimento de que o rol de famílias previsto na Constituição da República de 1988 é meramente exemplificativo. Isso porque, sendo a família um instrumento de realização da dignidade humana, toda e qualquer de suas
2 modalidades devem ser reconhecidas e protegidas pelo direito e não relegadas à informalidade. Portanto, não há atualmente um modelo ideal de família, pois todos os agrupamentos humanos interligados pelo vínculo da socioafetividade devem ser reconhecimentos como entidade familiar sem distinções de caráter discriminatório. Já o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes é assegurado tanto pela Constituição da República quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, a família, a sociedade em geral e o Estado devem agir pautados na premissa de que são prioridade absoluta e que as medidas pertinentes a eles devem ser aplicadas de modo a assegurar o seu melhor interesse. O reconhecimento jurídico dos princípios do eudemonismo e da socioafetividade, reafirmados com o advento da Lei /2009, surgem com o escopo de garantir o superior interesse da criança e adolescente, fortalecer os laços de afetividade e prevenir a banalização de acolhimentos institucionais. Com efeito, a lógica aristotélica eudemonista preconiza que a família, a comunidade, a sociedade e o Estado, devem envidar esforços incessantes na busca pela felicidade de todas as crianças e adolescentes. No que se refere à socioafetividade, esta implica no reconhecimento do amor como um valor jurídico, trazendo a conclusão de que os laços afetivos são idôneos para constituir relações merecedoras de serem reconhecidas pelo direito. Objetivos O objetivo do trabalho é compreender os novos modelos familiares e as transformações do conceito de família, estabelecidos após a Constituição da República de 1988 e reafirmados pelo Código Civil de Analisará também o direito fundamental à convivência familiar da criança e do adolescente estabelecido tanto pela Carta Magna, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive as mudanças paradigmáticas decorrentes com o advento da Lei nº , de 13 de agosto de 2009, denominada de Lei Nacional da Adoção. Como foco principal, visará a compreensão do instituto da adoção poliafetiva e seus fundamentos, a partir do reconhecimento jurídico dos valores da socioafetividade e do eudemonismo. Técnicas de pesquisa O presente estudo utilizará o método indutivo mediante a técnica de pesquisa documental indireta que se dará por meio da legislação vigente, obras doutrinárias, artigos de periódicos, documentos eletrônicos, além da análise de sentenças. Resultados A adoção, como uma das modalidades de colocação da criança e do adolescente em família substituta, rege-se pelas disposições previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Contudo os dispositivos afetos à temática sofreram significativas alterações com a promulgação da Lei no , de 29 de julho de 2009, denominada Lei Nacional de Adoção ou Nova Lei de Adoção.
3 A mudança legislativa visou incentivar a adoção da população infanto-juvenil cujo os pais foram destituídos do poder familiar, evitando, assim, que prolonguem sua permanência em acolhimentos institucionais ou em famílias substitutas de caráter provisório. Por outro lado, embora o estímulo dado para a adoção, o Codex Protetivo dispõe que se deve primar, tanto quanto possível, pela permanência do menor na família de origem, nos termos do art. 39, 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente com redação determinada pela Lei /2009. Dias (2013, p. 497 e 498) ensina que a adoção cria um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica. [...] [e] constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de vontade. Para Bittar (2006, p. 194), por meio da adoção também pode ser instituído o vínculo da filiação, o que se faz, contudo, através de decisão judicial em processo próprio. Daí se falar em parentesco civil, em contraposição ao parentesco consanguíneo. A medida de adoção dá ensejo ao parentesco civil entre adotante e adotado (art do CC) o que, contudo, em nada difere em termos de direitos e obrigações do parentesco natural, porquanto o artigo 227, 6º, da Constituição da República estabelece o princípio da igualdade dos filhos, asseverando que, sejam havidos da relação de casamento, extraconjugal ou por meio de adoção, terão os mesmos direitos, vedada qualquer qualificação ou designação discriminatória. Por meio do instituto em questão resta configurada a única hipótese no nosso ordenamento jurídico em que ocorre a perda da condição de filho, desaparecendo a relação de parentesco original. Importante destacar que a perda do poder familiar, nos casos previstos no artigo do Diploma Civil, não induz ao mesmo efeito supramencionado, uma vez que a decisão que determina a destituição do poder familiar é apenas averbada à margem do registro de nascimento da criança ou adolescente, sem provocar seu cancelamento. Nos dizeres de Digiácomo e Digiácomo (2013, p. 50): Apesar de destituídos do poder familiar, os pais continuam sendo pais e as relações com os demais parentes permanecem inalteradas. Após o trânsito em julgado da sentença que defere o pedido de adoção, dado o caráter irrevogável desta e do cancelamento do registro anterior do adotando, extingue-se o poder familiar dos pais biológicos, bem como os vínculos jurídicos, salvo as questões de impedimento para casar, nos termos do artigo 41 do Diploma Infanto-Juvenil. A adoção possui o caráter da definitividade, porquanto inaugura um novo poder familiar de modo que, embora a criança ou adolescente tenha o direito de conhecer a sua família biológica, os vínculos familiares com esta não serão restabelecidos com a morte dos adotantes (ISHIDA, 2014, p. 137). Discussão A adoção poliafetiva pode ser considerada uma modalidade sui generis de adoção, pois em que pese atribuir a condição de filho ao adotado, não é decretada, via judicial, a destituição do poder família dos genitores, ou seja, o adotado não é desligado dos vínculos preexistente com a família originária.
4 A situação poliafetiva configura o desempenho de dois genitores simultaneamente detentores do poder familiar: um deles natural e, o outro, socioafetivo. Nos moldes traçados expressamente no artigo 41, caput, do Diploma Infanto- Juvenil, a destituição do poder familiar é imprescindível para a colocação do menor em família substituta, objetivando o desligamento dos vínculos de filiação e parentesco constituídos com a família originária, natural ou adotiva. Assim, caso seja concedido o pleito adotivo aventado é mantido o poder familiar do genitor natural, em virtude de não haver motivos que justifiquem a decretação de sua destituição. Portanto, destaque-se que os genitores jamais incidiram em qualquer das hipóteses autorizadoras da perda do poder familiar constante do artigo do Código Civil. Por outro lado, o genitor afetivo também não poderá ser punido com a perda dos contatos com a criança ou adolescente, que, na realidade, já considera verdadeiramente como seu filho, uma vez que exerceu todos os deveres inerentes ao poder familiar, desempenhando um papel fundamental para seu desenvolvimento pleno. Por conseguinte, considerando o princípio da intervenção mínima insculpido no artigo 100, inciso VII, do Estatuto Protetivo, não cabe ao interprete apreciar qual dos dois pais, o natural ou afetivo, desempenha da melhor maneira a função familiar. No plano fático, ambos são responsáveis pela criação e desenvolvimento do menor cabendo, em conjunto, a responsabilidade de guarda, sustento e educação. A concessão do pedido adotivo poliafetivo regularizará a situação fática existente, proporcionarando os mesmos efeitos jurídicos decorrentes do instituto da adoção previsto na lei estatutária, em especial direitos patrimoniais sucessórios (art. 41, do ECA), viabilizando a adoção do patronímico do adotante (art. 47 1º, do ECA), além de tornar público e de conhecimento geral o estado de filho. Por fim, o instituto em análise visa precipuamente o reconhecimento de uma nova configuração familiar decorrente da evolução das relações sociais, que vai além da figura da família tão-somente interligada por vínculos de consanguinidade, para assegurar a paternidade-maternidade socioafetiva e todos os direitos oriundos desse parentesco civil. Considerações Finais As mudanças paradigmáticas introduzidas no cenário legislativo pátrio com a Constituição da República de 1988 inaugurou uma nova atividade legislativa que positivou a evolução das relações sociais que já ocorriam no século passado. Nesta nova conjuntura, o Direito de Família e o Direito Infanto-Juvenil ganham status constitucional e as matérias concernentes principalmente à família e à filiação sofrem profundas transformações com a posterior edição do Código Civil (Lei nº /2002) e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). São positivados implicitamente os valores do amor, do afeto, da solidariedade e da pluralidade no Direito de Família. Ademais, passam a ser reconhecidas e tutelas modalidades de famílias antes relegadas à informalidade, porquanto o anterior sistema normativo apenas admitia e aceitava sua constituição mediante o casamento civil.
5 É consagrado o princípio da igualdade dos filhos não mais importando se a sua concepção é decorrente do vínculo matrimonial, extraconjugal ou mediante adoção. O referido princípio proíbe qualquer tipo de designação discriminatória relativas à filiação. No mais, os postulados da socioafetividade e do eudemonismo passam a nortear a interpretação do Codex Protetivo, preconizando, em suma, o direito à felicidade e o reconhecimento do amor como valor jurídico. A dinamicidade das relações sociais, em especial em torno da família mosaico ou reconstruída, permite a formação de vínculos afetivos entre o menor e um terceiro, que exerce a paternidade-maternidade socioafetiva, de modo que permite, concomitantemente os contatos com a família natural, não rompendose os vínculos biológicos ou civis. Logo, o aplicador do direito não pode simplesmente ignorar a nova realidade social que está surgindo, pois, saliente-se, que é a sociedade a responsável principal por fazer nascer o direito, e não o contrário, sob pena das normas jurídicas virem a se tornar obsoletas e ocorrer o fenômeno do retrocesso. Portanto, deve-se sempre buscar dar um tratamento condizente na promoção do afeto, do amor e, sobretudo, do ser humano, respeitando, desse modo, a dignidade da pessoa humana. Referências ARAGÃO, Selma Regina. VARGAS, Angelo Luis de Souza. O Estatuto da Criança e do Adolescente em Face do Novo Código Civil: Cenários da Infância e Juventude Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. Universitário, BRASIL, Constituição (1998). Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1998., Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n o 8.069, de 13 de julho de Publicado no Diário Oficial da União, Brasília, 16 de julho de 1990., Lei n o de 10 de Janeiro de Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 11 de janeiro de 2002., Lei nº , de 29 de julho de Diário Oficial da União. Brasília, DF, 04 de agosto de DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, DIGIÁCOMO, Murillo José; DIGIÁCOMO, Ildeara de Amorim. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado e Interpretado. Curitiba: SEDS, ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 15ª. Ed. São Paulo: Atlas, LÉPOLE, Paulo. Adoção Poliafetiva. Congressos Virtuais: Atualidades do Direito da Criança e do Adolescente. 13 de dezembro de Disponível em:
6 Acesso em: 06 mar TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Forense, VIANNA, Guaraci de Campos. Direito infanto-juvenil: teoria, prática e aspectos multidisciplinares. Rio de Janeiro: Freita de Bastos, 2004.
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